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Processo n.º 660/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                    Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                    1. Relatório
 
                    A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 
 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15 
 de Março de 2006, que rejeitou, por extemporaneidade, recurso por ele interposto 
 da sentença do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, que concedera apenas em 
 parte (reduzindo o montante da coima para € 1000,00, e não para € 500,00, como 
 impetrara o impugnante) provimento a impugnação judicial de decisão 
 administrativa que o condenara no pagamento da coima de € 3000,00, pela prática 
 da contra‑ordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 
 
 36.º a 40.º e 86.º, n.ºs 1, alínea z), e 2, do Decreto‑Lei n.º 46/94, de 22 de 
 Fevereiro.
 
                    O referido acórdão, relativamente à questão prévia da 
 extemporaneidade do recurso, consignou o seguinte:
 
  
 
    “II – QUESTÃO PRÉVIA
 
    1 – Vem invocada pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público em 1.ª instância 
 a extemporaneidade da interposição do recurso, apresentado em 28 de Junho de 
 
 2005, em razão de alegada transposição do respectivo prazo legal – de 10 dias – 
 contado a partir da data da notificação da sentença, cuja efectivação localiza 
 em 3 de Junho de 2005.
 
    Diversamente da aduzida observação, a notificação da sentença recorrida ao 
 arguido e seu Ex.mo advogado operou‑se – presumivelmente – em 8 de Junho de 2005 
 
 (3.º dia útil posterior ao envio), já que foi realizada por via postal registada 
 expedida em 3 de Junho de 2005 (cf. fls. 145 e 146, e artigo 113.º, n.º 2, do 
 CPP).
 
    Por conseguinte, o termo do prazo legal de recurso – de 10 dias previsto no 
 artigo 74.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (doravante RGCO 
 
 – Regime Geral das Contra‑Ordenações) –, que ocorreria no dia 18 de Junho de 
 
 2005, sábado, transferiu‑se para o primeiro dia útil seguinte, segunda‑feira, 20 
 de Junho de 2005 (cf. artigos 104.º, n.º 1, do CPP e 144.º, n.º 2, do CPC).
 
    Porém, a formal manifestação de vontade de recorrer – com expressa 
 referência àquele normativo 74.º, n.º 1, do RGCO – apenas foi apresentada em 28 
 de Junho de 2005, havendo então o arguido solicitado a emissão e entrega de 
 guias para pagamento da importância pecuniária prevista nos artigo 107.º, n.º 5, 
 do CPP e 145.º, n.º 5, do CPC, sem qualquer outra justificação.
 
    Como é bom de ver, entre 20 e 28 de Junho de 2005 já haviam decorrido mais 
 de três dias úteis – dentro dos quais ainda lhe seria lícito praticar o acto, em 
 conformidade com tais dispositivos –, razão pela qual se lhe precludira o 
 direito de recorrer (cf. artigos 104.º, n.º 1, e 107.º, n.º 5, do CPP e 145.º, 
 nºs 3 e 5, do CPC).
 
    Destarte, incompreendendo a razão de ser do despacho de recebimento do 
 recurso, meramente assente na – injustificadamente – afirmada tempestividade, 
 não pode deixar de se reconhecer o acerto da observação de extemporaneidade do 
 Ex.mo magistrado respondente.
 
    2 – Suscita, contudo, o Ex.mo PGA a inconstitucionalidade da interpretação 
 literal do citado preceito 74.º, n.º 1, do RGCO, por violação do princípio da 
 igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da República, em razão do 
 confronto com as disposições dos artigos 411.º, n.º 1, e 413.º, n.º 1, do CPP, 
 que estatuem o prazo geral de recurso e de resposta de 15 dias, e, por 
 consequência, pugna pela validade do acto recursivo.
 
    Com o devido e merecido respeito por tal opinião – e pelos acórdãos do 
 Tribunal Constitucional (que sobre o referido normativo 74.º, n.º 1, do RGCO, se 
 pronunciaram), nomeadamente os n.ºs 462/2003 (invocado pelo Ex.mo PGA, em que se 
 apoia), publicado no DR, n.º 272, de 24 de Novembro de 2003, e 27/2006, de 10 de 
 Janeiro, publicado no DR, I-A, de 3 de Março de 2006, com força vinculativa 
 geral quanto à formulação conclusiva final, (cf. artigo 281.º, n.º 3, maxime, da 
 CRP), bem como dalguma outra jurisprudência, que, naturalmente, não ignoramos –, 
 não nos parece que a questão se quede por tão simplístico entendimento.
 
    Senão vejamos:
 
    A norma ínsita no citado artigo 74.º, n.º 1, do RGCO, que expressamente 
 estabelece o prazo de 10 (dez) dias como limite temporal para interposição de 
 recurso de decisão judicial em procedimento contra‑ordenacional – incidente 
 sobre impugnação de decisão administrativa –, porque própria de regime jurídico 
 especial, é também ela, como é óbvio, especial em relação à referente aos 
 recursos criminais em geral, constante do normativo 411.º, n.º 1, do CPP, que 
 prevê o prazo de 15 (quinze) dias para o exercício do direito recursivo em 
 matéria criminal ou com ela conexa (v. g. de natureza 
 civilística/obrigacional). Assim sendo, não consagrando uma disciplina 
 directamente oposta àqueloutra, do direito comum, consagra uma disciplina nova 
 ou diferente para as particulares relações da vida a que se destina, «como um 
 jus próprio que procura ajustar‑se tanto quanto possível às peculiares 
 exigências da matéria regulada. Destaca‑se assim do direito geral, assumindo uma 
 fisionomia específica (...). Não sendo as leis especiais excepções, elas 
 constituem um direito normal, um sistema autónomo que tem em si as suas regras e 
 as suas excepções (...)» (Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, vol. 
 
 2.º, reimpressão, 1990, págs. 455‑457).
 
    Nada legitimará, pois, a respectiva comparação ou confrontação com a do 
 direito geral (artigo 411.º, n.º 1, do CPP) e a conclusão da negativa 
 diferenciação. É apenas diferente, especial para casos especiais!
 
    Por conseguinte, não antolhamos como se pode, a partir da mera constatação 
 da dissemelhança, construir qualquer juízo de discriminação e, decorrentemente, 
 de inconstitucionalidade, logo por afrontação do artigo 13.º da CRP, que apenas 
 decreta a igualdade de todos perante a lei – a mesma lei, aplicável a idênticas 
 relações humanas/jurídicas – e proíbe o privilegiamento, beneficiação, 
 prejudicação, privação de qualquer direito ou isenção de qualquer dever em razão 
 de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções 
 políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou 
 orientação sexual, e não já a mera diferenciação de tratamento 
 jurídico‑processual em função da diversidade de regimes jurídicos, como é 
 evidente!
 
    Em conformidade com o estatuído nos artigos 8.º e 9.º do Código Civil, o 
 julgador/intérprete deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais 
 acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 
 
 3), sendo‑lhe vedado idear/considerar/extrapolar pensamento legislativo que na 
 letra da norma não tenha um mínimo de correspondência verbal, ainda que 
 imperfeitamente expresso (artigo 9.º, n.º 2), e, outrossim, deixar de a aplicar 
 sob o pretexto de ser injusta ou imoral (artigo 8.º, n.º 2).
 
    Assim sendo, não vislumbramos qualquer razão válida para interpretar de modo 
 diverso do expressamente legislado no referido normativo 74.º, n.º 1, do RGCO, 
 na versão actualmente em vigor, decorrente dos Decretos‑Leis n.ºs 433/82, de 27 
 de Outubro, 356/89, de 17 de Outubro, e 244/95, de 14 de Setembro, e da Lei n.º 
 
 109/2001, de 24 de Dezembro, o prazo de recurso da decisão judicial produzida no 
 
 âmbito de procedimento contra‑ordenacional, nas atinentes/legais situações; 
 ficcionar/conjecturar equívoco ou esquecimento do legislador; e/ou construir 
 disciplina diversa, a partir desse pressuposto ou da eventual 
 discriminação/inconstitucionalidade em relação aos recorrentes em processo 
 criminal, como vimos, em nosso alcance, manifestamente inexistente.
 
    A argumentação esgrimida pelos defensores da inconstitucionalidade da 
 referida norma de desfavor do recorrente em relação ao respondente, Ministério 
 Público, também se nos apresenta falha de sentido, já que o mandamento da 
 prossecução da tramitação do recurso em conformidade com o regime do processo 
 penal, tendo em conta as especialidades resultantes do regime jurídico 
 contra‑ordenacional (artigo 74.º, n.º 4, do RGCO), inculca claramente a 
 necessidade de limitação/redução dos actos e prazos processuais ao mínimo legal 
 essencial ao acautelamento do princípio geral – que não constitucional, no que 
 ao Ministério Público respeita (cf. artigo 32.º, n.º 10, da CRP) – de 
 contraditório e à regularidade da célere marcha evolutiva do recurso até à 
 decisão final.
 
    Como assim, no pressuposto – aceite – de que ao Ministério Público assistirá 
 o direito de resposta ao recurso, haver‑se‑á, em nosso entender, que considerar 
 que o prazo para o efeito não é o previsto no artigo 413.º, n.º 1, do CPP, mas 
 antes o geral, de 10 (dez) dias, regulado no normativo 105.º, n.º 1, do mesmo 
 diploma legal, aplicável por força do estatuído quer no citado preceito 74.º, 
 n.º 4, quer no artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, que, de novo, determina a adequada 
 adaptação às especificidades do processo contra‑ordenacional dos preceitos 
 reguladores do processo criminal.
 
    A inconstitucionalidade – com força obrigatória geral – declarada pelo citado 
 aresto n.º 27/2006, de 10 de Janeiro, do Tribunal Constitucional, reporta‑se, 
 como resulta claramente do seu conclusivo enunciado, ao entendimento que 
 contemple prazo diferente para o recorrente, de desfavor, em relação ao 
 respondente, o que, em tal situação, se apresentaria como evidente.
 
    É o seguinte o respectivo texto:
 
  
 
    «Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide declarar a 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 
 do artigo 74.º do Decreto‑Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhe 
 foi dada pelo Decreto‑Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, conjugada com o artigo 
 
 411.º do Código de Processo Penal, quando dela decorre que, em processo 
 contra‑ordenacional, o prazo para o recorrente motivar o recurso é mais curto do 
 que o prazo da correspondente resposta, por violação do principio da igualdade 
 de armas, inerente ao principio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do 
 artigo 20.º da Constituição» (realce e sublinhado nossos).
 Naturalmente que, se se inconsiderasse a natureza jurídica de lei especial do 
 RGCO e se olvidasse a sua específica disciplina jurídica, maxime a atinente a 
 recursos, que, nos moldes/limites supra enunciados, temos por segura, 
 ignorando‑se, nomeadamente, a segunda parte do n.º 4 do citado artigo 74.º – «O 
 recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as 
 especialidades que resultam deste diploma» –, e o texto do n.º 1 do artigo 41.º 
 
 – «Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, 
 devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal» – então 
 faria todo o sentido a valoração da respectiva inconstitucionalidade, já que, 
 nessas circunstâncias, se haveria que concluir pelo superior prazo de resposta 
 de 15 dias, previsto para o regime criminal, geral, no artigo 413.º, n.º 1, do 
 CPP).
 Porém, como nos parece juridicamente correcto, em razão de tal evidente 
 especialidade legal – como tal prevalecente sobre o regime geral –, o que se 
 impõe é a sistemática interpretação tendente à redução a 10 (dez) dias do prazo 
 de resposta ao recurso, nos termos supra analisados, e não o inverso (cf. ainda 
 artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil).
 Nesta conformidade, fica devida e cabalmente acautelado o princípio 
 constitucional de igualdade de armas, ínsito no artigo 20.º, n.º 4, da 
 Constituição, salvaguardado pelo citado Acórdão n.º 27/2006, de 10 de Janeiro, 
 do Tribunal Constitucional.
 Decorrentemente do explanado raciocínio, tendo por válido o limite temporal de 
 
 10 dias para interposição do recurso, haver‑se‑á logicamente que concluir pela 
 alertada extemporaneidade da acção recursiva, o que, por consequência, 
 demandará a respectiva rejeição, em conformidade com o disposto nos normativos 
 
 419.º, n.º 4, alínea a), e 420.º, n.º 1, 2.ª parte, com referência ao 
 preceituado no artigo 414.º, n.º 2, do CPP.”
 
  
 
                    Contra este acórdão foram interpostos dois recursos:
 
                    – um, pelo recorrente, para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, por, de acordo com o 
 respectivo requerimento de interposição, o acórdão recorrido ter feito 
 aplicação da norma do artigo 74.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra‑Ordenações 
 
 (RGCO), aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, segundo a qual 
 o prazo de interposição de recurso da decisão judicial é de dez dias, norma que 
 padece de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, 
 consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), tendo 
 já sido julgada inconstitucional pelos Acórdãos n.ºs 1229/06 e 462/2003 e 
 declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão n.º 
 
 27/2006, do Tribunal Constitucional; e
 
                    – outro, pelo Ministério Público, para fixação de 
 jurisprudência, nos termos dos artigos 437.º, n.ºs 2 e 3, e 438.º, n.ºs 1, 2 e 
 
 3, do CPP, por oposição com o decidido no acórdão da Relação de Coimbra, de 5 
 de Maio de 2004, proc. n.º 785/04 (              que julgou ajustado aplicar aos 
 prazos e recurso em matéria contra‑ordenacional a disciplina integral constante 
 dos recursos em processo penal, e decidiu que, de harmonia com o artigo 411.º, 
 n.º 1, do CPP, o prazo é de 15 dias, quer para a motivação, quer para a 
 resposta).
 
                    Por despacho do Desembargador Relator, de 17 de Maio de 2006, 
 decidiu‑se: (i) não admitir, por falta de legitimidade do recorrente, o recurso 
 interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, por o 
 recorrente não ter suscitado em qualquer anterior fase processual a 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 74.º do RGCO; (ii) admitir o recurso 
 interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC; e (iii) 
 diferir para momento posterior, subsequente à decisão do recurso interposto para 
 o Tribunal Constitucional, a apreciação do requerimento de interposição de 
 recurso pelo Ministério Público, para o Supremo Tribunal de Justiça, para 
 fixação de jurisprudência.
 
                    No Tribunal Constitucional, no despacho em que determinou a 
 apresentação de alegações, o relator convidou as partes a pronunciar‑se, 
 querendo, sobre a eventualidade de não conhecimento do recurso interposto ao 
 abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, “por falta de coincidência 
 entre a dimensão normativa declarada inconstitucional pelo Acórdão n.º 27/2006 
 e a dimensão normativa aplicada no acórdão recorrido”.
 
                    O recorrente apresentou alegações – nas quais omite qualquer 
 pronúncia sobre a questão enunciada de eventual não conhecimento do recurso –, 
 no termo das quais formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
    “5.1) – O acórdão ora objecto de recurso fez uma interpretação e aplicação da 
 norma do artigo 74.º, n.º 1, do RGCO que viola, salvo o devido respeito e melhor 
 opinião, o princípio da igualdade (igualdade de armas), tal como ele se 
 encontra previsto nas normas dos artigos 13.º e 20.º, n.º 4, da Constituição da 
 República Portuguesa;
 
    5.2) – Na verdade, padece de inconstitucionalidade a norma constante do n.º 1 
 do artigo 74.º do Decreto‑Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhe 
 foi dada pelo Decreto‑Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, conjugada com o artigo 
 
 411.º do Código de Processo Penal, quando dela decorre que, em processo 
 contra‑ordenacional (como é o caso vertente), o prazo para o recorrente motivar 
 o recurso é mais curto do que o prazo da correspondente resposta, por violação 
 do princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio do processo 
 equitativo, consagrado no artigo 13.º e no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição 
 
 – declaração de inconstitucionalidade que se pede.”
 
    
 
                    O representante do Ministério Público neste Tribunal 
 contra‑alegou, propugnando o não conhecimento do recurso por inverificação dos 
 requisitos do recurso fundado na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, já 
 que “a interpretação normativa feita pela Relação – ao considerar que o prazo 
 para a contramotivação do recurso deve ser apenas de 10 dias – é perfeitamente 
 diversa da que o Tribunal Constitucional apreciou e considerou inconstitucional 
 nos acórdãos‑fundamento indicados”.
 
                    Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                    2. Fundamentação
 
                    2.1. Importará começar por referir que a interposição, pelo 
 Ministério Público, de recurso da decisão ora recorrida para o Supremo Tribunal 
 de Justiça, para fixação de jurisprudência – recurso que, aliás, ainda não foi 
 admitido –, não constitui obstáculo ao conhecimento imediato do presente 
 recurso de constitucionalidade.
 
                    Não se ignora que, apesar do segmento final do n.º 2 do 
 artigo 75.º da LTC (“Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número 
 anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o 
 não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo 
 os destinados a uniformização de jurisprudência”), o Tribunal Constitucional 
 tem entendido que quando a mesma parte interpõe simultaneamente recurso para 
 uniformização de jurisprudência na respectiva ordem jurisdicional e recurso para 
 o Tribunal Constitucional, este não deve conhecer de imediato do correspondente 
 recurso: cf. Acórdãos n.ºs 411/2000, 253/2001, 82/2004 e 222/2004. No referido 
 Acórdão n.º 253/2001 pode ler‑se:
 
  
 
 “Diz‑nos, com efeito, o n.º 2 deste artigo 70.º que os recursos previstos 
 naquela alínea b) do n.º 1 – destinados a apreciação de norma aplicada em 
 decisão judicial, cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o 
 processo – apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a 
 lei o não prever ou por já se terem esgotado todos os recursos ordinários que no 
 caso cabiam, salvo os destinados à uniformização de jurisprudência.
 Surpreendiam‑se divergências jurisprudenciais quanto a saber se o recurso de 
 uniformização, a não ser admitido, mormente por se entender não se verificar a 
 alegada oposição de julgados, precludia ou não a possibilidade de interpor 
 recurso de constitucionalidade.
 Com as alterações introduzidas na Lei n.º 28/82, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de 
 Fevereiro, particularmente ao aditar‑se ao artigo 70.º o n.º 6, o problema 
 ficou resolvido negativamente, ou seja, no sentido de não recair sobre a parte o 
 
 ónus de esgotar os recursos ordinários que, como fim específico, visam alcançar 
 a uniformização de jurisprudência no âmbito de dada ordem jurisdicional.
 Assim, pode a parte optar por, em vez de recorrer logo para o Tribunal 
 Constitucional, se dirigir ao Pleno do STA, no objectivo de uniformizar 
 jurisprudência, não vendo precludida a possibilidade de impugnar a decisão 
 perante o Tribunal Constitucional se, porventura, o Pleno se pronunciar 
 desfavoravelmente à sua pretensão, conhecendo, designadamente, de mérito.
 
 4. O interessado, na verdade, requereu, por um lado, a reforma do acórdão  
 
 (...) e, simultaneamente, interpôs recurso para o Pleno da Secção do 
 Contencioso Administrativo do STA, por oposição de julgados, invocando o 
 disposto nos artigos 24.º, alínea b), do ETAF e 103.º, n.º 1, alínea a), da 
 LPTA.
 E, por outro lado, recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do citado 
 artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82.
 Mas, sendo assim, é manifesto que o facto de ter recorrido, também, para o 
 Pleno da Secção do STA (não se discutindo, aqui e agora, se o podia fazer), 
 significa não ter sido proferida, ainda, a última palavra sobre o litígio em 
 causa, no âmbito da jurisdição administrativa, o que levaria a concluir não se 
 encontrar verificado, ainda, aquele pressuposto de prévia exaustão, necessário 
 para a admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
 A este propósito, observou-se em recente acórdão deste Tribunal – o n.º 
 
 411/2000, de 3 de Outubro de 2000, ainda por publicar – que, perante a opção 
 feita, mantém‑se a viabilidade de recurso ordinário, que só se esgotaria após a 
 decisão do Pleno (e sempre haveria possibilidade de recorrer para o Tribunal 
 Constitucional, de acordo com o n.º 6 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82).
 Ou seja, representar‑se‑ia nesta situação – e a ser recebido o recurso para o 
 Pleno – outro fundamento para não conhecer do objecto do recurso, a não preceder 
 o primeiramente consignado.”
 
  
 
                    Este entendimento foi reiterado pelos Acórdãos n.ºs 82/2004 e 
 
 222/2004, sublinhando este último que:
 
  
 
    “4. Ao indicado acresceu, porém, um outro fundamento, na decisão reclamada, 
 só por si bastante também para se não poder tomar conhecimento do recurso: a 
 circunstância de, no momento da interposição do recurso para o Tribunal 
 Constitucional, fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, estar pendente, por ter sido interposto pela própria reclamante, 
 recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência. Ora, como resulta da 
 jurisprudência deste Tribunal (designadamente, dos acórdãos n.ºs 411/2000 e 
 
 253/2001, este último transcrito, na parte relevante, na decisão reclamada), tal 
 
 «dupla e simultânea utilização» do recurso de constitucionalidade e do recurso 
 para uniformização de jurisprudência não [é] permitida pela previsão do artigo 
 
 70.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, que apenas permite a imediata 
 interposição do recurso de constitucionalidade, não exigindo, para o 
 esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam, a interposição de 
 recurso de uniformização de jurisprudência. Como, porém, resulta também da 
 jurisprudência deste Tribunal, em caso de efectiva interposição, simultaneamente 
 com o recurso de constitucionalidade, do recurso de uniformização de 
 jurisprudência, não pode tomar‑se logo conhecimento do primeiro, por ainda não 
 ter sido proferida a «última palavra dentro da ordem judicial de que emergiu o 
 recurso». Sem prejuízo do recurso que possa eventualmente ser interposto após a 
 decisão a proferir naquele recurso para uniformização de jurisprudência, é 
 evidente que a decisão proferida posteriormente neste não pode legitimar, como 
 que «retroactivamente», a dupla e simultânea utilização, pela recorrente, dos 
 dois meios impugnatórios, levando a que se deva tomar conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade anteriormente interposto.”
 
  
 
                    Este entendimento, porém, foi circunscrito a situações em que 
 era o mesmo o recorrente para o Tribunal Constitucional e no recurso para 
 fixação de jurisprudência, e visava evitar a dupla e simultânea utilização, pela 
 mesma parte, das duas vias de impugnação, não se justificando a sua extensão a 
 situações em que o recurso para fixação de jurisprudência foi interposto por 
 interveniente processual diverso do recorrente para o Tribunal Constitucional. 
 Na verdade, nesta última situação, seria excessivo privar o recorrente 
 constitucional da faculdade de imediato acesso ao Tribunal Constitucional 
 quando não lhe é imputável a simultânea duplicação das vias impugnatórias e 
 tendo presente que a razão de ser da norma da parte final do n.º 2 do artigo 
 
 70.º da LTC se prende com a incerteza que frequentemente rodeia a existência, 
 em cada caso, da possibilidade de interposição de recurso de uniformização de 
 jurisprudência, dependente da verificação de variados requisitos, em especial 
 o relativo à existência de anterior decisão judicial divergente sobre a mesma 
 questão de direito, no domínio da mesma legislação, que, para além da 
 divergências de juízos que o apuramento desta mesmidade da questão sempre pode 
 suscitar, pressuporia um conhecimento completo e actualizado da jurisprudência 
 de diversos tribunais, dificilmente alcançável em curto termo.
 
                    Nesta perspectiva, pois, nenhum obstáculo se depara à 
 apreciação do presente recurso.
 
  
 
                    2.2. Como se relatou, o recurso foi interposto ao abrigo das 
 alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, mas só foi admitido, pelo 
 Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra, a coberto desta última 
 alínea, não tendo o recorrente impugnado a decisão expressa de não admissão do 
 recurso ao abrigo da alínea b).
 
                    Resta, assim, o recurso interposto ao abrigo da alínea g) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cuja admissibilidade depende, além do mais, do 
 apuramento de ter a decisão recorrida aplicado norma já anteriormente julgada 
 
 [ou declarada – acrescente‑se (cf., entre outros, o Acórdão n.º 374/99)] 
 inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
 
                    Ora, no caso, não se verifica esse requisito de identidade 
 entre a dimensão normativa anteriormente julgada (ou declarada) 
 inconstitucional pelo Tribunal Constitucional e a dimensão normativa aplicada, 
 como ratio decidendi, pela decisão recorrida. Com efeito, no citado Acórdão n.º 
 
 27/2006, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força 
 obrigatória geral, da norma questionada “quando dela decorre que, em processo 
 contra‑ordenacional, o prazo para o recorrente motivar o recurso é mais curto do 
 que o prazo da correspondente resposta, por violação do principio da igualdade 
 de armas, inerente ao principio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do 
 artigo 20.º da Constituição” (realce acrescentado), partindo da interpretação – 
 seguida pelas decisões sobre que recaíram os juízos de inconstitucionalidade a 
 cuja generalização procedeu, interpretação essa cuja correcção, em sede de 
 direito ordinário, não competia ao Tribunal Constitucional apreciar – de que o 
 prazo para a resposta era de 15 dias, superior ao prazo de 10 dias para a 
 motivação do recurso da decisão da impugnação judicial da decisão administrativa 
 sancionatória de infracção contra‑ordenacional. Diferentemente, no presente 
 caso, o acórdão recorrido não adoptou essa interpretação, considerando que o 
 prazo para a resposta ao recurso jurisdicional era de 10 dias, tal como o prazo 
 concedido ao recorrente, não competindo ao Tribunal Constitucional 
 pronunciar‑se sobre a bondade desse entendimento, em sede de interpretação do 
 direito ordinário. Não aplicou, assim, a decisão recorrida a interpretação 
 considerada inconstitucional pelo Acórdão n.º 27/2006, o que, por falta do 
 apontado requisito, implica que o recurso interposto ao abrigo da alínea g) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da LTC – único admitido no tribunal a quo – é inadmissível, 
 o que determina o não conhecimento do seu objecto.
 
  
 
                    3. Decisão
 
                    Em face do exposto, acordam em não conhecer do presente 
 recurso.
 
                    Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 10 
 
 (dez) unidades de conta.
 
                    Lisboa, 18 de Outubro de 2006.
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Silva Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos