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Processo nº 621/07
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
 
 
  
 
  
 
            Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
  
 Relatório
 A. e B. foram condenados, em cúmulo jurídico, por acórdão da 1ª Vara de 
 Competência Mista de Sintra, proferido em 19-1-2007 e depositado no mesmo dia na 
 secretaria, nas penas de 3 anos e 6 meses de prisão e 4 anos de prisão, 
 respectivamente.
 
  
 Por requerimento entrado em 22-01-2007 aqueles arguidos vieram solicitar a 
 confiança das gravações efectuadas na audiência de julgamento para efeito de 
 interposição de recurso de tal aresto.
 
  
 Por despacho datado de 24-01-2007 entendeu-se nada ter a opor ao requerido, 
 devendo, para tanto, os interessados depositar na Secretaria as cassetes 
 necessárias à pretendida duplicação. 
 
  
 Este despacho foi notificado aos arguidos por carta registada enviada ao seu 
 mandatário em 30-1-2007.
 
  
 Em 2-2-2007 os arguidos entregaram os suportes magnéticos necessários para a 
 duplicação da prova gravada em audiência de julgamento.
 Em 6-2-2007 a secretaria entregou ao mandatário dos arguidos o suporte magnético 
 da prova produzida na audiência de julgamento.
 
  
 Os arguidos interpuseram recurso do acórdão condenatório para o Tribunal da 
 Relação de Lisboa, por requerimento que deu entrada no Tribunal em 22-02-2007, 
 tendo sido remetido pelo correio no dia anterior, em que impugnaram a decisão 
 sobre a matéria de facto, com fundamento no teor dos depoimentos gravados 
 prestados na audiência de julgamento.
 
  
 O recurso foi admitido no Tribunal recorrido.
 
  
 O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 8 de Maio de 2007, rejeitou este 
 recurso, com fundamento na sua intempestividade, com os seguintes argumentos:
 
 “Dispõe o Art.º 411º, n.º 1 do C.P.Penal que o prazo para interposição do 
 recurso é de 15 dias e conta-se a partir da notificação da decisão ou, 
 tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria. 
 Verifica-se, pois, que a lei passou a fazer depender a contagem do prazo de 
 recurso do depósito na secretaria, isto, de certo, para evitar incertezas acerca 
 do início do mesmo, atendendo a alguma prática de publicação de sentenças sem 
 que fosse correspondente e simultaneamente facultado às partes o acesso ao seu 
 teor. 
 Aliás, neste sentido se pronunciou já o colendo S.T.J., segundo o qual: “I – O 
 prazo para interposição de recurso conta-se a partir da data da leitura e 
 depósito na secretaria, ainda que tenha sido deferido o requerimento do 
 assistente para ser notificado por carta registada no seu escritório, como foi 
 feito. II – A carta registada remetida a comunicar o teor do acórdão não tem a 
 virtualidade de transferir o início do prazo para a interposição do recurso.” 
 
 (cfr. Acórdão de 15-01-1997, C. J. – Acórdãos do S.T.J., Ano V, Tomo I – 1997, 
 págs. 200 e seg.). 
 E não se nos afigura que este entendimento seja susceptível de atentar contra 
 qualquer exigência de ordem constitucional respeitante às garantias de defesa do 
 arguido (cfr. Art.º 32º, n.º 1 da C.R.P.). 
 Por outro lado, é certo que, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de 
 facto, o recorrente deve especificar os pontos de facto que considera 
 incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida e 
 as provas que devem ser renovadas, devendo as duas últimas especificações serem 
 feitas por referência aos suportes técnicos quando as provas tenham sido 
 gravadas (cfr. Art.º 412º, n.ºs 3, alíneas a), b) e c) e 4, do supra aludido 
 diploma de direito adjectivo penal). 
 Porém, o prazo de interposição de recurso é sempre o mesmo (o acima indicado), 
 quer se trate de recurso que incida exclusivamente sobre matéria de direito, 
 quer se trate de recurso que vise somente a impugnação da decisão sobre matéria 
 de facto, quer, ainda, se trate de recurso que, simultaneamente, verse matéria 
 de direito e impugne a decisão sobre matéria de facto e conta-se, em qualquer 
 dos casos, do depósito da sentença na secretaria. 
 E dizemos isto porque, seguramente, a lei não estabelece qualquer distinção, nem 
 quanto ao prazo, nem quanto ao momento a partir do qual se inicia a respectiva 
 contagem. 
 Afigura-se-nos, também, que o normativo supra citado não carece de qualquer 
 integração, nem entra em contradição com qualquer outra norma processual penal. 
 Limita-se, tão só, a definir o prazo para a interposição de recurso, bem como a 
 determinar o momento a partir do qual se conta o mesmo e, por isso, não se 
 consegue vislumbrar que entre em colisão com qualquer outra norma do ordenamento 
 processual penal. 
 Deste modo, a questão fica delimitada à indagação da existência de uma lacuna 
 teleológica, ou seja, averiguar se a ausência de uma disposição especial 
 concedendo um acréscimo ao prazo de interposição de recurso quando vise a 
 impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto contraria o escopo visado 
 pelo legislador, subjacente à regulamentação legal da matéria de recursos. 
 Contudo, perante a teleologia imanente a todo o complexo normativo que constitui 
 o ordenamento processual penal, não pode, em nosso entender, ser afirmada a 
 existência de uma lacuna nesses termos. 
 Na verdade, verifica-se, desde logo, que o legislador sublinhou, no preâmbulo do 
 C.P.Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87 de 17 de Fevereiro (cfr. Ponto 
 III, n.ºs 8 e 9) que uma das motivações que esteve na primeira linha dos 
 trabalhos da reforma do processo penal foi a procura de uma maior celeridade e 
 eficiência na administração da justiça penal. 
 E, nessa linha, aí se deixou consignado, nomeadamente, que “a eficiência é, por 
 um lado, o espelho da capacidade do ordenamento jurídico e do seu potencial de 
 prevenção, que, sabe-se bem, tem muito mais a ver com a prontidão e a segurança 
 das reacções criminais do que com o seu carácter mais ou menos drástico” e, 
 ainda, que “a celeridade é também reclamada pela consideração dos interesses do 
 próprio arguido, não devendo levar-se a crédito do acaso o facto de a 
 Constituição, sob influência da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, lhe 
 ter conferido o estatuto de um autêntico direito fundamental”. 
 Foi, por isso, propósito do legislador “reduzir ao mínimo a duração” dos 
 processos penais. 
 Constata-se, assim, que o propósito de aceleração processual aflora-se em 
 alterações e inovações, umas directamente preordenadas à aceleração processual, 
 outras apresentando pelo menos uma inquestionável valência neste sentido. 
 Sendo forçoso, de igual modo, salientar que a favor directamente da aceleração 
 processual está, sem dúvida, a nova disciplina em matéria de prazos. 
 Por outro lado, os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos 
 estabelecidos por lei, nos casos especificados nos n.ºs 2, 5 e 6 do Art.º 107º 
 do C.P.Penal. 
 Na primitiva versão, o acto só poderia ser praticado fora de prazo desde que se 
 provasse justo impedimento (n.º 2). 
 Com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 317/95 de 28 de Novembro, 
 foi aditado o n.º 5 que veio permitir o recurso ao regime do processo civil 
 sobre os prazos (Art.º 145º, n.ºs 5 e 6 do C.P.Civil). 
 O actual n.º 6 foi introduzido pela Lei n.º 59/98 de 25 de Agosto. 
 Com o novo n.º 6 é dada a possibilidade ao juiz de, em função da excepcional 
 complexidade do processo, prorrogar certos e determinados prazos a requerimento 
 do assistente, do arguido ou das partes civis. 
 Todavia, a prorrogação dos prazos aí prevista é excepcional e justificada pela 
 especial complexidade do procedimento, tendo de ser expressamente requerida (não 
 pode ser oficiosamente concedida) e, ainda assim, a possibilidade de prorrogação 
 só existe para certos prazos taxativamente definidos na lei [prazo do Art.º 78º 
 
 (contestação do pedido cível), prazo do Art.º 287º (requerimento para abertura 
 da instrução) e prazo do Art.º 315.º (apresentação da contestação e rol de 
 testemunhas para julgamento)]. 
 Torna-se, igualmente, imperioso referir que o legislador, em 1998, apesar de 
 conhecedor do regime consagrado no processo civil, não entendeu incluir no n.º 6 
 do Art.º 107º sequer a possibilidade de prorrogação do prazo fixado no Art.º 
 
 411º, n.º 1, para o recurso que vise a impugnação da decisão proferida sobre 
 matéria de facto, nem incluiu, nesta última disposição legal, sobre a qual se 
 debruçou, alterando-a, norma correspondente ao n.º 6 do Art.º 698º do C.P.Civil. 
 
 
 Atendendo a que a disciplina em matéria de prazos visa corresponder à celeridade 
 que se quis imprimir ao processo penal e ao facto de o legislador, recentemente, 
 ter introduzido alterações na matéria, consagrando a possibilidade de 
 prorrogação de prazos em casos taxativamente definidos nos quais não incluiu a 
 interposição de recurso em matéria de facto, parece-nos seguro concluir que a 
 não previsão, ao nível do processo penal, de norma correspondente ao n.º 6 do 
 Art.º 698º do C.P.Civil traduz uma pensada opção legislativa, não podendo, pois, 
 afirmar-se a existência de uma lacuna teleológica. 
 Daí que, só se possa, legitimamente, concluir que, relativamente aos recursos em 
 processo penal que visem a impugnação da decisão proferida em matéria de facto, 
 não se aplica o supra mencionado normativo de direito adjectivo civil (cfr. 
 Acórdão do S.T.J. de fixação de jurisprudência n.º 9/2005, de 11 de Outubro de 
 
 2005, in D.R. Série I-A de 6 de Dezembro do mesmo ano). 
 E que, outrossim, não se pode olvidar que, conforme vem assinalado na 
 fundamentação de tal acórdão, a gravação da prova, enquanto meio que permite 
 proporcionar a reapreciação da decisão em matéria de facto pelo tribunal de 
 recurso, está submetida a modos regulamentados de execução (cfr. Art.ºs 3º a 9º 
 do Decreto-Lei n.º 39/95 de 15 de Fevereiro), avultando, no que para estes autos 
 importa, a circunstância de os suportes técnicos respectivos deverem ser 
 colocados pelo tribunal à disposição das partes no prazo máximo de oito dias a 
 contar da respectiva diligência. 
 Nesta conformidade, estatui o Art.º 7º do sobredito diploma que o tribunal 
 facultará cópia das gravações, devendo o mandatário, com a respectiva 
 solicitação, fornecer as fitas magnéticas necessárias, sendo que a resposta do 
 tribunal no prazo máximo que a lei impõe (oito dias) se harmoniza, por modo 
 adequado, com o exercício do direito ao recurso nos prazos fixados, isto até 
 por que, em caso de demora na disponibilidade das cópias, o interessado sempre 
 disporá da faculdade de invocar justo impedimento. 
 Aliás, entendendo-se, como se deixou já exarado supra, inexistir qualquer lacuna 
 no regime dos recursos penais em matéria de facto que cumpra suprir, não poderá 
 nunca obter-se alargamento do prazo da respectiva interposição com o fundamento 
 na necessidade prévia de obtenção de cópias dos registos magnéticos. 
 Até porque a motivação em processo penal constitui, quando bem interpretada na 
 sua função e finalidade processual, apenas uma delimitação do objecto do recurso 
 e a enunciação dos fundamentos, sendo o desenvolvimento dos fundamentos do 
 recurso objecto de intervenções posteriores, seja nas alegações na audiência 
 seja, quando o recorrente o requeira, em alegações escritas (cfr., nomeadamente, 
 Acórdão do S.T.J. de 03-03-2005, Processo 335/05-3ª Secção, in 
 
 www.pgdlisboa.pt). 
 Em regra, o recorrente, logo após a entrega das cópias, poderá facilmente 
 elaborar as motivações de recurso, mediante a especificação reportada aos 
 suportes técnicos, tal como lhe é exigido pelo estabelecido no Art.º 412º, n.º 
 
 4, com referência ao seu n.º 3, alíneas b) e c), do C.P.Penal. 
 Na medida em que, podendo os suportes técnicos referentes à prova gravada estar 
 
 à disposição do recorrente desde o início do prazo de interposição do recurso, 
 não se consegue vislumbrar motivo válido para entendimento diverso, 
 designadamente para o alargamento do respectivo prazo, sendo certo que de tal 
 entendimento não advém o cercear de quaisquer garantias de defesa 
 constitucionalmente consagradas. 
 O Tribunal Constitucional teve mesmo oportunidade de se pronunciar já pela 
 constitucionalidade da norma processual penal respectiva – Art.º 411º do 
 C.P.Penal –, no caso do recurso visar a reapreciação da prova gravada, tendo 
 considerado que o prazo de 15 dias estabelecido naquele dispositivo não ofende 
 as garantias de defesa consagradas na lei fundamental por não constituir um 
 encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido (cfr. Acórdão 
 n.º 542/04 de 15 de Julho, em que foi relator o Exm.º Conselheiro Benjamim 
 Rodrigues). 
 Porém, quando a ultimação das motivações de recurso não for susceptível de 
 ocorrer, mormente por demora na disponibilidade das pretendidas cópias, sempre 
 poderá o recorrente usar da faculdade de invocar justo impedimento e de assim 
 vir a ser admitida a prática do acto fora do prazo “normal” de 15 dias 
 legalmente previsto para a interposição do recurso em processo penal. 
 Todavia, in casu, conforme se verifica, os arguidos nada invocaram nesse 
 sentido. 
 Aliás, não pode sequer deixar, ainda, de se salientar que, na data em que os 
 mesmos deduziram o requerimento de fls. 812, já há muito expirara, quer o prazo 
 máximo de 8 dias a contar de cada uma das sessões de audiência de julgamento (a 
 
 última sessão em que se registou produção de prova teve lugar em 20-12-2006), 
 quer o prazo de 3 dias de que dispunham para reclamar quanto à qualidade da 
 própria gravação. 
 Afigurando-se-nos, por outro lado, até que os recorrentes estiveram 
 particularmente atentos no que concerne à possibilidade do concreto e atempado 
 exercício da supra mencionada faculdade legal, tanto mais que, em momento 
 anterior – 09-11-2006 –, haviam solicitado já a confiança das gravações 
 efectuadas na sessão de julgamento ocorrida em 07-11-2006, o que lhes foi então 
 deferido (cfr. fls. 734 a 736). 
 Por conseguinte, dificilmente se concebe – nem vem sequer invocada – uma 
 efectiva impossibilidade de acesso ao suporte material da prova gravada, 
 geradora de justo impedimento, relativamente à não apresentação das motivações 
 de recurso no decurso do prazo de 15 dias previsto na lei para esse efeito. 
 Daí que, por força do que acaba de se expender, não se vislumbre a existência de 
 qualquer interpretação inconstitucional, maxime do estatuído nos Art.ºs 411º, 
 n.º 1 e 412º, n.ºs 3 e 4 do C.P.Penal, reportada ao consagrado no Art.º 32º da 
 C.R.P. 
 Nestes termos, impõe-se concluir que o recurso deduzido pelos arguidos A. e B. é 
 manifestamente extemporâneo, uma vez que, à data da sua interposição, estava já 
 precludida, de forma irremediável, a faculdade de reapreciação da matéria 
 objecto do mesmo. 
 O que decorre, desde logo, da circunstância do prazo, para tal efeito, ter 
 terminado no dia 05-02-2007 e, com pagamento de multa, em 08-02-2007. 
 Deve, por isso, tal recurso ser rejeitado por se verificar causa que devia ter 
 determinado a sua não admissão (Art.º 420º, n.º 1, segundo segmento, do 
 C.P.Penal), sendo, por outro lado, certo que o despacho de admissão do mesmo, 
 afirmando, implicitamente, a sua tempestividade, não vincula este tribunal 
 
 (Art.º 414º, n.º 3 do predito Código). 
 Por conseguinte, só pode, de uma forma patente, concluir-se que a Digna 
 Magistrada do Mº Pº junto deste Tribunal tem razão naquilo que suscitou a título 
 de questão prévia, o que, deste modo, obsta a que se tome conhecimento do teor 
 do sobredito recurso”.
 
  
 Desta decisão interpuseram os arguidos recurso para o Tribunal Constitucional, 
 ao abrigo do disposto nas alíneas b) e g), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei de 
 Organização Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos 
 seguintes termos:
 
 “Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 411.º, n.º 
 
 1, do Código de Processo Penal (abreviadamente, CPP) quando interpretada no 
 sentido com que foi aplicada no douto Acórdão, isto é, que o prazo para a 
 interposição de recurso em que se impugne a decisão da matéria de facto e as 
 provas produzidas em audiência tenham sido gravadas, se conta sempre a partir da 
 data do depósito da sentença na secretaria, e não da data da disponibilização 
 das cópias dos suportes magnéticos, tempestivamente requeridas pelo arguido 
 recorrente, por as considerar essenciais para o exercício do direito de recurso. 
 
 
 Tal norma, na interpretação com que foi aplicada, viola o artigo 32.º, n.º 1 da 
 Constituição”.
 
  
 Os arguidos apresentaram alegações, com as seguintes conclusões:
 
 “I. Com o recurso da decisão da 1ª instância, pretenderam os recorrentes 
 impugnar a douta decisão proferida sobre a matéria de facto. 
 II. Nesse sentido, tendo havido gravação da prova e atento o disposto nos 
 números 3 e 4 do art. 412.º do CPP, os recorrentes requereram oportunamente (no 
 
 1.º dia útil seguinte à leitura do douto Acórdão), que lhe fosse facultado o 
 acesso às gravações das (diversas) sessões da audiência de julgamento. 
 III. A formação esclarecida da vontade de recorrer, por parte dos arguidos 
 condenados, e o adequado cumprimento por estes dos ónus que a lei de processo 
 penal impõe aos recorrentes que pretendam impugnar a decisão proferida sobre a 
 matéria de facto, no caso da gravação da audiência, implicam, em regra, o acesso 
 aos suportes técnicos que corporizam a gravação da audiência e das provas nela 
 produzidas. 
 IV. A invocação, perante o tribunal que proferiu a decisão condenatória, da 
 necessidade do acesso às ditas gravações para estruturar adequadamente a 
 motivação do recurso, constitui invocação de justo impedimento, susceptível de 
 diferir no tempo o início do prazo para a interposição e motivação do recurso em 
 que questione a matéria de facto. 
 V. É inconstitucional, por violação do direito ao recurso previsto no artigo 
 
 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa 
 do artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que implica que o prazo para 
 interpor e motivar o recurso se conta inexoravelmente do depósito da sentença na 
 secretaria, mesmo nos casos em que os arguidos/recorrentes hajam requerido o 
 acesso à gravação da audiência por necessidade de obtenção de cópia de tal 
 gravação para o exercício do direito ao recurso”.
 
  
 O Ministério Público concluiu do seguinte modo as suas contra-alegações:
 
 É materialmente inconstitucional, por violação do direito ao recurso, consagrado 
 no nº 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação 
 do nº 1 do artigo 411º do Código de Processo Penal que conta, em termos 
 absolutamente peremptórios e preclusivos, o prazo de interposição e motivação do 
 recurso do arguido da data do depósito da sentença condenatória, desvalorizando 
 o acesso às gravações que corporizam a prova que sustenta aquela condenação, 
 mesmo nos casos em que o arguido tenha agido com a diligência devida para a 
 respectiva obtenção e haja revelado, com a sua conduta processual, a 
 essencialidade de tal acesso para a formação esclarecida da vontade de recorrer. 
 
 
 Termos em que deverá proceder o presente recurso”.
 
  
 
 *
 Fundamentação
 A questão decidenda é a de saber se a interpretação da regra do artº 411º, nº 1, 
 do C.P.P., de que o prazo de 15 dias para interposição de recurso de sentença se 
 conta a partir do depósito desta na secretaria, mesmo quando a disponibilização 
 dos suportes magnéticos da prova produzida em audiência ocorra em data posterior 
 e se impugne a decisão da matéria de facto, viola o direito do arguido ao 
 recurso previsto no artº 32º, nº 1, da C.R.P..
 O direito de defesa do arguido em processo penal, constitucionalmente estatuído, 
 
 é uma cláusula geral que inclui não só todas as garantias explicitadas nos 
 diversos números do artº 32º, da C.R.P., mas também todas as demais que decorram 
 da necessidade de efectiva defesa do arguido.
 Este preceito deve ser interpretado à luz do denominado processo penal 
 equitativo e leal, no qual o Estado, ao fazer valer o seu jus puniendi, deve 
 actuar com respeito pela pessoa do arguido, considerando-o um sujeito processual 
 a quem devem ser asseguradas todas as possibilidades de contrariar a acusação, 
 de ser julgado por um tribunal independente e do processo decorrer com lealdade 
 de procedimentos, considerando-se ilegítimas quaisquer disposições, ou suas 
 interpretações, que impliquem uma diminuição inadmissível das possibilidades de 
 defesa do arguido.
 Uma das manifestações deste direito à defesa, actualmente (desde a Revisão de 
 
 1997) com consagração específica no texto constitucional (artº 32º, nº 1, in 
 fine) é o direito ao recurso.
 De modo a garantir a possibilidade de defesa contra a prolação de decisões 
 injustas, deve ser assegurada ao arguido a possibilidade de as impugnar para um 
 segundo grau de jurisdição, delas recorrendo.
 Mas, para que esta possibilidade seja efectiva, é necessário que as normas 
 processuais que regulamentam o direito ao recurso assegurem que o arguido 
 recorrente tenha a possibilidade de analisar e avaliar criteriosamente os 
 fundamentos da decisão recorrida, de forma a permitir-lhe um exercício 
 consciente, fundado e eficaz desse seu direito.
 Entre essas normas deve constar o estabelecimento de um prazo razoável para 
 apresentação do recurso, de forma a permitir que a ponderação e o labor 
 necessário para a prática desse acto decorra em período confortavelmente 
 suficiente para a sua realização.
 Entre os fundamentos da sentença encontra-se a decisão sobre a matéria de facto 
 considerada provada ou não provada, a qual deve ser motivada de acordo com os 
 meios de prova apresentados (artº 374º, nº 2, do C.P.P.).
 Os meios de prova orais produzidos em audiência de julgamento podem ser objecto 
 de gravação, de modo a possibilitar o controle da correcção daquela decisão 
 
 (artº 363º, do C.P.P.).
 Assim, quando tenha ocorrido essa gravação, o respectivo suporte magnético é um 
 elemento essencial para que o arguido tenha a possibilidade de analisar e 
 avaliar criteriosamente a correcção dos fundamentos da decisão de facto, de 
 forma a permitir-lhe um exercício consciente, fundado e eficaz do seu direito ao 
 recurso. 
 Por isso, o prazo para o exercício deste direito só pode ser contabilizado 
 quando tais suportes sejam disponibilizados pela secretaria do Tribunal para 
 serem consultados pelo arguido, desde que a demora nessa disponibilização não 
 seja imputável ao próprio arguido.
 E para que se difira o início da contagem deste prazo para esse instante, não se 
 deve exigir ao arguido que requeira tal alteração, com fundamento em justo 
 impedimento, nos termos do artº 107º, nº 2 a 4, do C.P.P.. 
 Uma vez que esse impedimento se encontra documentado nos autos, tendo dele 
 conhecimento o tribunal, por virtude do exercício das suas funções, deve, 
 oficiosamente, considerar-se como início do prazo para o arguido recorrer, a 
 data em que lhe disponibilizou os suportes magnéticos, em solução semelhante à 
 prevista no artº 146º, nº 3, do C.P.C..
 A necessidade de nestes casos o prazo para o arguido recorrer só se iniciar com 
 a disponibilização pela secretaria dos suportes magnéticos da gravação da 
 produção de prova, resultante da aplicação do direito ao recurso, consagrado no 
 artº 32º, nº 1, da C.R.P., tem sido afirmada reiteradamente pelo Tribunal 
 Constitucional (vide a fundamentação dos Acórdãos nº 433/02, pub. em “Acórdãos 
 do Tribunal Constituciona”l, 54º vol., pág. 551, 542/04, pub. em “Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional”, 60º vol., pág. 349, 17/06,, pub. em Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 64º vol., pág. 273, 545/06 e 546/06, ambos pub. no 
 Diário da República, II Série, de 6-11-2006, e 194/07, disponível no site 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), tendo, inclusive, os três últimos acórdãos 
 referidos proferido o seguinte julgamento:
 Ac. 545/06 - “Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da 
 Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 411.º, n.º 1, 
 do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de o prazo para a 
 interposição de recurso em que se impugne a decisão da matéria de facto e as 
 provas produzidas em audiência tenham sido gravadas, se conta sempre a partir 
 da data do depósito da sentença na secretaria, e não da data da disponibilização 
 das cópias dos suportes magnéticos, tempestivamente requeridas pelo arguido 
 recorrente, por as considerar essenciais para o exercício do direito de 
 recurso”;
 Ac. 546/06 – “Julgar inconstitucional a norma do artigo 411º, nº 1, do Código de 
 Processo Penal, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição, interpretado 
 no sentido de ao prazo de 15 dias referido nesse preceito não acrescer o período 
 de tempo em que o arguido não pôde ter acesso às gravações da audiência, desde 
 que se pretenda impugnar a matéria de facto e desde que o arguido actue com a 
 diligência devida”;
 Ac. 194/07 – “Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da 
 Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 411.º, n.º 1, 
 do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o prazo para a 
 interposição de recurso em que se impugne a decisão da matéria de facto e as 
 provas produzidas em audiência tenham sido gravadas, se conta sempre a partir da 
 data do depósito da sentença na secretaria, e não da data da disponibilização 
 das cópias dos suportes magnéticos, tempestivamente requeridas pelo arguido 
 recorrente, por as considerar essenciais para o exercício do direito de 
 recurso”.
 Como o recurso constitucional tem natureza instrumental, só se justificando que 
 dele se conheça se o mesmo tiver utilidade para a decisão de fundo, pois, de 
 contrário, estar-se-ia a decidir uma pura questão académica, importa verificar 
 se, neste caso, a não aplicação da citada doutrina tem influência na decisão de 
 não admissão do recurso interposto pelos arguidos.
 Relembrando a tramitação processual relativa à interposição do recurso:
 
 - Em 19-1-2007 (sexta-feira) foi lida a sentença condenatória dos arguidos, a 
 qual foi depositada no mesmo dia na secretaria.
 
 - Por requerimento, entrado em 22-01-2007 (primeiro dia útil seguinte ao do 
 depósito da sentença) os arguidos vieram solicitar a confiança das gravações 
 efectuadas na audiência de julgamento para efeito de interposição de recurso de 
 tal aresto.
 
 - Por despacho, datado de 24-01-2007, entendeu-se nada ter a opor ao requerido, 
 devendo, para tanto, os interessados depositar na secretaria as cassetes 
 necessárias à pretendida duplicação. 
 
 - Este despacho foi notificado aos arguidos por carta registada enviada ao seu 
 mandatário em 30-1-2007.
 
 - Em 2-2-2007 (dentro dos 3 dias em que se presume que aquela carta foi 
 recepcionada pelo destinatário) os arguidos entregaram os suportes magnéticos 
 necessários para a duplicação da prova gravada em audiência de julgamento.
 
 - Em 6-2-2007 a secretaria entregou ao mandatário dos arguidos o suporte 
 magnético da prova produzida na audiência de julgamento.
 
 - Os arguidos remeteram pelo correio em 21-2-2007 o requerimento de interposição 
 de recurso para o tribunal recorrido.
 Apesar dos arguidos terem a possibilidade de requerer a entrega dos suportes 
 magnéticos no fim de cada sessão de julgamento com produção de prova, apenas 
 lhes é exigível que solicitem essa entrega após terem conhecimento do conteúdo 
 da sentença, para efeitos de ponderarem a oportunidade de impugnarem a decisão 
 sobre a matéria de facto e de fundamentarem esse acto, pois, só com esse 
 conhecimento se justifica que sintam a necessidade de consultar tais registos.
 Assim, da sequência de actos processuais acima descrita verifica-se que os 
 arguidos, apesar de terem agido com a diligência exigível para que lhes fossem 
 disponibilizados os suportes magnéticos da gravação da prova produzida em 
 audiência, estes apenas lhes foram facultados em 6-2-2007, quando já tinha 
 terminado o prazo de 15 dias para interporem recurso (este prazo terminava em 
 
 5-2-2007), caso a contagem deste se iniciasse com o depósito da sentença, tendo 
 apresentado o requerimento de interposição de recurso dentro do prazo de 15 dias 
 após a disponibilização pela secretaria dos referidos suportes magnéticos. 
 Por isso, faz todo o sentido que se declare a inconstitucionalidade da 
 interpretação normativa que presidiu à decisão de não admissão do recurso 
 interposto pelos arguidos para o Tribunal da Relação de Lisboa, nos mesmos 
 termos em que já decidiram os citados acórdãos nº 545/06 e 194/07.
 
  
 
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 Decisão
 Pelo exposto, acorda-se em:
 a) julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição 
 da República Portuguesa, a norma constante do artigo 411.º, n.º 1, do Código de 
 Processo Penal, interpretada no sentido de o prazo para a interposição de 
 recurso em que se impugne a decisão da matéria de facto e as provas produzidas 
 em audiência tenham sido gravadas, se conta sempre a partir da data do depósito 
 da sentença na secretaria, e não da data da disponibilização das cópias dos 
 suportes magnéticos, tempestivamente requeridas pelo arguido recorrente, por as 
 considerar essenciais para o exercício do direito de recurso; 
 e, consequentemente,
 b) Conceder provimento ao recurso, determinando a reformulação da decisão 
 recorrida, na parte impugnada, em conformidade com o precedente juízo de 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
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 Sem custas.
 
  
 
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 Lisboa, 3 de Julho de 2007
 João Cura Mariano
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos