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Processo n.º 690/08
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
 
 
             Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
 1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro:
 
  
 
 “1. A., arguido no processo n.º 169/03.2JACBR, do Tribunal de Instrução Criminal 
 de Coimbra, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/2, de 15 de Novembro (LTC), da decisão 
 instrutória proferida em 2 de Junho de 2008, visando a apreciação da 
 inconstitucionalidade da seguinte norma:
 
 “a norma do art. 188º, n.º 3 do CPP na interpretação segundo a qual permite a 
 destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de 
 telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público 
 conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o 
 arguido deles tenha tido conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua 
 gravidade.”
 
 2. A questão de constitucionalidade que o recorrente pretende discutir no 
 presente recurso foi submetida a apreciação do Plenário deste Tribunal, ao 
 abrigo do artigo 79.º-A da LTC. Pelo acórdão n.º 70/2008, publicado no Diário da 
 República, II Série, de 7 de Julho de 2008, aliás referido na decisão recorrida, 
 o Tribunal decidiu:
 
 “não julgar inconstitucional a norma do artigo 188º, n° 3, do Código de Processo 
 Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando 
 interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material 
 coligido através de escutas telefónicas, quando considerado não relevante, sem 
 que antes o arguido dele tenha conhecimento e possa pronunciar-se sobre o 
 eventual interesse para a sua defesa.”
 
                                                                                  
 
                                                   
 
  
 
 3. Nada se vislumbra que justifique a revisão deste entendimento, pelo que, 
 remetendo para os fundamentos do referido acórdão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 
 
 78.º‑A da LTC, se decide:
 a) Negar provimento ao presente recurso;
 b) Condenar o recorrente nas custas, com 7 (sete) UCs de taxa de justiça.”
 
  
 
  
 
 2. O recorrente reclama desta decisão, nos termos do n.º 3 do citado artigo 
 
 78.º‑A. 
 Em síntese, sustenta que se justifica a reapreciação da questão de 
 constitucionalidade colocada, não sendo a remissão para o acórdão do Plenário 
 suficiente, porque este acórdão não se pronunciou sobre todos os aspectos 
 constitucionalmente relevantes, designadamente, não confrontou a solução 
 normativa questionada com o segundo segmento do n.º 1 do artigo 32.º da 
 Constituição, que garante o direito ao recurso.
 
  
 
             O Ministério Público contrapõe que, tendo a questão de 
 constitucionalidade suscitada nos autos sido dirimida recentemente pelo Plenário 
 deste Tribunal, a divergência do recorrente manifesta com essa decisão em nada 
 afecta a possibilidade de prolação de decisão sumária por aplicação da doutrina 
 desse precedente.
 
  
 
             3. Entende o recorrente que a questão de constitucionalidade da 
 norma do n.º 3 do artigo 188.º do CPP (na redacção anterior à Lei n.º 48/2007) 
 não pode resolver-se mediante decisão sumária de remissão para o acórdão n.º 
 
 70/2008. Isto porque, em seu entender, o referido acórdão do Plenário não terá 
 examinado a constitucionalidade da norma em causa em todo o expectro dos 
 parâmetros constitucionais pertinentes, designadamente face à garantia 
 constitucional do direito ao recurso em processo penal, assegurada pelo n.º 1 do 
 artigo 32.º da Constituição. Sustenta que a decisão que ordena a destruição dos 
 elementos recolhidos através da intercepção e gravação de conversas ou 
 comunicações telefónicas é recorrível, devendo o juízo de relevância, formulado 
 pelo juiz de instrução, acerca do interesse do material recolhido – para a prova 
 e para a defesa – ser submetido, também ele, a um duplo grau de jurisdição. A 
 imediata destruição dos elementos recolhidos, sem que o arguido deles tenha 
 conhecimento e sobre eles se pronuncie, coarcta esse direito ao recurso de modo 
 irremediável. Não tendo o acórdão do Plenário confrontado a norma com tal 
 garantia, justificar-se-ia o prosseguimento do recurso para alegações. 
 
   
 
             É certo que o acórdão do Plenário não examina a constitucionalidade 
 da norma em causa por confronto com o direito ao recurso. Esse silêncio 
 explica-se facilmente não só porque a questão não vinha colocada nessa 
 perspectiva, mas também porque não era necessário abordá-la oficiosamente uma 
 vez que a norma em causa não diz directamente respeito ao direito ao recurso. O 
 n.º 3 do artigo 188.º do Código de Processo Penal não versa, de modo directo ou 
 indirecto, sobre as condições de admissão, tramitação, âmbito ou apreciação dos 
 recursos em processo penal. Dizia (a Lei 48/2007, de 29 de Agosto, introduziu 
 nova disciplina na matéria) em que em condições o juiz de instrução procedia à 
 destruição do material coligido através das escutas telefónicas, nada dispondo 
 quanto à impugnabilidade dessa decisão. Noutro lugar, que não no artigo 188.º do 
 Código, se haveria de encontrar o regime de impugnação da decisão do juiz que 
 ordenasse a destruição dos elementos considerados irrelevantes para a prova.
 Nesta perspectiva, que se mantém, uma vez que a norma não regula qualquer 
 aspecto respeitante ao recurso, não pode ser-lhe imputada violação do direito 
 consagrado na parte final do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição.
 
             
 
             Argumenta, porém, o recorrente que o juízo de (ir)relevância para a 
 prova, em que se fundava a opção por destruir ou conservar os suportes técnicos 
 
 – na dimensão que interessa ao arguido, de relevância para a defesa do material 
 probatório recolhido com as escutas –, deve ser submetido a um duplo grau de 
 jurisdição. E para que o arguido possa exercer eficazmente esse direito não pode 
 a destruição ocorrer sem que o arguido deles tenha conhecimento. Estaria em 
 causa não o direito ao recurso, em si mesmo, mas a sua efectividade prática 
 quanto à preservação de elementos de prova necessários à defesa do arguido.
 
             O recorrente não tem razão, estando o que questiona implicitamente 
 respondido no acórdão n.º 70/2008. 
 
             O princípio constitucionalmente aceite é – como se repetiu, por 
 exemplo, no acórdão n.º 265/94 (publicado em Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol. 27, pp. 751-762) –, o de que a garantia do duplo grau de 
 jurisdição só existe quanto às decisões penais condenatórias e quanto às 
 decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição 
 da liberdade ou de quaisquer direitos fundamentais. Como se disse no acórdão n.º 
 
 30/01: “Sempre se entendeu, portanto, na jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional que a faculdade de recorrer em processo penal constitui uma 
 tradução da expressão do direito de defesa, correspondendo mesmo a uma imposição 
 constitucional a consagração do recurso de sentenças condenatórias ou de actos 
 judiciais que durante o processo tenham como efeito a privação ou a restrição da 
 liberdade ou de outros direitos fundamentais, mas sempre se recusou que a 
 Constituição impusesse a recorribilidade de todos os despachos proferidos em 
 processo penal. Não o impunha antes, nem o impõe depois da revisão de 1997, onde 
 o segmento aditado ao artigo 32.º, n.º 1, apenas explicita o que a 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional já entendia compreendido nas 
 
 “garantias de defesa em processo penal”. 
 Em suma, o “direito de recurso”, como imperativo constitucional, hoje consagrado 
 de modo expresso no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, deve continuar a 
 entender-se no quadro das “garantias de defesa”: só e quando estas garantias o 
 exijam. 
 Ora, o despacho do juiz de instrução que ordena a destruição dos elementos 
 considerados irrelevantes não é um daqueles actos relativamente aos quais sempre 
 tem de ser assegurado recurso. E pelas razões apontadas no acórdão n.º 78/2008, 
 a destruição dos elementos a que se refere a norma em casa deixa incólumes os 
 direitos de defesa do arguido. Como aí se disse “a não audição do arguido 
 relativamente à relevância das provas recolhidas não obsta a que ele possa pôr 
 em causa, em sede de julgamento, os correspondentes resultados probatórios. E 
 assim, as deficiências que puderem ser apontadas à investigação, assim como a 
 insuficiência ou a descontextualização das passagens das gravações, na medida em 
 que dificultam ou impedem a prova dos factos que constam da acusação relevam a 
 favor do arguido, que poderá justamente utilizar a fase de instrução e de 
 audiência de julgamento para fazer valer, em contraditório, as imprecisões e 
 fragilidades das provas em que se funda a acusação.
 O que tem também plena aplicação quando se pretenda ver (como nos acórdãos n.ºs 
 
 450/07 e 451/07) como fundamento da inconstitucionalidade da norma do artigo 
 
 188º, n.º 3, o risco que a não preservação integral dos registos possa 
 representar para a verificação da conformidade do auto de transcrição ou para a 
 compreensibilidade do discurso fragmentário. 
 Como se impõe concluir, ainda que possa considerar-se aconselhável de jure 
 condendo assegurar a integralidade das conversações telefónicas interceptadas, 
 por razões de política legislativa que considerem prevalecentes as vantagens daí 
 advenientes para a justiça do caso concreto (como veio a entender-se com a 
 publicação da Lei n.º 48/2007), tais considerações não justificam um juízo de 
 inconstitucionalidade relativo à norma do artigo 188.º, n.º 3, do CPP (na versão 
 anterior a essa Lei), que, por tudo o que foi dito, não representa uma violação 
 das garantias de defesa do arguido”.
 
  
 Desta conclusão do acórdão n.º 70/2008 decorre, tendo em conta o sentido 
 jurídico-constitucional do direito ao recurso em processo penal, que nunca esta 
 garantia pode ser vulnerada pelo facto de o arguido não ter acesso aos elementos 
 recolhidos através de intercepção e gravação de comunicações que sejam 
 destruídos e, assim, não podem ser usados em seu desfavor.
 
  
 
 4. Decisão
 
  
 Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas 
 custas, com 20 (vinte) UCs de taxa de justiça.
 Lisboa, 7 de Outubro de 2008
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão