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Processo n.º 1077/04
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Em 12 de Janeiro de 2005 foi proferida nos presentes autos decisão sumária 
 com o seguinte teor:
 
 «1.A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do 
 Tribunal da Relação de Coimbra que julgou improcedente o recurso que havia 
 interposto da sentença proferida nos Juízos Criminais de Coimbra que o havia 
 condenado, pela autoria de um crime de tráfico de estupefaciente de menor 
 gravidade (artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93), na pena de vinte 
 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos, com regime 
 de prova. No requerimento de recurso diz-se que este “é interposto ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro”, e que se 
 pretende “ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do art. 374.º 
 do C.P.P., na acepção e juízo adoptados pelo Tribunal da Relação de Coimbra que 
 em face da decisão recorrida entende que a mesma ‘indica com precisão qual o 
 processo lógico seguido pelo Tribunal seguido pelas conclusões [sic – na decisão 
 do Tribunal da Relação de Coimbra lê-se ‘seguido para as conclusões’] que 
 extraiu em matéria de facto, analisando com detalhe a prova produzida. Os 
 depoimentos são devidamente valorados, enumerando-se com rigor as razões de uma 
 maior ou menor credibilidade. Está a mesma, sem qualquer margem para dúvida[,] 
 devidamente fundamentada.’”
 
 2.O recurso foi admitido no tribunal a quo, mas, como dispõe o n.º 3 do artigo 
 
 76.º da Lei do Tribunal Constitucional, essa decisão não vincula este Tribunal, 
 e, entendendo-se que não é de conhecer do recurso, é caso de proferir decisão 
 sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A do mesmo diploma.
 
 3.Com efeito, e desde logo, a alegada “interpretação normativa” que o recorrente 
 enuncia no requerimento de recurso, e que pretende ver apreciada pelo Tribunal 
 Constitucional, não é, na realidade, mais do que o resultado da análise da 
 decisão da 1ª instância pelo Tribunal da Relação, de onde este concluiu que essa 
 sentença “indica com precisão qual o processo lógico seguido para as conclusões 
 que extraiu em matéria de facto, analisando com detalhe a prova produzida. Os 
 depoimentos são devidamente valorados, enumerando-se com rigor as razões de uma 
 maior ou menor credibilidade.” Não está, pois, em causa qualquer critério 
 normativo. Nem um preceito, na sua interpretação literal ou enunciativa, nem 
 qualquer dimensão ou entendimento normativo – esse preceito (ou conjunto de 
 preceitos), com um determinado sentido que lhe foi atribuído pelo tribunal 
 recorrido. Na aplicação feita no caso da exigência do artigo 374.º, n.º 2, do 
 Código de Processo Penal, o que é posto em causa, em face dos próprios termos 
 como a questão vem enunciada no requerimento de recurso, é a 
 inconstitucionalidade, por alegada falta de fundamentação adequada, da decisão 
 do Tribunal da Relação (e, também da de 1.ª instância), apenas a esta se podendo 
 reconduzir uma alegada “interpretação” do referido artigo 374.º, n.º 2, no 
 sentido de que a “decisão recorrida (...) indica com precisão qual o processo 
 lógico seguido para as conclusões que extraiu em matéria de facto, analisando 
 com detalhe a prova produzida.”
 Ora, como é sabido, ao Tribunal Constitucional compete apenas apreciar, em 
 recurso de constitucionalidade, a conformidade constitucional de normas 
 
 (incluindo dimensões ou interpretações normativas), e não já reapreciar a 
 decisão, em si mesma – ou, no caso, a análise da decisão, em si mesma, efectuada 
 pelo Tribunal da Relação, e consequente qualificação da decisão de 1ª instância, 
 para efeitos de fundamentação – das instâncias.
 
 4.Que o que está em causa, no presente recurso, é apenas a apreciação da 
 constitucionalidade de uma operação de qualificação e subsunção efectuada na 
 decisão recorrida resulta, aliás, também do confronto entre a forma como o 
 recorrente suscitou uma questão de desconformidade constitucional perante o 
 Tribunal da Relação de Coimbra, o acórdão desse Tribunal e o requerimento de 
 recurso.
 Na verdade, nas alegações perante o Tribunal da Relação, o recorrente, para além 
 de invocar a inconstitucionalidade, por falta de fundamentação, da decisão em 
 matéria de facto, invoca o entendimento do artigo 374.º, n.º 2, do Código de 
 Processo Penal no sentido de impor ao julgador que “proceda a um exame crítico 
 dos meios de prova que serviram para formar a convicção do Tribunal”, 
 entendimento, esse, que diz ser o único conforme com a exigência do artigo 
 
 205.º, n.º 1, da Constituição.
 Ora, é particularmente elucidativa a circunstância de que o Tribunal da Relação 
 de Coimbra não se afastou deste entendimento. Simplesmente, esse Tribunal 
 entendeu, com base na análise da decisão de 1.ª instância, que esta decisão 
 estava, sem margem para dúvidas, devidamente fundamentada, pois indicava com 
 precisão o processo lógico seguido para as conclusões em matéria de facto, 
 
 “analisando com detalhe a prova produzida”, enunciando as razões de um tal 
 entendimento: “Os depoimentos são devidamente valorados, enumerando-se com rigor 
 as razões de uma maior ou menor credibilidade” (e seguidamente, depois de se 
 sublinhar que a posição do recorrente se reconduzia afinal a uma discordância 
 sobre os factos, analisam-se determinados pontos da matéria de facto contestados 
 por aquele).
 O que é posto em causa no presente recurso é, pois, a conclusão extraída pelo 
 tribunal recorrido com base na análise da decisão da 1.ª instância. A 
 qualificação do processo discursivo de fundamentação e a sua subsunção sob o 
 artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, como satisfazendo as suas 
 exigências – e não um entendimento determinado das exigências deste preceito, 
 que o recorrente reporta, antes, à decisão recorrida (uma sua alegada acepção de 
 que “a decisão recorrida [...] indica com precisão [...]”).
 A análise da qualificação e da subsunção efectuada na decisão judicial recorrida 
 não cabe, porém, no âmbito dos poderes do Tribunal Constitucional, em recurso de 
 constitucionalidade, limitado que está este (diversamente do que acontece nas 
 ordens jurídicas que conhecem o instituto da “queixa constitucional”, ou do 
 
 “recurso de amparo”) à apreciação da constitucionalidade de normas, com exclusão 
 dos actos de outra natureza, designadamente, das decisões judiciais em si mesmas 
 
 (cfr., de entre muitos, por exemplo o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 
 
 18/96, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Maio de 1996).
 Logo por esta razão, não pode tomar-se conhecimento do recurso.
 
 5.Com estes fundamentos, e ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 1, da Lei 
 do Tribunal Constitucional, decido não tomar conhecimento do presente recurso.
 Custas pelo recorrente, com 7 (sete) unidades de conta de taxa de justiça.»
 
 2. O recorrente vem reclamar desta decisão, dizendo o seguinte:
 
 «1. Decidiu o Ex.m.º Juiz Conselheiro Relator dos presentes autos de recurso não 
 tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade do ora recorrente;
 
 2. Entende o Ex.m.º Juiz Conselheiro Relator que “o que é posto em causa no 
 presente recurso é, pois, a conclusão extraída pelo tribunal recorrido com base 
 na análise da decisão da 1.ª instância. A qualificação do processo discursivo de 
 fundamentação e a sua subsunção sob o art.º 374.º, n.º 2, do Código de Processo 
 Penal, como satisfazendo as suas exigências – e não um entendimento determinado 
 deste preceito, que o recorrente reporta, antes, à decisão recorrida (uma sua 
 alegada acepção de que “a decisão recorrida [...] indica com precisão[...]”)
 A análise da qualificação e da subsunção efectuada na decisão judicial recorrida 
 não cabe, porém, no âmbito dos poderes do Tribunal Constitucional, em recurso de 
 constitucionalidade, limitado que está este (...) à apreciação da 
 constitucionalidade de normas, com exclusão dos actos de outra natureza, 
 designadamente, das decisões judiciais em si mesmas (...)”
 
 3. Ora, com o devido respeito, que é muito, o que o recorrente suscitou em 
 matéria de constitucionalidade aquando das alegações que apresentou perante o 
 Tribunal da Relação de Coimbra foi que no seu entender, o Tribunal a quo (1.ª 
 instância) não deu cumprimento iuxta modum ao disposto no n.º 2 do art.º 374.º 
 do C.P.P.
 
 4. E que, com efeito, e de acordo com o melhor entendimento do disposto no 
 referido normativo - aliás, o mais conforme com a Constituição e que mais 
 cabalmente casa com o disposto no art.º 205.º, n.º 1, do diploma fundamental 
 
 (sabido como é que o processo penal é Direito Constitucional aplicado) - cabe ao 
 Juiz, no âmbito do referido normativo de direito legislado, proceder a um exame 
 crítico da prova produzida (neste sentido Acórdão do TC de 2.12.98 – Proc. 
 
 680/98)
 
 5. Ora, tal entendimento sustentando pelo recorrente da forma como o Tribunal a 
 quo (1.ª instância) interpretou a norma do disposto n.º 2 do art.º 374.º do 
 C.P.P. só pode ser averiguado em face da decisão recorrida.
 
 6. Assim, suscitada a questão no requerimento de recurso apresentado junto do 
 Tribunal da Relação também só em face do teor do acórdão proferido por este 
 Tribunal se pode averiguar se o mesmo tem ou não o entendimento da boa 
 interpretação da norma em causa em face da Constituição da República Portuguesa.
 
 7. Inferindo-se da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra que ao 
 pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente 
 sufraga o mesmo entendimento que este, constata-se depois, que tal entendimento 
 não tem, salvo melhor opinião, correspondência com a decisão adoptada.
 
 8. E daí a necessidade de o recorrente por em causa com o presente recurso ser a 
 
 “conclusão extraída pelo tribunal recorrido com base na análise da decisão da 
 
 1.ª instância” pois foi este o entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra.
 
 9. Motivo que o Ex.m.º Senhor Relator considera fundamento para não conhecer do 
 recurso em causa.
 
 10. Sucede que a sufragar-se o entendimento do Ex.m.º Senhor Relator, semelhante 
 consequência ocorrerá em todos os recursos de constitucionalidade análogos ao 
 presente.
 
 11. O que implica que, sempre que seja suscitada uma questão de 
 constitucionalidade na forma como o Tribunal interpreta uma norma e este, na 
 decisão que tome sobre a questão de constitucionalidade, sufrague um 
 entendimento sobre a mesma, mas depois se verifique que tal entendimento não tem 
 a devida correspondência com o texto da decisão, e o recorrente dela (do texto 
 da decisão que é a conclusão extraída pelo tribunal recorrido com base na 
 análise da decisão da 1.ª instância) recorra para o Tribunal Constitucional 
 vedar-se-á sempre a possibilidade de ver apreciada a questão da 
 constitucionalidade por este Tribunal.
 
 12. O que põe em causa a análise de todos os recursos de constitucionalidade.
 
 13. Conforme já referido, teve o ora recorrente a necessidade de ter “posto em 
 causa no presente recurso é, pois, a conclusão extraída pelo tribunal recorrido 
 com base na análise da decisão da 1.ª instância”, pois perante o caso concreto, 
 foi a dita conclusão referida no requerimento de interposição do recurso 
 apresentado pelo recorrente, que foi dada à norma do n.º 2 do art.º 374.º do 
 C.P.P. pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
 
 14. Destarte, se “a análise da qualificação e da subsunção efectuada na decisão 
 judicial recorrida não cabe, porém, no âmbito dos poderes do Tribunal 
 Constitucional, em recurso de constitucionalidade, limitado que está este (...) 
 
 à apreciação da constitucionalidade de normas, com exclusão dos actos de outra 
 natureza, designadamente, das decisões judiciais em si mesmas (...)”, a verdade 
 
 é que é só em face da análise da qualificação e da subsunção efectuada se pode 
 chegar a apreciação da constitucionalidade de normas.
 
 15. E é a interpretação da norma dada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, 
 alicerçada na decisão de 1.ª instância, do n.º 2 do art.º 374º do C.P.P. que na 
 
 óptica do recorrente viola o n.º 1 do art.º 205.º da C.R.P.
 Termos em deve a conferência ou o pleno da secção decidir que deve conhecer-se 
 do objecto do recurso ordenando-se o respectivo prosseguimento, notificando-se 
 assim o recorrente para apresentar alegações.»
 O Ministério Público respondeu dizendo:
 
 «1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente, em nada abalando os 
 fundamentos da decisão reclamada.
 
 2 – Na verdade, o objecto do recurso não é integrado por qualquer critério 
 normativo, enunciável em sede de fundamentação da sentença, mas pela pretensão 
 de que este Tribunal Constitucional acabasse por sindicar da conclusão de que, 
 em termos concretos e casuísticos, certa decisão judicial não estava 
 adequadamente fundamentada.
 
 3 – O que efectivamente não constitui objecto idóneo de um recurso de 
 fiscalização concreta, dotado necessariamente de natureza normativa.»
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 3. Adianta-se desde já que a presente reclamação não abala os fundamentos em que 
 se baseou a decisão recorrida para se pronunciar no sentido do não conhecimento 
 do recurso.
 Na verdade, no requerimento de recurso de constitucionalidade disse o recorrente 
 que pretendia ver “apreciada a inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do art. 
 
 374.º do C.P.P., na acepção e juízo adoptados pelo Tribunal da Relação de 
 Coimbra que em face da decisão recorrida entende que a mesma ‘indica com 
 precisão qual o processo lógico seguido pelo Tribunal seguido pelas conclusões 
 que extraiu em matéria de facto, analisando com detalhe a prova produzida. Os 
 depoimentos são devidamente valorados, enumerando-se com rigor as razões de uma 
 maior ou menor credibilidade. Está a mesma, sem qualquer margem para dúvida[,] 
 devidamente fundamentada.’”
 Ora, conforme salienta o Ministério Público, a apreciação da fundamentação de 
 uma decisão judicial, para averiguar se tal concreta decisão judicial se 
 encontra ou não correctamente fundamentada, não constitui objecto idóneo de um 
 recurso de constitucionalidade, que visa apenas a apreciação da conformidade de 
 normas com a Constituição. 
 Como se disse na decisão recorrida, resultava deste requerimento de recurso que 
 não estava “em causa qualquer critério normativo. Nem um preceito, na sua 
 interpretação literal ou enunciativa, nem qualquer dimensão ou entendimento 
 normativo – esse preceito (ou conjunto de preceitos), com um determinado sentido 
 que lhe foi atribuído pelo tribunal recorrido. Na aplicação feita no caso da 
 exigência do artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o que é posto em 
 causa, em face dos próprios termos como a questão vem enunciada no requerimento 
 de recurso, é a inconstitucionalidade, por alegada falta de fundamentação 
 adequada, da decisão do Tribunal da Relação (e, também da de 1.ª instância), 
 apenas a esta se podendo reconduzir uma alegada ‘interpretação’ do referido 
 artigo 374.º, n.º 2, no sentido de que a “decisão recorrida (...) indica com 
 precisão qual o processo lógico seguido pelo para as conclusões que extraiu em 
 matéria de facto, analisando com detalhe a prova produzida.”
 Tanto bastava para o Tribunal Constitucional não poder tomar conhecimento do 
 recurso, não sendo estas razões abaladas pelas considerações do reclamante sobre 
 a relação entre a subsunção ou aplicação da norma, por um lado, e o seu 
 entendimento ou interpretação, por outro. 
 A decisão sumária deve, pois, ser confirmada. 
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a presente reclamação e 
 confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade interposto.
 Custas pelo reclamante, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
 Lisboa, 24 de Fevereiro de 2005
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos