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Processo n.º 989/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
   Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. O Município de Leiria apresentou reclamação para a 
 conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 
 de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 26 de Janeiro de 
 
 2009, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, 
 não conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ele interposto.
 
  
 
                         1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
             “1. O Município de Leiria interpôs recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], 
 contra o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), de 15 de Julho de 
 
 2008, que julgou improcedentes as apelações quer do ora recorrente 
 
 (expropriante), quer da expropriada A., confirmando a sentença do 3.º Juízo 
 Cível da Comarca de Leiria, de 21 de Dezembro de 2007, que fixou a indemnização 
 devida pela expropriação da “parcela de terreno n.º 31, com a área de 19 910 m2, 
 sita no lugar …, freguesia de …., inscrita na matriz predial rústica da 
 referida freguesia sob o n.º 5022 e descrita na Conservatória do Registo Predial 
 de Leiria sob o n.º …/…”, em € 1 179 070,20, a que acresce, em cada ano 
 decorrido, desde a declaração de utilidade pública até à data da decisão, a 
 actualização calculada de acordo com a evolução do índice de preços ao 
 consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de 
 Estatística.
 
             Refere o recorrente no requerimento de interposição de recurso:
 
  
 
             «1 – No acórdão recorrido, de 15 de Julho de 2008, da 1.ª Secção 
 Cível do Tribunal da Relação de Coimbra, no processo n.º 4052/04.6TBLRA.C1, 
 decidiu‑se que ‘não é ilegal, nem inconstitucional, a interpretação dos artigos 
 
 25.º, n.º 2, e 26.º, n.º 12, do CE99, que permite a indemnização devida pela 
 expropriação de um solo, como “solo apto para a construção”, não obstante o 
 mesmo se encontrar incluído na RAN e no Perímetro de Rega do Vale do Lis, por 
 eventual violação dos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da Constituição da República 
 Portuguesa’.
 
             2 – Decidiu‑se também que: ‘Assim sendo, no presente caso, 
 admitindo‑se não ter existido desafectação do terreno da RAN, não se verifica, 
 tão‑só, um uso não agrícola do solo nesta integrado, podendo concluir‑se, 
 afoitamente, que a expropriação se destinou à construção de um edifício urbano. 
 Por isso, neste caso de expropriação de terreno integrado na RAN, há que 
 considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao 
 expropriado, uma real potencialidade edificativa, que nasceu com a 
 expropriação, que esta gerou, porquanto nele se edificou uma construção urbana, 
 isto é, uma área intermunicipal de equipamento público estruturante’.
 
             3 – As inconstitucionalidades que se pretendem ver apreciadas foram 
 suscitadas nas alegações e respectivas conclusões do recurso de apelação.
 
             4 – O recorrente suscitou nas conclusões das alegações do recurso de 
 apelação que: ‘19 – A interpretação do artigos 25.º, n.º 2, e 26.º, n.º 12, do 
 Código das Expropriações, vertida na sentença recorrida, segundo a qual a 
 indemnização devida pela expropriação de um solo, como “solo apto para a 
 construção”, não obstante este se encontrar incluído na Reserva Agrícola 
 Nacional e no Perímetro de Rega do Vale do Lis, é ilegal e inconstitucional, por 
 violação do artigo 13.º e 62.º, n.º 2, da Constituição da República 
 Portuguesa’.
 
             5 – E, suscitou nessas mesmas conclusões, que:
 
             ‘20 – Ao avaliar‑se a parcela expropriada como “solo apto para 
 construção”, privilegiou‑se, injustificadamente, a expropriada relativamente 
 aos restantes proprietários que vêem os seus terrenos valer muito menos em 
 função da limitação edificatória constante dos regimes jurídicos da RAN e do 
 Regime Jurídico do Aproveitamento Hidroagrícola.
 
             21 – A expropriada é, em virtude da expropriação, objecto de um 
 tratamento privilegiado relativamente aos seus concidadãos que possuem terrenos 
 classificados em solos RAN e inseridos dentro do perímetro de obras de 
 aproveitamento hidroagrícola, no caso dos autos, do Perímetro de Rega do Vale 
 do Lis, os quais se encontram impedidos de lhe dar qualquer aproveitamento 
 económico a não ser o aproveitamento agrícola.
 
             22 – A expropriada é, ainda, privilegiada relativamente aos 
 possuidores de terrenos com aptidão edificativa e que o PDM de Leiria destinou 
 a zonas verdes ou de equipamento.
 
             23 – A expropriada, a ser indemnizada de acordo com o valor 
 determinado pela sentença recorrida, é, injustamente, privilegiada, pois é 
 indemnizada por um direito que nunca teve e que, consequentemente, nunca lhe 
 foi retirado, contrariamente aos proprietários referidos na antecedente 
 conclusão.
 
             24 – Existe, assim, uma manifesta desproporção entre o valor fixado 
 a título de justa indemnização e o valor real e de mercado do bem, que é 
 manifestamente inferior ao que lhe foi atribuído.
 
             25 – A interpretação do artigo 23.º, n.º 1, do Código das 
 Expropriações, plasmada na sentença, alicerçando‑se no relatório maioritário, 
 recorrida, na medida em que privilegia a expropriada, na medida em que vai 
 muito além do ressarcimento do prejuízo que da expropriação resultou para esta, 
 
 é ilegal e inconstitucional, por violação dos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da 
 Constituição da República Portuguesa.’
 
             6 – Nas alegações do recurso de apelação, invocou o recorrente, 
 entre outros aspectos, em relação à inconstitucionalidade das normas contidas 
 nos n.º 2 do artigo 25.º e n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, na 
 interpretação efectuada pelo tribunal a quo, que:
 
             ‘… sobre a parcela expropriada, composta por terreno de regadio, 
 recaem diversos vínculos de inedificabilidade resultantes de
 
             a) Se encontrar integrada no Perímetro de Rega do Vale do Lis, ou, 
 dito de outra maneira, na Obra do Aproveitamento Hidroagrícola do Vale do Lis, 
 desde meados dos anos 50;
 
             b) Se encontrar classificada como RAN desde Fevereiro de 1993;
 
             c) Se encontrar parcialmente classificada como zona verde desde 
 Setembro de 1995 (PDM).
 
             Consequentemente, antes do PDM considerar a parcela em discussão 
 como zona verde, já esta estava sujeita a vínculos de inedificabilidade 
 provenientes da sua classificação como RAN e como terreno incluído no citado 
 Perímetro de Rega.
 
             Todavia, e salvo o devido respeito, não é por o PDM classificar a 
 parcela expropriada como zona verde que esta deixa de encontrar inserida em 
 
 área RAN e no Perímetro de Rega e como tal poder ser avaliada com recurso ao n.º 
 
 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações.
 
             A sua classificação como zona verde não significa a sua 
 desafectação:
 
             – da RAN;
 
             – do Perímetro de Rega do Vale do Lis, cujos regimes jurídicos 
 aprovados, respectivamente, por Portaria e por Decreto‑Lei, são de hierarquia 
 superior ao PDM de Leiria, o qual constitui um regulamento administrativo.
 
             Quer à data da DUP, quer antes desta, a expropriada não tinha 
 qualquer legítima expectativa de vir a construir ou transaccionar a parcela 
 expropriada no mercado imobiliário como se se tratasse de um solo apto para 
 construção.
 
             Numa situação normal de mercado – não tendo em conta factores de 
 especulação imobiliária – a parcela expropriada teria um valor muito pequeno 
 devido aos vínculos de inedificabilidade que sobre ela recaíam.
 
             Com a expropriação da parcela em causa, à recorrida apenas foi 
 expropriado:
 
             a) O direito de propriedade que sobre ela detinha;
 
             b) O direito de a cultivar.
 
             A expropriação da parcela em questão não teve como consequência a 
 expropriação do direito de construir, pois a expropriada, em virtude dos 
 vínculos de inedificabilidade que oneravam a referida parcela, não tinha esse 
 direito.
 
             Consequentemente, não poderá ser indemnizada pela ablação de um 
 direito que nunca deteve.
 
             Recorde‑se que a circunstância que o facto da parcela em causa se 
 encontrar inserida em RAN e no Perímetro de Rega, com todas as consequências e 
 impedimentos daí resultantes, não gera na esfera jurídica da recorrida o 
 direito a ser indemnizada.
 
             Por outro lado, e como também se refere em vasta jurisprudência, 
 entre a qual se inclui a supra citada, designadamente o Acórdão do Tribunal 
 Constitucional, “… no caso de expropriação de terrenos integrados na RAN, não 
 há que considerar para cálculo do valor da indemnização, a pagar ao 
 expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com 
 a expropriação”.
 
             Ou, como também se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional 
 n.º 322/99, citado pelo Acórdão acima transcrito, a proibição de construir em 
 terreno incluído na RAN “é uma manifestação da hipoteca social que onera a 
 propriedade do solo”.
 
             Assim, e de acordo com todo o exposto e na esteira da 
 jurisprudência do nosso Tribunal Constitucional, o valor da parcela expropriada 
 não se poderá calcular por referência à construção que nela seria possível 
 efectuar se não tivesse sido sujeita a expropriação, pois, de acordo com as leis 
 e os regulamentos em vigor, nada ali poderia ser construído, a não ser 
 construções de interesse público, excepcionadas pelo artigo 9.º do Decreto‑Lei 
 n.º 196/89, de 14 de Junho.’
 
             7 – E, nas mesmas alegações, o recorrente suscitou, entre outros 
 aspectos, em relação à inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do 
 artigo 23.º do Código das Expropriações, na interpretação efectuada, que:
 
             ‘Ao avaliar‑se a parcela expropriada, como sucedeu no caso 
 vertente, de acordo com as regras por que são avaliados os terrenos 
 susceptíveis de serem edificados, privilegiou‑se, injustificadamente, a 
 expropriada relativamente aos restantes proprietários que vêem os seus terrenos 
 valer muito menos em função da limitação edificatória constante dos regimes 
 jurídicos da RAN, do Regime Jurídico do Aproveitamento Hidroagrícola.
 
             Ou seja, a expropriação acaba por não causar um prejuízo à 
 expropriada, prejuízo este que justifica a atribuição de uma justa indemnização 
 
 – mas, antes pelo contrário, beneficia‑a em razão da expropriação, uma vez que, 
 ao considerar‑se que a parcela expropriada é apta para construção, como faz o 
 relatório maioritário, a recorrente é objecto de um tratamento privilegiado 
 relativamente aos seus concidadãos que possuem terrenos classificados em solos 
 RAN e inseridos dentro do perímetro de obras de aproveitamento hidroagrícola, 
 no caso dos autos, do Perímetro de Rega do Vale do Lis, os quais se encontram 
 impedidos de lhe dar qualquer aproveitamento económico a não ser o 
 aproveitamento agrícola.
 
             Note‑se, ainda, que a expropriada é privilegiada relativamente aos 
 possuidores de terrenos com aptidão edificativa e que o PDM de Leiria destinou 
 a zonas verdes ou de equipamento.
 
             Pois, estes, a serem indemnizados, são‑no pela expropriação de um 
 direito que detinham.
 
             A expropriada, a ser indemnizada de acordo com o valor determinado 
 pela sentença recorrida, é, injustamente, privilegiada, pois é indemnizada por 
 um direito que nunca teve e que, consequentemente, nunca lhe foi retirado.
 
             Se não existisse expropriação e a expropriada pretendesse vender a 
 parcela expropriada ao preço de mercado praticado para terrenos incluídos na 
 RAN e no Perímetro de Rega do Vale do Lis, esta nunca lograria obter o valor 
 exorbitante indicado no relatório maioritário e aceite pela M.ma Juiz a quo, 
 pois o mesmo é “injusto e desajustado da realidade”, razão pela qual o ora 
 recorrente o não aceita.
 
             Existe, assim, uma manifesta desproporção entre o valor fixado a 
 título de justa indemnização e o valor real e de mercado do bem, que é 
 manifestamente inferior ao que lhe foi atribuído.
 
             A indemnização atribuída à expropriada ultrapassa, por excesso, o 
 que deverá ser uma justa indemnização.
 
             Nesta medida, e uma vez que há excesso na atribuição dessa 
 indemnização, resulta inequívoca a violação do princípio da igualdade e do 
 princípio da justa indemnização constitucionalmente consagrados 
 
 (respectivamente nos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da CRP).’
 
             8 – A interpretação das normas cuja inconstitucionalidade se 
 pretende que o Tribunal Constitucional aprecie é a dos artigos 25.º, n.º 2, 
 
 26.º, n.º 12, e 23.º, n.º 1, todos do Código das Expropriações, aprovado pela 
 Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro.
 
             9 – A interpretação das normas identificadas no número anterior, 
 tal como efectuada no acórdão recorrido, viola claramente o princípio da justa 
 indemnização, previsto no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República 
 Portuguesa, bem como o princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º da mesma 
 Constituição.
 
             Requer‑se, assim, a admissão do recurso para o Tribunal 
 Constitucional, no qual se aprecie:
 
             a) A inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º 
 do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de privilegiar a 
 expropriada, na medida em que vai muito além do ressarcimento do prejuízo que 
 da expropriação resultou para esta;
 
             b) A inconstitucionalidade das normas contidas no n.º 2 do artigo 
 
 25.º e no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, quando 
 interpretadas no sentido de permitir a indemnização devida pela expropriação de 
 um solo, como ‘solo apto para a construção’, não obstante este se encontrar 
 incluído na Reserva Agrícola Nacional e no Perímetro de Rega do Vale do Lis.»
 
             O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do TRC, decisão 
 que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, 
 da LTC) e, de facto, entende‑se que o recurso em causa é inadmissível, o que 
 possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do 
 disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
 
             2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a 
 competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, 
 hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o 
 sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de 
 inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si 
 mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a 
 inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é 
 imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é 
 discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual 
 depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, 
 por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda 
 hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por 
 relevantes às particularidades do caso concreto.
 
             Tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade 
 depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, 
 em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da 
 LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, 
 das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
 
             Acresce que, quando o recorrente questiona a conformidade 
 constitucional de uma interpretação normativa, deve identificar essa 
 interpretação com o mínimo de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito, o 
 uso de fórmulas como «na interpretação dada pela decisão recorrida» ou 
 similares. Com efeito, constitui orientação pacífica deste Tribunal a de que 
 
 (utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94) «ao suscitar‑se a questão de 
 inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte 
 dele ou tão‑só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido 
 
 (essa dimensão normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso 
 de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua 
 decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os 
 operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido 
 com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a 
 Constituição.»
 
  
 
             3. O acórdão recorrido, a propósito da questão da qualificação do 
 solo expropriado, expendeu as seguintes considerações:
 
  
 
             «II. DA QUALIFICAÇÃO DO SOLO
 
             Sustenta a expropriante que, ao darem‑se como provados os factos, 
 pretensamente desconformes com a prova produzida, teria de concluir‑se no 
 sentido de que a parcela em causa não tem capacidade edificativa, constituindo 
 um solo apto para outros fins e, consequentemente, o seu valor deveria ser 
 calculado de acordo com as regras previstas no artigo 27.º do Código das 
 Expropriações (CE99).
 
             Resulta, exaustivamente, dos autos que a parcela a expropriar 
 constitui um prédio rústico, localizado dentro do aglomerado urbano de Leiria, à 
 entrada da zona central de Leiria, e dentro do ‘Perímetro de Rega do Vale do 
 Lis’, detendo a capacidade de uso que lhe era atribuída pelo Plano Director 
 Municipal de Leiria.
 
             Não estando dotada de acesso rodoviário directo, situava‑se a menos 
 de 50 m da Avenida 22 de Maio, que é uma via pavimentada com betuminoso, 
 equipada com passeios, rede de distribuição domiciliária de água, rede de 
 saneamento, rede de distribuição de energia eléctrica, em baixa tensão, rede de 
 drenagem de águas pluviais, estação depuradora, em ligação com a rede de 
 colectores de saneamento, rede distribuidora de gás, rede telefónica e rede de 
 iluminação pública.
 
             A parcela estava integrada em zona verde, bem como em área de 
 Reserva Agrícola Nacional, podendo o respectivo espaço de implantação ser 
 equiparado a uma zona verde de lazer.
 
             Foi considerada como tendo boa qualidade de acesso, localizada em 
 zona de construção de bom nível, próximo de infra‑estruturas de serviços e de 
 infra‑estruturas viárias.
 
             O prédio expropriado destina‑se à execução das acessibilidades ao 
 Estádio Municipal Dr. Magalhães Pessoa e à construção de um espaço verde, 
 lúdico e de lazer.
 
             Estipula o artigo 25.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CE99, que, para efeitos do 
 cálculo da indemnização por expropriação, o solo classifica‑se em ‘solo apto 
 para a construção’ e ‘solo para outros fins’, sendo de carácter residual este 
 
 último termo do binómio, a encontrar, por exclusão de partes, quando o solo ‘não 
 se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior’, ou seja, 
 quando não se enquadra na categoria normativa do solo apto para a construção, 
 objectivada nas várias alíneas do respectivo texto legal.
 
             E, como solo apto para a construção, atento o estipulado pelo artigo 
 
 25.º, n.º 2, do CE99, considera‑se, designadamente, ‘o que dispõe de acesso 
 rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de 
 saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele 
 existentes ou a construir’ [a] e, também, ‘o que apenas dispõe de parte das 
 infra‑estruturas referidas na alínea anterior, mas se integra em núcleo urbano 
 existente’ [b].
 
             Efectivamente, antes de mais, convém dizer que a classificação do 
 solo como apto para construção não depende da existência de todas as 
 infra‑estruturas referidas na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do CE99, citado, 
 sendo marcante apenas a existência ou previsão da existência de um acesso 
 rodoviário, ainda que sem pavimento em calçada, betuminoso ou equivalente, 
 relevando a acumulação das demais infra‑estruturas para efeito do cômputo do 
 valor do solo apto para a construção, como bem resulta da conjugação do 
 disposto na aludida alínea com os n.ºs 2 e 3 do mesmo normativo.
 
             O conceito de via pública, para efeito de considerar o terreno 
 expropriado como apto para construção, abrange, também, aquela que, embora de 
 terra batida, é perfeitamente utilizável e utilizada por veículos automóveis.
 
             Aliás, as infra‑estruturas legalmente exigidas para qualificar o 
 terreno expropriado como apto para a construção não necessitam de se situar no 
 mesmo, sendo suficiente, tão‑só, que sirvam o aglomerado em que se situa, por 
 forma a poderem ser utilizadas ou aproveitadas por ele, porquanto o que revela 
 são as potencialidades do prédio para preencher determinados requisitos 
 requeridos pelas exigências urbanísticas, sendo, em princípio, indiferente a 
 forma como se atinge esse objectivo.
 
             A classificação de um terreno expropriado como solo apto para a 
 construção não é de excluir, sem mais, em caso da omissão de verificação de 
 outros requisitos infra‑estruturais, impondo‑se uma interpretação que preserve 
 a unidade do sistema jurídico, de modo a que, em caso de várias interpretações 
 possíveis de uma norma, das quais apenas uma é conforme com a Constituição, deva 
 ser esta a preferida.
 
             Porém, sendo ainda de qualificar como solo apto para a construção 
 aquele que apenas dispõe de parte das infra‑estruturas referidas na alínea a), 
 tal exige, igualmente, em conformidade com o disposto pelo artigo 25.º, n.º 2, 
 alínea b), do CE99, que o mesmo se integre em núcleo urbano existente.
 
             E o núcleo urbano, área urbana ou aglomerado urbano, cuja definição 
 deve coincidir, com excepção da exigência da rede de drenagem de esgotos, 
 quando esta não exista na respectiva localidade, consiste no conjunto coerente 
 e articulado de edificações multifuncionais e terrenos contíguos, desenvolvido 
 segundo uma rede viária estruturante, podendo não dispor de todas as 
 infra‑estruturas urbanísticas do aglomerado urbano, delimitado nos termos do 
 estipulado pelo artigo 62.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 794/76, de 5 de Novembro 
 
 [Lei dos Solos], ou no conjunto de edifícios existentes e áreas de expansão, 
 isto é, no ‘núcleo de edificações autorizadas e respectiva área envolvente, 
 possuindo vias públicas pavimentadas e que seja servido por rede de 
 abastecimento domiciliário de água e de drenagem de esgoto, sendo o seu 
 perímetro definido pelos pontos distanciados 50 m das vias públicas onde 
 terminam as infra‑estruturas urbanísticas’.
 
             O núcleo urbano ou aglomerado urbano pressupõe um grupo ou 
 ajuntamento de edificações que se não confunde com a existência de habitações 
 nas proximidades ou com a existência de um povoamento disperso.
 
             E isto na consideração da figura da «zona diferenciada de 
 aglomerado urbano», cujos traços definidores se encontram no artigo 62.º, n.º 
 
 2, do Decreto‑Lei n.º 794/76, de 5 de Novembro, citado, onde como tal se 
 considera ‘... o conjunto de edificações autorizadas e terrenos contíguos 
 marginados por vias públicas pavimentadas que não disponham de todas as 
 infra‑estruturas urbanísticas do aglomerado’, em termos de poder afirmar‑se, ao 
 menos de uma forma geral, que ao aglomerado – ‘núcleo de edificações autorizado 
 e respectiva área envolvente’, com certas condições e determinado perímetro – 
 n.º 1 deste normativo legal –, se reporta a alínea a), enquanto que ao núcleo 
 urbano se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 25.º do CE99.
 
             Por sua vez, o núcleo urbano identifica‑se, substancialmente, com a 
 zona diferenciada de aglomerado urbano, atento o preceituado pelo artigo 3.º do 
 Regime Jurídico dos Loteamentos Urbanos, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 334/95, 
 de 28 de Dezembro.
 
             Com efeito, o n.º 2 do artigo 25.º do CE99 adopta, na determinação 
 das espécies de terreno que integram a classe ‘solo apto para a construção’, não 
 o critério abstracto da aptidão edificatória, mas sim um critério de 
 potencialidade edificativa, por se tratar de conceitos distintos, embora, 
 eventualmente, possam coincidir, como acontece quando o solo continua a ser 
 considerado apto para a construção e o normativo legal, designadamente, um plano 
 urbanístico vinculativo, permite que seja destinado a esse fim.
 
             A qualificação do solo urbano determina a definição do perímetro 
 urbano, que constitui, no seu todo, ‘aquele para o qual é reconhecida vocação 
 para o processo de urbanização e de edificação, nele se compreendendo os 
 terrenos urbanizados ou cuja urbanização seja programada …’, de acordo com o 
 novo regime dos instrumentos de gestão territorial, consagrado pelo Decreto‑Lei 
 n.º 380/99, de 22 de Setembro, na redacção introduzida pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 316/2007, de 19 de Setembro.
 
             Situada dentro do aglomerado urbano de Leiria, a parcela 
 expropriada dispõe de acesso rodoviário directo, ainda que sob a forma de um 
 caminho em terra batida, e indirecto, a menos de 50 m, através de uma avenida 
 pavimentada com betuminoso, equipada com passeios, rede de distribuição 
 domiciliária de água, saneamento, distribuição de energia eléctrica, em baixa 
 tensão, drenagem de águas pluviais, estação depuradora, em ligação com a rede 
 de colectores de saneamento, rede distribuidora de gás, rede telefónica e rede 
 de iluminação pública.
 
             Por seu turno, em relação ao limite da faixa envolvente da parcela 
 expropriada, com o perímetro exterior de 300 m, existem construções, nas zonas 
 de enquadramento da Quinta do Cabeço, do Estádio Municipal, da Nova Leiria, e ao 
 longo da Estrada do Arrabalde.
 
             Sustenta ainda a expropriante que, à data da DUP, recaíam sobre a 
 parcela expropriada diversos vínculos de inedificabilidade, resultantes da sua 
 integração no Perímetro de Rega, desde meados dos anos 50, na RAN, desde 
 Fevereiro de 1993, e da sua classificação como zona verde, desde Setembro de 
 
 1995.
 
             A proibição de construir edificações urbanas que incide sobre os 
 solos integrados na RAN é uma consequência da ‘vinculação situacional’ da 
 propriedade que recai sobre os solos com tais características, como decorre do 
 ordenamento jurídico que rege a situação dos terrenos abrangidos pela RAN 
 
 [Decreto‑Lei n.º 196/89, de 14 de Junho, com as alterações introduzidas pelos 
 Decretos‑Leis n.ºs 274/92, de 12 de Dezembro, e 278/95, de 25 de Outubro].
 
             Trata‑se, com efeito, de restrições que se mostram necessárias e, 
 funcionalmente, adequadas para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que 
 propiciem o desenvolvimento da actividade agrária, o equilíbrio ecológico e 
 outros interesses públicos; e que não violam, quer o princípio da justa 
 indemnização, dada aquela sua ‘vinculação situacional’, quer os princípios da 
 igualdade e da proporcionalidade, porquanto atingem todos os proprietários e 
 outros interessados que se encontrem, quer em concreto, quer em abstracto, no 
 
 âmbito da mesma situação jurídica.
 
             Por isso, o que importa apurar, com vista à decisão do objecto da 
 apelação, é a questão de saber se, na parcela em causa, incluída na RAN, 
 expropriada para efeitos de execução das acessibilidades ao Estádio Municipal 
 Dr. Magalhães Pessoa, em Leiria, e construção de um espaço verde, lúdico e de 
 lazer e respectivas infra‑estruturas, existe uma ‘muito próxima ou efectiva 
 potencialidade edificativa’.
 
             Efectivamente, o artigo 25.º, n.º 2, do CE99, ao definir os índices 
 de qualificação do solo apto para a construção, adoptou um critério concreto de 
 potencialidade edificativa, que é o único idóneo para o efeito, ou seja, o da 
 valorização efectiva, no cálculo da indemnização a pagar pelo bem expropriado, 
 do direito de edificar, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens 
 envolvam uma ‘muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa’.
 
             Na verdade, a alteração da destinação agrícola de um terreno não 
 impõe, só por si, uma indemnização arbitrada de acordo com a qualificação de 
 
 ‘solo apto para a construção’, a qual não pressupõe a existência de uma ‘muito 
 próxima ou efectiva potencialidade edificativa’ de construções urbanas, como 
 acontece no caso da construção de uma auto‑estrada, ao contrário do que se 
 verifica se a expropriação, com desafectação da RAN, for para a construção de 
 um qualquer prédio urbano, em que a expropriação visa, justamente, a 
 concretização da aptidão edificativa, cujo afastamento estava subjacente à 
 exclusão da classificação como ‘solo apto para construção’.
 
             Na hipótese em apreço, a parcela de terreno onde vieram a ser 
 executadas as acessibilidades ao Estádio Municipal Dr. Magalhães Pessoa, em 
 Leiria, e construído um espaço verde, lúdico e de lazer, estava integrada na 
 RAN, pelo menos, desde a aprovação do PDM de Leiria, pela Assembleia Municipal 
 de Leiria, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 84/95, 
 publicada no Diário da República, I Série‑B, de 4 de Setembro de 1995, tendo 
 sido declarada, a pedido do Município de Leiria, a utilidade pública da 
 expropriação, pelo Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente 
 que, em definitivo, foi publicada no Diário da República, II Série, de 26 de 
 Novembro de 2003, não havendo conhecimento de qualquer portaria que, 
 entretanto, tenha vindo libertar da RAN o terreno onde se encontra a parcela em 
 causa, a qual foi integrada nessa Reserva, muito antes da decisão de a 
 expropriar, por entidade diversa da expropriante.
 
             Por outro lado, desconhece‑se a existência de parecer favorável à 
 utilização de solo agrícola para a aludida construção, nos termos da alínea d) 
 do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto‑Lei n.º 196/89, de 14 de Junho, por parte da 
 respectiva Comissão Regional da Reserva Agrícola.
 
             A isto acresce que a decisão recorrida não se refere à questão da 
 prévia desafectação da parcela de terreno expropriada, inexistindo nos autos 
 documentos que permitam concluir nesse sentido, nomeadamente, a convocação da 
 Comissão da Reserva Agrícola Nacional, para decidir sobre a desafectação da RAN, 
 o parecer da Comissão Regional da Reserva Agrícola sobre a alteração à carta da 
 RAN e a deliberação da Comissão Regional da Reserva Agrícola sobre a alteração à 
 carta da RAN, donde resulte o parecer favorável daquela Comissão à 
 desafectação das diferentes parcelas, nem o parecer da Comissão Técnica do PDM 
 de Leiria sobre as áreas a desafectar, isto é, no sentido da ausência de 
 objecções urbanísticas para o uso exclusivo deste equipamento.
 
             Como assim, a eventual desafectação da RAN do terreno expropriado, 
 para efeitos da execução das acessibilidades ao Estádio Municipal Dr. 
 Magalhães Pessoa e construção de um espaço verde, lúdico e de lazer, 
 equipamento público de interesse intermunicipal, de relevante importância, será 
 susceptível de gerar nesse terreno uma ‘muito próxima ou efectiva 
 potencialidade edificativa’?
 
             Com efeito, mesmo a admitir‑se que não tenha existido desafectação 
 do terreno expropriado em causa, o certo é que, desde logo, a construção de um 
 estádio municipal e respectivas infra‑estruturas, embora se trate de um 
 empreendimento para fins diferentes dos agrícolas a que o terreno se destinava, 
 ao ser integrado na RAN, é, por si só, susceptível de atrair para a sua órbita a 
 construção de edifícios para habitação ou escritórios, de instalações e 
 edifícios de equipamento, de interesse colectivo, de edifícios residenciais, 
 comerciais e de serviços, geradores de uma ‘muito próxima ou efectiva’ 
 potencialidade edificativa, relevante para a qualificação do terreno como ‘solo 
 apto para a construção’.
 
             Assim sendo, no presente caso, admitindo não ter existido 
 desafectação do terreno da RAN, não se verifica, tão‑só, um uso não agrícola 
 do solo nesta integrado, podendo concluir‑se, afoitamente, que a expropriação se 
 destinou à construção de um edifício urbano.
 
             Por isso, neste caso de expropriação de terreno integrado na RAN, há 
 que considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao 
 expropriado, uma real potencialidade edificativa, que nasceu com a 
 expropriação, que esta gerou, porquanto nele se edificou uma construção urbana, 
 isto é, uma área intermunicipal de equipamento público estruturante.
 
             E nem se diga, ao contrário, que as parcelas de terreno circundante 
 que não foram objecto de expropriação se mantêm, igualmente, integradas na RAN, 
 sem qualquer aptidão edificativa, razão pela qual considerar o terreno 
 expropriado como ‘solo apto para a construção’ e valorá‑lo, em conformidade, no 
 caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações, legalmente 
 permitidas, conduz não só à atribuição de uma indemnização que não corresponde 
 ao seu «justo valor», mas, também, a uma intolerável desigualdade, em relação a 
 todos os restantes proprietários de terrenos limítrofes, integrados naquela 
 Reserva, mas que não tenham sido ‘contemplados’ com a expropriação.
 
             É que, a não ser assim, poderia, eventualmente, vir a configurar‑se 
 uma situação de desigualdade entre os proprietários de parcelas contíguas, 
 consoante fossem ou não ‘contemplados’ com a expropriação, com um ocasional 
 locupletamento injustificado dos primeiros, pois que, enquanto estes viriam a 
 ser indemnizados, com base num valor significativamente superior ao valor de 
 mercado, os outros, proprietários de prédios contíguos, igualmente integrados 
 na RAN e dela não desafectados, se acaso pretendessem alienar os seus prédios, 
 não alcançariam senão o valor que resulta da limitação edificativa, legalmente 
 estabelecida.
 
             Ora, se é verdade que o princípio da igualdade de encargos entre os 
 cidadãos obriga a que o expropriado não seja penalizado, no confronto com os 
 não expropriados, também não se afigura curial que, pela via da expropriação, 
 devam os expropriados vir a ser, manifestamente, favorecidos, em relação aos não 
 expropriados.
 
             De facto, se é verdade que a indemnização só é justa se conseguir 
 ressarcir o expropriado do prejuízo que ele, efectivamente, sofreu, a qual, por 
 isso, não pode ser irrisória ou meramente simbólica, também não deverá ser 
 desproporcionada à perda do bem expropriado para fins de utilidade pública.
 
             Assim, se a parcela a expropriar não permite, legalmente, a 
 construção, não pode ser paga pelo preço que teria se pudesse ser‑lhe 
 implantada uma edificação.
 
             Porém, esta posição, que se assinala, não resiste à consideração de 
 que a aptidão edificativa mais não significa do que um determinado potencial de 
 capacidade edificativa, do que um certo coeficiente de edificabilidade, 
 susceptível de poder vir a acontecer, na sequência de uma nova alteração de 
 pormenor do PDM de Leiria, na zona envolvente à área de implantação do complexo 
 do Estádio Municipal de Leiria e seus acessos, como já sucedeu, por força da 
 iminente declaração de utilidade pública da expropriação, e que é razoável 
 poder vir a repetir‑se, na aludida zona, atendendo à pressão imobiliária que 
 aquele espaço, inevitavelmente, virá a conhecer.
 
             A isto acresce que, não obstante o solo objecto de expropriação se 
 encontrar integrado na RAN, a verificação dos índices definidos pelo artigo 
 
 25.º, n.º 2, do CE99, sendo certo que, na hipótese em apreço, se demonstrou que 
 dispõe de acesso rodoviário, rede de distribuição domiciliária de água, 
 saneamento, energia eléctrica, drenagem de águas pluviais, estação depuradora, 
 em ligação com a rede de colectores de saneamento, distribuição de gás, rede 
 telefónica e de iluminação pública, com características adequadas para servir as 
 edificações a construir, é suficiente para a qualificação do mesmo, para efeitos 
 indemnizatórios, como ‘solo apto para a construção’. 
 
             Foi por esta razão, de facto, que o legislador eliminou, no CE99, a 
 norma do n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações de 1991, que estatuía 
 que, ‘para efeitos da aplicação do presente Código é equiparado a solo para 
 outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na 
 construção’, evitando quaisquer referências a proibições ou restrições 
 constantes da lei.
 
             Pelo exposto, o solo da parcela expropriada, para efeitos do 
 cálculo da indemnização a atribuir à expropriada, deve ser classificado, 
 também, com base neste fundamento, como solo apto para a construção, em 
 conformidade com o preceituado pelo artigo 25.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea 
 b), do CE99.
 
             Assim sendo, não é ilegal, nem inconstitucional, a interpretação dos 
 artigos 25.º, n.º 2, e 26.º, n.º 12, do CE99, que permite a indemnização 
 devida pela expropriação de um solo, como ‘solo apto para a construção’, não 
 obstante o mesmo se encontrar incluído na RAN e no Perímetro de Rega do Vale do 
 Lis, por eventual violação dos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da Constituição da 
 República Portuguesa.»
 
  
 
             4. Tendo presentes, face às transcrições efectuadas, os critérios 
 normativos arguidos de inconstitucionais pelo recorrente perante o tribunal 
 recorrido, os critérios normativos efectivamente aplicados como ratio decidendi 
 pelo acórdão ora impugnado e os critérios normativos identificados no 
 requerimento de interposição do presente recurso, há que concluir pela 
 inadmissibilidade deste, determinante do não conhecimento do respectivo objecto, 
 embora por razões diversas relativamente a cada uma das duas questões que 
 integram esse objecto.
 
  
 
             4.1. Quanto à primeira questão, identificada pelo recorrente como 
 versando «a inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º do 
 Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de privilegiar a 
 expropriada, na medida em que vai muito além do ressarcimento do prejuízo que da 
 expropriação resultou para esta», é patente que a mesma carece de natureza 
 normativa.
 
             O recorrente não identifica, de todo, o sentido da «interpretação 
 normativa», extraída da norma do artigo 23.º, n.º 1, do Código das 
 Expropriações, que reputa inconstitucional, limitando‑se a questionar a 
 conformidade constitucional do resultado de uma interpretação cujo sentido se 
 ignora qual seja.
 
             Como já se referiu no n.º 2 desta Decisão Sumária, quando o 
 recorrente questiona a conformidade constitucional de uma interpretação 
 normativa, deve identificar essa interpretação com o mínimo de precisão, não 
 sendo idóneo, para esse efeito, o uso de fórmulas como «na interpretação dada 
 pela decisão recorrida» ou similares, e, recordando a formulação usada no 
 Acórdão n.º 367/94, que traduz orientação pacífica deste Tribunal, 
 reiterou‑se: «ao suscitar‑se a questão de inconstitucionalidade, pode 
 questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão‑só uma 
 interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido (essa dimensão 
 normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser 
 julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos 
 de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito 
 ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em 
 causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a Constituição.»
 
             Como é evidente, a enunciação proposta pelo recorrente não preenche 
 minimamente este requisito, sendo inimaginável que, na hipótese de provimento 
 do recurso, o Tribunal Constitucional viesse a proferir decisão no sentido 
 julgar inconstitucional a norma contida no n.º 1 do artigo 23.º do Código das 
 Expropriações, «quando interpretada no sentido de privilegiar a expropriada, 
 na medida em que vai muito além do ressarcimento do prejuízo que da expropriação 
 resultou para esta».
 
             Pelo exposto, por falta de adequada definição de uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, não se pode conhecer da primeira parte do 
 recurso interposto.
 
  
 
             4.2. E também não se pode conhecer da segunda parte do recurso por o 
 critério normativo aí enunciado pelo recorrente não corresponder ao critério 
 normativo que foi efectivamente aplicado, como ratio decidendi, no acórdão 
 recorrido.
 
             Não se nega que o acórdão recorrido, na sua argumentação, considerou 
 que a inclusão da parcela expropriada na Reserva Agrícola Nacional e no 
 Perímetro de Rega do Vale do Lis não constituía obstáculo insuperável à 
 aplicação do regime especial do n.º 12 do artigo 26.º do Código das 
 Expropriações. Mas o que foi determinante para esta qualificação foi o 
 reconhecimento de que a parcela em causa dispunha de uma «muito próxima ou 
 efectiva potencialidade edificativa», dado que:
 
  
 
             «Situada dentro do aglomerado urbano de Leiria, a parcela 
 expropriada dispõe de acesso rodoviário directo, ainda que sob a forma de um 
 caminho em terra batida, e indirecto, a menos de 50 m, através de uma avenida 
 pavimentada com betuminoso, equipada com passeios, rede de distribuição 
 domiciliária de água, saneamento, distribuição de energia eléctrica, em baixa 
 tensão, drenagem de águas pluviais, estação depuradora, em ligação com a rede de 
 colectores de saneamento, rede distribuidora de gás, rede telefónica e rede de 
 iluminação pública.
 
             Por seu turno, em relação ao limite da faixa envolvente da parcela 
 expropriada, com o perímetro exterior de 300 m, existem construções, nas zonas 
 de enquadramento da Quinta do Cabeço, do Estádio Municipal, da Nova Leiria, e ao 
 longo da Estrada do Arrabalde.»
 
  
 
             E, além disso, atribuiu‑se relevância decisiva, para a qualificação 
 do terreno, às seguintes considerações:
 
  
 
             «Com efeito, mesmo a admitir‑se que não tenha existido desafectação 
 do terreno expropriado em causa, o certo é que, desde logo, a construção de um 
 estádio municipal e respectivas infra‑estruturas, embora se trate de um 
 empreendimento para fins diferentes dos agrícolas a que o terreno se destinava, 
 ao ser integrado na RAN, é, por si só, susceptível de atrair para a sua órbita a 
 construção de edifícios para habitação ou escritórios, de instalações e 
 edifícios de equipamento, de interesse colectivo, de edifícios residenciais, 
 comerciais e de serviços, geradores de uma ‘muito próxima ou efectiva’ 
 potencialidade edificativa, relevante para a qualificação do terreno como ‘solo 
 apto para a construção’.
 
             Assim sendo, no presente caso, admitindo não ter existido 
 desafectação do terreno da RAN, não se verifica, tão‑só, um uso não agrícola 
 do solo nesta integrado, podendo concluir‑se, afoitamente, que a expropriação se 
 destinou à construção de um edifício urbano.
 
             Por isso, neste caso de expropriação de terreno integrado na RAN, há 
 que considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao 
 expropriado, uma real potencialidade edificativa, que nasceu com a 
 expropriação, que esta gerou, porquanto nele se edificou uma construção urbana, 
 isto é, uma área intermunicipal de equipamento público estruturante.» 
 
 (sublinhados acrescentados).
 
  
 
             Não existe, assim, coincidência entre o critério normativo enunciado 
 na segunda parte do requerimento de interposição de recurso e o critério 
 normativo aplicado, como ratio decidendi, no acórdão recorrido, o que determina 
 a inadmissibilidade total do presente recurso.
 
             Aliás, se fosse possível conhecer da segunda parte do recurso e, 
 assim, apreciar a constitucionalidade do critério normativo adoptado no acórdão 
 recorrido, seria então possível proferir decisão sumária de improvimento do 
 recurso, dada a existência de anteriores decisões deste Tribunal no sentido da 
 não inconstitucionalidade de tal critério.
 
             Para citar apenas as mais recentes decisões, registe‑se que o 
 Acórdão n.º 276/2007 não julgou inconstitucionais as normas constantes dos 
 artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, n.ºs 1 e 12, do Código das Expropriações de 1999, 
 
 «quando interpretadas no sentido de incluírem na classificação de ‘solo apto 
 para a construção’, e a serem indemnizados de acordo com as regras constantes 
 deste n.º 12, os solos adquiridos em data anterior à entrada em vigor de Plano 
 Director Municipal que os integrou em ‘Zona de Salvaguarda Estrita’, ‘RAN’ e 
 
 ‘Espaço Florestal’ e expropriados para a implantação de ‘áreas de serviço’ de 
 auto‑estradas». Este juízo de não inconstitucionalidade foi alcançado por uma 
 dupla via: para quem comunga da orientação traçada pelos Acórdãos n.ºs 114/2005, 
 
 234/2007 e 239/2007, por directa aplicação do critério aí tido por 
 constitucionalmente conforme; mas mesmo para quem não defenda a tese que fez 
 vencimento nesses arestos, por se entender que «a edificação das ‘áreas de 
 serviço’ e a actividade e fins que, prevalentemente, prosseguem mais não 
 representa, quando se verifica a situação prevista no artigo 26.º, n.º 12, do 
 CE/99, do que a manifestação de uma objectiva aptidão anterior de 
 edificabilidade, pelo que a valoração do solo como sendo para construção não 
 deixa de corresponder a uma forma de ‘evitar a manipulação das regras 
 urbanísticas por parte dos planos municipais’ (cf. Fernando Alves Correia, ‘A 
 Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade 
 Pública e o Código das Expropriações de 1999’, in Revista de Legislação e de 
 Jurisprudência, ano 133, pp. 53/54)»; e, assim, «numa tal situação, a 
 expectativa do expropriado em nada sai privilegiada relativamente a outros não 
 expropriados que tenham os seus terrenos sujeitos a idêntico regime jurídico 
 
 ‘situacional’», donde se conclui «que a norma questionada não ofende nem o 
 princípio da justa indemnização nem o princípio da igualdade, na sua vertente 
 externa».
 
             E no Acórdão n.º 469/2007 julgou‑se mesmo «inconstitucional, por 
 violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, a 
 interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º 
 do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, 
 acolhida no acórdão recorrido, segundo a qual o valor da indemnização devida 
 pela expropriação, para construção de um terminal ferroviário, de um terreno, 
 que objectivamente preenche os requisitos elencados no n.º 2 do artigo 25.º 
 para a qualificação como ‘solo apto para a construção’, mas que foi integrado 
 na Reserva Agrícola Nacional por instrumento de gestão territorial em data 
 posterior à sua aquisição pelos expropriados, deve ser calculado de acordo com 
 os critérios definidos no artigo 27.º para os ‘solos para outros fins’, e não 
 de acordo com o critério definido no n.º 12 do artigo 26.º, todos do referido 
 Código».
 
  
 
             5. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do artigo 78.º‑A, n.º 1, 
 da LTC, não conhecer do objecto do recurso.”
 
  
 
                         1.2. A reclamação do recorrente assenta nos seguintes 
 fundamentos:
 
  
 
             “I – Por decisão sumária, já identificada, foi decidido não conhecer 
 do objecto do recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º 
 da LTC e admitido no tribunal a quo.
 
             O requerimento de recurso tem o teor reproduzido na decisão 
 reclamada.
 
             No requerimento de recurso foi suscitada a inconstitucionalidade da 
 interpretação de certas normas jurídicas, tal como realizada pelo tribunal a 
 quo.
 
             A decisão sumária reclamada apresenta três componentes distintas:
 
             Primeira, «falta de adequada definição de uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa» quanto à primeira parte do objecto do recurso;
 
             Segunda, falta de «coincidência entre o critério normativo enunciado 
 na segunda parte do requerimento de interposição de recurso e o critério 
 normativo aplicado, como ratio decidendi, no acórdão recorrido»;
 
             Terceira, «se fosse possível conhecer da segunda parte do recurso e, 
 assim, apreciar a constitucionalidade do critério normativo adoptado no acórdão 
 recorrido, seria então possível proferir decisão sumária de improvimento do 
 recurso, dada a existência de anteriores decisões deste Tribunal no sentido da 
 não inconstitucionalidade de tal critério».
 
             Nenhuma das asserções aduzidas na decisão sumária se revela 
 conforme com as normas legais aplicáveis, como de seguida se demonstrará.
 
  
 
             II – Quanto à alegada falta de adequada definição de uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa:
 
             a) Adequada definição de uma questão de inconstitucionalidade 
 normativa
 
             O requerimento de interposição de recurso enuncia do seguinte modo a 
 questão de inconstitucionalidade a dirimir:
 
  
 
             «a) A inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º 
 do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de privilegiar a 
 expropriada, na medida em que vai muito além do ressarcimento do prejuízo que 
 da expropriação resultou para esta;»
 
  
 
             Para tanto, no mesmo requerimento, aduziu‑se, com detalhe, o modo 
 como a questão em causa foi suscitada nas alegações do recorrente perante o 
 tribunal a quo.
 
             Essas alegações, no que a esta específica questão tange, apresentam 
 o seguinte teor:
 
  
 
             «Ao avaliar‑se a parcela expropriada, como sucedeu no caso 
 vertente, de acordo com as regras por que são avaliados os terrenos 
 susceptíveis de serem edificados, privilegiou‑se, injustificadamente, a 
 expropriada relativamente aos restantes proprietários que vêem os seus terrenos 
 valer muito menos em função da limitação edificatória constante dos regimes 
 jurídicos da RAN, do Regime Jurídico do Aproveitamento Hidroagrícola.
 
             Ou seja, a expropriação acaba por não causar um prejuízo à 
 expropriada, prejuízo este que justifica a atribuição de uma justa indemnização 
 
 – mas, antes pelo contrário, beneficia‑a em razão da expropriação, uma vez que, 
 ao considerar‑se que a parcela expropriada é apta para construção, como faz o 
 relatório maioritário, a recorrente é objecto de um tratamento privilegiado 
 relativamente aos seus concidadãos que possuem terrenos classificados em solos 
 RAN e inseridos dentro do perímetro de obras de aproveitamento hidroagrícola, 
 no caso dos autos, do Perímetro de Rega do Vale do Lis, os quais se encontram 
 impedidos de lhes dar qualquer aproveitamento económico a não ser o 
 aproveitamento agrícola.
 
             Note‑se, ainda, que a expropriada é privilegiada relativamente aos 
 possuidores de terrenos com aptidão edificativa e que o PDM de Leiria destinou a 
 zonas verdes ou de equipamentos.
 
             Pois, estes, a serem indemnizados, são‑no pela expropriação de um 
 direito que detinham.
 
             A expropriada, a ser indemnizada de acordo com o valor determinado 
 pela sentença recorrida, é, injustamente, privilegiada, pois é indemnizada por 
 um direito que nunca teve e que, consequentemente, nunca lhe foi retirado.
 
             Se não existisse expropriação e a expropriada pretendesse vender a 
 parcela expropriada ao preço de mercado praticado para terrenos incluídos na 
 RAN e no Perímetro de Rega do Vale do Lis, esta nunca lograria obter o valor 
 exorbitante indicado no relatório maioritário e aceite pela M.ma Juiz a quo, 
 pois o mesmo é ‘injusto e desajustado da realidade’, razão pela qual o ora 
 recorrente o não aceita.
 
             Existe, assim, uma manifesta desproporção entre o valor fixado a 
 título de justa indemnização e o valor real de mercado do bem, que é 
 manifestamente inferior ao que lhe foi atribuído.
 
             A indemnização atribuída à expropriada ultrapassa, por excesso, o 
 que deverá ser uma justa indemnização.
 
             Nesta medida e uma vez que há excesso na atribuição dessa 
 indemnização, resulta inequívoca a violação do princípio da igualdade e do 
 princípio da justa indemnização constitucionalmente consagrados (respectivamente 
 nos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da CRP).»
 
  
 
             Se se pode admitir que não foi efectuada com completude a 
 delimitação da questão de inconstitucionalidade, no que se refere à sua 
 enunciação conclusiva, não pode deixar de se admitir que a questão foi 
 suscitada em termos que configuram um perfeito enquadramento na definição de uma 
 específica inconstitucionalidade normativa.
 
             Para tanto foi claramente invocada:
 
             – A inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º 
 do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de admitir a 
 avaliação da parcela expropriada, incluída em RAN e no Perímetro de Rega do 
 Vale do Lis, de acordo com as regras por que são avaliados os terrenos 
 susceptíveis de serem edificados, na medida em que privilegia a expropriada e 
 vai muito para além do ressarcimento do prejuízo que da expropriação resultou 
 para esta.
 
             – A inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º 
 do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de admitir a 
 avaliação da parcela expropriada, incluída em RAN e no Perímetro de Rega do 
 Vale do Lis, de acordo com as regras por que são avaliados os terrenos 
 susceptíveis de serem edificados, na medida em que privilegia a expropriada por 
 permitir que a indemnização decorrente da expropriação tenha por base um direito 
 que nunca teve e que, por isso, não lhe foi retirado.
 
             – A inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º 
 do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de admitir a 
 avaliação da parcela expropriada, incluída em RAN e no Perímetro de Rega do 
 Vale do Lis, de acordo com as regras por que são avaliados os terrenos 
 susceptíveis de serem edificados, na medida em que confere um tratamento 
 privilegiado à expropriada em comparação com todos os restantes proprietários de 
 terrenos, incluídos em RAN e no Perímetro de Rega do Vale do Lis, que apenas 
 podem dar, aos seus terrenos, um aproveitamento agrícola.
 
             O contexto de suscitação da questão de inconstitucionalidade é de 
 molde a definir, com clareza meridiana, os termos da inconstitucionalidade 
 normativa que se pretende apreciada pelo Tribunal Constitucional.
 
             Recorrendo aos próprios termos do relator da decisão sumária 
 reclamada, existe uma clara identidade entre os critérios normativos arguidos 
 de inconstitucionalidade pelo recorrente perante o tribunal recorrido e os 
 critérios normativos identificados no requerimento de interposição do recurso de 
 inconstitucionalidade.
 
             Atente‑se que, até em termos literais, a questão foi apresentada nos 
 mesmos exactos moldes.
 
             Neste sentido, deve entender‑se que o critério normativo, quanto à 
 concreta questão de inconstitucionalidade normativa suscitada, há‑de extrair‑se 
 do modo como resulta configurado no requerimento de interposição de recurso, 
 efectuando‑se uma leitura conjugada dos seus diversos itens.
 
  
 
             b) A falta de adequada definição de uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa – Convite ao aperfeiçoamento
 
             A admitir‑se que não seria assim, no que se admite sem conceder, 
 caberia lançar mão do disposto no n.º 5 do artigo 75.º‑A da LTC, que determina:
 
  
 
             «Se o requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos 
 elementos previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente a prestar 
 essa indicação no prazo de 10 dias.»
 
  
 
             Esta disposição, dirigida, de modo directo, ao relator no tribunal a 
 quo, é expressamente aplicável ao relator no Tribunal Constitucional, como 
 preceitua o n.º 6 do mesmo artigo 75.º‑A da LTC.
 
             Assim, admitindo o relator no Tribunal Constitucional que não se 
 encontra identificado de modo completo – apesar de o requerimento conter a sua 
 clara e completa enunciação – o critério normativo arguido de 
 inconstitucionalidade, haveria lugar à aplicação imperativa do disposto no 
 artigo 75.º‑A, n.ºs 5 e 6, da LTC, que determina a prolação de convite de 
 aperfeiçoamento.
 
             Como bem se sustenta na doutrina, a falta ou insuficiência de 
 qualquer dos elementos devidos determina a prolação de despacho de 
 aperfeiçoamento, na medida em que se trata de suprir irregularidades ou 
 deficiências reparáveis, (cf. Blanco de Morais, Justiça Constitucional, tomo II, 
 Coimbra, 2005, pp. 740 e 756).
 
             Constitui regra geral do direito processual, e por isso também 
 aplicável em sede de processo constitucional, que a ocorrência de imperfeições 
 ou omissões em sede de recurso jurisdicional cominam ao relator o dever de 
 convidar o recorrente a completar, esclarecer ou sintetizar os termos da 
 formulação da sua pretensão.
 
             Tal regra encontra, por exemplo, guarida no artigo 266.º do Código 
 de Processo Civil, no qual é identificado um dever de prevenção do tribunal em 
 relação às partes, no quadro da cooperação intersubjectiva.
 
             Alega‑se, inclusive, que quando as partes são convidadas pelo juiz a 
 suprir deficiências se está «a garantir ‘objectivamente’ a realização da função 
 do processo: a justa composição do litígio» (Lopes do Rego, Comentário ao Código 
 de Processo Civil, vol. I, Coimbra, 2004, 2.ª ed., p. 38).
 
             Atente‑se que o próprio Tribunal Constitucional já considerou que «o 
 equilíbrio entre as partes não pressupõe o direito de cada uma delas à 
 retaliação da parte contrária, através do insucesso do correspondente pedido, 
 sempre que essa parte tenha cometido erros processuais» (Acórdão n.º 517/2000, 
 de 29 de Novembro de 2000, processo n.º 131/2000).
 
             Argumentos que valem, sem rebuço, para a situação reclamada.
 
             A falta de formulação do referido convite de aperfeiçoamento – se 
 fosse considerado necessário, ante a explícita enunciação da questão no cômputo 
 do requerimento – constitui nulidade processual de que padece, nessa parte, a 
 decisão sumária reclamada, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), 1.ª 
 parte, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69.º da LTC.
 
             Se se não considerar, como é devido, que o critério normativo da 
 questão de inconstitucionalidade suscitada em primeiro lugar pelo recorrente, 
 ora reclamante, foi devidamente enunciada no seu enquadramento contextual, 
 então, deverá ser ordenado pelo relator no Tribunal Constitucional o convite de 
 aperfeiçoamento nessa estrita [componente].
 
             A sua falta gera a nulidade da decisão reclamada, nessa componente, 
 e, além do mais, representa uma evidente violação da tutela jurisdicional 
 efectiva, constitucionalmente consagrada, ao vedar o acesso à discussão de uma 
 relevante questão de constitucionalidade normativa, num tipo de processo de 
 enorme relevância social, atento o impacto gerado na comunidade e nos encargos 
 financeiros que gera na esfera do recorrente, ora reclamante, e, por essa via, 
 nos contribuintes.
 
             Assim,
 
             Cabe concluir que:
 
             i) foi enunciado, no contexto do requerimento de interposição de 
 recurso, o critério normativo que se reputa inconstitucional, razão pela qual 
 deve ser determinado o conhecimento do objecto do recurso, nesta componente;
 
             ii) se assim não se atender, no que não se concede, deve ser 
 ordenada a notificação do recorrente, ora reclamante, para aperfeiçoar o 
 requerimento, completando, por referência ao respectivo contexto e às alegações 
 aduzidas no tribunal a quo, a enunciação conclusiva do critério normativo 
 arguido de inconstitucionalidade.
 
             
 
             III – Quanto à falta de coincidência entre o critério normativo 
 enunciado e o critério normativo aplicado, como ratio decidendi, no acórdão 
 recorrido:
 
             A decisão sumária reclamada refere que «não se pode conhecer da 
 segunda parte do recurso por o critério normativo aí enunciado pelo recorrente 
 não corresponder ao critério normativo que foi efectivamente aplicado, como 
 ratio decidendi, no acórdão recorrido».
 
             Para em seguida aditar que:
 
  
 
             «Não se nega que o acórdão recorrido, na sua argumentação, 
 considerou que a inclusão da parcela expropriada na Reserva Agrícola Nacional e 
 no Perímetro de Rega do Vale do Lis não constituía obstáculo insuperável à 
 aplicação do regime especial do n.º 12 do artigo 26.º do Código das 
 Expropriações. Mas o que foi determinante para esta qualificação foi o 
 reconhecimento de que a parcela em causa dispunha de uma ‘muito próxima ou 
 efectiva potencialidade edificativa’».
 
  
 
             A plena compreensão do argumento expendido para fundar o não 
 conhecimento do objecto da segunda parte do recurso depende de visita ao 
 acórdão recorrido, para aclaração da respectiva ratio decidendi.
 
             Neste acórdão, além das passagens escolhidas pela decisão reclamada, 
 enunciam‑se, com relevo para a questão, as seguintes asserções:
 
  
 
             «Assim, se a parcela a expropriar não permite, legalmente, a 
 construção, não pode ser paga pelo preço que teria se pudesse ser‑lhe implantada 
 uma edificação.
 
             Porém, esta posição, que se assinala, não resiste à consideração de 
 que a aptidão edificativa mais não significa do que um determinado potencial de 
 capacidade edificativa, do que um certo coeficiente de edificabilidade, 
 susceptível de poder vir a acontecer, na sequência de uma nova alteração de 
 pormenor do PDM de Leiria, na zona envolvente à área de implantação do complexo 
 do Estádio Municipal de Leiria e seus acessos, como já sucedeu, por força da 
 iminente declaração de utilidade pública da expropriação, e que é razoável poder 
 vir a repetir‑se, na aludida zona, atendendo à pressão imobiliária que aquele 
 espaço, inevitavelmente, virá a conhecer.
 
             A isto acresce que, não obstante o solo objecto de expropriação se 
 encontrar integrado na RAN, a verificação dos índices definidos pelo artigo 
 
 25.º, n.º 2, do CE99, sendo certo que, na hipótese em apreço, se demonstrou que 
 dispõe de acesso rodoviário, rede de distribuição de água, saneamento, energia 
 eléctrica, drenagem de águas pluviais, estação depuradora, em ligação com a 
 rede de colectores de saneamento, distribuição de gás, rede telefónica e de 
 iluminação pública, com características adequadas para servir as edificações a 
 construir, é suficiente para a qualificação do mesmo, para efeitos 
 indemnizatórios, como ‘solo apto para a construção’.
 
             (…)
 
             Pelo exposto, o solo da parcela expropriada, para efeitos do 
 cálculo da indemnização a atribuir à expropriada, deve ser classificado, 
 também, com base neste fundamento, como solo apto para a construção, em 
 conformidade com o preceituado pelo artigo 25.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea 
 b), do CE99.
 
             Assim sendo, não é ilegal, nem inconstitucional, a interpretação dos 
 artigos 25.º, n.º 2, e 26.º, n.º 12, do CE99, que permite a indemnização devida 
 pela expropriação de um solo, como ‘solo apto para a construção’, não obstante o 
 mesmo se encontrar incluído na RAN e no Perímetro de Rega do Vale do Lis, por 
 eventual violação dos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da Constituição da República 
 Portuguesa.» (Sublinhados nossos).
 
  
 
             Daqui se conclui que, contrariamente ao aduzido na decisão 
 reclamada, o tribunal a quo lavrou a sua decisão na expressa e inequívoca 
 consideração de que:
 
             «a verificação dos índices definidos pelo artigo 25.º, n.º 2, do 
 CE99, (…) , é suficiente para a qualificação do mesmo, para efeitos 
 indemnizatórios, como ‘solo apto para a construção’»
 
  
 
             Tendo concluído:
 
  
 
             «Assim sendo, não é ilegal, nem inconstitucional, a interpretação 
 dos artigos 25.º, n.º 2, e 26.º, n.º 12, do CE99, que permite a indemnização 
 devida pela expropriação de um solo, como ‘solo apto para a construção’, não 
 obstante o mesmo se encontrar incluído na RAN e no Perímetro de Rega do Vale do 
 Lis.»
 
  
 
             Decorre do excurso relevado no acórdão do Tribunal da Relação a 
 consideração de efeitos e a perspectivação de eventualidades de ocorrência 
 incerta, tais considerações resultariam, necessariamente, numa conclusão sem 
 suporte legal se não se contivessem nas normas legais citadas.
 
             O exemplo mais evidente encontra‑se na passagem em que se refere:
 
  
 
             «susceptível de poder vir a acontecer, na sequência de uma nova 
 alteração de pormenor do PDM de Leiria, na zona envolvente à área de implantação 
 do complexo do Estádio Municipal de Leiria e seus acessos, como já sucedeu, por 
 força da iminente declaração de utilidade pública da expropriação, e que é 
 razoável poder vir a repetir‑se, na aludida zona, atendendo à pressão 
 imobiliária que aquele espaço, inevitavelmente, virá a conhecer.»
 
  
 
             Não constitui encargo dos tribunais, enquanto órgãos de soberania, a 
 perspectivação futura do conteúdo dos instrumentos de gestão do território, 
 cuja elaboração, alteração e aprovação está, legalmente, atribuída a outros 
 organismos públicos.
 
             A atribuição de relevância a uma tal cogitação esbarraria, desde 
 logo, no princípio da separação de poderes, com suporte constitucional.
 
             Do exposto resulta que, cogitadas certas e hipotéticas evoluções 
 futuras, daí não resultariam fundados argumentos, com alavanca legal, para a 
 conclusão a que o tribunal a quo veio a chegar. Por essa razão foi escorar‑se, 
 como principal e determinante fundamento para a decisão, nos preceitos legais 
 com aplicação ao caso concreto: os artigos 25.º, n.º 2, e 26.º, n.º 12, do 
 Código das Expropriações.
 
             A não serem estas as normas legais nas quais se suportou o tribunal 
 a quo para emitir o aresto impugnado, teria então de se concluir, – o 
 contra‑senso, que não se aceita, – que a qualificação do solo como apto para 
 construção não derivou da aplicação daqueles normativos (na interpretação que 
 deles fez o referido Tribunal), nem de quaisquer outros porque não referidos.
 
             Ora, como não pode deixar de se concluir, o arrazoado constante do 
 acórdão do tribunal a quo visa, na globalidade, justificar «a indemnização 
 devida pela expropriação de um solo, como ‘solo apto para a construção’, não 
 obstante o mesmo se encontrar incluído na RAN e no Perímetro de Rega do Vale do 
 Lis».
 
             E visa fazê‑lo pela única forma possível (ainda que não unânime, nem 
 aceite pelo recorrente), através da interpretação das normas contidas no n.º 2 
 do artigo 25.º e no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, no 
 sentido de permitir a indemnização devida pela expropriação de um solo, como 
 
 «solo apto para a construção», não obstante este se encontrar incluído na 
 Reserva Agrícola Nacional e no Perímetro de Rega do Vale do Lis.
 
             A consideração de justificações que têm de se inserir no quadro 
 legal das normas aplicadas não se desenquadra do modo como foi suscitada a 
 inconstitucionalidade normativa em apreço.
 
             De tal desiderato decorre, com fluente clareza, a identidade entre o 
 critério normativo efectivamente aplicado como ratio decidendi pelo acórdão 
 impugnado e o critério normativo identificado no requerimento de interposição do 
 recurso de constitucionalidade.
 
             Aliás, o argumento constante da decisão sumária reclamada constitui, 
 se se quiser, um índice enquadrado na previsão das normas, das quais terá de 
 decorrer, pelo menos, na perspectiva adoptada pelo tribunal a quo e pelo 
 relator. Não se afastando do cerne da questão de inconstitucionalidade 
 normativa suscitada pelo recorrente, ora reclamante.
 
             O sentido contido nesse argumento é, ele próprio, tautológico, na 
 medida em que repete o resultado alcançado, sem aclarar ou aprofundar a sua 
 compreensão.
 
             A não ser assim, não têm qualquer sentido as menções aos preceitos 
 em causa e ao sentido interpretativo que deles foi feito, atendo‑se o tribunal a 
 quo no mero afastamento liminar da inconstitucionalidade suscitada. Não foi 
 essa, no entanto, a sua opção.
 
             E se não o fez, como se deduz, foi pela simples razão de que o 
 acórdão impugnado assentou, de modo determinante e decisivo, no sentido 
 interpretativo cuja inconstitucionalidade normativa foi arguida pelo 
 recorrente, ora reclamante.
 
             A interpretação do critério normativo efectivamente aplicado pelo 
 acórdão impugnado não pode, em qualquer caso, servir de guarida a uma 
 perspectiva discricionária em sede de admissão de recursos de 
 constitucionalidade.
 
             A Constituição e a Lei não concedem a adopção de critérios 
 discricionários ou implicitamente discricionários na decisão de admissão de um 
 recurso de constitucionalidade, ainda que situados no seu segundo momento de 
 admissão, no exercício de uma apreciação de competência da competência.
 
             A decisão de não conhecimento da segunda parte do objecto do recurso 
 
 é, igualmente, nula, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), primeira 
 parte, do Código do Processo Civil, aplicável por força do artigo 69.º da LTC.
 
             Cabe, assim, declarar a nulidade da decisão sumária, na componente 
 identificada e, em consequência, substituir a decisão de não conhecimento da 
 segunda parte do objecto do recurso por decisão que determine a notificação do 
 recorrente para apresentar alegações, nos termos do artigo 78.º‑A, n.º 5, da 
 LTC.
 
             
 
             IV – Quanto à eventualidade de decisão sumária do mérito do recurso 
 de constitucionalidade:
 
             Com vista a acautelar a evidente insegurança dos insuficientes 
 fundamentos aduzidos na decisão sumária reclamada que alicerçam a decisão de 
 não conhecimento da segunda parte do objecto do recurso, veio, como tábua de 
 salvação e meramente como hipótese abstracta, referenciada a conclusão de que, 
 ainda que fosse possível conhecer da segunda parte do objecto do recurso, tal 
 conhecimento conduziria ao não provimento do recurso.
 
             Este argumento de último recurso, baseia‑se na «existência de 
 anteriores decisões deste Tribunal no sentido da não inconstitucionalidade de 
 tal critério».
 
             Ao relator é conferido o poder de proferir decisão sumária, quanto 
 ao mérito do recurso, se a questão a decidir for simples (artigo 78.º‑A, n.º 1, 
 da LTC).
 
             Este conceito indeterminado de «decisão simples» é concretizado, de 
 modo exemplificativo, quando a questão a decidir já foi objecto de decisão 
 anterior do Tribunal ou por ser manifestamente infundada (cf. mesmo artigo e 
 lei).
 
             Ora, o relator enquadrou a questão simples na existência de 
 anteriores decisões do Tribunal e citou algumas delas.
 
             Os acórdãos citados na decisão sumária reclamada foram proferidos na 
 
 2.ª Secção do Tribunal Constitucional.
 
             No entanto, como decerto não é desconhecido, o Tribunal 
 Constitucional proferiu outros arestos nos quais adoptou orientação diversa da 
 invocada na decisão reclamada e que se alinham no sentido preconizado pelo 
 reclamante.
 
             São disso exemplo, entre outros, o Acórdão n.º 243/2001, de 23 de 
 Maio de 2001, processo n.º 15/2001, o Acórdão n.º 347/2003, de 8 de Julho de 
 
 2003, processo n.º 794/2002, o Acórdão n.º 275/2004, de 20 de Abril de 2004, 
 processo n.º 3/2004, o Acórdão n.º 417/2006, de 11 de Julho de 2006, processo 
 n.º 538/2005, o Acórdão n.º 118/2007, de 16 de Fevereiro de 2007, processo n.º 
 
 785/2006, e o Acórdão n.º 416/2007, de 18 de Julho de 2007, processo n.º 
 
 149/2006.
 
             Esta circunstância, tendo em conta o nível que se imputa ao conjunto 
 da jurisprudência emanada pelo Tribunal Constitucional, parece impedir a 
 configuração da questão de constitucionalidade suscitada como questão simples.
 
             A simplicidade da questão – a existir – teria decerto conduzido à 
 uniformização do sentido jurisprudencial assumido pelo Tribunal. A sua falta 
 traduz, pela mesma razão, a conclusão inversa. A questão não é simples porque 
 nem sequer no Tribunal Constitucional é decidida no mesmo sentido por todas as 
 Secções.
 
             A simplicidade da questão a decidir por juiz singular, em entorse à 
 regra do julgamento em formação de juízes, não pode ser afirmada, perante a 
 constatação da existência de várias decisões jurisdicionais, ao longo dos anos, 
 em sentidos diferentes e antagónicos.
 
             Assim, a decisão de admissão do recurso apresentado, como se 
 peticiona, não pode ser seguida de decisão sumária, quanto ao mérito, pelo 
 relator, na medida em que não ocorre a simplicidade da questão, por existir 
 jurisprudência contraditória ao nível do Tribunal Constitucional.
 
             A existência de divergência jurisprudencial constitui requisito para 
 determinar, inclusive, a intervenção do plenário do Tribunal, conforme estatui 
 o artigo 79.º‑A, n.º 1, da LTC.
 
             A jurisprudência invocada na decisão sumária reclamada é da 2.ª 
 Secção e não do Plenário do Tribunal, esta diferente circunscrição da 
 composição das formações de julgamento em apreço condiciona de modo irreversível 
 a possibilidade de ser proferida decisão sumária quanto ao mérito do objecto do 
 recurso.
 
             Não se ignorando que, se vier a ser julgada a questão de 
 inconstitucionalidade em sentido divergente ao anteriormente adoptado quanto à 
 mesma norma, por qualquer das Secções, pode ser interposto recurso para o 
 Plenário do Tribunal (artigo 79.º‑D, n.º 1, da LTC).
 
             A circunstância de existir jurisprudência do Tribunal Constitucional 
 nos dois sentidos permite, à partida, considerar a possibilidade de interposição 
 de recurso para o Plenário.
 
             Também por este motivo não é admissível a decisão sumária do mérito 
 do recurso por tal consubstanciar um obstáculo inconstitucional e ilegal ao 
 direito ao recurso por parte do recorrente, ora reclamante.
 
             Nestes termos e por não se verificarem os requisitos que o concedem, 
 não é possível o recurso ao disposto no artigo 78.º‑A, n.º 1, da LTC, devendo o 
 julgamento do mérito do recurso ser efectuado pela Secção a que foi 
 distribuído, admitindo‑se, conforme acima se referiu, a intervenção do Plenário 
 do Tribunal, ao abrigo do citado artigo 79.º‑A, ou, se esta não ocorrer, a 
 posterior interposição de recurso para esse Plenário, de acordo com o artigo 
 
 79.º‑D, da LTC.
 
             Nestes termos, deve ser declarada nula a decisão sumária reclamada, 
 nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), primeira parte, do Código de 
 Processo Civil, por força do artigo 69.º da LCT, e, consequente, deve ser 
 determinado o conhecimento da totalidade do objecto do recurso, mandando 
 notificar‑se o recorrente para apresentar alegações, nos termos do artigo 
 
 78.º‑A, n.º 5, da LTC.
 
             Ou, se assim não se entender, quanto à primeira parte do objecto do 
 recurso, deve ser ordenado ao recorrente o aperfeiçoamento do requerimento, nos 
 termos do artigo 75.º‑A, n.ºs 5 e 6, da LTC.
 
             Ao qual se seguirá a competente apreciação quanto ao conhecimento do 
 seu objecto.
 
             Em qualquer dos casos, não deve ser adoptada decisão sumária do 
 mérito do recurso pelo relator, por não se encontrarem preenchidos os 
 respectivos pressupostos.”
 
  
 
                         1.3. A recorrida, notificada da apresentação da 
 precedente reclamação, apresentou a seguinte resposta:
 
  
 
             “I – Metodologia adoptada.
 
             Na presente resposta adoptaremos a seguinte metodologia de análise 
 das questões colocadas em sede da presente reclamação para a conferência:
 
             1 – Enunciaremos os critérios de admissibilidade do recurso 
 interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, conforme 
 restrição indicada pelo próprio recorrente (Ponto II).
 
             2 – A partir da enunciação desses critérios de admissibilidade do 
 recurso interposto para este Tribunal Constitucional, analisaremos a decisão 
 sumária que decidiu não dever ser conhecido o recurso, por inadmissibilidade do 
 mesmo e deter‑nos‑emos na análise das razões de discordância dessa decisão, 
 aduzidas pelo recorrente (Pontos III e IV).
 
             3 – Por fim, concluiremos expondo qual deverá ser o sentido da 
 decisão a proferir nesta sede (Ponto V).
 
  
 
             II – Critérios de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
 
             O Ex.mo Senhor Dr. Juiz Conselheiro Relator, que decidiu 
 sumariamente não conhecer do objecto do recurso interposto para este Tribunal 
 Constitucional, enunciou com exactidão o seguinte (a fls. 8 e 9):
 
             «No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a 
 competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, 
 hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o 
 sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de 
 inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas 
 consideradas. (…) na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a 
 adopção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em 
 apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a 
 outras situações (...).
 
             Tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade 
 depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada ‘durante o processo’, ‘de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, 
 em termos de este estar obrigado a dela conhecer’ (n.º 2 do artigo 72.º da LCT), 
 e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das 
 dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
 
             Acresce que, quando o recorrente questiona a conformidade 
 constitucional de uma interpretação normativa, deve identificar essa 
 interpretação com o mínimo de precisão (…).»
 
  
 
             III – Inconstitucionalidade do artigo 23.º, n.º 1, do Código das 
 Expropriações, quando interpretado no sentido de privilegiar a expropriada, 
 indo além do ressarcimento do prejuízo que lhe resultou da expropriação.
 
             Esta primeira questão de inconstitucionalidade suscitada como 
 versando «a inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º do 
 Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de privilegiar a 
 expropriada, na medida em que vai muito além do ressarcimento do prejuízo que 
 da expropriação resultou para esta» foi entendida pelo Ex.mo Senhor Dr. Juiz 
 Conselheiro Relator, de modo correcto, como carecendo de carácter normativo.
 
             Efectivamente, corno se esclarece na decisão sumária proferida (a 
 fls. 21, 2.º parágrafo), «o recorrente não identifica, de todo, o sentido da 
 
 ‘interpretação normativa’, extraída da norma do artigo 23.º, n.º 1, do Código 
 das Expropriações, que reputa inconstitucional, limitando‑se a questionar a 
 conformidade constitucional do resultado de uma interpretação cujo sentido se 
 ignora qual seja».
 
             No sentido do preenchimento desse requisito de admissibilidade do 
 recurso, sustentando a definição de uma específica inconstitucionalidade 
 normativa, vem, agora, em sede da reclamação para esta Conferência, explicitar 
 
 (a fls. 4 da sua reclamação) que considera claramente invocada:
 
             «– A inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º 
 do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de admitir a 
 avaliação da parcela expropriada, incluída em RAN e no Perímetro de Rega do 
 Vale do Lis, de acordo com as regras por que são avaliados os terrenos 
 susceptíveis de serem edificados, na medida em que privilegia a expropriada e 
 vai muito para além do ressarcimento do prejuízo que da expropriação resultou 
 para esta.
 
             – A inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º 
 do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de admitir a 
 avaliação da parcela expropriada, incluída em RAN e no Perímetro de Rega do 
 Vale do Lis, de acordo com as regras por que são avaliados os terrenos 
 susceptíveis de serem edificados, na medida em que privilegia a expropriada por 
 permitir que a indemnização decorrente da expropriação tenha por base um 
 direito que nunca teve e que, por isso, não lhe foi retirado.
 
             – A inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º 
 do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de admitir a 
 avaliação da parcela expropriada, incluída em RAN e no Perímetro de Rega do 
 Vale do Lis, de acordo com as regras por que são avaliados os terrenos 
 susceptíveis de serem edificados, na medida em confere um tratamento 
 privilegiado à expropriada em comparação com todos os restantes proprietários 
 de terrenos, incluídos em RAN e no Perímetro de Rega do Vale do Lis, que apenas 
 podem dar, aos seus terrenos, um aproveitamento agrícola.»
 
             Mais uma vez não tem razão a recorrente, atendendo a que incorre em 
 erro manifesto, ao explicitar meros juízos conclusivos acerca de uma alegada 
 situação de privilégio da expropriada, obtido por via do acórdão proferido.
 
             Não alicerçando tal juízo conclusivo sequer em matéria provada nos 
 autos – não tendo efectivamente sido nestes produzida prova acerca do valor de 
 parcelas nas circunstâncias que refere, para que pudesse, nesse caso, 
 concluir‑se por qualquer tratamento privilegiado, injusto e violador do 
 princípio da igualdade, da expropriada; ou do valor real e corrente do bem 
 expropriado de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização 
 económica normal (diferente do apurado conforme o foi nos autos); ou 
 circunstâncias e condições de facto existentes a ponderar, que não tivessem sido 
 atendidas.
 
             Não explicita, uma vez mais, com o mínimo de concretização, qual a 
 exacta proposição contida no artigo 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações, 
 que entende ter sido interpretada e aplicada no sentido de privilegiar a 
 expropriada, na medida em que vai muito além do ressarcimento do prejuízo que 
 da expropriação resultou para esta (conforme indica).
 
             Nem poderia fazê‑lo, pelas razões referidas, atendendo a que um 
 juízo de privilégio exigiria sempre a definição concreta do elemento não 
 privilegiado, como definidor comparativo e, inexistindo este (nos termos que 
 anteriormente indicámos), nunca tal juízo poderia ser realizado.
 
             Pelos motivos expostos, carecendo de carácter normativo a primeira 
 questão de inconstitucionalidade suscitada, não poderá, conforme correctamente 
 se concluiu na decisão sumária proferida pelo Ex.mo Senhor Dr. Juiz Conselheiro 
 Relator, ser conhecida a primeira parte do recurso interposto para este Tribunal 
 Constitucional.
 
             Não poderá igualmente atender a pretensão da recorrente de dever ser 
 formulado convite ao aperfeiçoamento nos termos do n.º 5 do artigo 75.º‑A da 
 LTC, porquanto este apenas tem aplicação nos casos em que falte a indicação de 
 algum dos elementos previstos nesse artigo e tais elementos são somente os 
 seguintes in casu – os quais foram indicados pela recorrente:
 
             – a alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo da qual o recurso é 
 interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o 
 Tribunal aprecie (n.º 1 do artigo 75.º‑A da LTC);
 
             – indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se 
 considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a 
 questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade (n.º 2 do artigo 75.º‑A da LTC).
 
             Deste modo, não poderá ser usado o mecanismo do convite previsto no 
 n.º 5 do artigo 75.º‑A da LTC, para que a recorrente possa suprir a carência de 
 carácter normativo da primeira questão de inconstitucionalidade suscitada – 
 sendo este o motivo pelo qual não poderá conhecer‑se dessa questão.
 
  
 
             IV – Inconstitucionalidade do artigo 25.º, n.º 2, e do artigo 26.º, 
 n.º 12, do Código das Expropriações, quando interpretados no sentido de permitir 
 a indemnização devida pela expropriação de um solo como «apto para a 
 construção» não obstante este estar incluído na Reserva Agrícola Nacional e no 
 Perímetro de Rega do Vale do Lis.
 
             A segunda questão de inconstitucionalidade suscitada prende‑se com a 
 alegada inconstitucionalidade do artigo 25.º, n.º 2, e do artigo 26.º, n.º 12, 
 do Código das Expropriações, quando interpretados no sentido de permitir a 
 indemnização devida pela expropriação de um solo como «apto para a construção» 
 estando o mesmo incluído em Reserva Agrícola Nacional e em Perímetro de Rega.
 
             Também esta segunda questão suscitada não pode ser conhecida pelo 
 Tribunal Constitucional.
 
             A razão de impossibilidade do conhecimento desta questão é, neste 
 caso, como bem expõe a decisão sumária proferida, a de o critério normativo 
 enunciado pelo recorrente não corresponder ao aplicado como ratio decidendi no 
 acórdão recorrido.
 
             Neste sentido, esclarece o Ex.mo Senhor Dr. Juiz Conselheiro Relator 
 que, sendo certo que «o acórdão recorrido, na sua argumentação, considerou que o 
 inclusão da parcela expropriada na Reserva Agrícola Nacional e no Perímetro de 
 Rega do Vale do Lis não constituía obstáculo insuperável à aplicação do regime 
 especial do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, (...) 
 determinante para esta qualificação foi o reconhecimento de que a parcela em 
 causa dispunha de uma ‘muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa’» e 
 atribuiu relevância a demais considerações decisivas para a qualificação do 
 terreno, que impuseram de modo sustentado concluir pela «real potencialidade 
 edificativa, que nasceu com a expropriação, que esta gerou, porquanto nele se 
 edificou uma construção urbana, isto é, uma área intermunicipal de equipamento 
 público estruturante» (fls. 22 e 23 da decisão sumária proferida).
 
             Não existindo, portanto, coincidência entre o critério normativo 
 enunciado na segunda parte do requerimento de interposição de recurso e o 
 critério normativo aplicado, como ratio decidendi, no acórdão recorrido, também 
 quanto a esta segunda questão não pode ser admitido o recurso interposto para o 
 Tribunal Constitucional.
 
  
 
             V – Conclusões:
 
             1.ª – Interposto recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da 
 verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade 
 haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado 
 perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar 
 obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LCT), e de a decisão 
 recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões 
 normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente; bem como, questionada 
 a conformidade constitucional de uma interpretação normativa, dever ser 
 identificada essa interpretação com o mínimo de precisão.
 
             2.ª – A suscitada «inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 
 do artigo 23.º do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de 
 privilegiar a expropriada, na medida em que vai muito além do ressarcimento do 
 prejuízo que da expropriação resultou para esta» carece de carácter normativo, 
 nos termos formulados pelo recorrente, porquanto este não identificou o sentido 
 da «interpretação normativa» extraído dessa norma que reputa inconstitucional, 
 limitando‑se a questionar a conformidade constitucional do resultado de uma 
 interpretação cujo sentido se ignora qual seja.
 
             3.ª – Não poderá ser formulado convite ao aperfeiçoamento, nos 
 termos previstos no n.º 5 do artigo 75.º‑A da LTC, porquanto este apenas tem 
 aplicação nos casos em que falte a indicação de algum dos elementos previstos 
 nesse artigo, não sendo estes os elementos em falta neste caso.
 
             4.ª – Quanto à questão de inconstitucionalidade suscitada, por 
 alegada inconstitucionalidade do artigo 25.º, n.º 2, e do artigo 26.º, n.º 12, 
 do Código das Expropriações, quando interpretados no sentido em que o foram no 
 acórdão recorrido, o critério normativo enunciado pelo recorrente não 
 corresponde ao aplicado como ratio decidendi nesse acórdão e, por esta razão, 
 está o Tribunal Constitucional impedido de conhecer tal matéria.
 
             5.ª – A decisão sumária proferida nestes autos não merece qualquer 
 censura e não deve, consequentemente, ser alterada em sede da presente 
 reclamação.”
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2.1. Pela decisão sumária ora reclamada decidiu‑se não 
 conhecer do objecto do presente recurso, por falta de verificação, relativamente 
 
 às duas questões que integravam esse objecto, dos respectivos requisitos da sua 
 admissibilidade: (i) quanto à primeira, identificada pelo recorrente como 
 versando “a inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º do 
 Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de privilegiar a 
 expropriada, na medida em que vai muito além do ressarcimento do prejuízo que 
 da expropriação resultou para esta”, por ser “patente que a mesma carece de 
 natureza normativa”, já que “o recorrente não identifica, de todo, o sentido da 
 
 «interpretação normativa», extraída da norma do artigo 23.º, n.º 1, do Código 
 das Expropriações, que reputa inconstitucional, limitando‑se a questionar a 
 conformidade constitucional do resultado de uma interpretação cujo sentido se 
 ignora qual seja”; e (ii) quanto à segunda, “por o critério normativo aí 
 enunciado pelo recorrente não corresponder ao critério normativo que foi 
 efectivamente aplicado, como ratio decidendi, no acórdão recorrido”.
 
                         Após alcançada essa conclusão de impossibilidade de 
 conhecimento do mérito do recurso, teceram‑se considerações no sentido de que, 
 na hipótese (que não se verificava) de ser possível conhecer da segunda parte do 
 objecto do recurso, “seria então possível proferir decisão sumária de 
 improvimento do recurso, dada a existência de anteriores decisões deste Tribunal 
 no sentido da não inconstitucionalidade de tal critério”. Mas, como é óbvio, 
 estas últimas considerações – reconhece‑se que, em rigor, desnecessárias – em 
 nada afectam o sentido da decisão tomada, que foi unicamente de não 
 conhecimento do recurso, e não de improvimento do mesmo.
 
                         Por isso, o objecto da presente reclamação tem de 
 cingir‑se à apreciação da correcção dos fundamentos dessa decisão sumária de 
 não conhecimento do recurso.
 
  
 
                         2.2. Em segundo lugar, saliente‑se que as razões pelas 
 quais se entendeu não ser possível conhecer do recurso (falta de identificação 
 de uma questão de inconstitucionalidade normativa, quanto ao primeiro ponto; e 
 falta de identidade entre o critério normativo aplicado, como ratio decidendi, 
 no acórdão recorrido e o critério normativo enunciado pelo recorrente, quanto ao 
 segundo ponto) são estranhas aos requisitos a que devem obedecer os 
 requerimentos de interposição de recurso de constitucionalidade, elencados nos 
 n.ºs 1 a 4 do artigo 75.º‑A da LTC, pelo que não tem qualquer cabimento a tese 
 do recorrente de que deveria ter sido formulado o convite previsto no n.º 6 do 
 mesmo preceito.
 
  
 
                         2.3. O recorrente veio tentar, na presente reclamação, 
 desenvolver e enriquecer o conteúdo da formulação que utilizou, no requerimento 
 de interposição de recurso, na parte relativa à primeira questão, o que, porém, 
 surge como imprestável, já que, como é sabido, o objecto do recurso deve ser 
 definido no requerimento através do qual é interposto, sendo inadmissível a sua 
 posterior ampliação ou modificação (excepto se no sentido da sua restrição), em 
 peças processuais entretanto produzidas pelo recorrente.
 
                         Ora, tal como a primeira questão foi enunciada no 
 requerimento de interposição de recurso – versando sobre «a 
 inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º do Código das 
 Expropriações, quando interpretada no sentido de privilegiar a expropriada, na 
 medida em que vai muito além do ressarcimento do prejuízo que da expropriação 
 resultou para esta» – é patente que a mesma carece de natureza normativa, por o 
 recorrente não identificar, de todo, o sentido da “interpretação normativa”, 
 extraída da norma do artigo 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações, que reputa 
 inconstitucional, limitando‑se a questionar a conformidade constitucional do 
 resultado de uma interpretação cujo sentido se ignora qual seja.
 
                         Sabido que, em conformidade com firme jurisprudência 
 deste Tribunal, quando o recorrente questiona a conformidade constitucional de 
 uma interpretação normativa, deve identificar essa interpretação com o mínimo de 
 precisão – pois, repetindo‑se a já citada formulação usada no Acórdão n.º 
 
 367/94: “ao suscitar‑se a questão de inconstitucionalidade, pode 
 questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão‑só uma 
 interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido (essa dimensão 
 normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser 
 julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos 
 de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito 
 ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em 
 causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a Constituição” –, é 
 evidente que a enunciação proposta pelo recorrente não preenche minimamente 
 este requisito, sendo inimaginável que, na hipótese de provimento do recurso, o 
 Tribunal Constitucional viesse a proferir decisão no sentido julgar 
 inconstitucional a norma contida no n.º 1 do artigo 23.º do Código das 
 Expropriações, “quando interpretada no sentido de privilegiar a expropriada, 
 na medida em que vai muito além do ressarcimento do prejuízo que da expropriação 
 resultou para esta”.
 
                         Confirma‑se, por isso, a decisão sumária reclamada, no 
 que concerne ao não conhecimento da primeira questão, por falta de adequada 
 definição de uma questão de inconstitucionalidade normativa.
 
  
 
                         2.4. Quanto à segunda questão que integrava o objecto do 
 recurso, tal como definido no respectivo requerimento de interposição, o 
 fundamento da decisão de não conhecimento foi a constatação de que o critério 
 normativo aí enunciado pelo recorrente não correspondia ao critério normativo 
 que foi efectivamente aplicado, como ratio decidendi, no acórdão recorrido.
 
                         É que o acórdão recorrido não aplicou o dito critério 
 com a vastidão que o recorrente lhe assinala, isto é, não entendeu que nunca 
 constitui obstáculo insuperável à aplicação do regime especial do n.º 12 do 
 artigo 26.º do Código das Expropriações a inclusão da parcela expropriada na 
 Reserva Agrícola Nacional e no Perímetro de Rega do Vale do Lis. O que decidiu é 
 que esse regime é aplicável a parcelas que disponham de uma «muito próxima ou 
 efectiva potencialidade edificativa», como acontecia especificamente com a 
 parcela expropriada nestes autos. Recordem‑se, mais uma vez, os fundamentos 
 desse entendimento do acórdão recorrido, em que, para além de características 
 objectivas do terreno, que preenchiam os requisitos do n.º 2 do artigo 25.º do 
 Código das Expropriações (situação dentro do aglomerado urbano de Leiria; 
 disposição de acesso rodoviário directo, ainda que sob a forma de um caminho em 
 terra batida, e indirecto, a menos de 50 m, através de uma avenida pavimentada 
 com betuminoso, equipada com passeios, rede de distribuição domiciliária de 
 
 água, saneamento, distribuição de energia eléctrica, em baixa tensão, drenagem 
 de águas pluviais, estação depuradora, em ligação com a rede de colectores de 
 saneamento, rede distribuidora de gás, rede telefónica e rede de iluminação 
 pública; existência, em relação ao limite da faixa envolvente da parcela 
 expropriada, com o perímetro exterior de 300 m, de construções, nas zonas de 
 enquadramento da Quinta do Cabeço, do Estádio Municipal, da Nova Leiria, e ao 
 longo da Estrada do Arrabalde), se atribuiu relevância decisiva à existência de 
 factores (construção de um estádio municipal e respectivas infra‑estruturas, 
 susceptível de atrair para a sua órbita a construção de edifícios para habitação 
 ou escritórios, de instalações e edifícios de equipamento, de interesse 
 colectivo, de edifícios residenciais, comerciais e de serviços) geradores de 
 uma “muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa”, “podendo 
 concluir‑se, afoitamente, que a expropriação se destinou à construção de um 
 edifício urbano”, concluindo‑se que “neste caso de expropriação de terreno 
 integrado na RAN, há que considerar, para efeitos de cálculo do valor da 
 indemnização, a pagar ao expropriado, uma real potencialidade edificativa, que 
 nasceu com a expropriação, que esta gerou, porquanto nele se edificou uma 
 construção urbana, isto é, uma área intermunicipal de equipamento público 
 estruturante”.
 
                         Nestes termos, não se pode considerar que a questão ora 
 em causa tenha integrado a ratio decidendi da decisão recorrida, nos termos 
 amplos em que o recorrente pretende que a mesma seja apreciada, isto é, que é 
 inconstitucional a aplicação do regime do n.º 12 do artigo 26.º do Código das 
 Expropriações à expropriação de qualquer parcela integrada na RAN e em Perímetro 
 de Rega, pois o acórdão recorrido apenas entendeu como possível essa 
 qualificação quando a parcela se revista de efectiva potencialidade edificativa 
 
 (tendo sido expropriada justamente para esse fim). Ora, este elemento, que se 
 mostra decisivo na fundamentação do acórdão recorrido, não consta da 
 interpretação normativa que o recorrente identificou, no requerimento de 
 interposição de recurso, como integrando o objecto da segunda questão de 
 inconstitucionalidade que pretendia ver apreciada, não se mostrando nele 
 contido, o que determina o não conhecimento dessa questão, por falta de 
 identidade entre o critério normativo aplicado e o critério normativo 
 questionado (cf., para situação similar, o recente Acórdão n.º 93/2009, desta 
 
 2.ª Secção).
 
  
 
                         3. Termos em que acordam em indeferir a presente 
 reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
 
                         Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 11 de Março de 2009.
 Mário José de Araújo Torres 
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos