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Processo nº 728/04
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é 
 recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e f) do nº 1 do 
 artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 1 de Março de 2004.
 
  
 
 2. Em 29 de Setembro de 2003, o ora recorrente foi condenado, por sentença do 
 Tribunal Judicial da Comarca de Esposende, na pena de 50 dias de multa, à razão 
 diária de 2,50 €, pela prática de um crime previsto e punido no artigo 30º, nº 
 
 2, da Lei nº 173/99, de 21 de Setembro, em conjugação com o disposto no artigo 
 
 52º, nº 2, do Decreto-Lei nº 227-B/2000, de 15 de Setembro (diploma que 
 desenvolve o regime jurídico estabelecido pela Lei nº 173/99, de 21 de 
 Setembro).
 Interposto recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, esta instância 
 confirmou a decisão recorrida, entre outros, com os seguintes fundamentos:
 
  
 
 «II. Ao jeito de questão prévia, comecemos pelo requerimento que acompanha o 
 chamado “parecer” junto com a resposta ao Ministério Público, já nesta Relação. 
 Pede o interessado que o mesmo seja apreciado, o que em seu entender evitaria a 
 eventualidade de requerimento de revisão da sentença com fundamento no disposto 
 na alínea d) do n° 1 do artigo 449° do Código de Processo Penal.
 A invocação deste preceito legal deixa perceber que o interessado, ainda que 
 reportando-se só ao que chama de um “parecer”, quer ver apreciados novos factos 
 ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no 
 processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação. O recorrente 
 foi efectivamente condenado em 1ª instância. E o recurso pode ter por fundamento 
 quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida (artigo 410°, n° 
 
 1, do Código de Processo Penal). Ora, no que tange ao conteúdo de tal 
 requerimento, há que reconhecer que não tendo sido alvo de apreciação em 1ª 
 instância, também não vem devolvido ao conhecimento desta Relação, motivo por 
 que se indefere.
 III. A sentença recorrida chega à conclusão que os factos provados integram um 
 crime de caça ilegal do artigo 30°, n.º 2, [da Lei] n° 173/99, de 21/09, uma vez 
 que o arguido se encontrava numa zona de caça “em relação à qual não estava 
 autorizado por quem de direito”. Ainda que o arguido seja uma das pessoas 
 indicadas no artigo 17°, n° 2, e portanto com acesso à zona de caça em condições 
 de prioridade, sempre lhe seria necessária a “autorização de caça”, pois “o 
 artigo 52° do (...) Decreto Lei 227-B/00 refere expressamente que é proibido 
 caçar sem consentimento de que[m] de direito nas outras zonas de caça. Estas 
 outras zonas de caça são precisamente as zonas de caça municipal, associativas e 
 turísticas”.
 A Lei de Bases Gerais da Caça (Lei n° 173/99, de 21 de Setembro), sob a epígrafe 
 terrenos de caça condicionada, dispõe no artigo 18°, n° 1, que “é proibido 
 caçar, sem o consentimento de quem de direito, nos terrenos murados, nos 
 quintais ou jardins anexos a casas de habitação e, bem assim, em quaisquer 
 terrenos que circundem estas, numa faixa de protecção a regular”; e nº 2 do 
 mesmo artigo que “é proibido caçar nos terrenos ocupados com culturas agrícolas 
 ou florestais, durante determinados períodos do seu ciclo vegetativo, quando 
 seja necessário proteger culturas e respectivas produções e para tal tenham sido 
 sinalizadas nos termos da lei”. A seguir, no artigo 30°, nºs 1 e 2, tratando dos 
 crimes contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas, dispõe que 
 incorre na pena de prisão até 6 meses ou na pena de multa até 100 dias “quem 
 exercer a caça em terrenos não cinegéticos, nos terrenos de caça condicionada 
 sem consentimento de quem de direito, nas áreas de não caça e nas zonas de caça 
 
 às quais não se tenha legalmente acesso”.
 Analisando o conjunto dos factos provados, pode certamente afirmar-se que o 
 arguido não exercia no momento a caça em terrenos de caça condicionada, tal como 
 os mesmos vêm definidos no indicado artigo 18° (“terrenos murados, quintais, 
 parques e jardins anexos a casas de habitação. ...”; e “terrenos ocupados com 
 culturas agrícolas ou florestais...”). A condenação do arguido assenta antes no 
 exercício da caça em zona de caça à qual não tinha legalmente acesso. Na 
 verdade, o arguido não tinha consentimento de quem de direito para caçar em zona 
 de caça, como decorre imediatamente dos factos dados como provados. O arguido 
 caçava em local “classificado como zona de caça municipal”, do qual era 
 arrendatário, e a que nessa qualidade tinha acesso nas condições de prioridade 
 definidas em termos gerais no artigo 17°. Mas nas “zonas de caça” é também 
 proibido caçar sem consentimento de quem de direito. É o que decorre do artigo 
 
 52°, n° 2, do Decreto-Lei n° 227-B/2000, de 21 de Setembro, que regulamenta a 
 Lei de Bases Gerais da Caça, e cujo n° 1 fixa em 250 metros a faixa de protecção 
 que circunda os terrenos de caça condicionada segundo o n° 1 do artigo 18° da 
 Lei de Bases: terrenos murados, quintais, parques e jardins anexos a casas de 
 habitação. Por isso mesmo – conclui-se na sentença – o arguido exercia 
 ilegalmente a caça, o que corresponde ao entendimento de que o consentimento de 
 quem de direito é devido para o exercício da caça nos terrenos de caça 
 condicionada que são os terrenos murados, quintais, parques ou jardins anexos a 
 casas de habitação e bem assim em quaisquer terrenos que os circundem nas 
 condições ditas no n° 1 do artigo 52° do Decreto-Lei n° 227-B/2000, mas também é 
 devido nas “zonas de caça” (nº 2 do mesmo artigo 52°), entre as quais 
 naturalmente as zonas de caça de interesse municipal (artigos 14°, n° 1, alínea 
 h), e 17°, nºs 1 e 2 da Lei de bases da Caça), numa das quais o recorrente 
 caçava.
 IV. Cometendo o crime do artigo 30°, n° 2, cit., aquele que caça sem 
 consentimento de quem de direito em terrenos de caça condicionada que são os 
 terrenos murados, quintais, parques ou jardins anexos a casas de habitação e bem 
 assim em quaisquer terrenos que os circundem nas condições ditas no n° 1 do 
 artigo 52° do Decreto-Lei n° 227-B/2000, também comete, pois, idêntico ilícito 
 aquele que caça sem consentimento de quem de direito nas zonas de caça, às quais 
 por isso não tem legalmente acesso (para caçar). Sabe-se que a disposição 
 incriminadora contém dois segmentos que para aqui são pertinentes: primeiro, o 
 exercício da caça nos terrenos de caça condicionada sem consentimento de quem de 
 direito; depois, o exercício da caça nas zonas de caça às quais não se tenha 
 legalmente acesso.
 A incriminação das práticas previstas no primeiro segmento, se protege a 
 preservação da fauna e das espécies cinegéticas tutela concorrentemente o 
 interesse de quem murou os seus terrenos e visa aí impedir a caça sem 
 consentimento, bem como nos quintais, parques ou jardins anexos a casas de 
 habitação, local cimeiro da vida privada e familiar, onde se pretende que 
 predomine o sossego, pondo-o ao abrigo de práticas que sem aviso geram 
 inquietação, senão perigos vários para pessoas e coisas. É manifesto que o 
 legislador não menciona aí quaisquer perigos, mas o perigo é inerente à conduta. 
 Um preceito desta natureza, de mera actividade, contenta-se com a descrição do 
 desvalor da acção, acrescentando-lhe a consequência (sanção).
 O outro segmento da incriminação explica-se, mais singela e precisamente, pela 
 necessidade de preservar a fauna e as espécies cinegéticas, postas em perigo, na 
 
 óptica do legislador, por quem nas zonas de caça a exerça sem ter legalmente 
 acesso para aí exercer a caça. Não obstante o legislador da Lei de Bases no n° 1 
 do artigo 17° consagrar como norma que às zonas de caça de interesse nacional ou 
 municipal têm acesso todos os caçadores, tal acesso não é arbitrário nem 
 indiscriminado, pois logo passou a referir-se à ordem de prioridade e aos 
 critérios de proporcionalidade a regular. E foi o que fez, para as zonas de caça 
 municipais, nos artigos 24° e ss. do Decreto-Lei n° 227-B/2000, podendo ver-se, 
 nomeadamente, sobre o conteúdo do plano de gestão, os nºs 1 e 2, alínea c), do 
 artigo 24°; o n° 3 do artigo 25°, quanto ao pagamento de taxas; e o n° 2 do 
 artigo 27°, dispondo que até à aprovação do plano é proibido o exercício da 
 caça. Assim se compreende igualmente o conteúdo do n° 2 do artigo 52°, quanto a 
 ser proibido caçar sem o consentimento de quem de direito nas zonas de caça, 
 portanto sem o consentimento de quem tem a gestão dessas zonas, incluindo as 
 municipais. Este consentimento entra portanto na definição dos critérios de 
 proporcionalidade que a Lei de Bases já previa que viesse a ser objecto de 
 regulamentação no artigo 17°, n° 2».
 
  
 
 3. Deste acórdão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, para 
 apreciação da:
 
  
 
 «(…) desconformidade constitucional da interpretação do artigo 30.º, n.º 2, da 
 Lei n.º 173/99, de 21/09- Leis de Bases Gerais da Caça - por violação do 
 princípio da legalidade, ínsito no artigo 29.º, n.º 3 da Constituição, quando 
 interpretada no sentido segundo o qual, um caçador arrendatário de terrenos 
 inseridos em zona de caça municipal não sendo portador de documento de 
 autorização expressa (que a mesma lei e respectivo regulamento não referem) 
 emitido pela respectiva entidade gestora, não tem legalmente acesso a caçar 
 nessa mesma zona de caça.
 
 (…) ilegalidade por violação de Lei de Valor reforçado, nos termos do disposto 
 no n.º 3, artigo 112.º da Constituição, da interpretação segunda a qual, a 
 violação do consentimento de quem de direito para caçar nas zonas de caça 
 condicionada, previsto no artigo 30.º, n.º 2, da Lei n.º 173/99, de 21/09 - Leis 
 de Bases Gerais da Caça - e no artigo 52.º, n.º 2, do Dec.- Lei n.º 227-B/2000, 
 de 15-09, com as sucessivas alterações, quando aplicável, em termos inovatórios, 
 
 às zonas de caça municipais.
 
 (…) desconformidade constitucional, por violação das garantias de defesa do 
 arguido, ínsitas no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, da interpretação segundo 
 a qual, tendo o arguido interposto recurso invocando a insuficiência da matéria 
 de facto, nos termos do disposto no n.º 2, al. a), do artigo 410.º da C.P.Penal, 
 e tendo apresentando, incidentalmente, documento com relevância para a boa 
 decisão da causa, do qual apenas teve conhecimento após decisão de 1.ª 
 instância, submetido à apreciação do tribunal recorrido, não seja deste tomado 
 conhecimento, com fundamento no disposto no art. 165.º, n.º 1 do C.P.Penal».
 
  
 Convidado pelo relator para indicar «a) a norma, reportada ao respectivo 
 preceito legal, cuja ilegalidade pretende ver apreciada, nos termos expressos em 
 b) do requerimento de interposição de recurso; b) o preceito legal a que reporta 
 a norma referida em c) do citado requerimento», precisou que a norma cuja 
 ilegalidade pretende ver apreciada é a
 
  
 
 «prevista no n.º 2, art. 52° do Dec.-Lei n.º 227-B/2000, de 15 de Setembro 
 
 (alterada e republicada pelo Dec.-Lei n.º 338/2001, de 16 de Dezembro), que 
 regulamenta a Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro – lei de Bases Gerais de Caça -, 
 que menciona a proibição de caçar sem, consentimento de quem de direito nas 
 zonas de caça, quando interpretada no sentido de fazer incorrer no crime p. p. 
 no n.º 2 do art. 30° da lei de Bases Gerais de Caça, quem caçar em zona de caça 
 Municipal, embora sendo arrendatário de terrenos cinegéticos inseridos nessa 
 mesma zona de caça e também portador de todos os outros documentos legalmente 
 exigíveis, mas sem autorização da Entidade gestora daquela Zona de Caça.
 
 2. Tal norma, interpretada como efectivamente o foi pelo Tribunal recorrido, sob 
 a epígrafe “Terrenos de Caça Condicionada”, introduz uma inovação, logo um novo 
 tipo legal de crime, que a Lei de Bases que visa regulamentar não contém, nem 
 consente, quer na sua letra, quer sobretudo no seu espírito – sem embargo de se 
 considerar que a questão a dilucidar encerra alguma complexidade, sempre se 
 espera dizer, em sede de alegações, que a norma a sindicar quando iluminada 
 pelos fins que visa proteger e fundamentalmente pelos bens jurídicos que lhe 
 subjazem e respectiva dignidade penal, melhor se clarificará a interpretação, em 
 nossa modesta opinião, inovatória e, por isso, ilegal, efectuada pelo Tribunal 
 recorrido».
 
  
 E que pretende a «apreciação legal da interpretação do art.º 165º, nº 1, do 
 C.P.Penal»:
 
  
 
 «mostra-se, salvo melhor opinião, desconforme à Constituição, por violação das 
 garantias de defesa do arguido, ínsitas no artigo 32.º n.º 1 da Constituição, 
 que radicam na dignidade da pessoa humana, a interpretação segundo a qual, tendo 
 o arguido interposto recurso invocando a insuficiência da matéria de facto, nos 
 termos do disposto no n.º 2, do art.º 410.º do C.P.Penal, e tendo apresentando, 
 incidentalmente, documento com relevância para a boa decisão da causa, do qual 
 apenas teve conhecimento após decisão de 1.a instância, submetido à apreciação 
 do tribunal recorrido, não seja deste tomado conhecimento com fundamento no 
 disposto no art. 165.º, n.º 1 do C.P.Penal».
 
  
 
 4. Por despacho do relator, não reclamado, o objecto do recurso foi delimitado à 
 apreciação da legalidade da norma do artigo 52° n° 2 do Decreto-Lei n° 
 
 227-B/2000, de 15 de Setembro e da constitucionalidade da norma do artigo 165° 
 n° 1 do Código de Processo Penal:
 
  
 
 «Verifica-se, com efeito, relativamente à apreciação da invocada 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 30° n° 2 da Lei n° 173/99, de 21 de 
 Setembro, que o Tribunal dela não pode conhecer, por não envolver uma questão de 
 constitucionalidade normativa, como se decidiu em caso semelhante (estava também 
 em causa a violação do princípio da legalidade por uma suposta “interpretação” 
 de norma penal incriminatória, relativa a uma elemento do tipo legal), no 
 Acórdão n° 674/99 in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 45° vol., págs. 559 e 
 segs. (especialmente, pontos 48 a 53) e cuja doutrina inteiramente se acolhe».
 
  
 
 5. Notificado para alegar, o recorrente sustentou e concluiu, nomeadamente, o 
 seguinte:
 
  
 
 «II -QUESTÕES DE ILEGALIDADE E INCONSTITUCIONALIDADE:
 A- DA INCONSTITUCIONALIDADE E DA ILEGALIDADE DA NORMA DO ART. 52º, n.º 2, DO 
 DECRETO-LEI N.º 227-B/2000, DE 15 DE SETEMBRO:
 
 (…).
 
 30. Posto isto, bem se compreende que o legislador, quando no n.º 2, art. 30º da 
 Lei de Bases Gerais da Caça, refere que é proibido, logo criminalmente punível, 
 o exercício de caça sem consentimento de quem de direito, se refira 
 expressamente aos terrenos de caça condicionada, que taxativamente define no 
 art. 18°;
 
 31.Terrenos de caça condicionados estes onde, se bem interpretamos o art. 18° do 
 mesmo diploma legal, se elegem como bens jurídicos a salvaguardar a propriedade 
 privada, e a saúde e integridade física das pessoas (cfr. n.º 1, art. 18°), bem 
 como o direito de iniciativa e liberdade económica (cfr. n.º 2, art. 18ª);
 
 32. Do exposto decorre, que nunca as Zonas de Caça Municipais poderão, como de 
 facto o foram pelo Tribunal recorrido, como melhor se vai ver, ser confundidas 
 com terrenos de caça condicionada, a única onde o legislador em causa exigiu, e 
 bem, o consentimento de quem de direito, sob pena de criminalizar a conduta de 
 quem o não detivesse;
 
 (…).
 
 43. Efectivamente, à revelia do exposto, o Governo através do Decreto-Lei n.º 
 
 227-B/2000, de 15 de Setembro, alterado e republicado pelo Dec.-Lei n.º 
 
 338/2001, de 26 de Dezembro, regulamentando a Lei de Bases Gerais da Caça (Lei 
 n.º 173/99, de 21 de Setembro), veio, no n.º 2. art. 52°, sob a epígrafe 
 
 “Terrenos de caça condicionada”, criar um novo terreno de caça condicionada, que 
 na Lei de Bases que visava regulamentar, se não contém, e muito menos se 
 consente;
 
 (…).
 
 55. Se bem se observar, fácil é verificar que o alargamento do conceito de zona 
 de caça condicionada, efectuado pelo Governo, na interpretação que pelo Tribunal 
 recorrido foi dada ao n.º 2, art. 52° do Decreto-Lei n.º 227-B/2000 (alterado e 
 republicado pelo Dec.-Lei n.º 238/2001, de 26 de Dezembro), vai muito para além 
 da liberdade de conformação que deva de reconhecer ao Governo, na sua actividade 
 legislativa de regulamentar a Lei de Bases em causa;
 
 (…).
 
 60. Assim sendo, o Tribunal recorrido, ao interpretar a norma do n.º 2, art. 52° 
 do Dec.-Lei n.º 227-B/2000, de 15 de Setembro, no sentido de que incorre no 
 crime p.p. no art. 30° da Lei de Bases Gerais da Caça, quem se encontre a caçar 
 em Zonas de Caça Municipais, sem consentimento de quem de direito, faz uma 
 interpretação errónea, e manifestamente ilegal, da referida norma legal, por 
 violação ostensiva da Lei de Bases respectiva;
 
 61. É que, como já vimos, a Assembleia da República, na respectiva Lei de Bases, 
 exige – e só exige – o consentimento de quem de direito, nos terrenos de caça 
 condicionada;
 
 62. E as zonas de Caça, máxime as Zonas de Caça Municipais, não se tratam de 
 terrenos de caça condicionada, atendendo-se ao art. 18° da mesma Lei de Bases, 
 que taxativamente refere o que o Legislador por tal entende;
 
 63. E não decorre da mesma Lei, que a Assembleia da República, ao contrário do 
 que faz, por exemplo, no segmento fina1 do n.º 1, do art. 18°, conceda ao 
 Governo qualquer liberdade de conformação para criar novos terrenos de caça 
 condicionada;
 
 (…).
 
 74. Em suma, e definitivamente, as Zonas de Caça Municipais não são zonas de 
 caça condicionada (vg. art. 18° da Lei de Bases Gerais da Caça), e a elas têm 
 inequivocamente acesso legal todos os caçadores (vg. n.º 1, art. 17° do mesmo 
 diploma legal);
 
 (…).
 A – O n.º 2, art. 52° do Decreto-Lei n.º 227-8/2000, quando interpretado no 
 sentido de que quem, apesar de portador de todos os documentos de caça 
 legalmente, exigíveis for encontrado em Zona de Caça Municipal sem autorização 
 ou consentimento da respectiva Entidade Gestora, é punido criminalmente nos 
 termos do art. 30° da Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro, é inconstitucional e 
 ilegal:
 
  
 A. 1 - Inconstitucional, porque cria inovatoriamente um crime que na Lei de 
 Bases que visa regulamentar, se não contem nem consente, violando assim a 
 Reserva Relativa da Assembleia da República, designadamente a al. c), n.º 1. 
 art. 165° da Assembleia da República;
 A. 2 - Inconstitucional ainda, porque criminalizando condutas desprovida de 
 ressonância ética para tal suficiente, viola o n.º 3, art. 18° da constituição 
 da República Portuguesa;
 A. 3 - Ilegal porque criando ex novo uma zona de Caça Condicionada, viola o art. 
 
 18° da respectiva Lei de Bases, que é Lei de Valor Reforçado, nos termos do n.º 
 
 3, art. 112° da Constituição da República Portuguesa, que assim foi 
 desrespeitada;
 A. 4 - Ilegal ainda, porque criando subrepticiamente uma nova zona de caça 
 condicionada, está afinal a criar um crime que a Lei de Bases respectiva, não 
 contém nem consente, nem sequer quis, violando assim o art. 30°, da Lei de Bases 
 Gerais da Caça;
 
  
 B – A interpretação que pelo Tribunal recorrido foi efectuada do art. 165°, do 
 Código de Processo Penal, no sentido de que tendo o arguido interposto recurso 
 de decisão de primeira instância, tomada em processo sumário, alegando 
 insuficiência da matéria de facto, e tendo apresentado no Tribunal de recurso 
 incidentalmente documento com relevância para a boa decisão da causa, do qual 
 apenas teve conhecimento, sem culpa, após a decisão recorrida, este seja 
 liminarmente rejeitado, com fundamento no disposto na referida norma processual, 
 
 é inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido, insitas no 
 n.º 1, art. 32° da Constituição da República Portuguesa;
 Sem prescindir, mas com prejuízo óbvio do anteriormente concluído:
 C- A conduta do arguido e ora recorrente, foi despenalizada pelo legislador, 
 através do Dec.-Lei n.º 202/2004, de 18 de Agosto, que na alínea a), n.º 1, art. 
 
 128° veio clarificar e densificar a contra-ordenação prevista na alínea a), n.º 
 
 1, do Dec.-Lei 227-B/2000, que expressamente revogou, e na alínea b) da mesma 
 norma legal, veio criar uma nova contra-ordenação, sendo evidente que a conduta 
 do recorrente se pode e deve agora subsumir, a qualquer uma das 
 contra-ordenações referidas;
 C.1 – Neste contexto, atendendo-se a que a decisão recorrida não transitou ainda 
 em julgado, e a fazer vencimento a tese da despenalização da conduta – e só 
 neste caso -, sempre se deverá entender que, neste caso em concreto, se verifica 
 inutilidade superveniente da pronuncia desse Tribunal Constitucional».
 
  
 
 6. O Ministério Público contra-alegou, sustentando a não ilegalidade do artigo 
 
 52º, nº 2, do Decreto-Lei nº 227-B/2000 e ainda, para o que agora releva, o 
 seguinte:
 
  
 
 «1. Delimitação do objecto do recurso
 
 (…) Já neste Tribunal o senhor conselheiro relator proferiu despacho em que 
 delimitou o objecto do recurso às questões da ilegalidade da norma do artigo 
 
 52°, n° 2, do Decreto-Lei n° 227-B/2000 e da constitucionalidade da norma do 
 artigo 165°, n° 1, do Código de Processo Penal.
 
 É este, portanto, o objecto do presente recurso, uma vez que o recorrente se 
 conformou com tal despacho.
 
 2. Questão prévia suscitada pelo recorrente
 Nas alegações apresentadas neste Tribunal o recorrente coloca a questão prévia 
 da inutilidade superveniente do recurso, uma vez que com a publicação do 
 Decreto-Lei n° 202/2004, de 18 de Agosto, a sua conduta teria sido despenalizada 
 e teria passado a constituir contra-ordenação, o que acarretaria a [o] dever ser 
 considerada extinta a sua responsabilidade criminal.
 
 É óbvio que apreciar e decidir sobre os efeitos e consequências neste processo 
 da publicação do Decreto-Lei n° 202/2004, não é tarefa deste Tribunal, ao qual 
 apenas caberá decidir, após o tribunal competente se pronunciar, se o recurso 
 mantém ou não utilidade.
 Deve, pois, o processo ser remetido a título devolutivo ao Tribunal da Relação 
 
 (o tribunal recorrido) a fim de se pronunciar sobre aquela questão (acórdão n° 
 
 746/95 em wwwtribunalconstitucional.pt).
 
 (…).
 
 3.2. Quanto à inconstitucionalidade da norma do artigo 165°, n° 1, do Código de 
 Processo Penal este Tribunal já considerou manifestamente infundado um recurso 
 em que se questionava, precisamente, a constitucionalidade daquela norma 
 
 (acórdão n° 392/2003 www.tribunalconstitucional.pt).
 Restará acrescentar que se um tal entendimento é válido quando o recurso para a 
 Relação abrange a matéria de facto e de direito, tendo havido registo da prova, 
 por maioria de razão o será no caso dos autos em que o recurso abrange 
 exclusivamente matéria de direito estando, quanto à matéria de facto, a Relação 
 limitada à competência que lhe é conferida pelo artigo 410°, nº 2, do Código de 
 Processo Penal.
 Na verdade, como resulta desde logo da acta da audiência (fls. 22), não tendo 
 sido requerida a documentação dos actos (artigo 389°, nº 2, do Código de 
 Processo Penal) os poderes de cognição da Relação estão limitados (artigos 428°, 
 nº 2, do Código de Processo Penal)».
 
  
 
 7. Em 7 de Junho de 2005, já depois da mudança de relator, em consequência de 
 alteração da composição do Tribunal, foi proferido despacho no sentido de os 
 autos serem remetidos ao Tribunal da Relação de Guimarães, a título devolutivo, 
 a fim de ser apreciada e decidida a eventual extinção da responsabilidade 
 criminal do recorrente, à luz do consagrado no Decreto-Lei nº 202/2004, de 18 de 
 Agosto, em matéria de infracções de caça.
 
  
 
 8. Em 12 de Dezembro de 2005, o Tribunal Judicial da Comarca de Esposende 
 concluiu que:
 
  
 
 «não obstante a entrada em vigor de um novo diploma que regulamenta a Lei de 
 Bases Gerais da Caça e que revogou o já referido DL nº 227-B/2000, o certo é que 
 a norma aplicável à situação em apreço se mantém inalterada, sendo que, 
 actualmente, a conduta do arguido se reconduz ao preceituado no artigo 30º, nº 2 
 da Lei nº 173/99, conjugado com o artigo 56º, nº 2 do DL nº 202/2004 de 18 de 
 Agosto.
 Assim sendo e por todo o exposto, ao contrário do sustentado em sede de recurso 
 para o Tribunal Constitucional, entendemos que não se verifica a extinção da 
 responsabilidade criminal do arguido/recorrente».
 
  
 Após trânsito em julgado desta decisão, foram os autos remetidos a este Tribunal 
 para apreciação do recurso de constitucionalidade.
 
  
 
 9. O recorrente e o recorrido foram notificados, em cumprimento do disposto no 
 artigo 704º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 
 
 69º da LTC, para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade de ser 
 proferida decisão de não conhecimento da ilegalidade da norma contida artigo 
 
 52º, nº 2, do Decreto-Lei nº 227-B/2000, de 15 de Setembro, por a decisão 
 recorrida não ter interpretado e aplicado esta disposição legal no sentido de 
 ser proibido caçar sem consentimento de quem de direito em zona de caça 
 municipal por se tratar de terreno de caça condicionada, 
 
  
 
 10. O recorrente respondeu, sustentando, com relevo para a questão prévia 
 levantada, o seguinte:
 
  
 
 «Importa, desde já, referir que é certo que o Tribunal da Relação de Guimarães 
 não interpretou e aplicou a norma contida no art.º52.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 
 
 227-B/2000, de 15/09, no sentido de ser proibido caçar sem consentimento de quem 
 de direito em zona de caça municipal por se tratar de zona de caça condicionada. 
 Porém interpretou e aplicou a mesma norma no sentido de ser proibido caçar sem 
 consentimento de quem de direito em zona de caça municipal por se tratar de zona 
 de caça à qual não se tem legalmente acesso. Ora, salvo melhor opinião, qualquer 
 uma das interpretações, e respectiva aplicação, se mostra ilegal face à norma 
 contida no art. 30.º n.º 2 da Leis de Bases (Lei n.º 173/99).
 Com efeito, nas normas incriminadores em matéria cinegética, diz-nos o 
 legislador que incorre na pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 
 
 100 dias, quem exercer a caça nas zonas de caça às quais não se tenha legalmente 
 acesso (art. 30.º da Lei de Bases).
 Por outro lado, nas zonas de caca municipal têm acesso todos os caçadores (art. 
 
 17.º da Lei de Bases).
 Caçador é todo o indivíduo que detenha carta de caçador e demais documentos 
 exigidos (cfr. art. 20. º da Lei de Bases e art.º61.º do Decreto-Lei n.º 
 
 227-B/2000).
 Decorre da interpretação das normas supra indicadas, que a conduta, que se 
 mostrou provada, de um caçador que se encontrava a caçar em zona de caça 
 municipal, na qual é arrendatário de terrenos inseridos nessa zona, que 
 preencheu uma candidatura para o exercício da caça na mesma zona de caça 
 municipal, pese embora não fosse autorizado a caçar pela entidade gestora dessa 
 zona, nunca seria subsumível ao disposto na norma incriminadora a que se refere 
 o n.º 2 do art. 30.º da Lei de bases.
 Ou seja, se prescindirmos completamente da norma prevista no art. 52.º, n.º 2, 
 do Decreto-Lei n.º 227-B/2000, fica desvelado que aquela conduta do arguido não 
 preenche aquele tipo incriminador.
 Como, também, fica desvelado que a verdadeira ratio decidendi é, afinal, a norma 
 contida no mesmo art. 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei que regulamenta a Lei de 
 Bases.
 Com efeito, como se invocou nas alegações, em particular nos itens n.º 3 a 10, 
 
 19, 24 e 25, 30 a 34, 43, 57 a 60, 62, 68 a 89, não há que dizer que nas zonas 
 de caça municipal é proibido caçar por se tratarem de zonas às quais não se tem 
 legalmente acesso.
 Como também não há que dizer que nas zonas de caça municipal é necessário o 
 consentimento de quem de direito (da entidade gestora!), porque o necessário 
 consentimento apenas se aplica aos terrenos de caça condicionada a que se refere 
 o legislador no art. 18.º da mesma Lei de Bases.
 Pelo que é bom de ver que o elemento perturbador é precisamente a norma contida 
 no art. 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 227-B/2000, que o tribunal convocou como 
 norma coadjuvante para criminalizar a conduta do arguido.
 Porém, como é evidente, só com uma interpretação efectuada pela conjugação das 
 normas em apreço é que o tribunal conseguiu obter a criminalização de uma 
 conduta, cuja interpretação se efectuada em singelo da norma contida na Lei de 
 Bases nunca seria susceptível de criminalização.
 Daí que, pelos argumento que se invocaram nas alegações de recurso, é manifesto 
 que a interpretação efectuada pelo tribunal da norma contida no art. 52.º, n.º 
 
 2, do Decreto-Lei n.º  227-B/2000, é ilegal por violação de Lei da valor 
 reforçado.
 Aliás, diga-se, o mesmo tribunal de primeira instância, no âmbito do processo 
 n.º 1068/03.3 GAEPS, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Esposende, já se 
 pronunciou sobre a legalidade e constitucionalidade das mesmas normas, sendo 
 certo que, com idêntica argumentação, que aqui se reitera, concluiu que a mesma 
 conduta não era passível de ser criminalizada - cfr cópia de decisão que se 
 anexa e cuja teor, na parte que diz respeito à interpretação da norma prevista 
 no art. 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei, n.º  227-B/2000, se dá aqui por 
 integramente reproduzido».
 
  
 
 11. O Ministério Público veio «dizer que sendo plausível admitir a não 
 verificação de um dos requisitos do recurso interposto ao abrigo da alínea f) do 
 n°. 1 do artigo 70° da LTC, não deverá, nesta circunstância, conhecer-se do 
 mesmo».
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. Face à delimitação efectuada por despacho do relator e à não reclamação do 
 mesmo por parte do recorrente, há que apreciar a ilegalidade da norma do artigo 
 
 52º, nº 2, do Decreto-Lei nº 227-B/2000, de 15 de Setembro, nos termos em que 
 esta questão foi formulada no requerimento de interposição de recurso para este 
 Tribunal, e a inconstitucionalidade da norma do artigo 165º, nº 1, do Código de 
 Processo Penal. 
 Assim, é de excluir a apreciação da ilegalidade do artigo 52º, nº 2, do 
 Decreto-Lei nº 227-B/2000, interpretado no sentido de ser proibido caçar sem 
 consentimento de quem de direito em zona de caça municipal por se tratar de zona 
 de caça à qual não se tem legalmente acesso (cf. resposta ao despacho que 
 notificou o recorrente da possibilidade de ser proferida decisão de não 
 conhecimento da questão de ilegalidade), bem como a inconstitucionalidade de 
 norma constante deste artigo (cf. alegações produzidas neste Tribunal). 
 Por outro lado, o objecto do recurso não pode estender-se à interpretação que o 
 Tribunal Judicial da Comarca de Esposende fez da alínea b) do nº 1 do artigo 
 
 137º do Decreto-Lei nº 2002/2004, de 18 de Agosto (cf. resposta ao despacho que 
 notificou o recorrente da possibilidade de ser proferida decisão de não 
 conhecimento da questão de ilegalidade), atendendo aos requisitos do recurso de 
 constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
 
  
 
 2. Para a decisão a proferir nos presentes autos quanto à questão de 
 ilegalidade, importa atentar na redacção do artigo 52º do Decreto-Lei nº 
 
 227-B/2000 e na dos artigos 18º e 30º da Lei de Bases Gerais da Caça – Lei nº 
 
 173/99, de 21 de Setembro:
 
  
 
 «Artigo 52º
 Terreno de caça condicionada
 
  
 
 1 – É proibido caçar sem consentimento de quem de direito nos terrenos murados e 
 nos quintais, parques ou jardins anexos a casas de habitação e bem assim em 
 quaisquer terrenos que os circundem numa faixa de 250 m.
 
 2 – É ainda proibido caçar sem consentimento de quem de direito nas zonas de 
 caça»;
 
  
 
 «Artigo 18º
 Terrenos de caça condicionada 
 
  
 
 1 – É proibido caçar, sem o consentimento de quem de direito, nos terrenos 
 murados, nos quintais, parques ou jardins anexos a casas de habitação e, bem 
 assim, em quaisquer terrenos que circundem estas, numa faixa de protecção a 
 regular.
 
 2 – É proibido caçar nos terrenos ocupados com culturas agrícolas ou florestais, 
 durante determinados períodos do seu ciclo vegetativo, quando seja necessário 
 proteger aquelas culturas e respectivas produções e para tal tenham sido 
 sinalizados nos termos da lei»;
 
  
 
  
 
 «Artigo 30º
 Crimes contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas
 
  
 
 1 – A infracção ao disposto no nº 1 do artigo 6º do presente diploma é punida 
 com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 100 dias.
 
 2 – Na mesma pena incorre quem exercer a caça em terrenos não cinegéticos, nos 
 terrenos de caça condicionada sem consentimento de quem direito, nas áreas de 
 não caça e nas zonas de caça às quais não se tenha legalmente acesso».
 
  
 Do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal e das alegações 
 produzidas (cf. nºs 30 a 32, 43, 55, 60 a 63 e 74 do título II-A e A. 3 e A. 4 
 das conclusões) resulta que o recorrente pretende a apreciação da ilegalidade do 
 nº 2 do artigo 52º do Decreto-Lei nº 227-B/2000, quando interpretado no sentido 
 de ser proibido caçar sem consentimento de quem de direito em zona de caça 
 municipal por se tratar de terreno de caça condicionada, por violação do artigo 
 
 18º da Lei de Bases Gerais da Caça. 
 Tal decorre, nomeadamente, dos extractos que se seguem das mencionadas peças 
 processuais:
 
  
 
 «ilegalidade por violação de Lei de Valor reforçado, nos termos do disposto no 
 n.º 3, artigo 112.º da Constituição, da interpretação segunda a qual, a violação 
 do consentimento de quem de direito para caçar nas zonas de caça condicionada, 
 previsto no artigo 30.º, n.º 2, da Lei n.º 173/99, de 21/09 - Leis de Bases 
 Gerais da Caça - e no artigo 52.º, n.º 2, do Dec.- Lei n.º 227-B/2000, de 15-09, 
 com as sucessivas alterações, quando aplicável, em termos inovatórios, às zonas 
 de caça municipais.»;
 
 «A – O n.º 2, art. 52° do Decreto-Lei n.º 227-B/2000, quando interpretado no 
 sentido de que quem, apesar de portador de todos os documentos de caça 
 legalmente, exigíveis for encontrado em Zona de Caça Municipal sem autorização 
 ou consentimento da respectiva Entidade Gestora, é punido criminalmente nos 
 termos do art. 30° da Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro, é (…) ilegal:
 
  
 
 (…) porque criando ex novo uma zona de Caça Condicionada, viola o art. 18° da 
 respectiva Lei de Bases, que é Lei de Valor Reforçado, nos termos do n.º 3, art. 
 
 112° da Constituição da República Portuguesa, que assim foi desrespeitada;
 
 (…) Ilegal ainda, porque criando subrepticiamente uma nova zona de caça 
 condicionada, está afinal a criar um crime que a Lei de Bases respectiva, não 
 contém nem consente, nem sequer quis, violando assim o art. 30°, da Lei de Bases 
 Gerais da Caça».
 
  
 Porém, a decisão recorrida interpretou e aplicou o artigo 52º, nº 2, do 
 Decreto-Lei nº 227-B/2000, no sentido de ser proibido caçar sem consentimento de 
 quem de direito em zona de caça municipal por se tratar de zona de caça à qual 
 não se tem legalmente acesso. Interpretação e aplicação que o recorrente aceita 
 agora como tendo sido a que, de facto, foi efectuada (cf. ponto 10. do 
 Relatório).
 O segmento do nº 2 do artigo 30º da Lei de Bases Gerais da Caça que o Tribunal 
 da Relação de Guimarães aplicou, conjugadamente com o nº 2 daquele artigo, é o 
 que consta da parte final – na mesma pena incorre quem exercer a caça nas zonas 
 de caça às quais não tenha legalmente acesso – e não o segmento que se refere 
 aos terrenos de caça condicionada, especificados no artigo 18º desta Lei – na 
 mesma pena incorre quem exercer a caça nos terrenos de caça condicionada sem 
 consentimento de quem de direito. É o que se extrai da decisão recorrida, quando 
 o Tribunal conclui que «pode certamente afirmar-se que o arguido não exercia no 
 momento a caça em terrenos de caça condicionada, tal como os mesmos vêm 
 definidos no indicado artigo 18º (…). A condenação do arguido assenta antes no 
 exercício da caça em zona de caça à qual não tinha legalmente acesso».
 Constituindo requisito do recurso interposto – o previsto na alínea f) do nº 1 
 do artigo 70º da LTC – a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio 
 decidendi, da norma cuja ilegalidade é questionada pelo recorrente, não pode 
 conhecer-se, nesta parte, do objecto do mesmo. 
 
  
 
 3. Relativamente ao artigo 165º, nº 1, do Código de Processo Penal, o recorrente 
 sustenta a inconstitucionalidade desta disposição, por violação das garantias de 
 defesa do arguido, ínsitas no artigo 32º, nº 1, da Constituição, interpretada no 
 sentido de que tendo o arguido interposto recurso invocando a insuficiência da 
 matéria de facto, nos termos do disposto no nº 2, do artigo 410º do Código de 
 Processo Penal, e tendo apresentado, incidentalmente, documento com relevância 
 para a boa decisão da causa, do qual apenas teve conhecimento após decisão de 1ª 
 instância, submetido à apreciação do tribunal recorrido, não seja deste tomado 
 conhecimento.
 A questão da intempestividade da junção de documentos supervenientes, em sede de 
 recurso para o tribunal da relação, foi já qualificada de manifestamente 
 infundada, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 392/2003 (Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, vol. 56º, p. 795 e ss.), onde se pode ler o seguinte:
 
  
 
 «Com efeito, a intempestividade da junção de documentos supervenientes, na fase 
 de recurso para a relação, está directamente conexionada com os termos em que a 
 lei regula os recursos em processo penal, particularmente, no que concerne à 
 reapreciação da matéria de facto.
 A decisão em 2º instância, sobre matéria de facto, não significa um segundo 
 julgamento no sentido de se deverem apreciar novos elementos de prova. O juízo 
 do tribunal de recurso tem por objecto a decisão de 1ª instância, com a 
 possibilidade, em certos casos, de 'renovação' da prova (não de apresentação de 
 novos elementos da prova - novas testemunhas, novos documentos) com os mesmos 
 elementos probatórios que serviram de base à decisão recorrida.
 Escrevem, a propósito, Simas Santos e Leal Henriques ('Recursos em Processo 
 Penal', 3ª ed., pág. 58):
 
 'Ao estatuir que 'sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o recurso 
 interposto de uma sentença (isto é, de uma decisão que conhece, a final, do 
 objecto do processo) abrange toda a decisão', o art. 402º, consagra no seu n.º 
 
 1, o princípio do conhecimento amplo.
 O objecto legal dos recursos é, assim, a decisão recorrida e não a questão por 
 esta julgada; com o recurso abre-se somente uma reapreciação dessa decisão, com 
 base na matéria de direito e de facto de que se serviu ou podia servir a decisão 
 impugnada, pré-existente, pois, ao recurso'. (sublinhado nosso).'
 Ora, a Constituição (maxime, artigo 32º n.º 1), se assegura o direito ao 
 recurso, deixa, no entanto, ao legislador ordinário uma margem de livre 
 conformação na regulação do recurso, não impondo, de modo algum, que esta se 
 traduza na permissão de um segundo julgamento da questão decidida em 1ª 
 instância.
 Nesta lógica se compreende, sem vício de inconstitucionalidade, a proibição de 
 junção de documentos supervenientes com vista a alterar a matéria de facto dada 
 como provada em 1ª instância».
 
  
 
 É esta jurisprudência, para cuja fundamentação se remete, que agora se reitera.
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se:
 a) Não conhecer do objecto do recurso interposto, no que se refere à ilegalidade 
 da norma do artigo 52º, nº 2, do Decreto-Lei nº 227-B/2000, de 15 de Setembro;
 b) Negar provimento ao recurso, no que respeita à norma do artigo 165º do Código 
 de Processo Penal.
 
  
 Custas pelo recorrente, fixando-se em 20 (vinte) unidades de conta a taxa de 
 justiça.
 Lisboa, 28 de Junho de 2006
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos
 Artur Maurício