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Processos n.º 306/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
                                     
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                                     1. Relatório
 
                                     1.1. A. intentou, no Tribunal do Trabalho de 
 Coimbra, acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual 
 de trabalho, contra o Instituto de Estradas de Portugal (ex‑ICERR), pedindo: 
 
 (a) se declare ilícito e nulo o seu despedimento; (b) se declare que é 
 trabalhadora do réu, ao abrigo de contrato sem termo, desde 7 de Junho de 2001; 
 
 (c) a condenação do réu a reintegrá‑la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da 
 sua categoria e antiguidade [tendo vindo, no decurso da audiência de 
 julgamento, a optar, “em substituição da reintegração, pela indemnização 
 correspondente a um mês de remuneração base por cada ano de antiguidade ou 
 fracção, nos termos legais”]; (d) a condenação do réu a pagar‑lhe os salários e 
 subsídios que se vencerem desde o seu despedimento até ao trânsito em julgado 
 da sentença, acrescidos de juros de mora à taxa legal, a contar do vencimento 
 de cada uma dessas importâncias e até efectivo e integral pagamento, bem como a 
 quantia de € 1471,68, correspondente a férias não gozadas, subsídio de férias e 
 subsídio de Natal, que não lhe foram pagos.
 
                                     Essencialmente, a autora assentou a sua 
 pretensão no entendimento de que a celebração sucessiva, a partir de 7 de Junho 
 de 2001, de contratos de trabalho a termo, de contrato de prestação se serviços 
 e de contrato de trabalho temporário, para satisfazer sempre as mesmas 
 necessidade do instituto público réu (onde a autora sempre exerceu as funções de 
 secretariado e de apoio à gestão na “Área de Planos”), determina a sua conversão 
 em contrato sem termo, conforme decorre do artigo 41.º-A do Regime Jurídico da 
 Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do 
 Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 64‑A/89, de 27 de 
 Fevereiro (doravante designada por LCCT), idêntico efeito derivando da 
 circunstância de o réu se ter limitado, no que tange à invocação do motivo 
 justificativo para a celebração de contrato a termo, a uma simples remissão para 
 os termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º da LCCT, ao que acresce que não 
 se verificou, no caso, nenhum motivo justificativo desse tipo de contratação, 
 não sendo verdadeiro o motivo invocado. Neste contexto, a comunicação, feita 
 pelo réu à autora, em 7 de Novembro de 2002, de não renovação do contrato de 
 trabalho a termo configura um despedimento ilícito, sem instauração de qualquer 
 processo disciplinar.
 
                                     
 
                                     1.2. A acção foi julgada parcialmente 
 procedente pela sentença de 22 de Junho de 2005 do Tribunal do Trabalho de 
 Coimbra, que declarou a ilicitude do despedimento e condenou o réu a reconhecer 
 a existência de um contrato de trabalho sem termo, entre as partes, com efeitos 
 reportados a 7 de Junho de 2001, e a pagar à autora a quantia de € 7548,35, “a 
 título de remunerações e indemnização acrescida de juros de mora vencidos e 
 vincendos, à taxa legal, desde a citação (9 de Dezembro de 2003), até integral e 
 efectivo pagamento”.
 
                                     Quando à questão da conversão do contrato em 
 contrato sem termo e consequente ilicitude da sua cessação, a sentença – 
 considerando que: (i) o ICERR, instituto ao serviço do qual a autora fora 
 admitida originalmente, foi entretanto integrado, por fusão, no IEP (Instituto 
 das Estradas de Portugal), ut artigo 1.º do Decreto‑Lei n.º 227/2002, de 30 de 
 Outubro; (ii) o IEP é um instituto público, dotado de personalidade jurídica, 
 autonomia administrativa e financeira e património próprio, sendo que o seu 
 pessoal está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho 
 
 (artigo 13.º, n.º 1, dos seus Estatutos, plasmados no referido diploma); (iii) 
 assim, aplica‑se aos seus trabalhadores a disciplina do contrato individual de 
 trabalho, do regime privado; (iv) esta consta da LCCT, dispondo sobre a 
 contratação a termo as normas constantes do seu Capítulo VII, complementadas 
 pelo artigo 3.º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto; (v) admitido que foi dado 
 conhecimento à autora, previamente à sua contratação, de que ia celebrar com o 
 réu um contrato de trabalho a termo certo e o respectivo conteúdo, mas não 
 deixando de ser certo que falta a menção clara e concreta do motivo da 
 contratação (formalidade ad substantiam, cuja omissão é incontornável), quando o 
 réu comunicou à autora, a 7 de Novembro de 2002, a rescisão do contrato, 
 fazendo‑o o cessar, “está sem dúvida a proceder a uma cessação unilateral e 
 ilícita do contrato, o que consubstancia um despedimento ilícito, porque 
 efectuado no âmbito de um contrato sem termo, sem existência de justa causa e 
 sem a precedência de um processo disciplinar válido”; (vi) não tem qualquer 
 fundamento a invocação do “contrato de prestação de serviços” celebrado a 
 seguir, uma vez que de tal contrato apenas tem a designação, tendo a autora 
 continuado a exercer as mesmas funções que exercia antes, em iguais termos e 
 condições, de igual modo sujeita às ordens e direcção do réu, cumprindo 
 assiduamente o mesmo horário de trabalho; (vii) o diploma entretanto publicado 
 
 (o Decreto‑Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho), que também abrangeria o réu, não se 
 aplica ao caso dos autos, por força do princípio geral e universal da não 
 retroactividade da aplicação das leis, constante do artigo 12.° do Código Civil 
 e compaginado com o teor do artigo 26.° do novo regime – concluiu que o novo 
 regime não se aplica ao caso dos autos, mantendo-se plenamente válida a 
 disciplina contida nos Estatutos do réu, em cujos termos se determina a 
 aplicação do regime jurídico do contrato individual de trabalho, sem qualquer 
 reserva ou limitação quanto à constituição de um vínculo laboral por tempo 
 indeterminado.
 
  
 
                                     1.3. Inconformado, o réu interpôs recurso de 
 apelação, alegando (além de manifestar divergência quanto à forma de 
 determinação do subsídio de Natal, da “indemnização de antiguidade” e dos juros 
 de mora) que: (i) a proibição da conversão do contrato a termo firmado entre as 
 partes em contrato por tempo indeterminado resulta do Decreto‑Lei n.º 427/89, de 
 
 7 de Dezembro, e da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho; (ii) o erro ou lapso na 
 redacção do contrato quanto à não concretização do motivo justificativo do 
 termo apenas impõe a sua rectificação e não a cominação estabelecida no n.º 3 do 
 artigo 42.° da LCCT; (iii) a autora, ao celebrar posteriormente à cessação do 
 contrato de trabalho a termo um contrato de prestação de serviços com o réu, sem 
 apor quaisquer reservas, renunciou a quaisquer créditos emergentes da anterior 
 relação.
 
                                     Por acórdão de 8 de Março de 2006, o 
 Tribunal da Relação de Coimbra concedeu provimento à apelação, revogou a 
 sentença impugnada e absolveu o réu do pedido, desenvolvendo, para tanto, a 
 seguinte fundamentação:
 
  
 
 “Com efeito:
 
 – O réu é um instituto público, dotado de personalidade jurídica e autonomia 
 administrativa e financeira, a quem compete exercer os deveres do Estado no 
 identificado domínio, desenvolvendo a sua acção na dependência e sob a 
 superintendência do Ministro da respectiva tutela.
 
 – Através de sucessivas intervenções legislativas (v. g., Decretos‑Leis n.º 
 
 35/80, n.º 140/81 e n.º 184/89), foi sendo proibida a celebração de contratos de 
 trabalho sem termo na Administração Pública …
 
 … Até que, no desenvolvimento da disciplina jurídica estabelecida neste último, 
 se concentrou no Decreto‑Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, o regime de 
 constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na 
 Administração Pública.
 O Decreto‑Lei n.º 218/98, de 17 de Julho, lembrando preambularmente as linhas de 
 referência definidas naquele diploma (maxime a consagração da existência de três 
 tipos de vínculo possível na Administração Pública: a nomeação, o contrato 
 administrativo de provimento e o contrato a termo certo), visou o 
 aperfeiçoamento do regime instituído, intervindo nomeadamente ao nível das 
 regras relativas à contratação a termo certo, cuja incorrecta prática vinha 
 pervertendo as condições de utilização de tal prevista figura, transformando‑a 
 indevidamente num instrumento normal de contratação de pessoal... – cf. 
 respectivo preâmbulo.
 E, assim, a nova redacção dada ao artigo 18.º daquele diploma pelo artigo único 
 deste, além de passar a conter a noção de contrato de trabalho a termo certo (é 
 o acordo bilateral pelo qual uma pessoa não integrada nos quadros assegura, com 
 carácter de subordinação, a satisfação de necessidades transitórias dos 
 serviços de duração determinada), estabeleceu os casos de admissibilidade de 
 celebração deste tipo de vínculo e prescreveu lapidarmente na previsão dos seus 
 n.ºs 4 e 5 que «O contrato de trabalho a termo certo a que se refere o presente 
 diploma não se converte, em caso algum, em contrato sem termo», sendo que a 
 celebração de contrato de trabalho a termo certo com violação do disposto no 
 presente diploma implica a sua nulidade … e constitui os dirigentes em 
 responsabilidade civil, disciplinar e financeira pela prática de actos ilícitos 
 
 …
 
 (A jurisprudência do STJ era já segura ao apontar categoricamente este caminho, 
 podendo ver‑se, por todos, o acórdão do STJ, de 28 de Outubro de 1998, in 
 Boletim do Ministério da Justiça, n.º 480, p. 236, em cujo sumário se contém que 
 
 «… É nulo o contrato de trabalho a termo certo celebrado pela Administração 
 Pública e um trabalhador, que exceda o prazo máximo previsto nos artigos 18.º e 
 
 20.º do Decreto‑Lei n.º 427/89, este último com a redacção do Decreto‑Lei n.º 
 
 407/91 …
 
 … Mais se adiantando que não se transforma em contrato sem prazo o contrato de 
 trabalho a termo certo … mesmo que celebrado sob justificação diversa do motivo 
 realmente verificado).
 
 É fora de dúvida o carácter imperativo das normas do Decreto‑Lei n.º 427/89.
 As únicas modalidades previstas são a nomeação e o contrato de pessoal (este 
 nas formas de contrato administrativo de provimento e de contrato de trabalho a 
 termo certo, sendo que o primeiro conferia ao outorgante a qualidade de agente 
 administrativo, enquanto este, não atribuindo ao trabalhador aquele estatuto, se 
 regeria pela Lei geral sobre os contratos a prazo... com as especialidades 
 constantes desse diploma, ut seu artigo 14.º.
 
                   (O Tribunal Constitucional, em Acórdão de 11 de Julho de 2000, 
 publicado no Diário da República, I Série‑A, de 30 de Novembro de 2000, a que 
 foi conferida força obrigatória geral, veio proclamar a inconstitucionalidade 
 do artigo 14.°, n.º 3, do Decreto‑Lei n.º 427/89, na interpretação segundo a 
 qual o contrato de trabalho a termo celebrado pelo Estado se converte em 
 contrato de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração 
 total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo ... por violação 
 do artigo 47.°, n.º 2, da CRP).
 Uma dessas especialidades consta do artigo 43.°, n.º 1, que é explícito ao 
 estabelecer que, a partir da sua entrada em vigor, é vedada aos serviços e 
 organismos referidos no artigo 2.º a constituição de relações de emprego de 
 carácter subordinado por forma diferente das previstas no presente diploma, o 
 que implicava a automática derrogação do disposto na LCCT sobre as situações 
 
 (hipótese e circunstâncias) da conversão dos contratos a termo certo em 
 contratos por tempo indeterminado.
 Os contratos celebrados que impliquem/implicitem uma qualquer contravenção ao 
 regime previsto não poderão deixar de considerar‑se nulos, nos termos dos 
 artigos 280.°, n.º 1, e 294.º do Código Civil.
 Qualquer desvio ao regime adrede instituído sempre arrastaria consigo, pois, 
 como fatal consequência, a nulidade do contrato.
 Este apenas produzirá efeitos, como se válido fosse, em relação ao tempo em que 
 esteve em execução – artigo 15.º, n.º 1, da LCT.
 A etiologia e economia destes preceitos são afinal bem compreensíveis e, uma vez 
 percepcionadas e aceites, não se vê fundamento bastante para a autora acalentar 
 legítima expectativa a um vínculo duradouro nos quadros do réu/Administração, 
 por esta via (o direito alternativo à indemnização de antiguidade pressupõe o 
 direito à reintegração por ilícita ruptura de uma relação estabilizada):
 Sendo através da nomeação que a Administração, por acto unilateral, preenche um 
 lugar do quadro, visando assegurar, de modo profissionalizado, o exercício de 
 funções próprias do serviço público que revistam carácter de permanência (ut 
 artigo 4.°, n.º l, do Decreto‑Lei n.º 427/89), se fosse possível aceder a um 
 vínculo definitivo mediante a pretensa inobservância do regime legal previsto 
 nos artigos 41.º e 42.° do Decreto‑Lei n.º 64‑A/89 estar‑se‑ia a afrontar 
 claramente – além das normas daquele diploma que constituem especialidades 
 relativamente ao regime geral sobre contratos a termo certo – o princípio 
 constitucional constante do artigo 47.°, n.º 2, da CRP, segundo o qual o acesso 
 
 à função pública se faz, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via 
 de concurso.
 O Decreto‑Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, visou especificamente a definição do 
 regime jurídico do contrato de trabalho nas pessoas colectivas públicas, 
 conforme proclama o seu artigo 1.º, n.º 1.
 Aos contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas é aplicável 
 o regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial … com as 
 especialidades constantes da presente Lei (delas constando a proibição de 
 conversão, em caso algum, do contrato de trabalho a termo resolutivo em contrato 
 por tempo indeterminado, o qual caducará no termo do prazo máximo de duração 
 previsto no Código do Trabalho – cf. n.ºs 2 e 3 do seu artigo 10.º –, cominando 
 com a nulidade a celebração de qualquer contrato a termo com violação do 
 disposto na presente Lei), não conferindo o contrato a qualidade de funcionário 
 público ou agente administrativo, ainda que esta tenha um quadro de pessoal em 
 regime de direito público – cf. artigo 2.º.
 
  Como se constata, as disposições fundamentais do diploma são perfeitamente 
 compagináveis com a filosofia e princípios gerais do Decreto‑Lei n.º 427/89 – 
 que não revoga/substitui – e para cujas especialidades antes remete, apenas lhe 
 introduzindo uma alteração à redacção do seu artigo 14.º e revogando os seus 
 artigos 18.° a 21.°, como se retira dos seus artigos 29.° e 30.°, alínea b).
 Estando plenamente em vigor, ao tempo, o quadro normativo integrante daquele 
 Decreto‑Lei n.º 427/89, que vimos de analisar nos seus aspectos mais relevantes 
 e interessantes à solução da controvérsia decidenda, não se impõe sequer a 
 ponderação do invocado princípio da não retroactividade da aplicação da nova lei 
 
 (artigo 12.º do Código Civil), face à emergência entretanto verificada do 
 Decreto‑Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho.
 O conteúdo das suas disposições finais e transitórias (artigo 26.º) destina-se 
 
 à cobertura de contratos de trabalho que abranjam pessoas colectivas públicas 
 
 (sic).
 Da norma de prevalência (artigo 27.º), aproveitaremos apenas (por enfatizar, de 
 algum modo, a nossa hermenêutica ...), a indicação dela constante, conforme com 
 a natureza imperativa das faladas normas daquele diploma, em cujos termos cedem 
 
 à força da sua normatividade mesmo as normas especiais previstas nos Estatutos 
 das pessoas colectivas públicas.
 Isto posto:
 Independentemente das razões formais ou substantivas que pudessem afectar a 
 validade do contrato de trabalho a termo (ou outro, de natureza afim, mas com o 
 mesmo objectivo prático ...), oportunamente celebrado entre as partes, 
 susceptíveis de induzir a sua conversão em contrato por tempo indeterminado à 
 luz da disciplina adrede prevista no regime constante da LCCT (Decreto‑Lei n.º 
 
 64‑A/89, de 27 de Fevereiro), sempre esta seria nula, no presente contexto, por 
 a isso se oporem as identificadas normas imperativas, que não consentem a 
 conversão, em caso algum, de um contrato de trabalho a termo certo em contrato 
 sem termo.
 Daí que a cessação unilateralmente operada pelo réu não possa considerar-se 
 como configurando um despedimento ilícito, proferido no âmbito de uma relação 
 juslaboral por tempo indeterminado, como erradamente se ajuizou.
 Em conclusão:
 Sendo nosso entendimento (sempre com ressalva do respeito devido por diverso e 
 quiçá melhor juízo, repete‑se) que a relação juslaboral em causa – estabelecida 
 entre o réu, um Instituto Público do Estado, e a autora – está sujeita à 
 disciplina legal constante do Decreto‑Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, que 
 definiu o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de 
 emprego na Administração Pública, o contrato de trabalho a termo cessou, no 
 caso, por caducidade, com a comunicação do réu à autora, em 7 de Novembro de 
 
 2002, da não renovação do contrato de trabalho a termo, com efeitos a contar de 
 
 6 de Dezembro de 2002.”
 
  
 
                                     1.3. A autora interpôs recurso de revista do 
 anterior acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), sustentando, em suma, 
 nas respectivas alegações, que: (i) não é aplicável ao réu o disposto no 
 Decreto‑Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, designadamente, quanto ao contrato de 
 trabalho a termo e consequências da sua invalidade; (ii) à relação laboral em 
 causa aplica‑se o regime jurídico do contrato individual de trabalho e, 
 consequentemente, o disposto no artigo 41.º da LCCT, convertendo-se o contrato 
 de trabalho a termo em contrato de trabalho sem termo, em virtude da invalidade 
 do contrato a termo, face à ausência de motivo justificativo; (iii) o réu tem 
 celebrado contratos de trabalho por tempo indeterminado, na sequência de 
 acordos de integração dos trabalhadores, na mesma situação da autora, no âmbito 
 de processos judiciais que correram termos no Tribunal do Trabalho de Coimbra e 
 sem a prévia existência de concurso público; (iv) significa então que é possível 
 a celebração inicial de contratos de trabalho por tempo indeterminado, sem a 
 precedência de processo de concurso, mas já não é possível a conversão dos 
 contratos a termo em contratos sem termo, mesmo quando a trabalhadora tenha sido 
 submetida a um processo prévio de avaliação dos currículos com entrevista de 
 selecção (ponto 8 da matéria de facto dada como provada); (v) tal posição 
 implica uma desigualdade de tratamento dos trabalhadores do réu, em manifesta 
 violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição; 
 
 (vi) caso se entenda que ao réu é aplicável o Decreto‑Lei n.º 427/89, não seria 
 legalmente possível a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos 
 de trabalho sem qualquer termo, pelo que o réu e o próprio Estado beneficiariam 
 de um tratamento mais favorável que o empregador privado, quando lhes incumbe 
 precisamente assegurar a legalidade e política de emprego (artigo 53.° da 
 Constituição); (vi) deve ser reconhecida a existência de uma relação laboral de 
 emprego privado regulada pelo direito comum de trabalho, atendendo à nulidade do 
 contrato de trabalho a termo certo celebrado entre a autora e o réu e à 
 consequente conversão do mesmo em contrato de trabalho sem termo; (vii) ao não 
 decidir nestes termos, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 41.º e 
 
 42.° da LCCT, os Decretos‑Leis n.º 237/99, de 25 de Junho, n.º 227/2002, de 30 
 de Outubro (artigo 14.°), e n.º 239/2004, de 21 de Dezembro, os Estatutos do 
 ex‑ICERR (artigo 13.°), do ex‑IEP (artigo 13.°) e da actual Estradas de 
 Portugal, EPE (artigo 11.º) e os artigos 13.° e 53.° da Constituição.
 
                                     Por acórdão de 7 de Fevereiro de 2007, o STJ 
 concedeu a revista, revogou o acórdão recorrido e repristinou a sentença da 1.ª 
 instância (alterando, porém, a respectiva condenação, em relação ao montante do 
 subsídio de Natal no ano de 2003 a aos juros de mora referentes à indemnização 
 de antiguidade). Quanto à questão da admissibilidade da conversão do contrato em 
 contrato sem termo, expendeu‑se nesse acórdão:
 
  
 
                   “2.3. Resulta da matéria de facto assente que, em 7 de Junho 
 de 2001, a autora foi admitida ao serviço pelo extinto ICERR para exercer, por 
 conta, ordem e direcção deste último, funções de secretariado e apoio à gestão 
 na Área de Planos, nas instalações da sua sede, sendo‑lhe dado conhecimento que 
 iria celebrar um contrato de trabalho a termo e do respectivo conteúdo [factos 
 assentes 3), 4) e 5)].
 
                   Em 9 de Julho de 2001, as partes subscreveram um contrato de 
 trabalho com termo certo, referindo‑se, na cláusula 1.ª, que as funções e 
 tarefas para as quais a autora fora contratada – secretariado e apoio à gestão 
 na Área de Planos – eram «desempenhadas ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 41.° do Decreto‑Lei n.º 64‑A/89, de 27 de Fevereiro, e do n.º 1 do artigo 
 
 3.° da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto» (n.º 2), tendo «a duração de seis meses, 
 renovável por iguais períodos até um máximo de duas renovações, de acordo com o 
 artigo 44.° do Decreto‑Lei n.º 64‑A/89, de 27 de Fevereiro» (n.º 3), mais se 
 consignando, na cláusula 7.ª, que o mesmo contrato produzia os seus efeitos a 
 partir do dia 7 de Junho de 2001 [factos assentes 6) e 7)].
 
                   No seguimento desse ajuste contratual, em final de Maio de 
 
 2002, o réu comunicou à autora a não renovação do contrato [facto assente 9)], 
 mas, apesar disso, o contrato renovou‑se por igual período de seis meses [facto 
 assente 10)], sendo que, em 7 de Novembro de 2002, «a autora recebeu do réu uma 
 carta registada com A/R, em que este lhe comunicou a não renovação do contrato 
 de trabalho a termo, fazendo cessar o mesmo em 6 de Dezembro de 2002, nos termos 
 constantes de fls. 39» [facto assente 11)], com a invocação do preceituado, por 
 um lado, no n.º 1 do artigo 46.° do Decreto‑Lei n.º 64‑A/89, de 27 de Fevereiro, 
 e, por outro lado, no n.º 6 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 97/2002, 
 de 18 de Maio, segundo o qual os contratos de trabalho a termo certo vigentes 
 nos serviços e organismos da administração central e dos institutos públicos que 
 revistam a natureza de serviços personalizados «caducam no final dos respectivos 
 prazos, sem possibilidade de renovação».
 
                   Do exposto flui, claramente, que as partes quiseram submeter o 
 contrato em causa ao regime da LCCT, diploma que, além do mais, disciplinava o 
 regime jurídico de celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, 
 sendo que, no clausulado do sobredito contrato, não há uma única referência ao 
 Decreto‑Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, que define o regime de constituição, 
 modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública.
 
                   Mas será que, de todo o modo, o contrato em causa estava 
 imperativamente sujeito ao regime geral da relação jurídica de emprego na 
 Administração Pública, considerando as especificidades inerentes à natureza 
 jurídica do ICERR, o que conduziria à proibição da conversão do contrato a termo 
 em contrato por tempo indeterminado, nos termos do Decreto‑Lei n.º 427/89?
 
                   O Decreto‑Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro (alterado pelo 
 Decreto‑Lei n.º 407/91, de 17 de Outubro, pelo Decreto‑Lei n.º 175/95, de 21 de 
 Julho, pelo Decreto‑Lei n.º 218/98, de 17 de Julho, e pela Lei n.º 23/2004, de 
 
 22 de Junho), estabelece os princípios a que deve obedecer a relação jurídica de 
 emprego na Administração Pública e foi emitido pelo Governo em desenvolvimento 
 do regime jurídico estabelecido pelo Decreto‑Lei n.° 184/89, de 2 de Junho 
 
 (alterado pelas Leis n.ºs 30‑C/92, de 28 de Dezembro, 25/98, de 26 de Maio, 
 
 10/2004, de 22 de Março, e 23/2004, de 22 de Junho), diploma que aprovou 
 princípios gerais sobre salários e gestão de pessoal da função pública.
 
                   Segundo o regime do Decreto‑Lei n.º 427/89, a relação jurídica 
 de emprego na Administração Pública constitui‑se por nomeação e contrato de 
 pessoal (artigo 3.°), podendo esta última revestir as modalidades de contrato 
 administrativo de provimento e de contrato de trabalho a termo certo [alíneas a) 
 e b) do n.º 1 do artigo 14.°], sendo que, a partir da entrada em vigor do 
 diploma legal em referência, ficou vedado ao Estado a constituição de relações 
 de emprego com carácter subordinado por forma diversa das previstas no seu 
 artigo 14.°, com responsabilização dos funcionários e agentes que tal 
 possibilitassem (artigo 43.°).
 
                   O certo é, porém, que o Decreto‑Lei n.º 427/89, ao mesmo tempo 
 que prescrevia que as relações de emprego público não se poderiam constituir por 
 forma diversa das previstas no dito artigo 14.°, veio determinar, no n.º 1 do 
 seu artigo 44.°, epigrafado «Salvaguarda de regimes especiais», que ao pessoal 
 dos institutos públicos que revestissem a forma de serviços personalizados ou de 
 fundos públicos abrangidos pelo regime aplicável às empresas públicas ou pelo 
 contrato individual de trabalho aplicavam‑se as respectivas disposições 
 estatutárias.
 
                   Neste mesmo sentido era já a previsão do n.º 4 do artigo 41.° 
 do Decreto‑Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, regime jurídico que o Decreto‑Lei n.º 
 
 427/89 desenvolveu.
 
                   Consequentemente, estes dois preceitos salvaguardam a 
 existência de regimes especiais, determinando a aplicação das respectivas 
 disposições estatutárias ao pessoal dos institutos públicos que revistam a 
 natureza de serviço personalizado e se rejam pelo regime do contrato individual 
 de trabalho.
 
                   O contrato em causa foi celebrado com um instituto público na 
 modalidade de serviço personalizado do Estado, em que a vinculação jurídica do 
 seu pessoal estava sujeita ao regime jurídico do contrato individual de 
 trabalho, com as especificidades previstas nos respectivos estatutos e no 
 diploma que os aprovou, pelo que, estando esse pessoal sujeito ao regime do 
 contrato individual de trabalho, vigora a salvaguarda de regime especial 
 consagrada no n.º 4 do artigo 41.º do Decreto‑Lei n.º 184/89 e no n.º 1 do 
 artigo 44.° do Decreto‑Lei n.º 427/89, razão pela qual a disciplina dessas 
 relações contratuais deve observar as disposições estatutárias do instituto em 
 causa e não o regime geral da relação jurídica de emprego na Administração 
 Pública.
 
                   Deste modo, a salvaguarda de um regime especial e diferenciado 
 para o pessoal do ICERR obsta a que se aplique, no caso vertente, o regime geral 
 da relação jurídica de emprego na Administração Pública editado pelo Decreto‑Lei 
 n.º 427/89.
 
                   Não faz, por isso, sentido argumentar‑se com as formas de 
 constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública (artigo 3.° 
 do Decreto‑Lei n.º 427/89) para concluir pela impossibilidade de conversão dos 
 contratos a termo em contratos por tempo indeterminado, nem com a proibição de 
 conversão dos contratos de trabalho a termo certo em contratos por tempo 
 indeterminado, prevista no n.º 4 do artigo 18.° do Decreto‑Lei n.º 427/89, na 
 redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º 218/98.
 
                   Por outro lado, também carece de fundamento legal invocar‑se a 
 violação da regra do concurso para ingresso na função pública, quando o 
 legislador estatuiu um regime especial para a relação de emprego a estabelecer 
 com o pessoal do ICERR, em que não se previa a obrigatoriedade de tal forma de 
 selecção e recrutamento de pessoal, o que vale por dizer que não tem aplicação, 
 no caso, a norma do n.º 2 do artigo 47.° da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
                   E não se diga que, face aos termos da norma imperativa 
 constante do n.º 1 do artigo 43.° do Decreto‑Lei n.º 427/89, não era possível, 
 sob pena de nulidade da respectiva norma estatutária, os estatutos de um 
 instituto público preverem formas diferentes das admitidas no Decreto‑Lei n.º 
 
 427/89 para constituição de relações de emprego com carácter subordinado.
 
                   Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.° do Código 
 Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender 
 essa tarefa, começando por estabelecer que «[a] interpretação não deve cingir‑se 
 
 à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, 
 tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que 
 a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 
 
 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a 
 interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser 
 considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da 
 lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» 
 
 (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete 
 presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube 
 exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).
 
                   Ora, o que emerge do texto do n.º 1 do artigo 43.° citado é 
 que, a partir da entrada em vigor do diploma legal em referência, ficou vedado 
 aos serviços e organismos referidos no respectivo artigo 2.° a constituição de 
 relações de emprego com carácter subordinado por forma diversa das previstas 
 naquele diploma – ressalvados, claro está, os regimes especiais prevenidos no 
 n.º 1 do seu artigo 44.° –, e não que, a partir dessa data, não é possível, sob 
 pena de nulidade da respectiva norma estatutária, os estatutos de um instituto 
 público preverem formas diferentes das consagradas no Decreto‑Lei n.º 427/89 com 
 vista à constituição de relações de emprego com carácter subordinado. 
 Nesta conformidade, remetendo as normas que regulam o vínculo jurídico do 
 pessoal do ICERR para as normas reguladoras do contrato individual de trabalho e 
 não havendo qualquer disposição dos respectivos estatutos que impeça a conversão 
 em contratos sem termo dos contratos a termo celebrados nesse âmbito, não se 
 vislumbra impedimento legal à referida conversão do contrato de trabalho a termo 
 celebrado entre as partes, por ilegalidade da estipulação do termo.
 
 2.4. Em derradeiro termo, há que examinar o regime da Lei n.º 23/2004, de 22 de 
 Junho, que aprovou o regime jurídico do contrato individual de trabalho na 
 Administração Pública, revogando os artigos 18.° a 21.º do Decreto‑Lei n.º 
 
 427/89, que regulavam a «Admissibilidade», «Selecção de candidatos», 
 
 «Estipulação do prazo e renovação do contrato» e «Limites à celebração» dos 
 contratos de trabalho a termo certo na Administração Pública.
 No que respeita às regras especiais agora aplicáveis ao contrato de trabalho a 
 termo resolutivo, o artigo 10.º da Lei n.º 23/2004 estabelece que «[o] contrato 
 de trabalho a termo resolutivo certo celebrado por pessoas colectivas públicas 
 não está sujeito a renovação automática» (n.º 1), que «[o] contrato de trabalho 
 a termo resolutivo celebrado por pessoas colectivas públicas não se converte, em 
 caso algum, em contrato por tempo indeterminado, caducando no termo do prazo 
 máximo de duração previsto no Código do Trabalho» (n.º 2) e que «[a] celebração 
 de contratos de trabalho a termo resolutivo com violação do disposto na 
 presente lei implica a sua nulidade e gera responsabilidade civil, disciplinar 
 e financeira dos titulares dos órgãos que celebraram os contratos de trabalho» 
 
 (n.º 3).
 Sucede que, nos termos do n.º 1 do artigo 26.° do aludido diploma legal, 
 
 «[f]icam sujeitos ao regime da presente lei os contratos de trabalho e os 
 instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados 
 antes da sua entrada em vigor que abranjam pessoas colectivas públicas, salvo 
 quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente 
 passados anteriormente àquele momento».
 Ora, sendo a autora admitida ao serviço do réu em 7 de Junho de 2001, 
 ocorrendo, em 6 de Dezembro de 2002, a cessação do contrato de trabalho a termo 
 certo, e tendo a contratação da alegada prestação de serviços cessado em Junho 
 de 2003, é inquestionável que a Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, que entrou em 
 vigor «30 dias após a data da sua publicação» (artigo 31.º), não se aplica às 
 condições de validade e aos efeitos das relações jurídicas sucessivamente 
 estabelecidas entre as partes, porque referentes a factos e/ou situações 
 totalmente passados anteriormente à data da sua entrada em vigor.
 O regime jurídico aprovado pela Lei n.º 23/2004 não se aplica, pois, ao caso.
 Tudo para concluir que o contrato de trabalho em apreço está sujeito ao regime 
 geral do contrato individual de trabalho, como ajuizou a sentença proferida na 
 primeira instância, e não ao regime da relação jurídica de emprego na 
 Administração Pública, conforme decidiu a Relação, não se verificando, pois, 
 obstáculo legal à sua conversão em contrato por tempo indeterminado.
 
  
 
 3. Estando em causa as condições de validade e os efeitos da celebração e 
 cessação de um contrato de trabalho a termo, ocorridas em datas anteriores à 
 entrada em vigor do Código do Trabalho (dia 1 de Dezembro de 2003 – n.º 1 do 
 artigo 3.° da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), aplica‑se o disposto no 
 anterior regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da 
 celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 
 
 64‑A/89, de 27 de Fevereiro, na redacção anterior à Lei n.º 18/2001, de 3 de 
 Julho, conforme o estipulado no n.º 1 do artigo 8.° da Lei n.º 99/2003.
 De acordo com o artigo 41.º da LCCT, diploma a que pertencem os demais preceitos 
 a citar neste ponto, sem menção da origem, a celebração de contrato de trabalho 
 a termo só é admitida nos casos seguintes: (a) substituição temporária de um 
 trabalhador que, por qualquer razão, se encontre impedido de prestar serviço ou 
 em relação ao qual esteja pendente em juízo acção de apreciação da licitude do 
 despedimento; (b) acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa; 
 
 (c) actividades sazonais; (d) execução de uma tarefa ocasional ou serviço 
 determinado, definido e não duradouro; (e) lançamento de uma nova actividade de 
 duração incerta ou início de laboração de uma empresa ou estabelecimento; (f) 
 execução, direcção e fiscalização de trabalhos na indústria de construção civil, 
 obras públicas, montagens e reparações industriais, incluindo os respectivos 
 projectos e outras actividades complementares de controlo e acompanhamento, bem 
 como outros trabalhos de análoga natureza e temporalidade, tanto em regime de 
 empreitada como de administração directa; (g) desenvolvimento de projectos, 
 incluindo concepção, investigação, direcção e fiscalização, não inseridos na 
 actividade corrente da entidade empregadora; (h) contratação de trabalhadores à 
 procura de primeiro emprego ou de desempregados de longa duração ou noutras 
 situações previstas em legislação especial de política de emprego.
 Nos termos do mesmo artigo 41.º, «[a] celebração de contratos a termo fora dos 
 casos previstos no número anterior importa a nulidade da estipulação do termo» 
 
 (n.º 2).
 Já o artigo 41.º regula a forma do contrato de trabalho a termo, certo ou 
 incerto, estabelecendo que esse contrato está sujeito a forma escrita (n.º 1) e 
 acha‑se na dependência de várias formalidades cuja indicação consta das alíneas 
 do seu n.º 1; resta acrescentar que a lei aplicável considera contrato sem termo 
 aquele em que falte a redução a escrito, a assinatura e identificação das 
 partes, bem como, no caso de contratos a termo certo, quando se omita a 
 referência ao prazo estipulado ou a indicação do motivo justificativo (n.º 3).
 Doutro passo, como se determina no artigo 3.º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto, 
 a indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a 
 termo só é atendível se mencionar «concretamente os factos e circunstâncias que 
 integram esse motivo»; daí que não basta remeter para a previsão legal, sendo 
 necessário fazer referência à situação concreta que fundamenta o termo 
 estipulado.
 Assim, o motivo justificativo da celebração do contrato de trabalho a termo terá 
 de ser indicado no documento que suporta o próprio contrato, sob pena de se 
 considerar nula a estipulação do termo e, nessa medida, de se converter em 
 contrato por tempo indeterminado.
 No caso, o contrato ajustado entre as partes refere apenas, como motivo 
 justificativo da contratação a termo da autora, que «as funções e tarefas 
 previstas no número anterior [funções de secretariado e apoio à gestão na Área 
 de Planos] são desempenhadas ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º do 
 Decreto‑Lei n.º 64‑A/89, de 27 de Fevereiro, e do n.º 1 do artigo 3.° da Lei n.º 
 
 38/96, de 31 de Agosto, nos termos descritos», não fazendo qualquer alusão aos 
 factos concretos em que se fundou a necessidade da contratação a termo, o que 
 constitui formalidade ad substantiam, limitando‑se a remeter para a norma 
 constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º da LCCT, o que não satisfaz, de 
 modo algum, a exigência legal.
 O réu alega que tal omissão se deveu a lapso ou erro na redacção do contrato a 
 termo, que apenas impõe a sua rectificação e não a cominação estabelecida no 
 n.º 3 do artigo 42.° da LCCT, «independentemente de ser um contrato formal», 
 sendo que, «[n] a pior das hipóteses deve ampliar‑se a matéria de facto no 
 sentido de se apurar se existiu, ou não, erro ou lapso na elaboração do 
 contrato, naquela parte da ausência do motivo justificativo».
 Porém, ao contrário do contrato de trabalho sem termo, em que vigora o princípio 
 da liberdade de forma, conforme prevê o artigo 6.° do Regime Jurídico do 
 Contrato Individual de Trabalho (LCT), anexo ao Decreto‑Lei n.º 49 408, de 24 de 
 Novembro de 1969, o contrato de trabalho a termo é um negócio formal, sendo a 
 indicação do motivo justificativo da celebração do contrato de trabalho a termo 
 uma exigência de forma ad substantiam, que, por isso, não pode ser substituída 
 por qualquer outro meio de prova.
 E, assim sendo, uma vez que o contrato de trabalho firmado entre as partes «não 
 contém qualquer motivo justificativo do termo que prevê», é nula a estipulação 
 do respectivo termo.
 Ora, sendo ilegal a estipulação do termo, o contrato tem de considerar‑se sem 
 termo [artigos 41.°, n.º 2, e 42.°, n.ºs 1, alínea e), e 3, ambos da LCCT], pelo 
 que, tal como se afirmou na sentença da primeira instância, «quando o réu 
 comunica à autora, em 7 de Novembro de 2002, a rescisão do contrato, fazendo 
 cessar o contrato, está sem dúvida a proceder a uma cessação unilateral e 
 ilícita do contrato de trabalho, o que consubstancia um despedimento ilícito, 
 porque efectuado no âmbito de um contrato sem termo, sem existência de justa 
 causa e sem a precedência de um processo disciplinar válido».
 Na verdade, convertido o contrato celebrado a termo em contrato sem termo, era 
 inadmissível a cessação do mesmo, operada em 6 de Dezembro de 2002, a qual 
 consubstancia um despedimento ilícito, com as inerentes consequências.”
 
  
 
                                     1.4. É deste acórdão que, pelo Instituto de 
 Estradas de Portugal vem interposto o presente recurso, ao abrigo das alíneas b) 
 e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por 
 
 último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro – doravante designada por 
 LTC), referindo‑se no respectivo requerimento de interposição que:
 
  
 
 “– pretende‑se ver apreciada a inconstitucionalidade do n.º 4 do artigo 41.º do 
 Decreto‑Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, e do n.º 1 do artigo 44.º do Decreto‑Lei 
 n.º 427/89, de 7 de Dezembro, com a interpretação com que foi aplicado no 
 acórdão recorrido, ou seja, de que tais normas salvaguardam um regime especial e 
 diferenciado para o pessoal do ICERR (instituto público personalizado) e 
 impedem que se aplique o regime geral da relação jurídica de emprego na 
 Administração Pública editado pelo Decreto‑Lei n.º 427/89, aplicando‑se, antes, 
 o regime jurídico do contrato individual de trabalho previsto no artigo 13.º dos 
 Estatutos do ICERR;
 
 – tal interpretação do n.º 4 do artigo 41.º do Decreto‑Lei n.º 184/89 e do n.º 1 
 do artigo 44.º do Decreto‑Lei n.º 427/89, bem como do artigo 13.º dos Estatutos 
 do ICERR, viola o n.º 2 do artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa;
 
 – a questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, desde logo no 
 acórdão da Relação de Coimbra, de 8 de Março de 2006, nas contra‑alegações 
 apresentadas no recurso de revista e na resposta ao parecer do Ministério 
 Público junto do Supremo Tribunal de Justiça;
 
 – pretende‑se, igualmente, ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 13.º 
 dos Estatutos do ICERR, aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 237/99, de 25 de Junho, 
 aplicado pelo douto acórdão recorrido, tendo em conta que normas similares de 
 outros institutos públicos e outra norma [dos Estatutos] do ICERR, com o mesmo 
 
 âmbito do citado artigo 13.º, foram já julgadas inconstitucionais pelo Tribunal 
 Constitucional, através dos seguintes Acórdãos:
 
 – Acórdão n.º 61/2004, de 27 de Janeiro de 2004 – Proc. n.º 47/01 – in Diário da 
 República, I Série‑A, de 27 de Fevereiro de 2004;
 
 – Acórdão n.º 406/2003, de 17 de Setembro de 2003 – Proc. n.º 470/01 – in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt;
 
 – Acórdão n.º 140/2002, de 9 de Abril de 2002 – Proc. n.º 731/99 – in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt;
 
 – Acórdão n.º 147/2002, de 16 de Abril de 2002 – Proc. n.º 603/99 – in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt;
 
 – Acórdão n.º 310/2002, de 3 de Julho de 2002 – Proc. n.º 601/99 — in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt.”
 
  
 
                                     No Tribunal Constitucional, o relator 
 determinou a apresentação de alegações, “devendo as partes pronunciar‑se, 
 querendo, sobre a eventualidade de não conhecimento do recurso interposto ao 
 abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tendo por objecto a norma do 
 artigo 13.º dos Estatutos do ICERR, aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 237/99, de 25 
 de Junho, por falta de identidade entre essa norma e as normas julgadas 
 inconstitucionais pelos citados Acórdãos n.ºs 140/2002, 147/2002, 310/2002, 
 
 406/2003 e 61/2004”.
 
  
 
                                     1.5. O recorrente apresentou em peças 
 processuais separadas a resposta à questão da eventual inadmissibilidade do 
 recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (fls. 
 
 411‑413), as alegações relativas ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da LTC (fls. 416‑433) e as alegações relativas ao recurso 
 interposto ao abrigo da referida alínea g) (fls. 400‑408).
 
  
 
                                     1.5.1. Naquela resposta, o recorrente 
 reconhece a inexistência de identidade entre a norma do artigo 13.º, n.º 1, dos 
 Estatutos do ICERR e as normas julgadas inconstitucionais nos Acórdãos n.ºs 
 
 140/2002, 147/2002 e 310/2002, mas sustenta que entre aquela norma e as normas 
 julgadas inconstitucionais pelos Acórdãos n.ºs 406/2003 e 61/2004, apesar de 
 estas últimas se referirem a outros institutos públicos, existe a aludida 
 identidade, por ser a mesma ou similar a questão de direito, podendo a 
 fundamentação e a decisão destes dois Acórdãos aplicar‑se, por igualdade e/ou 
 maioria de razão, ao caso dos autos.
 
  
 
                                     1.5.2. Nas alegações relativas ao recurso 
 interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o recorrente 
 formula as seguintes conclusões:
 
  
 
                   “1.ª – O recorr[ente], de acordo com os respectivos estatutos 
 anexos ao Decreto‑Lei n.º 237/99, é «uma pessoa colectiva de direito público 
 dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio» (n.º 1 
 do artigo 1.º), estando o seu pessoal «sujeito ao regime jurídico do contrato 
 individual de trabalho, com as especificidades previstas nos presentes 
 estatutos e no diploma que o aprova» (n.º 1 do artigo 13.º).
 
                   2.ª – Atentas as suas atribuições e estrutura orgânica e 
 funcional, é um instituto público, na modalidade de serviço personalizado do 
 Estado.
 
                   3.ª – O recorr[ente] é uma pessoa colectiva de direito público 
 
 – «instituto público» – sujeito à tutela e superintendência do Ministro do 
 Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, tendo por missão 
 representar o Estado como autoridade nacional em relação às infra‑estruturas 
 rodoviárias nacionais não concessionadas (autoridade nacional de estradas); no 
 exercício das suas funções detém poderes de suspender ou fazer cessar 
 actividades e encerrar estabelecimentos, determinar a imediata remoção de 
 ocupações indevidas de bens do domínio público, embargar e ordenar a demolição 
 de construções, autorizar a instalação de equipamentos e infra‑estruturas ao 
 longo das estradas, concedendo as autorizações necessárias, instrução e 
 aplicação de sanções em processos contra‑ordenacionais, efectuar expropriações, 
 liquidar e cobrar, mesmo coercivamente, taxas, executar coercivamente decisões 
 da autoridade (poderes de autoridade).
 
                   […]
 
                   4.ª – Por outro lado, os princípios fundamentais do regime de 
 constituição, modificação e extinção da relação de emprego na Administração 
 Pública são definidos pelo Decreto‑Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, e pelo 
 Decreto‑Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, abrangendo, na sua disciplina, os 
 institutos públicos, nas modalidades de serviços personalizados do Estado.
 
                   5.ª – Os dois referidos diplomas estabelecem, taxativamente, o 
 modo de constituição da relação jurídica na Administração Pública, incluindo os 
 institutos públicos, nas modalidades de serviços personalizados do Estado 
 
 (contrato administrativo de provimento e contrato de trabalho a termo certo), 
 sendo vedado a tais serviços a constituição de relações de emprego com carácter 
 subordinado por forma diferente da prevista nos referidos diplomas legais (vide 
 artigo 43.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 427/89).
 
                   6.ª – Tendo, por sua vez, este último diploma, no n.º 1 do 
 artigo 44.º, epigrafado «Salvaguarda de regimes especiais», disposto que ao 
 pessoal dos institutos públicos que revestissem a forma de serviços 
 personalizados se aplicavam as respectivas disposições estatutárias.
 
                   7.ª – Tendo por base a aplicação desta última disposição, o 
 douto acórdão recorrido conclui que não está em causa uma relação jurídica de 
 emprego público, por aplicação do n.º 1 do artigo 13.º dos Estatutos do 
 recorrente, não tendo, por isso, qualquer cabimento a violação da norma do n.º 2 
 do artigo 47.º da Constituição.
 
                   Ora,
 
                   8.ª – O Acórdão n.º 683/99, analisando o n.º 2 do artigo 47.º 
 da Constituição, identificou um «direito especial de igualdade» no acesso à 
 função pública e um «interesse institucional» da Administração na promoção da 
 sua capacidade funcional e um interesse de transparência e democraticidade na 
 composição da função pública, que impõe um direito a um procedimento justo de 
 recrutamento e selecção de candidatos à função pública, que se traduz, em regra, 
 no concurso.
 
                   9.ª – Também no Acórdão n.º 406/2003, em que estava em causa a 
 apreciação da constitucionalidade de determinadas normas dos Estatutos do INAC 
 
 (Instituto Nacional de Aviação Civil), o Tribunal Constitucional, tendo em conta 
 as funções cometidas aos seus órgãos e agentes, justificava que ao recrutamento 
 e selecção do seu pessoal, ainda que sujeito ao contrato individual de 
 trabalho, se aplicassem as garantias de liberdade e igualdade de acesso que se 
 encontram fixadas no n.º 2 do artigo 47.º da Constituição.
 
                   10.ª – E, no Acórdão n.º 471/2001, veio a dispor‑se que ainda 
 que se entenda que para o recrutamento de pessoal sujeito ao regime do contrato 
 individual se não justifica a realização de um concurso público, nem por isso 
 se pode deixar de reconhecer que a selecção e o recrutamento desse pessoal 
 deverá sempre ter lugar através de procedimentos administrativos que assegurem 
 a referida liberdade e igualdade de acesso.
 
                   11.ª – Daí que aos presentes autos seja integralmente aplicada 
 a jurisprudência dos Acórdãos n.ºs 683/99 e 368/2000 do Tribunal 
 Constitucional, no que respeita ao acesso à «função pública», em função das 
 exigências do n.º 2 do artigo 47.º da Constituição.
 
                   12.ª – Exigências essas que são aplicáveis mesmo quando a 
 actividade administrativa seja submetida ao direito privado (Acórdão n.º 
 
 406/2003).
 
                   13.ª – E não há dúvida sobre a natureza pública, equiparada 
 aos serviços autónomos do Estado, do ICERR, integrando‑se na «função pública» 
 
 (veja‑se, por igualdade de razão, o «caso» do INAC, tratado no Acórdão n.º 
 
 406/2003).
 
                   14.ª – Aplicando‑se, pois, ao recorrente a doutrina constante 
 do citado Acórdão n.º 406/2003:
 
                   – ainda que sujeito ao contrato individual de trabalho, devem 
 aplicar‑se as garantias de liberdade e igualdade de acesso que se encontram 
 fixados no n.º 2 do artigo 47.º da Constituição;
 
                   – ainda que se entenda que para o recrutamento de pessoal 
 sujeito ao regime do contrato individual de trabalho se não justifica a 
 realização de um concurso público, nem por isso se pode deixar de reconhecer que 
 a selecção e o recrutamento desse pessoal deverá sempre ter lugar através de 
 procedimentos administrativos que assegurem a referida liberdade e igualdade de 
 acesso.
 
                   15.ª – O que demonstra que não existe qualquer 
 incompatibilidade entre o regime do contrato individual de trabalho e a 
 definição de garantias de liberdade e igualdade no acesso ao exercício de 
 funções nos institutos públicos, como se diz no Acórdão n.º 471/2001.
 
                   16.ª – Daí que tenha de concluir‑se que:
 
                   – A aplicação da norma constante do n.º 1 do artigo 44.º do 
 Decreto‑Lei n.º 427/89, no sentido de que o regime estabelecido pelo Decreto‑Lei 
 n.º 427/89 não é aplicável ao recorrente, aplicando‑se, antes, o regime 
 estabelecido nos seus Estatutos, esta norma – n.º 1 do artigo 44.º do 
 Decreto‑Lei n.º 427/89 – é inconstitucional, por violação do n.º 2 do artigo 
 
 47.º da Constituição da República Portuguesa, ao permitir‑se a contratação da 
 recorrida sem concurso, o que decorre da conversão do contrato a termo em 
 contrato sem termo;
 
                   – O artigo 13.º, n.º 1, dos Estatutos do ICERR, por remissão 
 da citada norma – n.º 1 do artigo 44.º do Decreto‑Lei n.º 427/89 –, na medida em 
 que prevêem uma plena liberdade de selecção e recrutamento dos trabalhadores, 
 sem estabelecerem qualquer requisito procedimental tendente a garantir a 
 observância dos princípios da liberdade e da igualdade de acesso à função 
 pública, colidem com o preceituado no n.º 2 do artigo 47.º da Constituição, 
 sendo por isso inconstitucional.
 
                   17.ª – Por outro lado, não existe qualquer justificação 
 material para um regime de excepção (aos princípios da liberdade e igualdade de 
 acesso à função pública), sejam elas de qualificações técnicas, natureza do 
 trabalho ou especificidade de funções, no âmbito da contratação no recorrente.
 
                   18.ª – Atenta a especialidade constante do artigo 43.º, n.º 1, 
 do Decreto‑Lei n.º 427/89, que derroga o disposto na LCCT sobre as situações 
 
 (hipótese e circunstância) da conversão dos contratos a termo certo em 
 contratos sem termo, os contratos celebrados pelo ICERR ao arrepio do regime 
 previsto naquele diploma são nulos, nos termos dos artigos 280.º, n.º 1, e 
 
 294.º do Código Civil, produzindo apenas efeitos em relação ao tempo em que 
 estiveram em execução.
 
                   19.ª – Daí que o contrato de trabalho a termo certo celebrado 
 entre recorrente e recorrida tenha caducado quando o recorrente comunicou à 
 recorrida, por escrito, a vontade de não o renovar, independentemente do motivo 
 justificativo da contratação a termo satisfazer ou não as exigências de 
 concretização factual exigidas por lei.
 
                   20.ª – E não se pode dizer que o recorrente, enquanto 
 
 «infractor da lei», beneficia dessa ilegalidade, pois não se vislumbra que algo 
 de ilegítimo possa ser imputado a quem invoca a nulidade de um contrato por 
 violação de disposição legal, que, por consagrar princípios de interesse e 
 ordem pública, reveste carácter imperativo, e da regra constitucional do artigo 
 
 47.º, n.º 2.
 
                   21.ª – Concluindo‑se, a conversão do contrato a termo da 
 recorrida em contrato por tempo indeterminado, sem concurso, ligada à função a 
 exercer, padece de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade 
 estabelecido no artigo 47.º, n.º 2, da Constituição.”
 
  
 
                                     1.5.3. Nas alegações relativas ao recurso 
 interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o recorrente 
 formula as seguintes conclusões:
 
  
 
                   “1.ª – O Acórdão n.º 61/2004 declarou a inconstitucionalidade 
 da norma constante do artigo 22.º do Decreto‑Lei n.º 342/99, de 25 de Agosto 
 
 (diploma que cria o IPCR – Instituto Português de Conservação e Restauro), por 
 violação do n.º 2 do artigo 47.º da Constituição, com base nos seguintes 
 fundamentos:
 
                   a) A norma em causa permite a contratação de algum pessoal 
 mediante contrato individual de trabalho e sem que se preveja qualquer 
 procedimento de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta 
 o acesso em condições de liberdade e igualdade;
 
                   b) O IPCR é instituto público na modalidade de serviço 
 personalizado do Estado;
 
                   c) O IPCR tem algum pessoal a que é aplicável o regime geral 
 da função pública;
 
                   d) As atribuições e a natureza do IPCR, bem como as funções 
 cometidas aos seus órgãos e agentes;
 
                   e) A natureza pública do IPCR, equiparada aos serviços 
 autónomos do Estado;
 
                   f) A não existência de qualquer justificação material para um 
 regime de excepção (aos princípios da liberdade e igualdade de acesso à função 
 pública), sejam elas de qualificações técnicas, natureza do trabalho, 
 especificidade de funções, etc.
 
                   2.ª – No caso do ICERR, ora recorrente, e tendo e conta o 
 disposto nos seus Estatutos, aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 237/99, verificam‑se 
 as seguintes condições e situações:
 
                   a) O n.º 1 do artigo 13.º dos seus Estatutos dispõe que o seu 
 pessoal está sujeito ao regime do contrato individual de trabalho, com as 
 especificidades previstas nos presentes estatutos e no diploma que o aprova, 
 isto é, esta norma permite a contratação de todo o pessoal mediante contrato 
 individual de trabalho e sem que se preveja qualquer procedimento de 
 recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em 
 condições de liberdade e igualdade;
 
                   b) O ICERR é instituto público na modalidade de serviço 
 personalizado do Estado;
 
                   c) O ICERR tem algum pessoal a que é aplicável o regime geral 
 da função pública;
 
                   d) O ICERR tem natureza pública, equiparada aos serviços 
 autónomos do Estado;
 
                   e) As atribuições e a natureza do ICERR, bem como as funções 
 cometidas aos seus órgãos e agentes, em que:
 
                   – é uma autoridade nacional de estradas, em representação do 
 Estado;
 
                   – ao seu pessoal são atribuídos poderes de autoridade, no 
 exercício de funções de vigilância, manutenção ou fiscalização;
 
                   – entre as suas receitas contam‑se as provenientes de coimas e 
 outras sanções ou de multas e/ou coimas, com o exercício de um correspondente 
 poder sancionatório «público»;
 
                   – entre as suas receitas contam-se «taxas», «emolumentos» e 
 outras cobradas por «licenciamentos, aprovações e actos similares e por 
 serviços prestados no âmbito das suas atribuições»;
 
                   – para a cobrança coerciva de tais receitas, estabelece‑se a 
 utilização do processo de «execução fiscal»;
 
                   – a sua gestão financeira e patrimonial, incluindo a 
 organização da sua contabilidade, rege‑se exclusivamente pelo regime aplicável 
 aos fundos e serviços autónomos do Estado;
 
                   – no exercício das suas funções detém poderes de suspender ou 
 fazer cessar actividades e encerrar estabelecimentos; determinar a imediata 
 remoção de ocupações indevidas de bens do domínio público; embargar e ordenar a 
 demolição de construções; autorizar a instalação de equipamentos e 
 infra‑estruturas ao longo das estradas, concedendo as autorizações necessárias; 
 instrução e aplicação de sanções em processos contra-ordenacionais;
 
                   f) A não existência de qualquer justificação material para um 
 regime de excepção (aos princípios da liberdade e igualdade de acesso à função 
 pública), sejam elas de qualificações técnicas, natureza do trabalho, 
 especificidade de funções, etc.
 
                   3.ª – Por maioria de razão, relativamente ao IPCR, 
 justifica‑se inteiramente que ao recrutamento e selecção do pessoal do ICERR, 
 ainda que sujeito ao contrato individual de trabalho, se apliquem as garantias 
 de liberdade e igualdade de acesso que se encontram fixadas no n.º 2 do artigo 
 
 47.º da Constituição.
 
                   4.ª – Se o Acórdão n.º 61/2004, declarou a 
 inconstitucionalidade da norma constante do artigo 22.º do Decreto‑Lei n.º 
 
 342/99, de 25 de Agosto, por maioria de razão, e tendo em conta a identidade das 
 normas, deve ser julgado que n.º 1 do artigo 13.º dos Estatutos do ICERR, 
 aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 237/99, de 25 de Junho, é inconstitucional, por 
 violação do n.º 2 do artigo 47.º da Constituição.
 
                   5.ª – O Acórdão n.º 406/2003 declarou a inconstitucionalidade 
 da norma constante do n.º 1 do artigo 21.º dos Estatutos do INAC (Instituto 
 Nacional de Aviação Civil), aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 133/98, de 15 de 
 Maio, por violação do n.º 2 do artigo 47.º da Constituição, na medida em que 
 comete ao respectivo Conselho de Administração a competência para decidir sobre 
 a admissão de trabalhadores sem que se preveja qualquer procedimento de 
 recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em 
 condições de liberdade e igualdade, e com os seguintes fundamentos:
 
                   a) O INAC é um instituto com vocação reguladora e inspectiva, 
 ao qual é atribuído o exercício de poderes de autoridade do Estado, 
 designadamente, nos seguintes aspectos: quanto ao licenciamento, certificação, 
 autorização e homologação de certas actividades e procedimentos; quanto à 
 emissão de regulamentos; quanto à realização de inquéritos, requisição de 
 informações e efectivação de actividades de inspecção; quanto à aplicação de 
 medidas administrativas e sancionatórias; quanto à liquidação e cobrança 
 coerciva de taxas, através do processo de execução fiscal; quanto à expressa 
 atribuição de poderes de autoridade ao pessoal que desempenhe funções de 
 fiscalização, que incluem, nomeadamente, «a suspensão ou cessação de actividades 
 e encerramento de instalações» a título preventivo;
 
                   b) O INAC é um instituto público com clara prevalência do 
 regime de direito público, exercendo poderes de autoridade pública através dos 
 seus órgãos e agentes; os seus trabalhadores desempenham, nestes termos, em 
 suma, uma função pública em sentido material;
 
                   c) A não existência de qualquer justificação material para um 
 regime de excepção aos princípios da liberdade e igualdade de acesso à função 
 pública.
 
                   6.ª – No caso do ICERR, ora recorrente, e tendo e conta o 
 disposto nos seus Estatutos, aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 237/99, verificam‑se 
 as seguintes condições e situações:
 
                   a) O n.º 1 do artigo 13.º dos seus Estatutos dispõe que o seu 
 pessoal está sujeito ao regime do contrato individual de trabalho, com as 
 especificidades previstas nos presentes estatutos e no diploma que o aprova, 
 isto é, esta norma permite a contratação de todo o pessoal mediante contrato 
 individual de trabalho e sem que se preveja qualquer procedimento de 
 recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em 
 condições de liberdade e igualdade;
 
                   b) O ICERR é instituto público na modalidade de serviço 
 personalizado do Estado;
 
                   c) O ICERR tem algum pessoal a que é aplicável o regime geral 
 da função pública;
 
                   d) O ICERR tem natureza pública, equiparada aos serviços 
 autónomos do Estado;
 
                   e) As atribuições e a natureza do ICERR, bem como as funções 
 cometidas aos seus órgãos e agentes, em que:
 
                   – é uma autoridade nacional de estradas, em representação do 
 Estado;
 
                   – ao seu pessoal são atribuídos poderes de autoridade, no 
 exercício de funções de vigilância, manutenção ou fiscalização;
 
                   – entre as suas receitas contam‑se as provenientes de coimas e 
 outras sanções ou de multas e/ou coimas, com o exercício de um correspondente 
 poder sancionatório «público»;
 
                   – entre as suas receitas contam-se «taxas», «emolumentos» e 
 outras cobradas por «licenciamentos, aprovações e actos similares e por 
 serviços prestados no âmbito das suas atribuições»;
 
                   – para a cobrança coerciva de tais receitas, estabelece‑se a 
 utilização do processo de «execução fiscal».
 
                   – a sua gestão financeira e patrimonial, incluindo a 
 organização da sua contabilidade, rege‑se exclusivamente pelo regime aplicável 
 aos fundos e serviços autónomos do Estado;
 
                   – no exercício das suas funções, detém poderes de suspender ou 
 fazer cessar actividades e encerrar estabelecimentos; determinar a imediata 
 remoção de ocupações indevidas de bens do domínio público; embargar e ordenar a 
 demolição de construções; autorizar a instalação de equipamentos e 
 infra‑estruturas ao longo das estradas, concedendo as autorizações necessárias; 
 instrução e aplicação de sanções em processos contra-ordenacionais;
 
                   f) A não existência de qualquer justificação material para um 
 regime de excepção (aos princípios da liberdade e igualdade de acesso à função 
 pública), sejam elas de qualificações técnicas, natureza do trabalho, 
 especificidade de funções, etc.
 
                   7.ª – Por igualdade de razão, relativamente ao INAC, 
 justifica‑se inteiramente que ao recrutamento e selecção do pessoal do ICERR, 
 ainda que sujeito ao contrato individual de trabalho, se apliquem as garantias 
 de liberdade e igualdade de acesso que se encontram fixadas no n.º 2 do artigo 
 
 47.º da Constituição.
 
                   8.ª – Se o Acórdão n.º 406/2003 declarou a 
 inconstitucionalidade da norma constante do n.º 1 do artigo 21.º dos Estatutos 
 do INAC, aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 133/98, de 15 de Maio, por violação do 
 n.º 2 do artigo 47.º da Constituição, por igualdade de razão, e tendo em conta a 
 identidade das normas, deve ser julgado que n.º 1 do artigo 13.º dos Estatutos 
 do ICERR, aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 237/99, de 25 de Junho, é 
 inconstitucional, por violação do n.º 2 do artigo 47.º da Constituição.”
 
  
 
                                     1.6. A recorrida A. contra‑alegou, 
 sustentando a inadmissibilidade do recurso quer com base na alínea g) (por 
 falta de identidade entre a norma do artigo 13.º dos Estatutos do ICERR e as 
 normas julgadas inconstitucionais pelos Acórdãos n.ºs 140/2002, 147/2002, 
 
 310/2002, 406/2003 e 61/2004), quer com base na alínea b) (por não ter sido 
 suscitada, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma aplicada na 
 decisão recorrida) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, e, caso se venha a conhecer 
 do objecto do recurso, propugnando a sua improcedência, basicamente por entender 
 que, não estando em causa uma relação jurídica de emprego público, mas um 
 contrato individual de trabalho de direito privado, não ter cabimento a 
 invocação da violação do comando do artigo 47.º, n.º 2, da CRP, que determina 
 que o acesso à função pública se deve processar em condições de igualdade e 
 liberdade, em regra por via de concurso.
 
                                     Para sustentar a inadmissibilidade do 
 recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC aduziu 
 a recorrida que:
 
  
 
 “Para o Tribunal Constitucional poder conhecer do objecto do presente recurso é 
 necessário que a questão da constitucionalidade tenha sido suscitada de modo 
 processualmente adequado, ou seja, quando tenha sido indicada a norma que se 
 considera inconstitucional ou que se indique o princípio ou a norma 
 constitucional alegadamente violados e se apresente uma fundamentação da 
 inconstitucionalidade arguida.
 Salvo melhor entendimento e da leitura cuidada das várias alegações do réu, não 
 nos parece que a questão da inconstitucionalidade tenha sido correctamente 
 suscitada nos autos. 
 Efectivamente, o recorrente não suscitou durante o processo essa 
 inconstitucionalidade, como tudo melhor resulta da leitura das suas alegações de 
 recurso.
 Com efeito, o réu limitou‑se a invocar a inconstitucionalidade da norma do 
 artigo 44.º do Decreto‑Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e do artigo 13.º dos 
 Estatutos do ICERR no requerimento de reforma do acórdão recorrido, sem que 
 anteriormente a tenha suscitado nos autos.
 Acresce ainda que o recorrente apenas no recurso de revista suscitou a questão 
 da alegada aplicabilidade do regime previsto no Decreto‑Lei n.º 427/89, de 7 de 
 Dezembro, à relação contratual estabelecida entre autora e réu, sendo certo que, 
 nem na primeira instância, nem na alegação do recurso de apelação invocou tal 
 possibilidade, como tudo melhor consta da contestação e alegações de recurso.
 Alegando que «admitindo‑se a conversão do contrato a termo em contrato sem 
 termo, a constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública 
 viola o princípio constitucional de acesso igualitário e não discricionário à 
 função pública e a regra do concurso (artigo 47.º, n.º 2, da Constituição)».
 Ora, resulta de todo o exposto que o réu, nas suas alegações de recurso de 
 revista, não suscitou correctamente a inconstitucionalidade normativa, pois 
 limitou‑se a afirmar de modo muito vago e abstracto que uma dada interpretação 
 
 é inconstitucional.
 Nem a alegada inconstitucionalidade quanto à interpretação do citado artigo 13.º 
 dos Estatutos do ICERR coincide com a alegação agora produzida pelo réu, como 
 vimos.
 Nestes termos, deverá ser entendido que o réu não invocou qualquer interpretação 
 objectivamente imprevisível, pelo que o Tribunal Constitucional deverá entender 
 que não foi suscitada de modo adequado a questão da inconstitucionalidade 
 normativa e, assim, decidir não tomar conhecimento do recurso, ao abrigo do 
 disposto no artigo 78.º‑A da LTC.”
 
  
 
                                     1.7. O recorrente respondeu à questão, 
 inovatoriamente suscitada nas contra‑alegações da recorrida, da 
 inadmissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC, sustentando que, quer nas contra‑alegações do recurso de 
 apelação, quer nas alegações do recurso de revista, quer na resposta ao parecer 
 do Ministério Público no STJ, sempre suscitou adequadamente as questões de 
 inconstitucionalidade que pretende ver apreciadas.
 
  
 
                                     Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                                     2. Fundamentação
 
                                     2.1. Relativamente à questão, suscitada pelo 
 relator no Tribunal Constitucional no despacho para produção de alegações, de 
 não conhecimento do recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da LTC, tendo por objecto a norma do artigo 13.º dos Estatutos do ICERR, 
 aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 237/99, de 25 de Junho, por falta de identidade 
 entre essa norma e as normas julgadas ou declaradas inconstitucionais pelos 
 Acórdãos n.ºs 140/2002, 147/2002, 310/2002, 406/2003 e 61/2004, invocados pelo 
 recorrente, já se registou (supra, 1.5.1) ter o recorrente reconhecido a 
 inexistência de identidade entre a norma do artigo 13.º, n.º 1, dos Estatutos do 
 ICERR e as normas tidas por inconstitucionais nos Acórdãos n.ºs 140/2002, 
 
 147/2002 e 310/2002, embora continue a sustentar que entre aquela norma e as 
 normas reputadas inconstitucionais pelos Acórdãos n.ºs 406/2003 e 61/2004, 
 apesar de estas últimas se referirem a outros institutos públicos, existe a 
 aludida identidade, por ser a mesma ou similar a questão de direito, podendo a 
 fundamentação e a decisão destes dois Acórdãos aplicar‑se, por igualdade e/ou 
 maioria de razão, ao caso dos autos.
 
                                     No entanto, como é sabido, a admissibilidade 
 do recurso previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC pressupõe 
 identidade entre a norma aplicada na decisão recorrida e a norma anteriormente 
 julgada ou declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, não 
 bastando que possa ser sustentado que as mesmas razões que levaram este 
 Tribunal a julgar inconstitucional determinada norma justificariam que juízo de 
 igual sentido fosse formulado a propósito da norma aplicada na decisão 
 recorrida. Ora, é manifesto que essa identidade não existe, desde logo pela 
 diversidade dos universos pessoais atingidos, entre, por um lado, a norma do 
 artigo 13.º dos Estatutos do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede 
 Rodoviária, aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 237/99, de 25 de Junho (“1 – O 
 pessoal do ICERR está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de 
 trabalho, com as especificidades previstas nos presentes estatutos e no diploma 
 que o aprova. 2 – As condições de prestação e disciplina de trabalho são 
 definidas em regulamento próprio do ICERR, a aprovar pelo conselho de 
 administração”), aplicada na decisão recorrida, e, por outro lado, a norma do 
 artigo 21.º, n.º 1 (“O pessoal do INAC está sujeito ao regime jurídico do 
 contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas nos presentes 
 Estatutos e seus regulamentos”), conjugada com a do artigo 13.º, n.º 2, alínea 
 l) (“2 – Compete ao conselho de administração: (…) l) Decidir sobre a admissão e 
 afectação dos trabalhadores do INAC e praticar os demais actos relativos à 
 gestão do pessoal e ao desenvolvimento da sua carreira”), dos Estatutos do 
 Instituto Nacional de Aviação Civil, aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 133/98, de 
 
 15 de Maio, que foi declarada inconstitucional pelo Acórdão n.º 406/2003, ou a 
 norma do artigo 22.º do Decreto‑Lei n.º 342/99, de 25 de Agosto, que criou o 
 Instituto Português de Conservação e Restauro (“1 – O pessoal técnico superior 
 e o pessoal destinado a desempenhar funções especializadas em investigação 
 laboratorial para a conservação e restauro poderá ser admitido em regime de 
 contrato individual de trabalho, mediante despacho do Ministro da Cultura. 2 – 
 O pessoal a que se refere o número anterior beneficia do regime geral da 
 previdência e não fica abrangido pelo estatuto da função pública”), que foi 
 declarada inconstitucional pelo Acórdão n.º 61/2004.
 
                                     Não se conhecerá, pois, do recurso 
 interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tendo por 
 objecto a norma do artigo 13.º dos Estatutos do ICERR.
 
  
 
                                     2.2. Sustenta a recorrida a 
 inadmissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC, por, em seu entender, o recorrente não ter correctamente 
 suscitado nos autos a questão de inconstitucionalidade que pretende ver 
 apreciada.
 
                                     Entende‑se não assistir razão à recorrida. A 
 eventualidade de o recorrente não ter suscitado a questão de 
 inconstitucionalidade perante a 1.ª instância ou perante o Tribunal da Relação é 
 de todo irrelevante, bastando que a tenha suscitado adequadamente perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida (o Supremo Tribunal de Justiça) antes 
 da prolação desta decisão.
 
                                     A norma aplicada nesta decisão e cuja 
 conformidade constitucional o recorrente pretende ver sindicada resulta da 
 conjugação dos artigos 41.º, n.º 4, do Decreto‑Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, 
 
 44.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e 13.º dos Estatutos 
 do ICERR, os dois primeiros enquanto permitem a aplicação das disposições 
 estatutárias ao pessoal dos institutos públicos que revistam a forma de 
 serviços personalizados ou de fundos públicos, concretamente enquanto permite a 
 aplicação do artigo 13.º dos Estatutos do ICERR, sujeitando o pessoal do ICERR 
 ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, designadamente na parte 
 em que permite a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos sem 
 termo.
 
                                     A suscitação da inconstitucionalidade desse 
 critério normativo já se podia considerar feita nas contra‑alegações do então 
 recorrido (ora recorrente) no recurso de revista, em que sustentava que o único 
 regime constitucionalmente admissível era o plasmado nas normas do Decreto‑Lei 
 n.º 427/89, designadamente a do seu artigo 43.º, n.º 1, que proíbe a 
 constituição de relações de emprego público com carácter subordinado por forma 
 diferente das previstas no seu artigo 14.º (nomeação, contrato de provimento e 
 contrato de trabalho a termo certo). Mas tal questão foi expressamente 
 suscitada na resposta do recorrente ao parecer da representante do Ministério 
 Público no STJ, ao referir que a interpretação do artigo 44.º do Decreto‑Lei 
 n.º 427/89 inserta nesse parecer “viola o n.º 2 do artigo 47.º da Constituição 
 da República Portuguesa, que determina que o direito de acesso à função pública 
 se deve processar «em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de 
 concurso»”, rebatendo a seguir o argumento de que “face ao disposto no n.º 1 do 
 artigo 13.º dos Estatutos do ICERR, não está em causa uma relação jurídica de 
 emprego público, não tendo, por isso, qualquer cabimento a alegada violação 
 daquele ditame constitucional”, e, após citação das anotações de J. J. Gomes 
 Canotilho / Vital Moreira e de Jorge Miranda / Rui Medeiros ao artigo 47.º da 
 CRP, conclui: “integrando‑se o pessoal do ICERR na função pública, para efeitos 
 do artigo 47.º da Constituição, a possibilidade de conversão dos contratos com 
 termo em contratos sem termo viria ofender de forma intolerável o direito de 
 acesso em condições de igualdade previsto no artigo 47.º, n.º 2, da 
 Constituição”.
 
                                     Tendo esta resposta ao parecer do Ministério 
 Público sido apresentada perante o tribunal recorrido, antes de ele ter 
 proferido a decisão impugnada, tal suscitação é tempestiva e adequada, sendo, 
 assim, de conhecer do objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
 
  
 
                                     2.3. Como é sabido, a questão central 
 objecto do presente recurso já foi objecto de diversas pronúncias deste 
 Tribunal, embora a propósito de outras normas. No Acórdão n.º 61/2004, na 
 sequência dos Acórdãos n.ºs 140/2002 e 406/2003, todos proferidos em sede de 
 fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade e tendo por objecto a 
 questão da admissibilidade da aplicação do regime do contrato individual de 
 trabalho, designadamente quanto à conversão dos contratos de trabalho a termo em 
 contratos sem termo, expendeu‑se:
 
  
 
                                 “6.1. O n.º 2 do artigo 47.º da CRP e a 
 jurisprudência constitucional
 
                                 O mencionado n.º 2 do artigo 47.º da CRP 
 preceitua o seguinte:
 
  
 
               Artigo 47.º
 
               Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública
 
               1. (...)
 
               2. Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em 
 condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.
 
  
 
                   A questão do direito de acesso à função pública e da regra do 
 concurso foi recentemente analisada pelo já citado Acórdão n.º 406/2003, 
 relativo ao Instituto Nacional da Aviação Civil, com argumentação que se reitera 
 e que conduz à emissão de declaração de inconstitucionalidade.
 
                   Como se afirmou no Acórdão n.º 683/99 (Diário da República, II 
 Série, n.º 28, de 3 de Fevereiro de 2000, pág. 2351):
 
  
 
                   «Entre nós, retira‑se do artigo 47.º, n.º 2, da Constituição, 
 como concretização do direito de igualdade no acesso à função pública, um 
 direito a um procedimento justo de recrutamento e selecção de candidatos à 
 função pública, que se traduz, em regra, no concurso (embora não um direito 
 subjectivo de qualquer dos candidatos à contratação – assim, v. recentemente o 
 Acórdão n.º 556/99).
 
                   Este não pode, por outro lado, ser procedimentalmente 
 organizado, ou decidido, em condições ou segundo critérios discriminatórios, 
 conducentes a privilégios ou preferências arbitrárias, pela sua previsão ou pela 
 desconsideração de parâmetros ou elementos que devam ser relevantes (cf., 
 recentemente, o Acórdão n.º 128/99, que fundou no artigo 47.º, n.º 2, da 
 Constituição, embora com votos de vencido quanto à sua aplicação ao caso, um 
 julgamento de inconstitucionalidade da norma do artigo 36.º, alínea c), da Lei 
 n.º 86/89, de 8 de Setembro, na medida em que, para a candidatura a Juiz do 
 Tribunal de Contas, em concurso curricular, não considerava o exercício durante 
 três anos de funções de gestão em sociedades por quotas).
 
                   É certo que o direito de acesso previsto no artigo 47.º, n.º 
 
 2, não proíbe toda e qualquer diferenciação, desde que fundada razoavelmente em 
 valores com relevância constitucional – como exemplos pode referir‑se a 
 preferência no recrutamento de deficientes ou na colocação de cônjuges um junto 
 do outro (assim G. Canotilho/V. Moreira, Constituição..., cit., pág. 265). 
 Poderá discutir‑se se do princípio consagrado no artigo 47.º, n.º 2, resulta, 
 como concretização dos princípios de igualdade e liberdade, que os critérios de 
 acesso (em regra, de decisão de um concurso) tenham de ser exclusivamente 
 meritocráticos, ou se pode conceder‑se preferência a candidatos devido a 
 características diversas das suas capacidades ou mérito, desde que não importem 
 qualquer preferência arbitrária ou discriminatória – assim, por exemplo, o 
 facto de serem oriundos de uma determinada região, ou de terem outra 
 característica (por exemplo, uma deficiência) reputada relevante para os fins 
 prosseguidos pelo Estado.
 
                   Seja como for, pode dizer‑se que a previsão da regra do 
 concurso, associada aos princípios da igualdade e liberdade no acesso à função 
 pública, funda uma preferência geral por critérios relativos ao mérito e à 
 capacidade dos candidatos (de «princípio da prestação» fala a doutrina alemã – 
 v., por exemplo, Walter Leisner, «Das Leistungsprinzip», in idem, Beamtentum, 
 Berlim, 1995, pág. 273 e seguintes –, sendo certo, contudo, que o respectivo 
 texto constitucional é, como vimos, explicitamente mais exigente).
 
                   E o concurso é justamente previsto como regra por se tratar do 
 procedimento de selecção que, em regra, com maior transparência e rigor se 
 adequa a uma escolha dos mais capazes – onde o concurso não existe e a 
 Administração pode escolher livremente os funcionários não se reconhece, assim, 
 um direito de acesso (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. e loc. cits., anotação 
 XI; sobre o fundamento do procedimento concursal, v. também Ana Fernanda Neves, 
 Relação jurídica de emprego público, cit., págs. 147 e seguintes).
 
                   Assim, para respeito do direito de igualdade no acesso à 
 função pública, o estabelecimento de excepções à regra do concurso não pode 
 estar na simples discricionariedade do legislador, que é justamente limitada 
 com a imposição de tal princípio. Caso contrário, este princípio do concurso – 
 fundamentado, como se viu, no próprio direito de igualdade no acesso à função 
 pública (e no direito a um procedimento justo de selecção) – poderia ser 
 inteiramente frustrado. Antes tais excepções terão de justificar-se com base em 
 princípios materiais, para não defraudar o requisito constitucional (assim Gomes 
 Canotilho/Vital Moreira, loc. cit.; Ana F. Neves, ob. cit., págs. 153‑4).»
 
  
 
                                     No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão n.º 
 
 368/2000 (Diário da República, I Série‑A, n.º 277, de 30 de Novembro de 2000, 
 pág. 6886). E, anteriormente, no Acórdão n.º 53/88 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 11.º vol., pág. 303 e seguintes) já se expressara o seguinte 
 entendimento, relativamente ao n.º 2 do artigo 47.º da CRP:
 
  
 
                   «Como decorre do seu próprio enunciado, este preceito 
 compreende três elementos: a) o direito à função pública, não podendo nenhum 
 cidadão ser excluído da possibilidade de acesso, seja à função pública em 
 geral, seja a uma determinada função em particular, por outro motivo que não 
 seja a falta dos requisitos adequados à função (v. g., idade, habilitações 
 académicas e profissionais); b) a regra da igualdade e da liberdade, não 
 podendo haver discriminação nem diferenciações de tratamento baseadas em 
 factores irrelevantes, nem, por outro lado, regimes de constrição atentatórios 
 da liberdade; c) regra do concurso como forma normal de provimento de lugares, 
 desde logo de ingresso, devendo ser devidamente justificados os casos de 
 provimento de lugares sem concurso.»
 
  
 
                   E, neste mesmo acórdão, ainda se acrescentou que «não existe 
 aqui nenhuma garantia de igualdade quando o provimento depende decisivamente de 
 uma escolha discricionária do serviço» e que «é precisamente contra o poder de 
 os serviços escolherem livremente o seu pessoal que se dirigem os princípios 
 constitucionais da igualdade e do concurso no acesso à função pública».
 
                   Ainda quanto à questão do direito de acesso à função pública e 
 da regra do concurso, no já citado Acórdão n.º 683/99 afirmou‑se igualmente que 
 
 «visando assim o concurso possibilitar o exercício do próprio direito de acesso 
 em condições de igualdade, a sua dispensa não pode deixar, como se afirmou, de 
 se basear em razões materiais – isto é, designadamente, em razões relevantes 
 para o cargo para o qual há que efectuar uma escolha (assim, por exemplo, para a 
 escolha de pessoal dirigente, para o qual poderá eventualmente revelar‑se 
 adequada a selecção sem concurso). Considerando esta necessidade de 
 justificação material da postergação da regra do concurso não pode, pois, 
 tirar‑se qualquer argumento do facto de o concurso não ser previsto 
 imperativamente pela Constituição como único meio de acesso à função pública».
 
                   Este Acórdão n.º 683/99 firmou, pois, o entendimento segundo o 
 qual a postergação da regra de concurso carece de uma justificação material, 
 entendimento esse que não foi questionado nos votos de vencido a ele apostos.
 
                   Próxima da apreciação da justificação material da postergação 
 do concurso, situa‑se a argumentação desenvolvida pelo Acórdão n.º 556/99 
 
 (Diário da República, II Série, n.º 63, de 15 de Março de 2000, pág. 4987). 
 Neste acórdão discutiu‑se a questão da conformidade constitucional do disposto 
 na alínea a) dos n.ºs 1 e 2 do artigo 22.º do Decreto‑Lei n.º 46/88, de 11 de 
 Fevereiro, através do qual o legislador permitiu o ingresso nos quadros do 
 Ministério da Defesa Nacional a pessoal que, à data de 31 de Dezembro de 1987, 
 não tendo a qualificação legal de funcionário, quisesse obtê‑la; e, a propósito 
 de tal questão, afirmou‑se no citado aresto:
 
  
 
                   «No entanto, o direito de acesso à função pública não é um 
 direito de exercício incondicionado. 
 
                   O n.º 2 do artigo 47.º da Constituição estabelece a regra do 
 concurso público, que será realizado sempre que as necessidades de 
 preenchimento de lugares de quadro se verificarem. Este concurso é uma forma de 
 selecção de candidatos, em função das aptidões demonstradas, não se podendo 
 afirmar, à partida, o direito subjectivo de qualquer dos candidatos à 
 contratação.
 
                   Da norma constitucional também não decorre uma exigência 
 absoluta de realização de concurso, em todos os casos, para o acesso à função 
 pública.
 
                   O artigo 6.º do Decreto‑Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro 
 
 (diploma que aprova instrumentos de mobilidade nos serviços da Administração 
 Pública), proíbe, como regra, que, nos casos de criação ou alteração de quadros 
 de pessoal, se estabeleçam ‘promoções automáticas ou reclassificações de 
 pessoal’ (alínea a)) ou ‘integração directa em lugares de quadro a pessoal que 
 não tenha a qualidade de funcionário ou que, sendo agente, não desempenhe 
 funções em regime de tempo completo, não se encontre sujeito à disciplina, 
 hierarquia e horário do respectivo serviço e conte menos de três anos de 
 serviço ininterrupto’ (alínea b)).
 
                   Esta norma é uma concretização do imperativo constitucional do 
 recurso ao concurso público para preenchimento de lugares nos quadros da 
 função pública, em atenção, precisamente, ao respeito pela igualdade de 
 oportunidades dos candidatos e à transparência nas relações jurídicas 
 administrativas. 
 
                   O artigo 22.º do Decreto‑Lei n.º 46/88 surge como uma 
 derrogação a este regime. Derrogação, porém, que, como se demonstrou, obedece 
 a imperativos de interesse público e à qual subjaz um critério objectivo, não 
 incompatível com a Constituição. A desigualdade no tratamento legislativo das 
 situações, ou seja, na fixação dos critérios de acesso aos quadros de 
 funcionários do Ministério da Defesa Nacional, tem uma base 
 constitucionalmente aceitável, que justifica a excepção à regra da realização do 
 concurso público.»
 
  
 
                   6.2. O n.º 2 do artigo 47.º da CRP e a celebração de contratos 
 individuais de trabalho
 
                   A primeira linha de argumentação da resposta do 
 Primeiro‑Ministro assenta na ideia de que o n.º 2 do artigo 47.º se destina à 
 função pública, interpretando esta expressão no sentido de a limitar ao 
 universo dos elementos ao serviço da Administração Pública a que corresponda o 
 qualificativo de funcionário público, com exclusão dos agentes não 
 funcionários e dos demais trabalhadores da Administração Pública não 
 funcionários nem agentes.
 
                   Seguindo, uma vez mais, a argumentação desenvolvida no Acórdão 
 n.º 406/2003, recordar‑se‑á que uma solução intermédia parece ser defendida por 
 J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, quando referem (Constituição da República 
 Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, pág. 264, nota VIII ao artigo 
 
 47.º):
 
  
 
                   «A definição constitucional do conceito de função pública 
 suscita alguns problemas, dada a diversidade de sentidos com que as leis 
 ordinárias utilizam a expressão e dada a pluralidade de critérios (funcionais, 
 formais) defendidos para a sua caracterização material. Todavia, não há razões 
 para contestar que o conceito constitucional corresponde aqui ao sentido amplo 
 da expressão em direito administrativo, designando qualquer actividade exercida 
 ao serviço de uma pessoa colectiva pública (Estado, região autónoma, autarquia 
 local, instituto público, associação pública, etc.), qualquer que seja o regime 
 jurídico da relação de emprego (desde que distinto do regime comum do contrato 
 individual de trabalho), independentemente do seu carácter provisório ou 
 definitivo, permanente ou transitório.»
 
  
 
                   No entanto, Vital Moreira, mais tarde, viria a pronunciar‑se 
 em sentido mais amplo (Projecto de lei‑quadro dos institutos públicos, 
 Relatório Final e Proposta de Lei‑Quadro, Grupo de Trabalho para os Institutos 
 Públicos, Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública, Fevereiro 
 de 2001, n.º 4, pág. 50, nota ao artigo 45.º), adoptando uma posição que tem 
 também sido defendida pelo Tribunal Constitucional, ao ponderar que:
 
  
 
                   «No entanto, mesmo quando admissível o regime do contrato de 
 trabalho, nem a Administração Pública pode considerar‑se uma entidade patronal 
 privada nem os trabalhadores podem ser considerados como trabalhadores comuns.
 
                   No que respeita à Administração, existem princípios 
 constitucionais válidos para toda a actividade administrativa, mesmo a de 
 
 «gestão privada», ou seja, submetida ao direito privado. Entre eles contam‑se a 
 necessária prossecução do interesse público, bem como os princípios da 
 igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé 
 
 (artigo 266.º, n.º 2, da Constituição), todos eles com especial incidência na 
 questão do recrutamento do pessoal.
 
                   Além disso, estabelecendo a Constituição que ‘todos os 
 cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e 
 liberdade, em regra por via de concurso’ (CRP, artigo 47.º, n.º 2), seria 
 naturalmente uma verdadeira fraude à Constituição se a adopção do regime de 
 contrato individual de trabalho incluísse uma plena liberdade de escolha e 
 recrutamento dos trabalhadores da Administração Pública com regime de direito 
 laboral comum, sem qualquer requisito procedimental tendente a garantir a 
 observância dos princípios da igualdade e da imparcialidade.»
 
  
 
                   Estas últimas considerações afiguram‑se inteiramente 
 procedentes, principalmente quando, como é o caso, o regime laboral do 
 contrato individual de trabalho se reporta a um instituto público que mais não é 
 que um serviço público personalizado.
 
                   Com efeito, a exigência constitucional de «acesso à função 
 pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso» 
 apresenta duas vertentes. Por um lado, numa vertente subjectiva, traduz um 
 direito de acesso à função pública garantido a todos os cidadãos; por outro 
 lado, numa vertente objectiva, constitui uma garantia institucional destinada a 
 assegurar a imparcialidade dos agentes administrativos, ou seja, que «os 
 trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras 
 entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público» (n.º 1 
 do artigo 269.º da CRP). Na verdade, procedimentos de selecção e recrutamento 
 que garantam a igualdade e a liberdade de acesso à função pública têm também a 
 virtualidade de impedir que essa selecção e recrutamento se façam segundo 
 critérios que facilitariam a ocupação da Administração Pública por cidadãos 
 exclusiva ou quase exclusivamente afectos a certo grupo ou tendência, com o 
 risco de colocarem a mesma Administração na sua dependência, pondo em causa a 
 necessidade de actuação «com respeito pelos princípios da igualdade, da 
 proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé» (n.º 2 do artigo 
 
 266.º da CRP).
 
                   Esta perspectiva é particularmente importante quando se trate 
 de recrutamento e selecção de pessoal para entidades que exerçam materialmente 
 funções públicas, como acontece com o IPCR (cf., supra, 4.1).
 
                   A afirmação anterior não é desmentida pelo facto de o pessoal 
 técnico superior e o pessoal destinado a desempenhar funções especializadas em 
 investigação laboratorial para a conservação e restauro, ao contrário do 
 restante pessoal do Instituto, ser admitido em regime de contrato individual 
 de trabalho (artigo 22.º, n.º 1, do Decreto‑Lei em análise). De facto, e se bem 
 que se possa admitir que aquele regime se poderá adaptar melhor à situação do 
 pessoal técnico especializado (embora não de todo o pessoal técnico superior), 
 em virtude da sazonalidade e especificidade das tarefas que é chamado a 
 desempenhar, não podemos ignorar que, no decurso da sua actividade, também 
 poderá estar em causa o exercício de poderes de autoridade estadual, 
 nomeadamente, os poderes de superintendência e de certificação acima 
 mencionados.
 
                   Consequentemente, as atribuições e a natureza do IPCR, bem 
 como as funções cometidas aos seus órgãos e agentes justificam inteiramente que 
 ao recrutamento e selecção do seu pessoal, ainda que sujeito ao contrato 
 individual de trabalho, se apliquem as garantias de liberdade e igualdade de 
 acesso que se encontram fixadas no n.º 2 do artigo 47.º da Constituição.
 
                   Ainda que se entenda que para o recrutamento de pessoal 
 sujeito ao regime do contrato individual de trabalho se não justifica a 
 realização de um concurso público, nem por isso se pode deixar de reconhecer 
 que a selecção e o recrutamento desse pessoal deverá sempre ter lugar através de 
 procedimentos administrativos que assegurem a referida liberdade e igualdade de 
 acesso.
 
                   A recente Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro (Lei quadro dos 
 institutos públicos), no seu artigo 34.º, sob a epígrafe Pessoal, veio 
 justamente dispor:
 
  
 
                   «1 – Os institutos públicos podem adoptar o regime do contrato 
 individual de trabalho em relação à totalidade ou parte do respectivo pessoal, 
 sem prejuízo de, quando tal se justificar, adoptarem o regime jurídico da função 
 pública.
 
                   2 – O pessoal dos institutos públicos estabelece uma relação 
 jurídica de emprego com o respectivo instituto.
 
                   3 – O recrutamento do pessoal deve, em qualquer caso, observar 
 os seguintes princípios:
 
                   a) Publicitação da oferta de emprego pelos meios mais 
 adequados;
 
                   b) Igualdade de condições e oportunidades dos candidatos;
 
                   c) Fundamentação da decisão tomada.
 
                   4 – Nos termos do artigo 269.º da Constituição, a adopção do 
 regime da relação individual de trabalho não dispensa os requisitos e limitações 
 decorrentes da prossecução do interesse público, nomeadamente respeitantes a 
 acumulações e incompatibilidades legalmente estabelecidas para os funcionários 
 e agentes administrativos.
 
                   (...).»
 
  
 
                   Tratou‑se da generalização para todos os institutos públicos 
 de soluções que já vinham sendo adoptadas pelo legislador, como, por exemplo, no 
 Decreto‑Lei n.º 59/2002, de 15 de Março, que criou o Instituto Geográfico 
 Português (vide o n.º 6 do artigo 46.º dos Estatutos por ele aprovados), e no 
 Decreto‑Lei n.º 96/2003, de 7 de Maio, que criou o Instituto do Desporto de 
 Portugal (vide o artigo 33.º dos Estatutos por ele aprovados), o que demonstra 
 que não existe qualquer incompatibilidade entre o regime do contrato individual 
 de trabalho e a definição de garantias de liberdade e igualdade no acesso ao 
 exercício de funções nos institutos públicos.
 
                   Em suma: as normas em causa, na medida em que prevêem uma 
 plena liberdade de selecção e recrutamento do pessoal técnico superior e do 
 pessoal técnico especializado do instituto público em apreço, sem estabelecerem 
 qualquer requisito procedimental tendente a garantir a observância dos 
 princípios da liberdade e da igualdade de acesso à função pública, colidem com 
 o preceituado no n.º 2 do artigo 47.º da CRP.
 
  
 
                   6.3. A eventual existência de justificação material para um 
 regime de excepção
 
                   Como vimos, sustentou o Primeiro‑Ministro que existem aqui 
 específicas razões materiais que se apresentam como bastantes para se admitir a 
 dispensa do concurso público. Tais razões consistiriam na especial natureza, 
 pontualidade, sazonalidade e especificidade das funções a desempenhar, 
 conjugadas com as exigências da preservação, defesa e valorização da herança 
 patrimonial.
 
                   Ainda que assim seja, estas razões não colhem no que respeita 
 ao pessoal técnico superior, uma vez que estão em causa tarefas de gestão de 
 recursos humanos, biblioteca e documentação, arquivo, consultadoria jurídica e 
 informática, para os quais não se vislumbram quaisquer especificidades ou 
 sazonalidade justificativas da dispensa de concurso público (veja-se o mapa 
 anexo à Portaria n.º 288/2003, de 3 de Abril, que aprova o quadro de pessoal do 
 IPCR – cf., supra, 4.2).
 
                   Já quanto ao pessoal técnico especializado em conservação e 
 restauro (superior ou não), se as razões alegadas pelo Primeiro‑Ministro se 
 podem apresentar como procedentes para a opção pelo regime do contrato 
 individual de trabalho, e eventualmente mesmo para se não prever que o 
 recrutamento e selecção devessem ser efectuados por concurso público, o que 
 elas não podem justificar é a ausência de quaisquer regras e procedimentos 
 tendentes a assegurar que o acesso tenha lugar com efectivas garantias de 
 liberdade e igualdade. Efectivamente, as qualidades técnicas que deverão 
 constituir critério essencial de selecção do pessoal técnico especializado são, 
 em grande medida, objectivamente avaliáveis, pelo que não se compreende a 
 postergação daquelas regras.
 
                   De facto, se é verdade que este Tribunal definiu o 
 entendimento segundo o qual a regra do concurso pode ser postergada, caso exista 
 uma justificação material, uma vez que o n.º 2 do artigo 47.º apenas determina 
 que o recurso ao concursos deve ter lugar em regra, já se não descortinam nem 
 credencial constitucional nem, no caso vertente, quaisquer interesses que 
 pudessem determinar a eventual existência de motivos conducentes ao 
 afastamento de um recrutamento baseado em critérios que assegurem a liberdade e 
 igualdade de acesso à função pública.”
 
  
 
                                     Estas considerações são inteiramente 
 transponíveis para o caso do presente recurso, sendo inquestionável que o 
 instituto em causa está investido de poderes de autoridade (cf., designadamente, 
 o n.º 3 do artigo 5.º do Decreto‑Lei n.º 237/99), e não se vislumbra nenhuma 
 razão válida, nomeadamente face à especificidade das funções desempenhadas, para 
 subtrair todo o seu pessoal, e especificamente a categoria profissional da ora 
 recorrida, à regra do concurso.
 
                                     Não se ignora que, entre a matéria de facto 
 provada, consta que “a autora foi contratada na sequência de um processo de 
 avaliação de currículos dos candidatos, com entrevista de selecção” (n.º 8). No 
 entanto, para além de o critério normativo seguido no acórdão recorrido (e é 
 sobre esse que há-de incidir o juízo de constitucionalidade deste Tribunal) ter 
 considerado de todo irrelevante a existência, ou não, de procedimentos 
 objectivos de selecção do pessoal a contratar, o certo é aquele facto provado é 
 insuficiente (por nada revelar, por exemplo, sobre a prévia publicitação da 
 existência da vaga) para dar por adquirido que o procedimento em concreto 
 seguido tenha efectivamente garantido a todos os potenciais candidatos o acesso 
 ao cargo “em condições de liberdade e igualdade”. Competirá, naturalmente, ao 
 tribunal recorrido, ao proceder à reformulação da sua decisão, e se tal lhe for 
 processualmente permitido, apurar se, em concreto, estas condições terão sido 
 respeitadas, hipótese em que, adoptando então – como lhe é lícito – critério 
 normativo distinto do ora julgado inconstitucional, não está à partida excluída 
 a possibilidade de vir a julgar não inconstitucional esse novo critério.
 
  
 
                                     3. Decisão
 
                                     Em face do exposto, acordam em:
 
                                     a) Julgar inconstitucional, por violação do 
 artigo 47.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída da 
 conjugação dos artigos 41.º, n.º 4, do Decreto‑Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, 
 
 44.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e 13.º dos Estatutos 
 do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR,), 
 aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 237/99, de 25 de Junho, interpretados no sentido 
 de permitirem a contratação de pessoal sujeito ao regime jurídico do contrato 
 individual de trabalho, designadamente na parte em que permite a conversão de 
 contratos de trabalho a termo em contratos sem termo, sem imposição de 
 procedimento de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta 
 o acesso em condições de liberdade e igualdade; e, em consequência,
 
                                     b) Conceder provimento ao recurso, 
 determinando‑se a reformulação da decisão recorrida em conformidade com o 
 precedente juízo de inconstitucionalidade.
 
                                     Custas pela recorrida, fixando‑se a taxa de 
 justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 11 de Julho de 2007.
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Silva Rodrigues
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos