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Processo n.º 1181/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 A – Relatório 
 
  
 
             1 – A Câmara Municipal de Águeda, com os demais sinais dos autos, 
 recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, 
 n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção 
 
 (LTC), pretendendo ver apreciada a constitucionalidade do artigo 13.º, n.º 4, do 
 Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, por 
 atribuir competência aos tribunais comuns para declararem a caducidade da 
 declaração de utilidade pública, à luz do disposto nos artigos 209.º, n.º 1, 
 
 211.º, n.º 1 e 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.
 
             2 – Com interesse para o recurso, cumpre relatar:
 
             2.1 – A recorrente, inconformada com a sentença proferida no 2.º 
 Juízo do Tribunal Judicial de Águeda, pela qual se declarou a caducidade da 
 declaração de utilidade pública de um prédio, apelou para o Tribunal da Relação 
 de Coimbra, aí formulando as seguintes conclusões: 
 
             “(...)
 
 1.      O acto de declaração de utilidade pública é um acto administrativo e 
 como tal está sujeito a recurso contencioso de anulação da competência dos 
 Tribunais Administrativos e Fiscais.
 
 2.      Encontra-se pendente no pleno da Secção do Supremo Tribunal 
 Administrativo recurso de anulação do despacho ministerial que declarou a 
 utilidade pública, sendo em nosso entender essa a instância própria para ser 
 invocada a caducidade do mesmo.
 
 3.      De acordo com as regras de competência material – artigos 66º e 67º do 
 CPC e 209º e 212º da Constituição da República Portuguesa – é da competência dos 
 Tribunais Administrativos e Fiscais o julgamento de acções e recursos que tenham 
 por objecto dirimir os litígios emergentes das relações administrativas e 
 fiscais.
 
 4.      Pelo que a norma do artigo 13º, nº 4 do Código das Expropriações, no 
 qual se atribui competência para declarar a caducidade da declaração de 
 utilidade pública aos Tribunais comuns para conhecer da decisão arbitral é 
 inconstitucional porque viola o disposto nos artigos 209º e 212º da Constituição 
 da República Portuguesa.
 
 5.      O Tribunal Judicial de Águeda, por ser um Tribunal comum não é 
 competente em razão da matéria para apreciar e declarar a caducidade de um acto 
 administrativo.
 
 6.      Deve ser dado provimento ao recurso e ser proferido acórdão que julgue o 
 Tribunal recorrido incompetente em razão da matéria para declarar a caducidade 
 da declaração de utilidade pública”.
 
  
 
             2.2 – Por acórdão de 6 de Novembro de 2007, o Tribunal da Relação de 
 Coimbra julgou o recurso improcedente, estribando-se, para tal, na fundamentação 
 que se passa a transcrever:
 
 “(...)
 
 4. Cumpre decidir
 O objecto do recurso é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, 
 estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias não incluídas – nas 
 conclusões – a não ser que, tal como acima se referiu, sejam de conhecimento 
 oficioso.
 
 *
 
 4.1 - Incompetência dos Tribunais comuns em razão da matéria para declarar a 
 caducidade de um acto administrativo.
 A competência dos Tribunais é a medida da sua jurisdição, o modo como entre eles 
 se fracciona e reparte o poder jurisdicional que, tomado em bloco, pertence ao 
 conjunto dos Tribunais (…). Na definição da competência em razão da matéria, a 
 lei atende à matéria da causa, quer dizer ao seu objecto, encarado sob o ponto 
 de vista qualitativo – o da natureza da relação substancial pleiteada. Trata-se 
 pois duma competência ratione materiae[1].
 A propósito da competência em razão da matéria prescreve o artigo 66º do Código 
 de Processo Civil: são da competência dos tribunais judiciais as causas que não 
 sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. Por outro lado, o artigo 67º do 
 mesmo diploma declara que as leis de organização judiciária determinam quais as 
 causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais 
 dotados de competência especializada.
 Se atentarmos na redacção dada ao artigo 66º do C.P.C., constatamos que todas as 
 causas a que por lei não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, são os 
 tribunais comuns competentes para a julgar. Também o nº 1 do artigo 18º da Lei 
 nº 3/99, de 3 de Janeiro, declara que: são da competência dos Tribunais 
 Judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
 Assim determinando-se a competência dos Tribunais comuns por exclusão, importa 
 verificar se as leis de organização judiciária dos Tribunais Administrativos e 
 Fiscais lhes confere ou não competência para declarar a caducidade da declaração 
 de utilidade pública nos termos do disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 13º do 
 Código das Expropriações.
 Na data de entrada em Tribunal do requerimento da entidade expropriante estava 
 em vigor a Lei nº 13/2002[2], de 19.2 que aprovou o ETAF e revogou o decreto-lei 
 nº 129/84, de 27.4 (cf. artigo 9º da Lei nº 13/2002).
 A competência dos Tribunais Administrativos passou a estar fixada no artigo 4º 
 da Lei nº 13/2002, sendo que o nº 1 do seu artigo 5º preceitua que a competência 
 dos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da 
 propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito 
 que ocorram posteriormente.
 Se corremos as diversas alíneas do artigo 4º do ETAF concluiremos, sem margem 
 para qualquer dúvida, pelo conhecimento dos Tribunais comuns para conhecer de 
 todas as questões associadas ao processo expropriativo, incluindo, naturalmente, 
 a declaração de caducidade da declaração de utilidade pública administrativa.
 E dizemos «naturalmente» na justa medida em que os Tribunais comuns quando 
 chamados a tomar posição sobre a declaração de caducidade fazem-no unicamente 
 tendo por referência à extinção ou perda de um direito ou de uma acção pelo 
 decurso do tempo, não podendo, aí sim por falta de competência em razão da 
 matéria, tomar posição sobre a legalidade ou ilegalidade de um acto 
 materialmente administrativo – alínea c) do artigo 4º do ETAF – como é o caso da 
 declaração de utilidade pública. Repete-se que o pronunciamento dos Tribunais 
 comuns à luz da previsão do nº 4 do artigo 13º do Código das Expropriações é o 
 de apenas verificar se a entidade expropriante promoveu, ou não, a constituição 
 de arbitragem no prazo de 1 ano ou, não tendo o processo sido remetido ao 
 Tribunal competente se a promoveu no prazo de 18 meses – nº 3 do artigo 13º do 
 Código das Expropriações (No caso em apreço é aplicável o Código das 
 Expropriações aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, posteriormente 
 alterado pelas Leis nº 13/2002 de 19 de Fevereiro e nº 4-A/2003 de 19 de 
 Fevereiro).
 Tal como se ensina no acórdão do Tribunal da Relação do Porto[3] «a questão 
 encontra-se hoje legislativamente resolvida no sentido da competência dos 
 Tribunais comuns para declarar a caducidade da declaração de utilidade pública. 
 Na verdade, sendo pacífico que a lei substantiva a aplicar é a vigente à data da 
 publicação de utilidade pública da parcela a expropriar, pois, como o Prof. 
 Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, pág. 995, a define, a 
 expropriação é uma relação jurídica através da qual o Estado, atendendo à 
 conveniência de utilizar certos bens imóveis num determinado fim de interesse 
 público, extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles e determina a 
 sua transferência definitiva para o património da pessoa encarregada da 
 prossecução desse fim, cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma 
 indemnização compensatória, como se defende, nomeadamente nos Acs. do STJ de 
 
 04/01/79, BMJ nº 283, pág. 172, de 20/11/80, BMJ nº 301, pág. 309, da RL de 10 e 
 
 24 de Março de 1994, CJ, Tomo II/94 págs. 83 e 98, e de 23/03/95, CJ, Tomo II, 
 pág. 89, da RP de 10/10/96, CJ, Tomo IV, pág. 221, e Prof. Oliveira Ascensão, 
 CJ, Tomo II/92, págs. 29 a 34, e Fernando Alves Correia, As Grandes Linhas da 
 Recente Reforma do Direito Urbanístico Português, pág. 70, o facto constitutivo 
 da relação jurídica da expropriação é a declaração da utilidade pública».
 Seguindo os ensinamentos acima expressos, verificamos que o nº 4 do artigo 13º 
 confere ao «expropriado ou a qualquer interessado o direito de requerer ao 
 Tribunal competente para conhecer do recurso da decisão arbitral» a declaração 
 de caducidade. Ora, o nº 1 do artigo 51º do Código das Expropriações determina 
 que a entidade expropriante «remeta o processo de expropriação ao Tribunal da 
 Comarca da situação do bem expropriado, no prazo de 30 dias a contar do 
 recebimento da decisão arbitral». Por aqui se vê que a questão da competência 
 dos Tribunais comuns para conhecer da caducidade da declaração de utilidade 
 pública desde que tal questão tenha sido suscitada pelo expropriado ou por 
 qualquer interessado.
 Aliás, se tomarmos em atenção as doutas conclusões da apelante, concluiremos que 
 não coloca em questão o decurso do prazo da caducidade, o que defende é que a 
 competência para o seu conhecimento está aferida aos Tribunais Administrativos e 
 Fiscais, pese o facto de não indicar a norma que suporte o seu entendimento.
 Em conclusão diremos em face da análise conjugada dos artigos 66º e 67º do CPC, 
 
 18º, nº 1, da LOFTJ, artigo 4º do ETAF, artigos 13º, nºs 3 e 4, e 51º do Código 
 das Expropriações que os Tribunais comuns são os competentes em razão da matéria 
 para declararem a caducidade da declaração de utilidade pública.
 
 *
 
 4.2 - Inconstitucionalidade do artigo 13º, nº 4, do Código das Expropriações, 
 por atribuir competência aos Tribunais comuns para declararem a caducidade da 
 declaração de utilidade pública, porque viola o disposto nos artigos 209º e 212º 
 da Constituição da República Portuguesa.
 Determina o nº 3 do artigo 212º da CRP:
 Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento de acções e 
 recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das 
 relações jurídicas administrativas e fiscais.
 Entende-se por relação jurídica de direito administrativo a que confere poderes 
 de autoridade ou impõe restrições de interesse público à administração perante 
 os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres aos particulares 
 perante a administração. Quanto aos actos de gestão pública são aqueles que a 
 administração actua no exercício de poderes de autoridade, disciplinados pelas 
 normas da administração pública, no exercício de uma função pública, sob o 
 domínio de normas de direito público. Por contraposição são actos de gestão 
 privada, aqueles que a administração actua despida do seu ius imperii e sujeita 
 
 às regras que vigorariam no caso de serem praticados por particulares[4]
 Uma leitura atenta das alíneas a) a n) do artigo 4º do ETAF reconduz-nos à ideia 
 que o âmbito da jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais está, 
 essencialmente, relacionada com a tutela de direitos fundamentais; a 
 fiscalização de normas e actos emanados de pessoas colectivas de direito 
 público; actos administrativos praticados por órgãos do Estado ou das Regiões 
 Autónomas; fiscalização de actos praticados por entidades concessionadas, 
 contratos administrativos e responsabilidade civil extracontratual das pessoas 
 colectivas de direito público e titulares de órgãos. Assume papel relevante na 
 definição da competência material dos Tribunais Administrativos, o facto destes 
 tribunais só terem competência para dirimirem conflitos em que estejam em causa 
 relações jurídicas públicas e nunca questões de direito privado, não relevando 
 para este efeito quem praticou ou omitiu o acto, mas sim a natureza do acto em 
 causa. 
 Neste contexto, não encontramos fundamento, nem em bom rigor o apelante o 
 individualiza, que possibilite defender que o nº 4 do artigo 13º do Código das 
 Expropriações é inconstitucional por, em conjugação com o artigo 51º, conferir 
 competência aos Tribunais comuns para conhecer da caducidade da declaração de 
 utilidade pública. Aliás, diga-se que pouco ou nenhum sentido faria que o 
 legislador conferisse competência aos Tribunais comuns para um conjunto de actos 
 no âmbito das expropriações por utilidade pública – v.g. artigos 51º, 58º a 66º 
 
 – e cometesse aos Tribunais Administrativos e Fiscais o conhecimento da 
 caducidade a que se reporta o nº 4 do artigo 13º do CE. 
 Em conclusão diremos que a competência dos Tribunais Administrativos – artigos 
 
 209º e 212º do CRP – foi respeitada, na medida em que não cabe no âmbito da sua 
 jurisdição conhecer da caducidade da declaração de utilidade pública, na justa 
 medida em que não está em causa o acto administrativo em si, mas tão só o prazo 
 para constituição da arbitragem que se inicia na data da publicação da 
 declaração.
 
 (...)”.
 
  
 
             2.3 – Novamente inconformada, a Câmara Municipal de Águeda recorreu 
 para o Tribunal Constitucional, tendo motivado o recurso com base nos argumentos 
 que sintetizou dizendo:
 
             “(...)
 
             1 – Por sentença proferida em 05/12/2005, pelo Tribunal Judicial de 
 
 Águeda, foi declarada a caducidade da declaração da utilidade pública no âmbito 
 do processo de expropriação n.º 1947/05.3TBAGD, sentença essa confirmada pelo 
 Venerando Tribunal da Relação de Coimbra pelo Acórdão proferido em 06/11/2007.
 
             2 – Com efeito, o acto de declaração de utilidade pública é um acto 
 administrativo e, como tal, está sujeito a recurso contencioso de anulação da 
 competência dos tribunais administrativos e fiscais.
 
             3 – Encontra-se pendente no pleno da secção do Supremo Tribunal 
 Administrativo recurso de anulação de despacho ministerial que declarou a 
 utilidade pública, sendo em nosso entender essa a instância própria para ser 
 invocada a caducidade do mesmo.
 
             4 – De facto, de acordo com as regras da competência material 
 constantes dos artigos 66.º e 67.º do Código de Processo Civil e ainda dos 
 artigos 209.º e 212.º da Constituição da República Portuguesa é da competência 
 dos tribunais administrativos e fiscais o julgamento de acções e recursos que 
 tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações administrativas e 
 fiscais.
 
             5 – Pelo que, a interpretação da norma constante do artigo 13.º, n.º 
 
 4 do Código das Expropriações, mediante a qual se atribua competência para 
 declarar a caducidade da declaração de utilidade pública aos tribunais comuns 
 para reconhecer da decisão arbitral é inconstitucional porque viola o disposto 
 nos artigos 209.º e 212.º da Constituição da República Portuguesa.
 
             6 – Sendo que, a competência enquanto pressuposto processual e 
 enquanto medida de jurisdição de cada tribunal, afere-se pelos termos em que a 
 acção é proposta, ou seja pela relação jurídica subjacente.
 
             7 – Acresce que não é aceitável que a apreciação da caducidade da 
 declaração de utilidade pública enquanto acto administrativo constitua uma mera 
 questão incidental e de mero controlo do processo expropriativo.
 
             8 – Sendo a norma constante do artigo 13.º, n.º 4, do Código das 
 Expropriações, na qual se institui o regime da caducidade, uma norma de direito 
 administrativo, é nos tribunais administrativos e fiscais que deve ser 
 apreciada.
 
             9 – O Tribunal Judicial da Comarca de Águeda, por ser um tribunal 
 comum, não é competente em razão da matéria para apreciar e para declarar a 
 caducidade de um acto administrativo (...)”.
 
  
 
             2.4 – A recorrida contra-alegou nos termos seguintes:
 
  
 
             “(...)
 
             1 – O processo que deu origem ao presente recurso iniciou-se por 
 impulso da Câmara Municipal de Águeda, a qual pediu ao Tribunal Judicial da 
 Comarca de Águeda a constituição da arbitragem e adjudicação da propriedade do 
 prédio objecto dos autos, por requerimento entrado a 01.07.2005.
 
             2 – Ou seja, a Câmara Municipal de Águeda, nessa data, considerava 
 competentes os Tribunais comuns para constituírem a arbitragem e adjudicarem-lhe 
 a propriedade de um prédio e, por conseguinte, para considerarem verificado um 
 requisito essencial para tais decisões: a existência de declaração de utilidade 
 pública eficaz e em vigor.
 
             3 – Não está em causa qualquer decisão proferida pelo Tribunal comum 
 no sentido de sindicar a legalidade do acto administrativo de declaração de 
 utilidade pública.
 
             4 – Somente se verificou, ao abrigo da Lei, a regularidade formal e 
 processual do requerimento apresentado pela Câmara Municipal de Águeda, não 
 estando, a partir daquele, a Câmara Municipal a agir nas suas vestes de 
 autoridade pública, mas sim, como consagra a Constituição da República, inserida 
 numa relação jurídica paritária e de igualdade com o particular.
 
             5 – Como tal, ao declarar a caducidade do acto o Tribunal comum não 
 está a dirimir qualquer litígio emergente de relação administrativa, apenas a 
 verificar a regularidade formal dos requisitos exigidos para o pedido efectuado, 
 efectuando a simples contagem do prazo para a recorrente efectuar tal pedido.
 
             6 – Não se verifica, pois, com o devido respeito, qualquer 
 inconstitucionalidade na interpretação dada pelo Tribunal da Relação de Coimbra 
 no douto acórdão recorrido à norma ínsita no artigo 13.º, n.º 4, do Código das 
 Expropriações, não violando nenhuma das alegadas normas constitucionais (...)”.
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             3 – A norma sindicanda, artigo 13.º, n.º 4, do Código das 
 Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, dispõe, sob a 
 epígrafe “Declaração de utilidade pública”, o seguinte:
 
 “A declaração de caducidade pode ser requerida pelo expropriado ou por qualquer 
 outro interessado ao tribunal competente para conhecer do recurso da decisão 
 arbitral ou à entidade que declarou a utilidade pública e a decisão que for 
 proferida é notificada a todos os interessados”.
 
             Como resulta da decisão recorrida, a competência para a declaração 
 de caducidade foi atribuída aos tribunais comuns por serem estes os legalmente 
 competentes para conhecerem do recurso da decisão arbitral, nos termos do artigo 
 
 51.º do Código das Expropriações.
 
             No entanto, a recorrente, ao invés de suscitar a 
 inconstitucionalidade do bloco normativo resultante da conjugação das 
 disposições dos artigos 13.º, n.º 4, e 51.º, n.º 1, daquele código, acabou por 
 delimitar a questão de constitucionalidade exclusivamente em torno da norma do 
 n.º 4 do artigo 13.º, “por [nele se] atribuir competência para declarar a 
 caducidade da declaração de utilidade pública aos Tribunais comuns”, 
 precipitando nessa norma o resultado interpretativo decorrente da remissão 
 legal.
 
             Dado que a recorrente suscitou a questão de constitucionalidade 
 tendo em conta o referido sentido interpretativo, impor-se-á o conhecimento do 
 recurso apesar do mesmo se encontrar interposto apenas da norma do artigo 13.º, 
 n.º 4, do Código das Expropriações, uma vez que o preceito contém suporte 
 textual bastante para imputação do questionado sentido normativo.
 
  
 
 4 – Por sua vez, os parâmetros constitucionais invocados, têm a seguinte 
 redacção:
 
 “Artigo 209.º
 
 (Categorias de tribunais)
 
  
 
 1. Além do Tribunal Constitucional, existem as seguintes categorias de 
 tribunais:
 a) O Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de primeira e de 
 segunda instância; 
 b) O Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos e 
 fiscais; 
 c) O Tribunal de Contas.
 
 2. Podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz.
 
 3. A lei determina os casos e as formas em que os tribunais previstos nos 
 números anteriores se podem constituir, separada ou conjuntamente, em tribunais 
 de conflitos.
 
 4. Sem prejuízo do disposto quanto aos tribunais militares, é proibida a 
 existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas 
 categorias de crimes”.
 
  
 
 “Artigo 212º
 
 (Tribunais administrativos e fiscais)
 
  
 
 1. O Supremo Tribunal Administrativo é o órgão superior da hierarquia dos 
 tribunais administrativos e fiscais, sem prejuízo da competência própria do 
 Tribunal Constitucional.
 
 2. O Presidente do Supremo Tribunal Administrativo é eleito de entre e pelos 
 respectivos juízes.
 
 3. Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e 
 recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das 
 relações jurídicas administrativas e fiscais”.
 
  
 
             5 – No presente recurso está em causa a constitucionalidade da norma 
 do artigo 13.º, n.º 4, do Código das Expropriações, interpretado no sentido de 
 atribuir competência aos tribunais comuns para declararem a caducidade da 
 declaração de utilidade pública.
 
             Como se compreende, o thema decidendum impõe, por um lado, que se 
 delimite o alcance da reserva constitucional da jurisdição administrativa 
 definido pelos parâmetros constitucionais pertinentes e, por outro, que se 
 determine a natureza do litígio sub judicio.
 
             Começando pelo primeiro ponto do problema, cumpre referir que se 
 encontra hoje estabilizado na jurisprudência constitucional que a injunção 
 constante do artigo 212.º, n.º 3, da Constituição, não consagra uma reserva 
 material absoluta de jurisdição dos tribunais administrativos.
 
             Os fundamentos de uma tal proposição encontram-se bem elucidados no 
 recente Acórdão n.º 218/07 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
 
 “(...)
 há que atentar, agora, no alcance de que se revestiu, na revisão constitucional 
 de 1989, a par da consagração da jurisdição administrativa como uma jurisdição 
 obrigatória (e não meramente facultativa, como até então ocorrera), a definição 
 do âmbito material dessa jurisdição.
 
          Como se referiu no acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 14 de Março de 
 
 1996, processo n.º 296 (Apêndice ao Diário da República, de 28 de Novembro de 
 
 1997, pág. 22, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 455, pág. 222, e Acórdãos 
 Doutrinais, n.º 415, pág. 891):
 
  
 
                  “(...) face a essa norma (artigo 214.º, n.º 3, da Constituição, 
 na redacção da revisão de 1989), já tem sido entendido não ser lícito ao 
 legislador ordinário atribuir aos tribunais administrativos competência para 
 julgar outras questões ou atribuir o conhecimento de questões de natureza 
 administrativa a outros tribunais (cf. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra, 1993, 
 pág. 814; cf. também RUI CHANCERELLE DE MACHETE, «A Constituição, o Tribunal 
 Constitucional e o Processo Administrativo», em TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, 
 Legitimidade e Legitimação da Justiça Constitucional, Coimbra, 1995, pág. 160). 
 No primeiro sentido, cf. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10 de 
 Maio de 1994, recurso n.º 32 422, que julgou inconstitucional, por violação do 
 citado artigo 214.º, n.º 3, da Lei Fundamental, o n.º 1 do artigo 36.º do 
 Regulamento do Serviço de Registo de Imprensa, aprovado pela Portaria n.º 
 
 640/76, de 26 de Outubro, que atribuía competência aos tribunais administrativos 
 para conhecerem dos recursos das decisões que recusassem os registos ou 
 determinassem o seu cancelamento, por se entender que tais decisões, visando 
 essencialmente a defesa de direitos privados, não criam, modificam ou extinguem 
 relações jurídicas administrativas. No segundo sentido, cf. o acórdão do Supremo 
 Tribunal Administrativo, de 8 de Julho de 1993, recurso n.º 30 099, que julgou 
 inconstitucional, por violação do mesmo artigo 214.º, n.º 3, as normas dos 
 artigos 26.º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, e 38.º, n.º 3, do Decreto-Lei 
 n.º 322/82, de 12 de Agosto, que atribuíam ao Tribunal da Relação de Lisboa 
 competência para conhecer dos recursos dos actos relativos à atribuição, 
 aquisição ou perda da nacionalidade portuguesa, por se haver entendido que estes 
 actos são materialmente administrativos.
 
                  Não parece, porém, ser a melhor leitura do aludido preceito 
 constitucional ver nele consagrada uma reserva material absoluta de jurisdição 
 atribuída aos tribunais administrativos, no duplo sentido de que, por um lado, 
 os tribunais administrativos só poderão julgar questões de direito 
 administrativo, e de que, por outro lado, só eles poderão julgar tais questões.
 
                  Como refere JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE (Direito 
 Administrativo e Fiscal, Lições ao 3.º Ano do Curso de 1995/96, Faculdade de 
 Direito da Universidade de Coimbra, págs. 10 a 12):
 
  
 
                  «A melhor doutrina (...) parece ser, no entanto, a que não lê o 
 referido preceito constitucional como um imperativo estrito, contendo uma 
 proibição absoluta, mas (em nosso juízo, sem sequer forçar o texto), como uma 
 regra definidora de um modelo típico, susceptível de adaptações ou de desvios em 
 casos especiais, desde que não fique prejudicado o núcleo caracterizador do 
 modelo.
 
                  De facto, o preceito constitucional, introduzido na revisão de 
 
 1989, explica-se historicamente pela intenção de consagrar a ordem judicial 
 administrativa como uma jurisdição própria, ordinária, e não como uma jurisdição 
 especial ou excepcional em face dos tribunais judiciais, na linha da alteração 
 do artigo 211.º, que deixou de considerar os tribunais administrativos como 
 tribunais facultativos.
 
                  Assim, o preceito contém a mera definição da área própria (do 
 
 âmbito-regra) da ‘nova’ ordem judicial administrativa e fiscal no contexto da 
 organização dos tribunais, sem com isso pretender necessariamente estabelecer 
 uma reserva material absoluta.
 
                  Dessa definição do âmbito-regra (que corresponde à justiça 
 administrativa em sentido material) deriva para o legislador ordinário tão 
 somente a obrigação de respeitar o núcleo essencial da organização material das 
 jurisdições (...).
 
                  Mas só isso: não fica proibida a atribuição pontual a outros 
 tribunais do julgamento (por outros processos) de questões substancialmente 
 administrativas, sendo certo que essas ‘remissões’ orgânico-processuais (muitas 
 delas tradicionais) podem ter justificações diversas, devendo, por isso, 
 incluir-se na margem de escolha política e, portanto, de liberdade constitutiva 
 própria do poder legislativo.
 
                  Por outro lado, aquele preceito serve ainda para delimitar o 
 sentido da parte final do n.º 1 do artigo 213.º (continuado no artigo 66.º do 
 Código de Processo Civil), que atribui aos tribunais judiciais uma competência 
 jurisdicional residual, de modo que uma questão de natureza administrativa passa 
 a pertencer à ordem judicial administrativa quando não esteja expressamente 
 atribuída a nenhuma jurisdição.
 
                  (...)
 
                  Por fim, uma interpretação tão rigorosa implicaria a 
 inconstitucionalização – ou, pelo menos, suscitaria dúvidas e questões sobre a 
 constitucionalidade – de leis importantes e de práticas de longa tradição, 
 designadamente em matéria de polícia judiciária, contra-ordenações e de 
 expropriações por utilidade pública, uma revolução que só deveria operar-se se 
 tivesse sido claramente assumida pela revisão constitucional.
 
                  Em resumo, o preceito constitucional visa apenas consagrar os 
 tribunais administrativos como os tribunais comuns em matéria administrativa.»
 
  
 
                  No sentido da constitucionalidade da atribuição aos tribunais 
 judiciais de competência para conhecerem das impugnações das decisões 
 administrativas aplicativas de coimas, cf. JOAQUIM PEDRO FORMIGAL CARDOSO DA 
 COSTA, «Recurso para os Tribunais Judiciais da Aplicação de Coimas pelas 
 Autoridades Administrativas», em Ciência e Técnica Fiscal, n.º 366, págs. 39-69.
 
                  Também JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA («A Arbitragem Voluntária no 
 Domínio dos Contratos Administrativos», em Estudos em Memória do Professor 
 Doutor João de Castro Mendes, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 
 Lisboa, 1995, pág. 254, nota 34) sustenta que «O preceito constitucional citado 
 
 [artigo 214.º, n.º 3] deve ser lido (...) como indicação de uma regra geral que 
 o legislador ordinário poderá pontuar de excepções desde que com isso não 
 esvazie do seu âmago essencial a competência dos tribunais administrativos».
 
                  No mesmo sentido já decidiu este Tribunal dos Conflitos, no 
 acórdão de 12 de Maio de 1994, processo n.º 266, onde se escreveu:
 
  
 
                  «A Constituição da República Portuguesa, na versão resultante 
 da Lei de Revisão Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho, partindo da unidade do 
 sistema judiciário, instituiu várias ordens ou categorias de tribunais – artigo 
 
 211.º –, cada um deles consagrado como órgão de soberania – artigo 205.º, n.º 1 
 
 –, e a cada categoria ou ordem atribuindo, explicitamente ou implicitamente, 
 espaço de jurisdição devidamente delimitado, não em função de uma estrita e 
 absoluta especialização, que funciona apenas como critério indicativo, mas em 
 obediência a critérios organizacionais e de racionalidade na distribuição das 
 matérias respeitantes à administração da justiça, por intermédio da actividade 
 específica dos juízes, função do Estado pertencente, em globo, à função judicial 
 e ao poder soberano dos tribunais – artigos 213.º, 214.º, 215.º e 216.º –.
 
                  Todas as jurisdições, assim criadas, são, no plano 
 constitucional e abstractamente, de igual dignidade e competência 
 técnico-jurídica no respectivo âmbito material – artigo 205.º, n.ºs 1 e 2 –, 
 todos os tribunais e juízes de tribunais estaduais gozam das mesmas garantias de 
 imparcialidade e independência – artigos 206.º e 218.º.
 
                  Entre as jurisdições instituídas, com organização 
 constitucionalmente estabelecida, surge a jurisdição administrativa e fiscal, 
 com estatuto autónomo e com competência específica, nos termos do disposto no 
 artigo 214.º, n.º 3, para: ‘o julgamento das acções e recursos contenciosos que 
 tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas 
 administrativas e fiscais’.
 
                  Nenhuma dúvida, portanto, que à jurisdição administrativa cabe 
 o julgamento de questões, em termos decisórios finais, com força de caso julgado 
 material, prevalecente e imperativo, conforme ao disposto no artigo 208.º, n.º 
 
 2, da Constituição, que tenham por objecto ‘dirimir litígios emergentes de 
 relações administrativas ...’, sem quaisquer limitações ou restrições de ordem 
 constitucional.
 
                  (...)
 
                  Há que fixar-se, pois, como ponto de partida incontestável, 
 que, em princípio, cabe aos tribunais da jurisdição administrativa o julgamento 
 de quaisquer acções que tenham por objecto dirimir litígios emergentes das 
 relações jurídicas administrativas.
 
                  Em princípio, dissemos, porque nada obsta, de acordo com os 
 indicados preceitos constitucionais, como acima advertimos, que o legislador 
 ordinário possa, ressalvadas as matérias de natureza criminal, no uso do seu 
 poder conformador concreto do interesse público, atribuir a uma jurisdição a 
 competência de julgar sobre ‘matérias’ que, em principio e em geral, caberiam a 
 outras jurisdições, conforme ao critério de especialização, meramente indicador 
 e operacional, na repartição das competências das várias ordens de tribunais que 
 instituiu.
 
                  Resulta isso da filosofia subjacente ao sistema judicial 
 unitário constitucionalmente instituído e do disposto no artigo 168.º, n.º 1, 
 alínea q), da Constituição, onde se consagra a reserva relativa da Assembleia da 
 República para legislar sobre ‘Organização e competência dos tribunais e do 
 Ministério Público ...’.
 
                  Sendo, pois, exacto que ao definir a competência da jurisdição 
 administrativa reportando-a às relações jurídicas administrativas, ou seja, ao 
 círculo de interesses que se jogam no âmbito do direito aplicável à 
 Administração Pública, abrangendo as relações jurídicas, que nasçam e se 
 desenvolvam sob a égide do direito administrativo, já não sob a égide do direito 
 público em geral, como se dizia antes, caberá, naturalmente, aos tribunais 
 administrativos a apreciação e julgamento de todos os litígios originados no 
 
 âmbito da administração pública, globalmente considerada, com excepção dos que o 
 legislador ordinário tenha expressamente atribuído, ou venha a atribuir, a outra 
 jurisdição.
 
                  É isto, aliás, que dizem os artigos 3.º, 4.º, n.º 1, alínea g), 
 e 51.º, n.º 1, alínea f), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, 
 ao estabelecer que ‘incumbe aos tribunais administrativos e fiscais, na 
 administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses 
 legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos 
 de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas 
 administrativas e fiscais’, salvo os que forem excluídos por lei e os recursos e 
 as acções pertencentes ao contencioso administrativo para que não seja 
 competente outro tribunal.
 
                  Por outras palavras, aos tribunais administrativos está 
 atribuída a jurisdição comum em matéria administrativa.
 
                  A eles pode-se aplicar, devidamente adaptado, o artigo 66.º do 
 Código de Processo Civil: as causas, em matéria de administração pública, que 
 não sejam atribuídas por lei a outra jurisdição são da competência dos tribunais 
 administrativos – cf. VITAL MOREIRA e J. J. GOMES CANOTILHO, na Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, pág. 214.
 
                  E há bastantes exemplos da aplicação desta doutrina, a começar 
 pela cláusula geral da alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos 
 Tribunais Administrativos e Fiscais, no direito positivo português recente.
 
                  Recordam-se os mais importantes: processos eleitorais relativos 
 
 à eleição do Presidente da República, da Assembleia da República, das 
 Assembleias Regionais e dos órgãos do poder local, de deputados ao Parlamento 
 Europeu, actos da Comissão Nacional de Eleições ou de outros órgãos da 
 administração eleitoral – artigos 225.º, n.º 2, alínea c), da Constituição, Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro, e Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro –, atribuídas ao 
 Tribunal Constitucional; o julgamento, em via de recurso, dos actos 
 administrativos aplicativos de coimas, em processo contra-ordenacional, está 
 atribuído aos tribunais comuns – Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro; os 
 actos de aplicação de penas disciplinares aos juízes dos tribunais judiciais 
 estão atribuídos ao Supremo Tribunal de Justiça – Lei n.º 21/85, de 30 de Julho; 
 a fiscalização financeira jurisdicionalizada dos partidos políticos está 
 atribuída ao Tribunal Constitucional – Lei n.º 72/93, de 30 de Novembro, etc. »
 
  
 
                  Registe-se, por último, que o Tribunal Constitucional já 
 decidiu não ser inconstitucional a norma do artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei 
 n.º 48 953, de 5 de Abril de 1969, na redacção do Decreto-Lei n.º 693/70, de 31 
 de Dezembro, que atribui competência aos tribunais fiscais para a cobrança 
 coerciva de todas as dívidas de que seja credora a Caixa Geral de Depósitos e as 
 suas instituições anexas, mesmo que não esteja em causa uma relação 
 administrativa ou fiscal: cf. Acórdãos n.ºs 371/94 e 372/94, de 11 de Maio de 
 
 1994 (publicados no Diário da República, II Série, n.ºs 204 e 207, de 3 e 7 de 
 Setembro de 1994, págs. 9231 e 9346, respectivamente), n.º 417/94, de 18 de Maio 
 de 1994, n.ºs 508/94 e 509/94, de 14 de Julho de 1994 (publicados no Diário da 
 República, II Série, n.ºs 286 e 287, de 13 e 14 de Dezembro de 1994, págs. 12 
 
 517 e 12 612, respectivamente), n.º 579/94, de 26 de Outubro de 1994, e n.ºs 
 
 610/94, 629/94 e 630/94, de 22 de Novembro de 1994.”
 
  
 
  Do exposto retira-se que, a par da possibilidade de o legislador ordinário 
 atribuir pontualmente a tribunais não administrativos o conhecimento de litígios 
 emergentes de relações jurídicas administrativas, desde que tais “desvios” se 
 mostrem providos de fundamento material razoável e desde que, pelo seu número ou 
 importância, não esvaziem do seu âmago essencial a competência dos tribunais 
 administrativos [entendimento este que tem sido adoptado pelo Tribunal 
 Constitucional, designadamente nos Acórdãos n.ºs 746/96, 965/96, 347/97, 253/98 
 e 458/99], resulta da revisão constitucional de 1989 que a jurisdição 
 administrativa passou a ser a jurisdição “comum” para o conhecimento de litígios 
 emergentes de relações jurídicas administrativas: assim, enquanto anteriormente, 
 nos casos em que não resultava expressamente da lei qual a jurisdição competente 
 para decidir determinada causa, se entendia que eram competentes os “tribunais 
 judiciais”, depois da revisão constitucional de 1989, não existindo norma legal 
 a definir concretamente qual a jurisdição competente, há que indagar qual a 
 natureza da relação jurídica de que emerge o litígio e, se se concluir que 
 possui natureza administrativa, então impõe-se o reconhecimento de que 
 competente é a jurisdição administrativa, como jurisdição “comum” para a 
 apreciação dos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.
 Reiterando a formulação de JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE (A Justiça 
 Administrativa, 8.ª edição, Coimbra, 2006, p. 114), o artigo 212.º, n.º 3, da 
 CRP serve ainda para delimitar o sentido da parte final do n.º 1 do artigo 211.º 
 da CRP (“os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e 
 criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens 
 judiciais”), continuado no artigo 66.º do Código de Processo Civil (“São da 
 competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra 
 ordem jurisdicional”), que atribui aos tribunais judiciais uma competência 
 jurisdicional residual, de modo que uma questão de natureza administrativa passa 
 a pertencer à ordem judicial administrativa quando não esteja expressamente 
 atribuída a nenhuma jurisdição. É esta também a posição de SÉRVULO CORREIA 
 
 (Direito do Contencioso Administrativo, I vol., Lisboa, 2005, p. 586), que, 
 apesar de entender que a Constituição não impõe uma reserva material absoluta da 
 jurisdição administrativa, mas tão-só uma reserva tendencial (“visto que o 
 preceito constitucional deve ser lido como indicação de uma regra geral que o 
 legislador ordinário poderá pontuar de excepções, desde que com isso não esvazie 
 do seu âmago a competência dos tribunais administrativos e de que para tanto 
 exista fundamento material razoável, ou seja, outros valores ou interesses 
 constitucionalmente razoáveis”), sublinha que “a Constituição atribui ao juiz 
 administrativo o papel de juiz comum ou ordinário da justiça administrativa, 
 cabendo-lhe, sem necessidade de atribuição específica, a competência para julgar 
 os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas”.
 
  
 
             Tal jurisprudência surge na esteira de outros arestos deste Tribunal 
 nos quais, ponderando especificamente o regime das expropriações, se firmou 
 orientação paralela.
 
             A título de exemplo, atente-se no que se deixou consignado no 
 Acórdão n.º 965/96 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
 
 “(...)
 O regime da expropriação de bens imóveis dos cidadãos por motivos de utilidade 
 pública, com a supressão pura e simples do direito de propriedade dos 
 particulares (se não for possível a aquisição amigável desses bens), consagrado 
 no Código das Expropriações, prevê uma primeira fase puramente administrativa, 
 regulada no Título II do referido Código. Tal fase compreende a declaração de 
 utilidade pública, prevista no artigo 11º, que implica um processo, regulado nos 
 artigos 12º, 13º (no caso de urgência na expropriação) e 14º, e culmina com a 
 posse administrativa, consagrada nos artigos 17º a 21º.
 Nesta fase processual pode, na verdade, falar-se em relação 
 jurídico-administrativa, por intervir o Estado Administração, numa típica acção 
 de lesão da esfera jurídica dos particulares, com vista à prossecução de um 
 interesse público.
 
  
 
 (...) Porém, quando esta fase termina e, esgotada a possibilidade de acordo com 
 o expropriado, se dá início à fase da expropriação litigiosa, parte da doutrina 
 entende haver uma alteração do enquadramento jurídico da situação.
 Na verdade, a fase de expropriação litigiosa compreende, como momento 
 fundamental, a arbitragem (artigos 37º e 42º e ss. do Código das Expropriações). 
 Finda a arbitragem, o processo é remetido ao tribunal competente, para ser 
 adjudicada ao expropriante a propriedade e a posse e, simultaneamente, ordenada 
 a notificação da decisão arbitral, quer ao expropriante, quer aos diversos 
 interessados (nº 4 do artigo 50º do citado Código). Dessa arbitragem cabe 
 recurso, previsto e regulado nos artigos 51º e 56º e ss. do mesmo diploma, para 
 o tribunal da comarca da situação dos bens a expropriar ou da sua maior 
 extensão.
 Segundo parte da doutrina, estar-se-á, então, na presença de uma relação 
 jurídica suscitada por um conflito entre os interesses dos sujeitos envolvidos 
 na fixação do valor global da indemnização. A composição desse conflito 
 
 (entendido como um verdadeiro conflito de interesses) deverá ser, nessa 
 perspectiva, da competência dos tribunais judiciais, na medida em que estará em 
 causa a determinação do montante da 'justa indemnização' pelo sacrifício do 
 direito de propriedade do particular e é vedada à jurisdição administrativa a 
 competência para dirimir litígios relativos a direitos reais de natureza privada 
 
 [artigo 4º, nº 1, alínea f), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e 
 Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril].
 Para quem assim pense, já não estará em causa, neste momento, em primeira linha, 
 o interesse colectivo prosseguido pelo Estado com a expropriação. O Estado não 
 surgirá, na determinação do montante indemnizatório, munido de poderes de 
 autoridade. Tratar-se-á agora da conversão do direito de propriedade, extinto em 
 consequência da expropriação, num valor pecuniário, que conferirá ao litígio 
 emergente um cariz eminentemente privado (cf. Alves Correia, As Garantias do 
 Particular na Expropriação por Utilidade Pública, 1982, pp. 154/155).
 
  
 
 (...) Mesmo que assim se não entenda, segundo uma outra linha argumentativa 
 sempre se admitirá a competência dos tribunais comuns por ter sido esta a nossa 
 tradição jurídica, desde a entrada em vigor da primeira lei sobre o processo 
 expropriativo (a Lei de 23 de Julho de 1850), intervindo sempre o juiz comum 
 para decidir a matéria da indemnização (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional 
 nº 746/96, de 29 de Maio de 1996, inédito, e na doutrina, Alves Correia, 
 ob.cit., passim, a propósito dos aspectos históricos do conceito de 
 expropriação; e António Pais de Sousa e Manuel Fernandes da Silva, Da Justa 
 Indemnização nas Expropriações de Utilidade Pública, 1980, dando notícia, a p. 
 
 27 e ss., da legislação portuguesa e das características da sua evolução, e 
 considerando aquela lei de 1850 '... a trave-mestra e ponto obrigatório de 
 referência de todo o direito legislado posteriormente sobre expropriação').
 
  
 
 (...) Em suma: a consideração de que a relação jurídica em análise não possuirá 
 natureza administrativa permitiria concluir, desde logo, que as normas em crise 
 não violariam o disposto no artigo 214º, nº 3, da Constituição.
 Mas, também, se se perfilhar um outro entendimento, a inserção, na 2ª Revisão 
 Constitucional, da actual redacção do nº 3 do artigo 214º não exclui, em 
 absoluto, a possibilidade de manter nos tribunais judiciais a competência para 
 julgar questões de direito administrativo.
 Uma parte da doutrina sustenta mesmo que o nº 3 do artigo 214º da Constituição 
 apenas visou a criação de 'tribunais comuns' em matéria administrativa e não a 
 criação de uma reserva material absoluta dos tribunais administrativos.
 Assim, segundo Vieira de Andrade, da 'definição do âmbito-regra (que corresponde 
 
 à justiça administra em sentido material) deriva para o legislador ordinário tão 
 somente a obrigação de respeitar o núcleo essencial da organização material das 
 jurisdições - por exemplo, seria inconstitucional a opção do legislador 
 ordinário pelo sistema italiano, remetendo para os tribunais judiciais o 
 julgamento de todas as questões relativas a direitos subjectivos dos 
 particulares'. Porém, acrescenta o autor, 'não fica proibida a atribuição 
 pontual a outros tribunais do julgamento (por outros processos) de questões 
 substancialmente administrativas, sendo certo que essas 'remissões' 
 orgânico-processuais (muitas delas tradicionais) podem ter justificações 
 diversas, devendo por isso, incluir-se na margem de escolha política e, 
 portanto, de liberdade constitutiva própria do poder legislativo.' (cf. Direito 
 Administrativo e Fiscal, 1995, p. 11).
 Por fim, mesmo que não se rejeite que o artigo 214º, nº 3, da Constituição 
 atribui aos tribunais administrativos uma reserva material absoluta de 
 jurisdição, ainda se terá de admitir que, em casos excepcionais, ditados por 
 razões constitucionalmente relevantes, é possível atribuir a tribunais judiciais 
 a competência para o julgamento de questões de direito administrativo (cf., 
 neste sentido, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 607/95, D.R., II 
 Série, de 15 de Março de 1996, e 746/96, citado). Assim, da alegada natureza 
 administrativa do presente litígio, não resultaria, necessariamente, a 
 inconstitucionalidade das normas em crise”.
 
             
 Explicitados os contornos conformadores do parâmetro constitucional aqui 
 pertinente – consagrado, na redacção em vigor, na norma do artigo 212.º, n.º 3, 
 da Constituição –, importará apurar se o controvertido regime legal se afigura 
 compatível com as exigências constitucionais.
 Vejamos, então.
 
  
 
 6 – Decorre das considerações supra tecidas que a aferição da natureza do 
 litígio sub judice não se assume como condição suficiente ou determinante de um 
 juízo de censura constitucional meramente suportado pela conclusão de que a 
 relação em causa assume natureza administrativa.
 
 É certo, porém, que a determinação da natureza do litígio como suporte da 
 intervenção de uma ordem jurisdicional não será uma questão 
 jurídico-constitucionalmente inócua, posto que será a partir dessa 
 caracterização que se deverá considerar o problema da bondade constitucional da 
 norma em causa, tendo em conta, nesse domínio, a validade da justificação 
 endógena ao regime legal.
 No caso sub judicio, está em causa a competência dos tribunais para declararem a 
 caducidade de uma “declaração de utilidade pública”. Esta declaração constitui, 
 como se sabe, o “acto constitutivo da expropriação” (Alves Correia, As garantias 
 do particular na expropriação por utilidade pública, Coimbra, 1982, p. 114), 
 corporizando-se, qua tale, como uma manifestação de autoridade dos poderes 
 públicos regida pelo direito administrativo, o que assume um significado 
 particular no que concerne à coloração jurídica do instituto da “caducidade” uma 
 vez que este, não se conformando como um conceito exclusivo de um determinado 
 ramo do direito, acaba por ser qualitativamente recortado, pela natureza dos 
 efeitos que projecta, em função do âmbito dogmático material no qual emerge por 
 via legislativa.
 
  Por esse motivo, estando circunstancialmente em causa a caducidade de um acto 
 administrativo, a importar a extinção da posição jurídica por ele constituída, 
 apresenta-se como mais congruente a tese de reconduzir tal problemática ao 
 domínio do direito administrativo.
 Contudo, não pode olvidar-se que a verificação da caducidade da declaração de 
 utilidade pública também acaba por assumir relevo no que  concerne à 
 possibilidade da intervenção judicial dos tribunais comuns no âmbito do controlo 
 que estes exercem sobre o processo expropriativo, designadamente quanto aos 
 prazos a que aquele se encontra sujeito.
 O que vale por dizer que o problema posto nos autos não pode ser compreendido de 
 forma isolada e, como tal, ser destacado dos termos em que aparece autorizada a 
 intervenção dos tribunais comuns. Como se passa a considerar.
 A norma em crise surge na sequência da disposição constante do artigo  13.º, n.º 
 
 3, do Código das Expropriações, no qual se estabelece que “(...) a declaração de 
 utilidade pública caduca se não for promovida a constituição da arbitragem no 
 prazo de um ano ou se o processo de expropriação não for remetido ao tribunal 
 competente no prazo de 18 meses, em ambos os casos a contar da data da 
 publicação da declaração de utilidade pública”.
 Como é consabido, a caducidade opera ex legis, determinando a extinção de um 
 direito pelo simples decurso de um prazo, no fim do qual fica “inalteravelmente 
 definida a situação jurídica das partes” (Manuel de Andrade, Teoria Geral da 
 Relação Jurídica, 3.ª reimpressão, Coimbra 1972, II, p. 464), sendo que a 
 verificação do pressuposto de facto gerador da caducidade faz, por si só, 
 despoletar o efeito extintivo estatuído por lei, razão pela qual se conclui que 
 a intervenção judicial nessa matéria assume uma veste meramente declarativa 
 desse efeito jurídico, não estando, pois, em causa a emissão de qualquer juízo 
 valorador da legalidade do acto administrativo que aquela declaração 
 consubstancia. 
 Como se disse na decisão recorrida, “o pronunciamento dos Tribunais comuns à luz 
 da previsão do nº 4 do artigo 13º do Código das Expropriações é o de apenas 
 verificar se a entidade expropriante promoveu, ou não, a constituição de 
 arbitragem no prazo de 1 ano ou, não tendo o processo sido remetido ao Tribunal 
 competente se a promoveu no prazo de 18 meses – nº 3 do artigo 13º do Código das 
 Expropriações”.
 Não sendo questionável a intervenção dos tribunais comuns no desenrolar do 
 processo expropriativo e a sua competência para outorgar o acto formal de 
 transferência da propriedade dos bens expropriados, bem como para determinar o 
 quantum da justa indemnização, construída normativamente essencialmente com 
 referência a critérios de direito privado e de economia de mercado (cf. art.ºs 
 
 23.º e segs. do Código das Expropriações - Lei n.º 168/99, de 18-09), 
 compreender-se-á que a sua intervenção possa demandar uma actividade 
 direccionada a sindicar a regularidade formal dos actos do procedimento 
 expropriativo (Alves Correia, As garantias do particular na expropriação por 
 utilidade pública, Coimbra, 1982, pp. 114-5), principaliter quanto àqueles que 
 são pressupostos inarredáveis da decisão judicial.
 Ora, é nesta dimensão que se aceita que os tribunais comuns possam, sem 
 preterição dos princípios constitucionais, declarar a caducidade da declaração 
 de utilidade pública, apurando se a constituição da arbitragem ou a remessa do 
 processo ao tribunal ocorreram nos prazos legalmente estabelecidos, dado que, 
 nesse caso, acaba por estar em causa a mera verificação de um requisito formal 
 que se tem por necessário para o prosseguimento dos autos nos tribunais comuns e 
 para a decisão que deles é esperada: a adjudicação ao expropriante do direito 
 expropriado e a atribuição da justa indemnização.
 Ou seja, se esta intervenção dos tribunais comuns no âmbito de um processo de 
 expropriação surge como materialmente justificada, igual juízo poderá fazer-se 
 quando estão em causa questões, como a presente, que se assumem como 
 pressupostos dessa mesma intervenção, e isto porque a referida declaração de 
 caducidade acaba por consubstanciar ou traduzir-se na extinção do direito de 
 acção a exercer junto desses tribunais.
 Por esse motivo, pode concluir-se que os referidos parâmetros constitucionais 
 não impedem que o legislador ordinário opte pela intervenção dos tribunais 
 comuns quanto à declaração de caducidade da declaração de utilidade pública.
 
  
 
  
 
  
 C – Decisão
 
  
 
 7 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide julgar 
 improcedente o presente recurso.
 Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 25 (vinte) UCs.
 Lisboa, 29 de Maio de 2008
 Benjamim Rodrigues
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos
 
 
 
 
 
 [1] Sr. Prof. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo 
 Civil, 1979, págs. 88, 89, 94 e 95.
 
 [2] Com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 4-A/2003, de 19 de 
 Fevereiro.
 
 [3] Relatado pelo Exmo. Juiz Desembargador Amaral Ferreira; datado de 1 de 
 Janeiro de 2006,proferido no âmbito do processo nº 0632578 e publicado no 
 endereço electrónico www.dgsi.pt.
 
 [4] Ac. RL, datado de 9 de Março de 2004, processo nº 6086/2002-7, publicado in 
 
 www.dgsi.pt.