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Processo n.º 825/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
     Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                                  1. A. apresentou reclamação para a 
 conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 
 de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 16 de Setembro de 
 
 2006, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, 
 não conhecer do objecto do recurso.
 
  
 
                                  1.1. A decisão sumária reclamada tem o seguinte 
 teor:
 
  
 
                  “1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), aprovada pela 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 
 
 13‑A/98, de 26 de Fevereiro, referindo no respectivo requerimento de 
 interposição que:
 
  
 
      «– Pretende‑se ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 127.º do 
 Código de Processo Penal, por flagrante violação do princípio da presunção de 
 inocência, no caso da condenação de um co‑arguido com apelo à livre apreciação 
 da prova, mas com base exclusivamente nas declarações de um outro co‑arguido, 
 não corroboradas objectivamente;
 
      – a aplicação, nas referidas circunstâncias, do princípio da livre 
 apreciação da prova, contido na referida norma do artigo 127.º, viola o 
 disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 32.º da Constituição e os princípios 
 constitucionais que lhes estão subjacentes;
 
      – a questão de inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, no recurso 
 interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa da decisão proferida em 1.ª 
 instância, pela 4.ª Vara Criminal de Lisboa, e no recurso interposto para o 
 Supremo Tribunal de Justiça da decisão que confirmou o correspondente acórdão.
 
      – Pretende‑se ver apreciada, ainda, a inconstitucionalidade do artigo 
 
 434.º, conjugado com o artigo 426.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, 
 por violação do n.º 5 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa;
 
      – a questão de inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, no pedido de 
 nulidade da decisão proferida em recurso nos mesmos, pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça.»
 
  
 
                  A recorrente não identifica explicitamente as decisões do STJ 
 de que pretende interpor recurso para o Tribunal Constitucional, mas do 
 referido requerimento de interposição resulta que pretenderá recorrer:
 
                  – quer do acórdão de 12 de Julho de 2006 (fls. 4084 a 4128), 
 que negou provimento ao recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 
 
 22 de Fevereiro de 2006 (fls. 3924 a 3982), que, concedendo parcial provimento 
 ao recurso do Ministério Público e negando provimento ao recurso dos arguidos, 
 aditou à pena fixada na 1.ª instância à ora recorrida (pena única de 4 anos e 6 
 meses de prisão, pela prática, em co‑autoria material, de um crime de extorsão, 
 sob a forma tentada, de um crime de corrupção passiva para acto ilícito e de um 
 crime de violação de segredo de justiça), a sanção acessória de proibição de 
 exercício de funções pelo período de 5 anos;
 
                  – quer do acórdão (que a recorrente erradamente designa por 
 
 «despacho») de 6 de Setembro de 2006 (fls. 4169 a 4181), que indeferiu arguição 
 de nulidade do precedente acórdão.
 
                  O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator do STJ, decisão 
 que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, 
 da LTC) e, de facto, entende‑se que o recurso em causa é inadmissível, o que 
 possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do 
 disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
 
  
 
                  2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, 
 a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, 
 hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o 
 sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de 
 inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si 
 mesmas consideradas, ou a condutas ou omissões processuais. A distinção entre 
 os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa 
 daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na 
 primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério 
 normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter 
 de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações, 
 enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios 
 normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
 
                  Tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 
 
 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade 
 depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, 
 em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), 
 e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das 
 dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente. Aquele 
 primeiro requisito (suscitação da questão de inconstitucionalidade perante o 
 tribunal recorrido, antes de proferida a decisão impugnada) só se considera 
 dispensável nas situações especiais em que, por força de uma norma legal 
 específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão 
 recorrida, ou naquelas situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que o 
 recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de 
 constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou em que, tendo 
 essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de 
 constitucionalidade.
 
                  Constitui jurisprudência reiterada deste Tribunal 
 Constitucional que o apontado requisito só se pode considerar preenchido se a 
 questão de constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal 
 recorrido ter proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se 
 esgota, em princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido 
 uniformemente entendido que, proferida a decisão final, a arguição da sua 
 nulidade ou o pedido da sua aclaração, rectificação ou reforma não constituem 
 já meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade, pois a eventual 
 aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa 
 de nulidade da decisão judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve 
 
 «lapso manifesto» do juiz quer na determinação da norma aplicável, quer na 
 qualificação jurídica dos factos, nem desconsideração de elementos constantes 
 do processo que implicassem necessariamente, só por si, decisão diversa da 
 proferida. E também, por maioria de razão, não constitui meio adequado de 
 suscitar a questão de constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, 
 no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade ou nas 
 respectivas alegações.
 
  
 
                  3. Recordados estes critérios, constata‑se que, no caso, não se 
 verificam os específicos requisitos de admissibilidade do recurso interposto: 
 adequada suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa perante o 
 tribunal recorrido e aplicação por este, como ratio decidendi, das dimensões 
 normativas arguidas de inconstitucionais.
 
  
 
                  3.1. Antes de mais, importa sublinhar que, resultando do artigo 
 
 72.º, n.º 2, da LTC que só são atendíveis as questões de inconstitucionalidade 
 suscitadas perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, há apenas que 
 considerar – para verificação do cumprimento do referido ónus de suscitação – 
 as peças processuais endereçadas pela recorrente a esse tribunal (no caso: a 
 motivação do recurso contra o acórdão condenatório da Relação e a arguição de 
 nulidade do acórdão do STJ que negou provimento a esse recurso), e já não as 
 peças produzidas perante as instâncias inferiores, razão pela qual é descabida a 
 menção, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional, à motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação 
 como sendo uma das peças onde foram suscitadas as questões de 
 inconstitucionalidade que se pretendiam ver apreciadas.
 
                  Aliás, no caso, a questão de inconstitucionalidade suscitada 
 perante o Tribunal da Relação a propósito do artigo 127.º do Código de Processo 
 Penal (CPP) é distinta da questão que, se bem que reportada ao mesmo preceito, 
 foi suscitada perante o STJ e vem identificada no requerimento de interposição 
 do presente recurso. Perante a Relação, a recorrente sustentou dever «ser 
 considerada inconstitucional a norma do artigo 127.º do Código de Processo 
 Penal caso no confronto exclusivo entre dois depoimentos caracterizados da forma 
 como são os de ambos os arguidos, B. e A., na presente decisão, o primeiro 
 hesitante, atabalhoado e interessado, o segundo coerente, decidido e 
 desinteressado, se decida a contenda, com base na livre apreciação da prova e 
 convicção do juiz, a favor do primeiro, por flagrante violação do princípio da 
 presunção de inocência, com consagração constitucional, no artigo 32.º da 
 Constituição da República Portuguesa» (conclusão 36.ª da motivação do recurso 
 para a Relação); perante o STJ a recorrente pretendeu que fosse «declarada a 
 inconstitucionalidade da norma contida no artigo 127.º do Código de Processo 
 Penal, se interpretada no sentido de, no confronto exclusivo entre depoimentos 
 não corroborados objectivamente de dois ou mais co‑arguidos, se decida a 
 contenda a favor de um deles relativamente a factos imputados aos restantes, 
 com base na aplicação do princípio da livre apreciação da prova e convicção do 
 juiz, por flagrante violação do princípio da presunção de inocência e in dubio 
 pro reo constitucionalmente consagrados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 32.º da 
 Constituição da República Portuguesa» (alínea d) da parte final da motivação do 
 recurso para o STJ); e no requerimento de interposição de recurso para o 
 Tribunal Constitucional pretende que seja apreciada «a inconstitucionalidade do 
 artigo 127.º do Código de Processo Penal, por flagrante violação do princípio da 
 presunção da inocência, no caso da condenação de um co‑arguido com apelo à 
 livre apreciação da prova, mas com base exclusivamente nas declarações de um 
 outro co‑arguido, não corroboradas objectivamente». Nas duas últimas peças 
 processuais, a recorrente radica a inconstitucionalidade na fundamentação da 
 condenação penal exclusivamente nas declarações de co‑arguido não corroboradas 
 objectivamente, enquanto perante a Relação o que questionou foi a decisão 
 judicial de atribuir mais valor ao depoimento «hesitante, atabalhoado e 
 interessado» de um co‑arguido, em detrimento do depoimento «coerente, decidido e 
 desinteressado» de outro co‑arguido. Não há, pois, que conhecer da questão 
 colocada perante a Relação e não reproduzida perante o STJ, questão essa que, 
 aliás, sempre seria de considerar manifestamente inconsistente, quer porque 
 reportada directamente à conformidade constitucional da decisão judicial de 
 valoração das provas, então impugnada, em si mesma considerada, e não a 
 qualquer critério normativo, quer porque, conforme o subsequente acórdão do 
 Tribunal da Relação de Lisboa explicou, a motivação da decisão da 1.ª instância 
 não comporta o sentido que a recorrente lhe imputou, pois, para além da 
 caracterização da forma de prestação dos depoimentos dos arguidos (que, aliás, 
 não se cingiu à adjectivação invocada pela recorrente), procedeu à análise e 
 valoração dos respectivos conteúdos e respectiva eficácia probatória, 
 justificando, de modo coerente, claro e suficiente, a maior credibilidade 
 conferida a um deles.
 
  
 
                  3.2. Limitando‑nos, como cumpre, às peças produzidas pela 
 recorrente perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, e começando pela 
 motivação do recurso para o STJ, a recorrente – elencando as seguintes quatro 
 questões como integrando o objecto do recurso: I – Vício de raciocínio, por 
 simpatia, na apreciação da prova, evidenciado pela simples leitura do texto da 
 decisão (...), relativamente ao crime de extorsão na forma tentada; II – 
 Nulidade, por omissão de pronúncia (...), relativamente ao crime de corrupção 
 passiva; III – Inconstitucionalidade do artigo 127.º do Código de Processo 
 Penal, por flagrante violação do princípio da presunção de inocência, no caso de 
 condenação de um co‑arguido com apelo à livre apreciação da prova, mas com base 
 exclusivamente nas declarações de um outro co‑arguido, não corroboradas 
 objectivamente; IV – A sanção acessória aplicada), aduziu o seguinte, quanto à 
 terceira questão:
 
  
 
 «III – A invocada inconstitucionalidade.
 
      O fenómeno probatório encontra‑se imbuído de uma série de comandos 
 destinados a garantir a conformidade do procedimento às regras do 
 Estado‑de‑Direito.
 Admitida, como já foi, esta particular e problemática fonte de conhecimento – o 
 depoimento do co‑arguido – como meio de prova pelo nosso ordenamento jurídico e 
 a necessidade imperiosa e categórica da sua corroboração objectiva, como 
 critério indispensável à sua valoração, não temos dúvida que, como já foi 
 referido, apenas à luz dos preceitos constitucionais conformadores da lei 
 processual‑penal se poderão ultrapassar as dificuldades que decorrem do seu 
 funcionamento, no quadro da livre apreciação da prova.
 De facto, tornando‑se impossível exigir de tal depoimento, espontaneidade, 
 constância, univocidade e desinteresse, sem esquecer, no caso em apreço, o 
 comando contido no n.º 3 do artigo 372.º do Código Penal, deverá o julgador, 
 estando em causa a utilização desse mesmo depoimento, como prova decisiva na 
 condenação de um co‑arguido, submeter a sua convicção a uma severa crítica, com 
 apelo directo às normas constitucionais que garantem os direitos de todo aquele 
 que é perseguido criminalmente, nomeadamente e com especial relevância no que 
 respeita à presunção da sua inocência.
 Tal não sucedeu.
 Assim, não podendo jamais implicar o arbítrio, ou sequer a decisão irracional, 
 puramente impressionista‑emocional, nas palavras de Castanheira Neves, o 
 princípio da livre apreciação da prova será sempre, neste contexto, sindicável 
 por esse Supremo Tribunal de Justiça, mesmo quando, de forma aparente, se 
 verificarem preenchidos os requisitos e formalismos constantes do artigo 374.º, 
 n.º 2, do Código de Processo Penal.
 No caso em apreço, não se verificaram, como se disse, preenchidos tais 
 requisitos e formalismos, já que, na ausência de quaisquer elementos 
 corroborantes, foi a decisão da matéria de facto toda ela fundada, como se 
 demonstrou, e tão‑só, numa clara e motivada simpatia do julgador pelo 
 depoimento do co‑arguido B., convicção que admitimos séria e verdadeira, mas 
 ilegítima no confronto com as exigências constitucionais de um Estado de Direito 
 Democrático.
 E é neste sentido que a alegada inconstitucionalidade, para além de todos os 
 restantes vícios de que, nos termos do recurso interposto, enferma a decisão 
 proferida pelo Colectivo da 4.ª Vara Criminal de Lisboa, deveria ter sido 
 reconhecida pelo Tribunal a quo, com as devidas e requeridas consequências em 
 sede de decisão penal, devendo, pelas mesmas razões, sê‑lo, agora, por esse 
 Supremo Tribunal de Justiça.
 
 (…)
 Conclusões:
 
      1.º – A arguida e ora recorrente foi condenada pelos crimes de extorsão, na 
 forma tentada, corrupção passiva para acto ilícito e na pena acessória de 
 suspensão de função, por um período de cinco anos, com base em toda uma 
 factualidade dita provada com fundamento exclusivo no depoimento do co‑arguido, 
 B..
 
      2.º – Depoimento não corroborado objectiva e relativamente a todos os 
 factos que imputou à ora recorrente e que conduziram à sua condenação pela 
 prática dos referidos crimes.
 
      3.º – Traduzindo de modo muito particular a regra da corroboração uma 
 exigência acrescida de fundamentação, deverá a sua falta merecer a censura de 
 uma fundamentação insuficiente, sendo nula a decisão assim proferida, nos termos 
 do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal.
 
      4.º – Ferida, ainda, de [in]constitucionalidade, nos termos devidamente 
 expressos na motivação de recurso e que aqui se reproduzem para todos os 
 efeitos,
 
      5.º – Dada a imprescindível convocação dos princípios constitucionais que 
 condicionam a estrutura acusatória do processo, na observância dos comandos 
 destinados a garantir a conformidade do procedimento probatório às regras de um 
 Estado de Direito Democrático.
 
      6.º – Nomeadamente, presumindo‑se sempre a inocência de qualquer arguido 
 em processo penal, nos termos do artigo 32.º da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
      7.º – Sendo‑lhe sempre e sem qualquer excepção favorável a dúvida,
 
      8.º – Enquanto objecto de imputação, não corroborada objectivamente, de 
 factos que veementemente negou, por força e na sequência do depoimento de um 
 co‑arguido no mesmo processo.
 
 9.º – O Tribunal a quo errou de forma evidente, na decisão proferida sobre a 
 matéria de facto nos pontos 16, 17, 18 e 19.
 
 10.º – Erro que resulta do texto da própria decisão em 1.ª instância e, por 
 simpatia, na ora recorrida.
 
 11.º – Por ser patente que, ao contrário do que sustentou em apoio da posição 
 manifestada pelo Ministério Público, constar de forma tácita do ponto 19 o facto 
 de a arguida e ora recorrente ter desviado a missiva ali em causa, guardando‑a 
 num cacifo, longe do olhar de quem quer que seja, com o intuito de mais tarde a 
 utilizar em seu próprio proveito.
 
 12.º – Constituindo tal vício erro notório na apreciação da prova e tornando 
 nula a decisão nesse preciso aspecto, nos termos da alínea e) do n.º 2 do artigo 
 
 410.º do Código de Processo Penal.
 
 13.º – Com as devidas consequências na decisão penal proferida, dada a 
 essencialidade de toda a matéria em causa na condenação proferida, 
 relativamente ao crime de extorsão, na forma tentada.
 
 14.º – Entendeu a recorrente no seu recurso para o Tribunal a quo 
 incorrectamente julgados os factos relativos ao caso C., concretamente os 
 vertidos nos pontos 29 a 38, 69, 71, 77, 81, 82 e 85.
 
 15.º – O Tribunal a quo assim não entendeu, mas não concretizou minimamente tal 
 entendimento,
 
 16.º – Apenas transcreveu a decisão da 1.ª instância, afirmando possuir estas 
 todas as virtudes de uma fundamentada decisão.
 
 17.º – O que manifestamente não chega em termos do cumprimento do dever de 
 pronúncia, mau grado a referência feita de modo genérico para uma determinada e 
 delimitada parte, aliás longa e diversificada, da decisão transcrita.
 
 18.º – Ao invés de – parafraseando a decisão desse Supremo Tribunal de Justiça 
 transcrita na supra motivação – concretizar a afirmação de que o Colectivo 
 testara o depoimento do co‑arguido B. com outros meios de prova, indicando ou 
 precisando, justamente, quais tinham sido esses meios de prova.
 
 19.º – Devendo, por consequência, declarar‑se nula a decisão ora recorrida por 
 omissão de pronúncia, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código 
 de Processo Penal.
 
 20.º – De qualquer forma, sendo patente a total ausência de corroboração do 
 depoimento do co‑arguido B. em toda a referida factualidade, bem como de 
 qualquer outro meio de prova que a sustente, com especial relevância do facto, 
 sempre negado pela arguida e ora requerente, relativo à entrega do relatório da 
 Inspecção‑Geral de Finanças,
 
 21.º – Deverá ser considerada de todo infundamentada a decisão da matéria de 
 facto no referido contexto,
 
 22.º – Vício não apenas fatal para a decisão, nos termos do n.º 2 do artigo 
 
 374.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º, ambos do Código de Processo Penal,
 
 23.º – Mas que determina a sua completa invalidade, nos termos da invocada 
 inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais que 
 constituem o verdadeiro crivo por onde deverá passar a aferição dos limites 
 inultrapassáveis do subjectivismo próprio do princípio da livre apreciação da 
 prova.
 
 24.º – Os princípios constitucionalmente consagrados da presunção de inocência 
 e do in dubio pro reo.
 Termos em que deverá o presente recurso ser deferido e, por força das invocadas 
 nulidades, ser anulada a decisão ora recorrida, substituindo‑se por outra que:
 a) Absolva a arguida e ora recorrente dos crimes de extorsão, na forma tentada e 
 corrupção passiva para acto ilícito;
 b) Mantendo‑se, apenas, a pena parcelar que lhe foi aplicada relativamente ao 
 crime de violação do segredo de justiça;
 c) Revogue a pena acessória de proibição do exercício de função;
 d) Sendo, para o efeito, salvo melhor ponderação de Vossas Excelências, 
 declarada a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 127.º do Código de 
 Processo Penal, se interpretada no sentido de, no confronto exclusivo entre 
 depoimentos não corroborados objectivamente, de dois ou mais co‑arguidos, se 
 decida a contenda a favor de um deles, relativamente a factos imputados aos 
 restantes, com base na aplicação do princípio da livre apreciação da prova e 
 convicção do juiz, por flagrante violação do princípio da presunção da inocência 
 e in dubio pro reo constitucionalmente consagrados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 32.º 
 da Constituição da República Portuguesa;
 e) Ou, caso assim não se entenda, nomeadamente, por limitação dos poderes desse 
 Supremo Tribunal de Justiça, estando em causa o julgamento da matéria de facto,
 f) Seja determinada a baixa do processo ao Tribunal da Relação de Lisboa para 
 efeitos do conhecimento das invocadas nulidades, inconstitucionalidade e 
 pronúncia sobre todas as questões que lhe compete conhecer, nos termos 
 expostos.»
 
  
 
                  3.3. No acórdão de 12 de Julho de 2006, o STJ julgou 
 improcedente a questão suscitada, desenvolvendo a seguinte argumentação:
 
  
 
 «2.4. Posto isto, entremos no julgamento do objecto do recurso.
 
      2.4.1. Da corroboração das declarações do co‑arguido
 
      2.4.1.1. A recorrente, depois de elencar as questões que acima se 
 transcreveram como constituindo o objecto do seu recurso, adverte, desde logo, 
 que todas elas ‘se centram na problemática do conhecimento probatório do 
 co‑arguido’, adiantando ser seu entendimento que nada impede a valoração pelo 
 julgador das suas declarações, desde que objectivamente corroboradas.
 
      A verdade é que, no caso, continua, a sua condenação teve por base 
 exclusivamente tais declarações, ‘não corroboradas, porém, objectiva e 
 relativamente a todos os factos que se prendem com a sua actividade de 
 corrupção e, corroboradas, é um facto, no que se refere ao crime de extorsão na 
 forma tentada, por presunções materiais ligadas à normalidade da vida e às 
 regras da experiência, estas, porém, alicerçadas em factos que, por um lado, se 
 admitiram erradamente como certos e, por outro, totalmente descontextualizados, 
 desenquadrados, quer no espaço, quer no tempo’.
 
      É neste contexto que invoca, como também já vimos, a 
 inconstitucionalidade do artigo 127.º do CPP ‘por flagrante violação do 
 princípio da presunção de inocência, no caso de condenação de um co‑arguido com 
 apelo à livre apreciação da prova, mas com base exclusivamente nas declarações 
 de outro co‑arguido, não corroboradas objectivamente’ (sublinhamos).
 
      A questão, tal como vem colocada, não coincide exactamente com o que foi 
 alegado no recurso para o Tribunal da Relação. Tanto assim que a recorrente 
 sentiu necessidade de, sobre a ‘problemática do conhecimento probatório do 
 co‑arguido’, clarificar o seu posicionamento.
 
      E, na verdade, se agora se insurge contra o facto de ter sido condenada 
 com base exclusivamente nas declarações do co‑arguido B. sem que as mesmas 
 tivessem sido objectivamente corroboradas, no recurso para a Relação a crítica 
 foi centrada na relevância probatória dada a essas declarações em detrimento 
 das que ela própria prestou. E, por isso, é que denunciou a falta de exame 
 crítico das primeiras, em contraponto com o ‘abrangente exame crítico’ que 
 recaiu sobre as segundas, todavia, sem ter escapado ‘a um subjectivismo 
 primário, mesmo insultuoso…’; que procurou desmontar o raciocínio do Tribunal da 
 
 1.ª instância que conduziu ao descrédito das suas declarações; que intentou 
 demonstrar que a versão do co‑arguido é contrariada, em ‘decisivos aspectos’, 
 por factos provados por meios de prova de ‘superior valor probatório’ que o 
 Tribunal infundadamente ignorou, desvalorizou ou desvirtuou por erro notório na 
 sua apreciação. E concluiu que o Tribunal da 1.ª instância conferiu crédito a 
 
 ‘um depoimento que não pode constituir fonte de prova’, confundindo livre 
 convicção com arbítrio e discricionariedade.
 
      Mesmo a arguição da inconstitucionalidade do artigo 127.º foi então 
 desenhada de modo diferente: ‘Devendo ser considerada inconstitucional a norma 
 do artigo 127.º do Código de Processo Penal, caso no confronto exclusivo entre 
 dois depoimentos caracterizados da forma como são os de ambos os arguidos, B. e 
 A., na presente decisão, o primeiro, hesitante, atabalhoado e interessado, o 
 segundo coerente, decidido e desinteressado, se decida a contenda, com base na 
 livre apreciação da prova e convicção do juiz, a favor do primeiro, por 
 flagrante violação do princípio da presunção da inocência, com consagração 
 constitucional no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa’. 
 
 (sublinhado nosso).
 
      Como quer que seja, está presente, em ambos os recursos, o mesmo núcleo 
 essencial de impugnação: a exigência de, no caso, ter de se limitar o princípio 
 da livre apreciação da prova, sob pena de violação do princípio estruturante da 
 presunção de inocência do arguido, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP.
 
      Vejamos, então.
 
  
 
      2.4.1.2. A primeira nota é a de que a própria recorrente aceita nada 
 proibir a valoração como meio de prova das declarações de co‑arguido, sobre 
 factos desfavoráveis a outro.
 
      E é, com efeito, neste sentido que se tem pronunciado tanto a 
 jurisprudência, que se pode dizer uniforme, do Supremo Tribunal de Justiça 
 
 (cf., por exemplo, os acórdãos de 20 de Dezembro de 2005, Proc. n.º 3128/05‑5.ª, 
 de 7 de Dezembro de 2005, Procs. n.º 2105/05‑5.ª e 2945/05‑3.ª, e de 23 de 
 Novembro de 2005, Proc. n.º 2933/05‑3.ª), como a maioria da doutrina nacional 
 
 (cf. Teresa Beleza, Revista do Ministério Público, ano 19.º, n.º 74, p. 39 e 
 seguintes; Medina Seiça, O Conhecimento Probatório do Co‑Arguido; e Figueiredo 
 Dias, de acordo com o Parecer que foi junto ao Proc. n.º 967/06, desta Secção; 
 contra, no sentido da proibição de prova, Rodrigo Santiago, Revista Portuguesa 
 de Ciência Criminal, 1994, p. 27 e seguintes).
 
      Como refere Figueiredo Dias no citado Parecer, não é tanto a 
 admissibilidade de princípio da valoração das declarações dos co‑arguidos que 
 está em causa, mas sim os termos em que tal deve fazer‑se e os limites que lhe 
 são impostos. As declarações desfavoráveis aos demais co‑arguidos, pela sua 
 fragilidade, decorrente de eventual conflito de interesses e de antagonismo 
 entre si, devem ser submetidas a tratamento específico e retiradas do alcance do 
 regime normal da livre apreciação da prova.
 
      E o Supremo Tribunal de Justiça vem a tal propósito entendendo dever 
 exigir‑se respeito pelo estatuto de arguido (incompatível com o juramento 
 próprio das testemunhas e com a vinculação ao dever de responder com verdade) e 
 pelo princípio do contraditório (concretizado na possibilidade conferida ao 
 defensor do arguido de formular perguntas ao co‑arguido por intermédio do 
 presidente do tribunal, visando as declarações prestadas, na medida em que 
 afectem o arguido por si representado), além de cautelas especiais na valoração 
 dessas declarações que, de um modo geral, se reconduzem à exigência de 
 corroboração.
 
      Como nos dá conta Figueiredo Dias ainda naquele Parecer, entre as soluções 
 propostas para modular doutrinal e normativamente o particular regime das 
 declarações do co‑arguido, avulta a doutrina da corroboração, com o que se quer 
 significar ‘a existência de elementos oriundos de fontes probatórias distintas 
 da declaração que, embora não se reportem directamente ao mesmo facto narrado na 
 declaração, permitem concluir pela veracidade desta’. A regra da corroboração 
 traduz de modo particular uma exigência acrescida de fundamentação, devendo a 
 sua falta merecer a censura de uma fundamentação insuficiente. Significa que as 
 declarações do co‑arguido só podem fundamentar a prova de um facto 
 criminalmente relevante quando existe ‘alguma prova adicional a tornar provável 
 que a história do co‑arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir 
 com base nas suas declarações’. Ou, noutros termos, a exigência de corroboração 
 significa que as declarações dos co‑arguidos nunca podem, só por si, e por mais 
 inequívocas e credíveis que sejam, suportar a prova de um facto criminalmente 
 relevante. Exige‑se para tanto que as declarações sejam confirmadas por outro 
 autónomo contributo que ‘fale’ no mesmo sentido, em abono daquele facto’.
 
  
 
      2.4.1.3. No caso sub judice, como a própria recorrente aceita constar da 
 fundamentação da decisão sobre a matéria de facto que, depois, foi ratificada 
 pelo Tribunal da Relação, os factos provados que levaram ao preenchimento dos 
 crimes por que foi condenada, não assentaram única e exclusivamente nas 
 declarações do co‑arguido B.. Desde logo porque nenhum se remeteu ao silêncio, 
 tendo ambos produzido declarações divergentes, é certo, sobre os mesmos factos 
 
 (ou, pelo menos, sobre os factos decisivos para a condenação).
 
      Por outro lado, e relativamente ao crime tentado de extorsão (os factos 
 relacionados com o casal D. e E. – n.ºs 5 e seguintes dos factos provados), 
 considerando os termos daquela fundamentação (fls. 3313 e seguintes do acórdão 
 da 1.ª instância), transcrita e analisada no acórdão recorrido (cf. fls. 3948 e 
 
 3971, respectivamente), não se pode mesmo invocar ‘a problemática do 
 conhecimento probatório do arguido’, nos termos em que a mesma foi equacionada.
 
      Refere‑se aí, com efeito, a propósito deste crime, que a recorrente disse, 
 que: 
 
  
 
 ‘Sempre que se encontravam [ela e o co‑arguido B.], em estabelecimentos de 
 cafetaria, adiantou que ambos falavam de vários assuntos. Um destes dizia 
 respeito às actividades levadas a cabo pelo casal D.E., nomeadamente em relação 
 a si e à sua colega e amiga F., dado que se sentiam exploradas por aquele.
 Então, perguntou B. qual a razão de não os denunciar às autoridades. Na 
 sequência, por sua exclusiva iniciativa, este seu amigo transmitiu‑lhe que 
 conhecia algo sobre a vida do referido casal, através de uma pessoa amiga, 
 insistindo que deveria ser feita uma denúncia contra D. e E..
 A arguida admitiu que tal ideia lhe agradou.
 Acrescentou que, em Março de 2004, surgiu uma denúncia anónima na PGR e logo 
 imaginou a sua proveniência, presumindo quem era o remetente, tanto mais que B. 
 lhe dissera que tinha enviado uma queixa anónima, sendo verdade que teve 
 relutância em dar entrada à mesma, por brio profissional, chegando a pensar 
 colocar o assunto ao Chefe de Gabinete, acabando por não o fazer.
 Reforçou que, entretanto, B. deixara de falar no assunto do terrorismo.’
 
  
 
      E, mais adiante, que:
 
  
 
 ‘Quanto à queixa respeitante ao casal D.E., salientou que este a merecia por se 
 considerar usada, explorada e injustiçada, para além do que se passava, de igual 
 modo, em relação a F..
 Explicou que B. lhe foi comunicando que estava a fazer investigações sobre tal 
 casal e que, por isso, não foi surpresa a denúncia que apareceu na PGR.
 No que tange às conversas constantes da acusação à porta de sua casa e no … [com 
 o casal], a arguida A. negou‑as, classificando‑as de invenção.
 
 ...
 Mais explicou que nunca teve conhecimento dos factos que constavam da denúncia 
 relacionada com o casal D.E., tendo esta chegado à PGR em Março de 2004.
 Apesar de achar boa ideia denunciar o dito casal, como vincou, nunca o fez por 
 ter medo do carácter violento de D..
 Disse não ser amiga de E. e acrescentou que o casal cobrava juros elevados pelos 
 empréstimos que fazia a diversas pessoas. Por sua vez, aquela confidenciava os 
 negócios, em particular.
 Confirmou que era a única pessoa que sabia a proveniência da respectiva 
 denúncia, desconhecendo, porém, o seu teor.
 Depois, a arguida explicitou como se processavam os negócios de ouro entre o 
 casal D.E. e F. e qual a sua intervenção nesse esquema.
 Mencionou que B. lhe transmitiu que sabia factos da vida do casal D.E., através 
 de pessoas que frequentavam casinos, decorrendo daí a sua percepção de que 
 explorava pessoas.
 
 ...
 Enfatizou que … as conversas sobre o casal D.E. havidas entre si e B. só 
 surgiram em princípios de 2004…’
 
      
 
      E que, por sua vez, o co‑arguido B., sobre o mesmo caso, referiu que:
 
  
 
 ‘Quanto ao casal D.E., disse não ter feito nada, a não ser colocar nos 
 correios, em Aveiro, uma carta, cujo teor desconhece, a pedido da arguida A., 
 sendo certo que a letra do respectivo envelope é sua. Esclareceu, ainda, que, 
 na altura em que tal aconteceu, ficou com a ideia de que tal documento visava o 
 mencionado casal, por causa do que a arguida A. lhe deu a entender.
 Adiantou desconhecer D. e E., muito embora tivesse ouvido falar de ambos, 
 através da arguida A., sabendo que são pessoas que negoceiam ouro e que 
 emprestam dinheiro. Aliás, chegou a recorrer a empréstimos, por intermédio da 
 dita arguida.
 Apenas tomou conhecimento da carta, quando se encontrava na PJ. Quando a 
 expediu, a arguida A. disse‑lhe que era uma denúncia.’
 
        
 
      Donde, a conclusão a tirar ser a de que se, neste caso, alguém imputou algo 
 a alguém foi a recorrente ao seu co‑arguido e não o contrário, como de resto 
 foi assinalado na mesma fundamentação, fls. 3348:
 
  
 
 ‘Este caso é elucidativo do que se passou ao longo da audiência. De um lado, 
 A., a coberto de lógica e coerência, a tudo empurrar para cima de B. e, de 
 outro, B., envolto em algumas hesitações, a denotar alguma confusão, sem, 
 contudo, atribuir, sem mais, a responsabilidade dos factos à co‑arguida.’
 
  
 
      De qualquer modo, como se afirma no exame crítico das provas, reexaminado 
 e acolhido no acórdão recorrido, também os depoimentos dos assistentes D. foram 
 valorados e determinantes no julgamento dos factos.
 
      Diz‑nos, na verdade, esse momento da fundamentação, fls. 3324 e 3325 e 3348 
 a 3350 – reexaminado e acolhido, repete‑se, no acórdão recorrido, fls. 3971 – 
 que os assistentes disseram, em síntese:
 
  
 
      – terem recebido um telefonema da recorrente a propor‑lhes um encontro, 
 por causa de uma denúncia anónima contra eles;
 
      – que, nesse encontro, ela começou a ler a alegada denúncia, relacionada 
 com sinais exteriores de riqueza, dando a entender, a certa altura, que iria 
 falar com duas pessoas ligadas à investigação;
 
      – que o D. reagiu, dizendo que ‘quem não deve não teme’;
 
      – que, passados dias, voltaram a encontrar‑se os três, tendo a recorrente 
 referido que os seus dois conhecidos queriam contrapartidas e dado a entender 
 que poderiam ‘abafar’ as investigações;
 
      – que não adiantou montantes nem exigiu nada para si;
 
      – que não conheciam o co‑arguido B..
 
  
 
      Face às diferentes versões dos arguidos, o Tribunal decidiu a matéria de 
 facto relacionada com este caso apoiando‑se nestes dois depoimentos e na 
 circunstância de a denúncia anónima ter sido encontrada no cacifo da 
 recorrente e concluiu, em dado passo, que ‘nada [encontrou] que suporte a versão 
 da arguida contra elementos que jogam contra a mesma’, descrevendo o raciocínio 
 que suporta essa conclusão e levou à decisão final e que mereceu o aval do 
 Tribunal da Relação.
 
      Nem sequer é, pois, caso de (apenas) versões antagónicas de co‑arguidos.
 
      Se essa prova foi ou não bem ponderada e valorada é questão que escapa aos 
 poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, funcionando como Tribunal de 
 recurso, como pressentiu, de resto, a recorrente (cf. alínea e) do pedido com 
 que encerrou as conclusões da motivação), atento o disposto nos artigos 434.º do 
 CPP e 722.º, n.º 2, do CPC.
 
  
 
      Quanto ao crime de corrupção (factos relacionados com a ‘C.’/G.), para além 
 do que no início se disse (declarações antagónicas dos dois co‑arguidos), 
 importa referir que o Tribunal da 1.ª instância reconheceu expressamente a 
 necessidade de corroboração das declarações dos arguidos, por isso que fez apelo 
 
 à prova indiciária e lançou mão dos resultados decorrentes de outros meios de 
 prova, tudo sem notícia ou denúncia de desrespeito pelo contraditório, e 
 expressou o caminho seguido para chegar à decisão que tomou sobre a matéria de 
 facto.
 
      Basta ler o ponto III da fundamentação, fls. 3351 dos autos, também aqui 
 sufragada pelo Tribunal da Relação, fls. 3792.
 
      Aí se diz, com efeito:
 
  
 
 ‘III) Resta abordar o que aconteceu relativamente à C.. Quais as considerações a 
 fazer?
 Em primeiro lugar, a arguida A. negou qualquer aproximação a alguém ligado ao 
 citado grupo empresarial, o arguido B. admitiu que, de comum acordo e em 
 conjugação de esforços com aquela, entrou em contacto com G., a fim de lhe 
 vender documentos, em segredo de justiça, relacionados com a C., excluindo que, 
 alguma vez, pensasse em divulgar os papéis na comunicação social, nunca tendo 
 abordado esse assunto, a não ser em determinada conversa que consta dos autos, 
 sendo certo que apenas, então, se limitou a entrar no respectivo tema 
 introduzido pelo seu interlocutor. Por sua vez, a arguida H. negou que tivesse 
 proposto o que consta da acusação, tendo agido para ajudar um amigo, enquanto 
 que o arguido I. referiu que visou apenas permitir contactos entre pessoas, nada 
 pretendendo ganhar com isso, salientando que o assunto da comunicação social 
 lhe foi transmitido por B.. Enfatize‑se, ainda, nesta matéria a divergência de 
 valores acima mencionada.
 Em segundo lugar, G. descreveu todos os contactos que manteve com os arguidos 
 B. e H., sublinhando que a conduta desta sempre lhe surgiu como o de uma amiga 
 que desejava alertá‑lo e ajudá‑lo. Chegou a admitir ter havido confusão no 
 valor transmitido pela arguida. Referiu que o tema da comunicação social esteve 
 sempre presente em todas as conversas, admitindo que, ao falar com B., pudesse 
 estar já induzido a fazê‑lo por causa do que H. lhe dissera. Mais disse, como já 
 vimos, que nunca se sentiu constrangido e que apenas entregou dinheiro porque 
 as autoridades policiais o aconselharam nesse sentido.
 Em terceiro lugar, os inspectores da Polícia Judiciária descreveram as suas 
 vigilâncias e tudo o mais que praticaram [anota‑se que a testemunha J. descreveu 
 os contactos mantidos entre o arguido B. e G., referindo que o primeiro, depois 
 de ter estado na C., “na sequência de telefonemas para a PGR, se encontrou com 
 uma senhora no Centro Comercial de Alvalade, senhora essa que veio a ser 
 reconhecida como sendo a recorrente”].
 Em quarto lugar, as testemunhas que prestaram depoimento sobre este assunto 
 limitaram‑se, em boa verdade, a narrar o que vieram a saber. Com efeito, mesmo 
 as pessoas que estiveram em casa de H. não estiveram junto desta e de I., 
 aquando da conversa essencial, à excepção de K., cujo depoimento, por ser tão 
 retraído, nenhuma credibilidade mereceu.
 No que tange a estes factos, dúvidas não restaram ao Tribunal de que os arguidos 
 A. e B. actuaram em conjunto e com a finalidade de obter dinheiro de G., 
 através de documentos relacionados com o relatório proveniente da IGF e que 
 havia dado entrada na PGR. Por sua vez, dúvidas ficaram no ar quanto à ameaça de 
 divulgação através da comunicação social.
 Passemos, então, a explicar.
 Desde logo, A. gastou muito tempo da audiência de julgamento a transmitir a 
 mensagem de que B. estava a “mentir para salvar a pele”. Argumento perigoso na 
 defesa de um co‑arguido, afirma este Tribunal, na medida em que é, como todos 
 entendem, reversível...
 Pois bem, a arguida, apesar das suas lógica e coerência ao longo do julgamento, 
 para lá de ter feito certas afirmações que não foram confirmadas pela restante 
 prova (1 – só regressou ao trabalho, em 2003, porque tal lhe foi pedido com 
 grande insistência; 2 – sempre teve autorização para levar processos 
 confidenciais para casa; 3 – não conversou com o casal D.E., à porta de sua 
 casa), teve uma falha ou omissão fundamental que serviu para abalar a sua 
 credibilidade – referiu, durante muito tempo, que julgava que B., no dia 2 de 
 Abril de 2004, estava em Aveiro, pois tinha estado com ele na véspera, tendo 
 ficado com essa ideia. Simplesmente, a dado momento, o aludido arguido disse, 
 entre outras coisas, que havia dado boleia a A. até à PGR, na manhã de 2 de 
 Abril de 2004, o que não foi, então, desmentido.
 
 É evidente que, não estando nos autos qualquer vigilância da Polícia Judiciária 
 
 à residência da arguida, no referido dia, não interessava saber de tal encontro 
 
 – note‑se que os documentos a entregar a G. foram, então, entregues, conforme 
 disse B..
 Acresce que, para quem tanto falou em brio profissional, mal se compreende que, 
 por amizade, um dia depois de B. lhe ter falado na C. (declarações iniciais da 
 arguida), e depois de afirmar que ia pensar no assunto, por mero acaso apareçam 
 fotocópias sem timbre para serem mostradas ao arguido, tanto mais que, segundo 
 disse A., não sabia que o ia encontrar. Convenhamos que seriam coincidências em 
 demasia!...
 Vejamos, agora, a alegada ameaça de divulgação dos documentos através da 
 comunicação social.
 Essa mensagem foi transmitida por I. a H. e por esta a G.. Uma vez mais, estamos 
 de acordo quanto a isso.
 Mas de onde partiu a mensagem? De B. ou de I.? Do primeiro, que o fez, recuando 
 em julgamento, por questão de estratégia? Do segundo, que o fez, admitamo‑lo, 
 involuntariamente, fazendo uso do adágio “quem conta um conto acrescenta um 
 ponto”?
 Acontece que B. foi muito consistente, nesta matéria, ao longo de todo o 
 julgamento. Já I. vacilou nas respostas, se bem que sempre tenha seguido o mesmo 
 rumo.
 De acordo com o princípio in dubio pro reo, não deu o Tribunal como provada a 
 ameaça em causa, pois viu‑se confrontado com uma dúvida insanável.
 Dir‑se‑á que o acto de vender os documentos a G. só teria sentido se 
 acompanhado de algo mais, de forma a pressioná‑lo efectivamente.
 Concede‑se tal argumento. No entanto, B. foi muito claro ao dizer que, caso G. 
 negasse qualquer pagamento, o plano seria colocado de lado. E tal bate certo 
 com o seu anterior procedimento em relação ao Banco L., não o esqueçamos.
 Ora, a dúvida deve sempre favorecer o arguido.
 Antes de concluirmos, que dizer dos montantes transmitidos por I. a H. e por 
 esta a G.?
 Foram 50 000 €, 50 000 contos, 300 000 €, 70 000 contos?
 Seja permitida uma certa ligeireza na abordagem deste problema. Ousamos afirmar 
 que nem os próprios intervenientes nas conversas o sabem neste momento, tal a 
 divergência que houve...
 De qualquer das formas, voltando ao lado sério do problema, tal é irrelevante, 
 face à matéria de facto dada por assente.
 Por último, o Tribunal valorou os depoimentos de todas as testemunhas de 
 acusação que trabalham na PGR, quanto à actividade aí desempenhada por A. e de 
 todas as testemunhas de defesa, no que diz respeito à reputação dos arguidos, 
 quer pessoal quer profissional.
 Os depoimentos das testemunhas M. e K. não foram importantes. Quanto ao 
 primeiro, não ficou claro que conhecimento tinha dos factos, enquanto advogada e 
 enquanto amiga de G.. No tocante ao segundo, revelou‑se reservado em excesso, 
 nada convincente.’
 
  
 
      Por aqui se vê que as instâncias seguiram o programa de valoração da prova 
 adequado ao caso, extraindo os factos que julgaram provados da concatenação 
 dos resultados produzidos pelos diversos meios de prova a que tiveram acesso (e 
 não do simples privilegiamento das declarações do co‑arguido B. em seu 
 desfavor).
 
      E se é certo que acabou por decidir contra a versão dela, isso nada tem de 
 ilegal ou de atentatório dos princípios processuais em matéria de prova, 
 designadamente o da presunção da inocência, do in dubio pro reo, da livre 
 apreciação da prova ou mesmo o da exigência de corroboração das declarações de 
 co‑arguido. Estas, repete‑se, nos termos da fundamentação – e o Supremo Tribunal 
 de Justiça, no controlo do respeito por esses princípios, não pode ir além da 
 análise dessa parte da sentença – tem apoio bastante nos restantes provas 
 produzidas, sendo disso sintomático, por exemplo, o depoimento da testemunha 
 J..
 
      Por outro lado, a leitura do mesmo capítulo da sentença não revela que em 
 momento algum o tribunal, neste caso, se tenha deixado assaltar por quaisquer 
 dúvidas sobre o sentido e a autoria dos factos que levaram à condenação da 
 recorrente. Quando isso aconteceu, como relativamente à alegada ameaça de 
 divulgação dos documentos através da comunicação social, disse‑o expressamente 
 e julgou‑os não provados.
 
      Deste modo, também carece de fundamento a alegada inconstitucionalidade.
 
      Se, na execução desse plano, as instâncias deram indevido relevo a umas 
 declarações em detrimento de outras, se valoraram incorrectamente certo meio de 
 prova e desvalorizaram ou desprezaram outros, é questão que, mais uma vez, 
 escapa aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça que, já o 
 dissemos, cura exclusivamente da matéria de direito.
 
      Em suma: quer no caso “Casal D.E.” que no caso “C.”, a recorrente não foi 
 condenada em função única e exclusivamente de declarações desfavoráveis do 
 co‑arguido B.. De qualquer modo, essas declarações estão suficientemente 
 corroboradas por outros meio de prova, designadamente a testemunhal e a 
 documental.
 
      Improcede, pois, nesta parte, o recurso.»
 
  
 
                  3.4. Como é patente, a decisão ora recorrida – ao explicitar 
 que a condenação da recorrente nem se baseou exclusivamente nas declarações de 
 outro co‑arguido nem a relevância probatória dada a estas declarações 
 prescindiu da corroboração objectiva das mesmas – não fez aplicação, como ratio 
 decidendi, do critério normativo arguido de inconstitucional pela recorrente, ao 
 suscitar «a inconstitucionalidade do artigo 127.º do Código de Processo Penal, 
 por flagrante violação do princípio da presunção da inocência, no caso da 
 condenação de um co‑arguido com apelo à livre apreciação da prova, mas com 
 base exclusivamente nas declarações de um outro co‑arguido, não corroboradas 
 objectivamente».
 
                  Por falta deste requisito específico do recurso previsto na 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o presente recurso é, nesta parte, 
 inadmissível, o que determina o não conhecimento do correspondente objecto.
 
  
 
                  3.5. Por seu turno, no requerimento de arguição de nulidade do 
 precedente acórdão do STJ, na parte ora em causa, a recorrente aduziu:
 
  
 
 «II – Da dupla nulidade da decisão nesta parte.
 
      No que respeita ao alegado erro na apreciação da prova, ponto 2.4.3 da 
 decisão, entendeu esse Supremo Tribunal de Justiça, no exercício dos seus 
 poderes de cognição, não vislumbrar, no texto da decisão recorrida, por si ou 
 conjugado com as regras da experiência, nenhuma falha, insuficiência ou erro 
 notório de julgamento.
 
      Isto porque, tendo o Tribunal da Relação reconhecido o erro da 1.ª 
 instância, considerou ser relativamente indiferente o preciso local onde a 
 carta foi encontrada: ‘o que interessa é que ela estava, em qualquer caso, na 
 posse exclusiva da arguida’, verificando‑se, por consequência, o seu desvio nos 
 precisos termos pretendidos na decisão da 1.ª instância.
 
      Tendo considerado esgotados os poderes de cognição com a confirmação pelo 
 Tribunal recorrido desse ponto da decisão da matéria de facto, não concluiu 
 esse Venerando Supremo Tribunal, desde logo, como seria de esperar, a 
 improcedência do recurso nessa parte.
 
      Acrescentou, ainda, que a conclusão – o desvio da carta – não ofende as 
 regras da experiência, ‘porquanto, tratando‑se de uma funcionária da inteira 
 confiança dos seus superiores, o desvio de um documento não é incompatível com 
 tê‑lo deixado ou, até, tê‑lo propositadamente colocado no meio do aludido 
 monte de papéis, na medida em que aquela relação de confiança corresponde, em 
 geral, à ausência de especial fiscalização do conteúdo dos documentos cujo 
 processamento está a cargo dessa funcionária’.
 
      Esta asserção, pelo particularismo que reveste nos seus múltiplos 
 aspectos, exigiria do julgador um conhecimento muito para além da circunstância 
 de a arguida e ora recorrente ser, efectivamente, uma funcionária da inteira 
 confiança dos seus superiores.
 
      Exigiria, por exemplo, o conhecimento das reais circunstâncias e condições 
 de trabalho da arguida, nomeadamente, o número de pessoas que partilhavam a 
 sua sala de trabalho, o número e qualidade de eventuais visitantes, quais, entre 
 todas estas pessoas, teriam acesso directo e autorizado ao expediente em 
 processamento sobre a sua secretária, etc., tudo conjugado de forma 
 proporcional à referida confiança nela depositada, sob pena de a conduta não 
 suportar os correspondentes riscos.
 
      Só assim, depois de tudo isto conhecido, se poderia apelar às regras da 
 experiência, para se concluir como concluiu.
 
      De qualquer maneira, trata‑se da introdução de nova matéria de facto, não 
 apreciada na sede devida, para mais, incompatível com a conclusão extraída pelo 
 Tribunal recorrido, relativa à posse erga omnes assegurada pela caracterizada 
 exclusividade, conclusão, por seu turno, contraditória com a decisão proferida 
 em recurso pelo mesmo Tribunal recorrido, apenso a estes mesmos autos, que 
 concluiu não pertencer à arguida e ora recorrente a disponibilidade do lugar 
 correspondente ao seu local de trabalho, confirmando a regularidade de uma 
 busca efectuada na sua ausência.
 De facto, a posse exclusiva do documento torna absolutamente incompreensível o 
 alegado expediente da funcionária, agora introduzido por esse Supremo Tribunal 
 de Justiça, em flagrante violação dos seus poderes de cognição (artigo 434.º do 
 Código de Processo Penal).
 A decisão contradiz‑se, assim, a si própria, pois se a posse exclusiva do 
 documento resolvia a questão, no entender da mais alta instância de recurso, 
 para quê aditar‑lhe novo facto ou argumento que, negando a alegada 
 exclusividade, apenas vem lançar a confusão sobre o significado da localização 
 de um documento que, não estando, efectivamente, escondido no cacifo da 
 funcionária, noutro lado não poderia estar.
 A funcionária, porque na posse não exclusiva de um documento, escondeu‑o entre 
 outros papéis?
 
 É uma hipótese a considerar como outra qualquer.
 Há que prová‑la.
 Mas não nesta sede.
 Esse Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com os referidos poderes de 
 cognição, apenas se intromete nos aspectos fácticos nos casos das alíneas a), b) 
 e c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
 Porém, mesmo nestes casos, não procede à renovação da prova, não exclui nem 
 adita novos factos, ou simples argumentos que extravasem o texto da decisão 
 recorrida, como foi o caso, limitando‑se a apontar ou não o vício detectado e a 
 determinar ou não o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do n.º 
 
 1 do artigo 426.º do Código de Processo Penal.
 Excedeu, por consequência, esse Supremo Tribunal de Justiça os seus poderes de 
 cognição, sendo nula a decisão nesta parte, por força do previsto no artigo 
 
 434.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º, ex vi n.º 4 do artigo 425.º, todos 
 do Código de Processo Penal.
 Decidiu, também, esse Supremo Tribunal de Justiça que ‘Aliás, o facto do n.º 19 
 nem sequer é decisivo para a condenação da recorrente pelo crime tentado de 
 extorsão, preenchido que ficou com a primeira abordagem dos assistentes (factos 
 n.ºs 7 a 14)’.
 O que constitui um erro flagrante.
 Torna‑se evidente que toda a construção da base factual levada a cabo pela 1.ª 
 instância na sua fundamentação, aliás, confirmada pelo Tribunal a quo, na 
 condenação da arguida e ora recorrente pela prática de um crime de extorsão na 
 forma tentada, não prescinde de toda a factualidade que esse Supremo Tribunal 
 de Justiça pretende, agora, poder excluir, uma vez mais com excesso dos seus 
 poderes de cognição (n.º 1 do artigo 426.º do Código de Processo Penal).
 Bastará atender a esta significativa parte da fundamentação da decisão proferida 
 em primeira instância, onde é patente o relevo, aliás, justíssimo, caso 
 correspondesse à verdade, do desvio da carta recebida na Procuradoria‑Geral da 
 República, posta em recato no cacifo da arguida.
 Atenção, porque vai falar‑se de CORROBORAÇÃO OBJECTIVA!
 
 É impossível não introduzir alguns reparos a todo este discurso, pois, 
 parafraseando o próprio julgador, é elucidativo do que se passou ao longo da 
 audiência:
 
  
 
 ‘I – No que tange aos factos em que estiveram envolvidos os assistentes D. e 
 E., são de realçar alguns aspectos.
 Em primeiro lugar, como já sabemos, há versões diferentes dos arguidos A. e B.. 
 Aquela negou os factos e atribuiu a denúncia anónima ao co‑arguido, enquanto 
 este disse ser alheio ao assunto, admitindo apenas que colocou no correio 
 determinado documento.
 Em segundo lugar, há os depoimentos dos assistentes que narraram, em pormenor, 
 as conversas aludidas na acusação mantidas com a dita arguida. (Aqui a 1.ª 
 instância “branqueou” totalmente as contradições nos depoimentos dos 
 assistentes, aliás, acareados a requerimento da defesa da arguida, acabando o 
 assistente D. por dizer que a mulher tinha melhor memória e, por consequência, 
 seria por certo a correcta a sua versão dos acontecimentos, não a dele). 
 Acrescentaram os mesmos que não conhecem o arguido B., nunca sequer tendo ouvido 
 falar dele.
 Em terceiro lugar, temos a denúncia anónima apreendida no cacifo de A. e que 
 estava aí retida. Este caso é elucidativo do que se passou ao longo da 
 audiência. De um lado, A., a coberto de lógica e coerência, a tudo empurrar para 
 cima de B. e, de outro lado, B., envolto em algumas hesitações, a denotar alguma 
 confusão, sem, contudo atribuir, sem mais, a responsabilidade dos factos à 
 co‑arguida. (É patente a contradição no discurso. Pode ler‑se acima que foi o 
 arguido B. que admitiu ter enviado a carta de Aveiro. A arguida e ora recorrente 
 nunca lhe atribuiu a autoria da carta, como já ficou supra devidamente 
 esclarecido).
 Eis um exemplo da importância das declarações dos co‑arguidos.
 Poderia parecer que o Tribunal deveria dar credibilidade à arguida A., muito 
 mais eloquente que o co‑arguido. Todavia, apelando à supra citada corroboração 
 objectiva das respectivas declarações, que encontramos? (Leram bem, Exmos. 
 Senhores Conselheiros? Corroboração objectiva: a tal que desfaz as dúvidas, que 
 sossega o espírito do julgador e o livra do “buraco negro” de uma absolvição por 
 via das mesmas). 
 Nada que suporte a versão da arguida contra elementos que jogam contra a mesma. 
 Com efeito, A. insistiu que, sabendo da proveniência da denúncia, a reteve por 
 brio profissional. Como perceber tal comportamento? Onde foi encontrada a 
 denúncia relativa ao casal D.E.? Decorre dos autos que estava no cacifo que a 
 arguida possuía na PGR. Ora, sendo certo que a arguida levava amiúde documentos 
 confidenciais para sua casa, só faz sentido que guardasse no aludido local o 
 documento em causa para vir a utilizá‑lo logo que achasse por bem, e por sua 
 exclusiva iniciativa. Caso contrário, tê‑lo‑ia destruído.’
 
  
 
 É que, admitindo que os factos provados, descritos sob os n.ºs 7 a 14, se possam 
 considerar actos de execução do crime que a arguida terá decidido cometer, o que 
 daria ‘pano para mangas’, mas não cabe aqui discutir, só a partir da existência 
 da carta enviada de Aveiro, recebida na Procuradoria‑Geral da República, mas não 
 guardada em qualquer cacifo, a tentativa é punível, como resulta claro da 
 redacção da última parte do n.º 3 do artigo 23.º do Código Penal.
 De facto, conforme resulta da decisão proferida em 1.ª instância: ‘13) a 
 arguida sabia que não existia qualquer denúncia anónima...’.
 Haverá alguma dúvida quanto ao facto de ser este o ‘objecto essencial à 
 consumação do crime’ de que fala a norma? 
 Admitimos que outro enquadramento jurídico pudesse ser considerado na 1.ª 
 instância relativamente a este conjunto limitado de factos que compreendem a 
 primeira abordagem da arguida aos assistentes.
 Não foi tão longe a decisão, contudo, e percebe‑se porquê.
 A decisão proferida por esse Supremo Tribunal de Justiça é, assim e nesta parte, 
 nula, por excesso de pronúncia, por pressupor a condenação da arguida e ora 
 recorrente por factos que, embora descritos na fundamentação, nela não foram 
 considerados como suficientes para a punição.
 Violou assim a decisão as normas do artigo 434.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 
 
 379.º, ex vi n.º 4 do artigo 425.º, todos do Código de Processo Penal.
 
  
 III – Da inconstitucionalidade.
 A decisão proferida em primeira instância foi clara ao dizer que teve 
 dificuldades em apreender a prova, vincando o facto de o Tribunal ter sido 
 obrigado a recorrer, em alguma medida, à prova indiciária, fazendo uso das 
 regras da experiência comum.
 Isto porque, disse: ‘estamos perante factos que ocorreram num circuito muito 
 fechado’.
 Tal círculo, como é evidente, é o formado pelo conjunto dos arguidos, com 
 especial relevância para a ora recorrente e B. e, num caso particular, pelos 
 assistentes.
 Ora, como é sabido, nenhum destes sujeitos processuais presta juramento no 
 início do seu depoimento.
 Assim, considerou, ainda, embora por referência apenas às declarações dos 
 arguidos, que ‘na esteira da melhor doutrina, é importante que o respectivo 
 depoimento seja corroborado objectivamente’.
 Quer isto dizer que a própria primeira instância, tal como depois o Tribunal a 
 quo, tal como, finalmente, esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, na 
 esteira da melhor doutrina consideram, tal como ensina Figueiredo Dias, que tais 
 meios de prova deverão ser submetidos a tratamento específico e retirados do 
 alcance do regime normal da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º 
 do Código de Processo Penal.
 Já vimos que nenhum dos referidos depoimentos foi corroborado objectivamente.
 Vimos, também, que ao contrário do que foi considerado na decisão, ora em crise 
 
 (pág. 39), a arguida e ora recorrente, quer no caso ‘Casal D.E.’, quer no caso 
 
 ‘C.’, foi efectivamente condenada em função única e exclusivamente de 
 declarações desfavoráveis do co‑arguido B..
 Assim sendo, não pode restar qualquer dúvida relativamente ao facto de ter sido, 
 efectivamente, violado o princípio da presunção da inocência. Trata‑se de um 
 direito fundamental da arguida e ora recorrente, como decorre do n.º 2 do 
 artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
 Como se sabe, ao contrário de outros ordenamentos constitucionais, não 
 contempla a lei portuguesa qualquer processo especial ou instância que conheça 
 da violação desses direitos, a não ser através da fiscalização concreta pelo 
 Tribunal Constitucional da constitucionalidade na aplicação ou recusa de 
 aplicação de normas. Entende a recorrente, tal como já motivou e concluiu no 
 presente recurso, que a norma cuja constitucionalidade é posta em causa é o 
 artigo 127.º do Código de Processo Penal, na interpretação ali referida.
 Face a tudo quanto se expôs parece‑nos dever ser reavaliada toda a questão, 
 sendo agora manifesta, ao contrário do que foi decidido, a existência de 
 fundamento bastante da alegada inconstitucionalidade.
 Acontece, porém, que ao ter excedido esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça 
 o poder de cognição definido na lei, conforme se expôs, foi violado igualmente 
 o princípio constitucional do direito de defesa da arguida e ora recorrente, 
 consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
 Não só pela adição de novos factos ou considerações de natureza fáctica no caso 
 
 ‘Casal D.E.’, relativamente aos quais a arguida não teve possibilidade de se 
 defender, mas, também, pela exclusão de toda a matéria de facto erradamente 
 apreciada pela 1.ª instância e pelo Tribunal a quo, relativamente ao mesmo caso, 
 cada um à sua maneira, como ficou sobejamente demonstrado.
 Deverá, assim, ser declarada igualmente a inconstitucionalidade da norma 
 contida no artigo 434.º, conjugada com o comando previsto no n.º 1 do artigo 
 
 426.º, ambos do Código de Processo Penal, nos termos que se seguem.
 
      Termos em que, sempre com o muito douto suprimento de V. Ex.as, deverá:
 
      (…)
 
      e) Ser reavaliada toda a questão colocada sobre a inconstitucionalidade da 
 norma do artigo 127.º do Código de Processo Penal;
 
      f) Sendo declarada igualmente a inconstitucionalidade da norma contida no 
 artigo 434.º, conjugada com o comando previsto no n.º 1 do artigo 426.º, ambos 
 do Código de Processo Penal, se interpretado este no sentido da possibilidade 
 de decisão da causa, com o consequente não envio do processo para novo 
 julgamento, através da intromissão em aspectos fácticos, embora no âmbito das 
 alínea a), b) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, com 
 aditamento de novos factos ou simples argumentos que extravasem o texto da 
 decisão recorrida ou com a exclusão de matéria de facto apreciada em audiência, 
 de forma a desvirtuar o sentido e alcance da decisão recorrida.»
 
  
 
                  3.6. Esta arguição foi desatendida pelo acórdão do STJ, de 6 de 
 Setembro de 2006, com a seguinte fundamentação:
 
  
 
 «2. Decidindo:
 
 2.1. A reclamação apresentada evidencia que a arguida não compreendeu nem a 
 estrutura do acórdão nem mesmo os poderes de cognição do Supremo Tribunal de 
 Justiça enquanto tribunal de revista. Por isso, um esclarecimento prévio.
 
      Três das quatro questões suscitadas pela arguida no seu recurso para o 
 Supremo Tribunal de Justiça – erro notório na apreciação da prova, omissão de 
 pronúncia e inconstitucionalidade do artigo 127.º do CPP – ‘[centravam-se] na 
 problemática do conhecimento probatório do co‑arguido’.
 
      Pareceu‑nos, por isso, metodologicamente adequado iniciar o julgamento do 
 recurso por tal ‘problemática’.
 
      E assim fizemos.
 
      Enunciamos o problema, tal como é considerado pela doutrina e pela 
 jurisprudência, tomamos posição sobre a questão, adoptando a solução seguida 
 por Figueiredo Dias no Parecer que invocamos – no fundo o que está em causa é 
 uma especial exigência de fundamentação, na medida em que as declarações do 
 co‑arguido nunca podem, só por si, e por mais inequívocas e credíveis que sejam, 
 suportar a prova de um facto criminalmente relevante –, sublinhamos que, 
 relativamente ao crime tentado de extorsão, nem sequer podia ser invocada a 
 aludida ‘problemática’, mas, de qualquer modo, num caso e no outro (quer quanto 
 a esse crime quer quanto ao crime de corrupção), reexaminados os termos da 
 fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, tal como foi ratificada pelo 
 Tribunal da Relação, concluímos que ‘as instâncias seguiram o programa de 
 valoração da prova adequado ao caso, extraindo os factos que julgaram provados 
 da concatenação dos resultados produzidos pelos diversos meios de prova a que 
 tiveram acesso (e não do simples privilegiamento das declarações do co‑arguido 
 B. em seu desfavor)’ e que ‘quer no caso “Casal D.E.” quer no caso “C.”, a 
 recorrente não foi condenada em função única e exclusivamente de declarações 
 desfavoráveis do co‑arguido B.’.
 
      Consequentemente, julgamos improcedente o recurso, nessa parte, sem, 
 todavia, termos deixado a advertência de que não cabia nos poderes de cognição 
 deste Tribunal qualquer apreciação ou juízo sobre o modo como as instâncias 
 valoraram os meios de prova de que se serviram, isto é, que não cabia nos seus 
 poderes sindicar eventuais erros na apreciação da prova. Trata‑se, com efeito, 
 de matéria que não pode ser objecto do recurso de revista, como expressamente 
 consignam o artigo 434.º do CPP e o n.º 2 do artigo 722.º do CPC, tanto mais que 
 o caso sub judice não concretiza qualquer das excepções previstas no segundo 
 dos preceitos referidos.
 
      O julgamento do Supremo Tribunal de Justiça cingiu‑se, nesta parte, ao 
 reexame da fundamentação da decisão da matéria de facto, tal como descrita no 
 próprio acórdão.
 Depois de resolvida a ‘questão nuclear do recurso’, então apreciamos as outras 
 duas, mas agora ‘despojadas da referência à “problemática do conhecimento 
 probatório do co-arguido”’, já resolvida.
 
  
 
      2.2. Prestado este esclarecimento, vejamos a alegação da requerente. 
 
  
 
      2.2.1. Quanto ao crime de corrupção passiva para acto ilícito:
 
      Alega, a par da obscuridade e ambiguidade da decisão, a sua nulidade.
 
  
 
      2.2.1.1. Quanto à obscuridade e ambiguidade:
 
      (…)
 
  
 
      2.2.1.2. Quanto à nulidade
 
      Uma primeira nulidade, ‘por contradição insanável na sua fundamentação’, 
 integra‑a na alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, por o acórdão dever 
 
 ‘considerar‑se deficiente por ofensa ao comando do n.º 2 do artigo 374.º’ do 
 mesmo Código.
 Desenhou‑a do seguinte modo:  
 
      ‘Considerou esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça que no ponto III da 
 fundamentação em primeira instância, encontrou o Tribunal recorrido preenchidas 
 as exigências de corroboração dos factos conhecidos por via das declarações do 
 arguido B., relevantes na condenação da arguida e ora recorrente pela prática 
 de um crime de corrupção, o que terá ocorrido com recurso ao conteúdo dessas 
 mesmas declarações, em manifesta contradição com o entendimento expresso 
 relativamente aos condicionalismos e limites de uma sua valoração, enquanto 
 suporte de prova de um facto criminalmente relevante’.
 
      Uma outra integra‑a na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo 379.º por não 
 termos declarado a verificação dos vícios no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, como 
 oficiosamente nos competia.
 
      Pois bem.
 
      A questão da (eventual) necessidade de corroboração das declarações do 
 co‑arguido já foi apreciada. Entendemos e continuamos a entender que a 
 fundamentação da decisão da matéria de facto, quer relativamente a este crime, 
 quer relativamente ao crime tentado de extorsão, está suficientemente 
 fundamentada em ordem à fixação dos factos dados como provados.
 
      Neste juízo, voltamos a repetir, estava‑nos vedada qualquer incursão sobre 
 eventuais erros na apreciação das provas ou na fixação dos factos. O texto da 
 fundamentação justifica, em nosso juízo, a decisão tomada pelas instâncias 
 sobre a matéria de facto e o texto da decisão não nos suscitou qualquer reparo 
 no domínio dos vícios do n.º 2 do artigo 410.º.
 
      Nesta conformidade, não pode ocorrer a contradição apontada. De facto, a 
 
 ‘problemática do conhecimento probatório do co-arguido’, tal como a concebemos, 
 abordamos e decidimos, suscita uma simples exigência especial de fundamentação 
 que julgamos ter sido satisfeita em função dos termos em que foi explanada pelas 
 instâncias. Mas não alarga os poderes de cognição do Supremo Tribunal de 
 Justiça, restringidos ao reexame da matéria de direito. Por isso que, analisado 
 aquele texto, sem possibilidade da consideração ou da invocação do que os 
 intervenientes processuais ali referidos efectivamente declaram, decidimos 
 daquela forma, pois achamo‑lo suficiente para poderem ser dados como provados os 
 referidos factos sem, por outro lado, encontrarmos nele contradições ou 
 conclusões não abalizadas pelas regras da experiência. O mesmo é dizer, voltamos 
 mais uma vez a repetir, que não descobrimos no texto da decisão sobre a matéria 
 de facto e respectiva fundamentação qualquer dos vícios do n.º 2 do artigo 
 
 410.º do CPP nem qualquer passo que indicie que as instâncias tiveram quaisquer 
 dúvidas sobre a verificação dos factos que deram como provados. Quando as 
 tiveram, expressaram‑nas e confirmaram‑nas (cf. o tantas vezes invocado ponto 
 III da fundamentação, fls. 3351 e 3792).
 
      A arguida discorda e sustenta que, afinal, os elementos probatórios 
 adicionais ou são de ‘arredar’ ou em nada contribuíram para que os factos 
 pudessem ser dados como provados. Tem esse direito, também já o dissemos. Mas 
 não pode arvorar essa discordância em contradição ou insuficiente 
 fundamentação, além de que não pode discutir, perante o Supremo Tribunal de 
 Justiça, também já o afirmamos mais do que uma vez, pretensos erros na 
 apreciação de prova não vinculada.
 
  
 
      2.2.2. Quanto ao crime tentado de extorsão:
 
      2.2.2.1. Reclama, em primeiro lugar, a correcção do acórdão na parte em que 
 afirmamos ‘que a conclusão a tirar ser a de que se, neste caso, alguém imputou 
 algo a alguém foi a recorrente ao seu co‑arguido e não o contrário’, porquanto 
 tal ‘não é verdade’, já que ‘a arguida apenas disse ter presumido quem era o 
 remetente da denúncia anónima recebida, expedida de Aveiro, na 
 Procuradoria‑Geral da República e explicou porquê, com a sinceridade, verdade e 
 independência com que incomodou muita gente ao longo da sua vida, o que lhe 
 custou caro, não imputando ao seu co‑arguido o que quer que seja criminalmente 
 relevante’.
 
      Tiramos efectivamente aquela conclusão, apoiados no texto da fundamentação 
 de fls. 3348, transcrito no acórdão, onde se diz ser ‘este caso elucidativo do 
 que se passou ao longo da audiência. De um lado, A., …, a tudo empurrar para 
 cima de B. e, de outro, B., …, sem, contudo, atribuir, sem mais, a 
 responsabilidade dos factos à co‑arguida’.
 
      Perante este excerto, cremos que é razoável a conclusão agora criticada.
 
      Se as declarações da arguida foram de sentido diferente, a situação será 
 de erro na fixação dos factos a arguir perante o Tribunal da Relação, o que não 
 foi feito.
 
      Nada temos, por isso, a corrigir.
 
  
 
       2.2.2.2. Quanto à ‘dupla nulidade da decisão nesta parte’
 
      2.2.2.2.1. Uma das nulidades traduzir‑se‑ia em excesso de pronúncia, por o 
 Supremo Tribunal de Justiça ter ultrapassado os seus poderes de cognição.
 
      E isso porque, como vem alegado, tendo nós entendido, no exercício dos 
 poderes de cognição que nos são legalmente conferidos, não se verificar no texto 
 da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência, nenhuma 
 falha, insuficiência ou erro notório de julgamento, não concluímos, desde logo, 
 como seria de esperar, pela improcedência do recurso nessa parte, antes lhe 
 acrescentando ‘que a conclusão – o desvio da carta – não ofende as regras da 
 experiência, “porquanto, tratando‑se de uma funcionária da inteira confiança 
 dos seus superiores, o desvio de um documento não é incompatível com tê‑lo 
 deixado ou, até, tê‑lo propositadamente colocado no meio do aludido monte de 
 papéis, na medida em que aquela relação de confiança corresponde, em geral, à 
 ausência de especial fiscalização do conteúdo dos documentos cujo processamento 
 está a cargo dessa funcionária”’.
 
      Ora, entende, ‘esta asserção, pelo particularismo que reveste nos seus 
 múltiplos aspectos, exigiria do julgador um conhecimento muito para além da 
 circunstância de a arguida e ora recorrente ser, efectivamente, uma funcionária 
 da inteira confiança dos seus superiores’, só então se podendo apelar às regras 
 da experiência para se concluir como se concluiu. ‘De qualquer maneira – 
 prossegue –, trata‑se da introdução de nova matéria de facto, não apreciada na 
 sede devida, para mais, incompatível com a conclusão extraída pelo Tribunal 
 recorrido, relativa à posse erga omnes assegurada pela caracterizada 
 exclusividade, conclusão, por seu turno, contraditória com a decisão proferida 
 em recurso pelo mesmo Tribunal recorrido, apenso a estes mesmos autos, que 
 concluiu não pertencer à arguida e ora recorrente a disponibilidade do lugar 
 correspondente ao seu local de trabalho, confirmando a regularidade de uma busca 
 efectuada na sua ausência’.
 
      Mais uma vez, afigura‑se‑nos que a requerente ou não leu com a devida 
 atenção ou não compreendeu o que escrevemos.
 
      Pois bem.
 
      Dissemos, em primeiro lugar, que a alegação de qualquer dos vícios do 
 artigo 410.º, n.º 2, do CPP não podia constituir objecto de recurso para o 
 Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo de este Tribunal, para poder aplicar 
 o direito, ‘dever oficiosamente declarar as imperfeições ou insuficiências da 
 decisão de facto’.
 
      Depois, no cumprimento daquele dever, concluímos que a decisão recorrida, 
 nesta parte, não enfermava de qualquer vício que obstasse à boa decisão da 
 causa. E explicamos porquê. Foi precisamente no âmbito desta explicação que 
 argumentamos que a circunstância de o Tribunal da Relação ter mantido como 
 provado o facto do n.º 19 – isto é, e no essencial, que a arguida recebeu e 
 desviou certa carta –, apesar de ter rectificado, em parte, a fundamentação do 
 Tribunal da 1.ª instância, de que a carta não foi encontrada no cacifo da 
 arguida, mas antes na sua secretária, entre muitos outros papéis, não viola as 
 regras da experiência porque, estando em causa, como ela própria afirmou, uma 
 funcionária da inteira confiança dos seus superiores ‘o desvio de um documento 
 não é incompatível com o tê‑lo deixado ou, até, tê‑lo propositadamente colocado 
 no meio do aludido monte de papéis, na medida em que aquela relação de confiança 
 corresponde, em geral, a ausência de especial fiscalização do conteúdo dos 
 documentos cujo processamento está a cargo dessa funcionária’.
 
      Quais, pois, os factos que acrescentamos, sem poder para tanto?
 
      Salvo o devido respeito, nenhuns.
 
      O que enunciamos foi uma regra da experiência, com base na qual concluímos 
 que a decisão de manter como provado certo facto, apesar da correcção da 
 respectiva motivação, não patenteava nenhum dos vícios do n.º 2 do artigo 410.º, 
 designadamente o erro notório na apreciação da prova.
 
      A experiência comum não autoriza ou não confirma aquela regra? Bem, nesse 
 caso, o erro seria de julgamento, agora, como tantas vezes antes repetido, não 
 sindicável.
 
           
 
      2.2.2.2.2. Ainda excesso de pronúncia volta a requerente a ver na 
 afirmação do acórdão de que ‘… o facto do n.º 19 nem sequer é decisivo para a 
 condenação da recorrente pelo crime tentado de extorsão, preenchido que ficou 
 com a primeira abordagem dos assistentes (factos n.ºs 7 a 14)’.
 
      Bem, mas aqui é evidente a manifesta improcedência da alegação.
 
      Independentemente do contexto em que foi feita a afirmação (como mero 
 argumento adjuvante das considerações sobre a ratificação do facto do n.º 19), 
 dizer com que factos dos provados se considera preenchido determinado crime é 
 pura e exclusiva questão de direito para cuja apreciação oficiosa pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça a lei não põe qualquer entrave.
 
      Consequentemente, tal afirmação, ainda que ultrapasse ou altere a solução 
 adoptada pelas instâncias, não envolve, não pode envolver, excesso de 
 pronúncia.
 
      Erro flagrante ou não, será, mais uma vez, erro de julgamento… 
 
      
 
      2.2.3. Quanto à inconstitucionalidade.
 Na lógica do antes alegado, designadamente a propósito da necessidade de 
 corroboração das declarações do co‑arguido, requer a reavaliação da questão da 
 inconstitucionalidade do artigo 127.º do CPP, porque, tendo sido condenada ‘em 
 função única e exclusivamente de declarações desfavoráveis do co‑arguido B.’, 
 foi violado o princípio constitucional da presunção da inocência estabelecido no 
 n.º 2 do artigo 32.º da CRP.
 
      A resposta às questões antecedentes foi, como se viu, de indeferimento das 
 pretensões da arguida.
 
      A reavaliação da questão da inconstitucionalidade, a que demos resposta 
 negativa, traduzir‑se‑ia em violação da regra do artigo 666.º, n.º 1, do CPC.
 
      Por outro lado, a invocada inconstitucionalidade da norma do artigo 434.º, 
 conjugada com a do artigo 426.º, n.º 1, do CPP, é questão nova e, como tal, 
 insusceptível de ser aqui atendida. Há meios processuais próprios para o 
 efeito.
 
      Improcede, também esta alegação.»
 
  
 
                  3.6. As questões de inconstitucionalidade suscitadas no 
 requerimento de arguição de nulidade transcrito, na parte relevante, em 3.4., 
 arguição indeferida pelo acórdão de 6 de Setembro de 2006, reproduzido, nos 
 aspectos significativos, em 3.5., não podem ser objecto de apreciação pelo 
 Tribunal Constitucional.
 
                  Não o pode ser a questão reportada ao artigo 127.º do CPP, pois 
 a dimensão impugnada não foi aplicada neste último acórdão, que expressamente 
 declarou não poder conhecer dessa questão, já apreciada no acórdão de 12 de 
 Julho de 2006, por, quanto a essa matéria, estar esgotado o poder jurisdicional 
 do tribunal (artigo 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
 
                  E também não pode ser apreciada a questão reportada aos artigos 
 
 434.º («Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, o recurso 
 interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da 
 matéria de direito»), conjugado com o artigo 426.º, n.º 1 («1. Sempre que, por 
 existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, não foi 
 possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do 
 processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo 
 ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio»), ambos do CPP.
 
                  Não o pode ser não tanto pelas razões aduzidas pelo acórdão de 
 
 6 de Setembro de 2006: se bem se entende a questão suscitada pela recorrente, 
 ela consistiria em arguir a nulidade do anterior acórdão do STJ por excesso de 
 pronúncia, uma vez que alegadamente teria alterado ilicitamente a matéria de 
 facto fixada pelas instância, «com aditamento de novos factos ou simples 
 argumentos que extravasam o texto da decisão recorrida ou com a exclusão de 
 matéria de facto apreciada em audiência», questão que cabia no poder 
 jurisdicional do STJ ser apreciada nessa sede – como o foi –, sendo lícito, a 
 propósito das normas que digam directamente respeito à questão da  nulidade da 
 decisão judicial, suscitar questões de inconstitucionalidade normativa 
 
 (justamente porque relativamente a essa questão se não mostrava ainda esgotado 
 o poder jurisdicional – cf., neste sentido, por último, o Acórdão n.º 375/2003; 
 diferente é a situação em que apenas em arguição de nulidade de decisão final da 
 causa se suscita a inconstitucionalidade de normas aplicadas nesta decisão, 
 quanto às quais já se verificara esse esgotamento, hipótese em que tal 
 suscitação é, em regra, extemporânea).
 
                  O motivo pelo qual não se pode, nesta parte, conhecer do 
 recurso consiste antes em a recorrente ter imputado directamente à decisão 
 judicial em causa, em si mesma considerada e incindivelmente dependente das 
 particularidades do caso concreto, vícios (ter dado por provados factos novos e 
 ter excluído factos considerados provados pelas instâncias – vícios cuja 
 existência, aliás, o acórdão ora recorrido não reconheceu) que representariam 
 violação de normas de direito ordinário e de normas constitucionais. 
 Simplesmente, a recorrente jamais imputou a normas ou a interpretações 
 normativas adequadamente identificadas a directa desconformidade com normas ou 
 princípios constitucionais, como seria necessário para se considerar suscitada 
 uma questão de inconstitucionalidade normativa. Aliás, nem sequer no 
 requerimento de interposição do presente recurso a recorrente esboçou a 
 identificação da interpretação normativa dos preceitos em causa que reputava 
 inconstitucional (sendo certo que a tais preceitos, na sua literal estatuição, 
 nenhuma acusação de inconstitucionalidade vem apontada), em termos de habilitar 
 o Tribunal Constitucional a, caso concedesse provimento ao recurso, apresentar 
 essa interpretação «na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, 
 como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para 
 dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, 
 deste modo, violar a Constituição».
 
  
 
                  5. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do n.º 1 do artigo 
 
 78.º‑A da LTC, não conhecer do presente recurso.”
 
                  
 
                                  1.2. A reclamação da recorrente apresenta a 
 seguinte fundamentação:
 
  
 
                  “1.º – A decisão sumária foi proferida no sentido do não 
 conhecimento do recurso.
 
                  2.º – No qual se pretende ver apreciadas duas questões, a 
 saber:
 
                  – a inconstitucionalidade do artigo 127.º do Código de Processo 
 Penal, por flagrante violação da principio da presunção de inocência, no caso da 
 condenação de um co‑arguido com apelo à livre apreciação da prova, mas com base 
 exclusivamente nas declarações de um outro co‑arguido, não corroboradas 
 objectivamente;
 
                  – a inconstitucionalidade do artigo 434.º, conjugado com o 
 artigo 426.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, por violação do n.º 5 do 
 artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
 
                  3.º – Entendeu o Exmo. Senhor Conselheiro Relator não se 
 verificarem os específicos requisitos de admissibilidade do recurso interposto, 
 isto é, a «aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, das 
 dimensões normativas arguidas de inconstitucionais», no que se refere à 1.ª 
 questão, bem como «a adequada suscitação da questão de inconstitucionalidade 
 normativa» perante o mesmo tribunal, no que se refere à segunda questão.
 
                  Ora,
 
                  4.º – No que respeita à primeira questão, entende a recorrente 
 não haver dúvida quanto ao facto de a ratio decidendi só poder ser encontrada, 
 precisamente, na interpretação e aplicação da norma constante do artigo 127.º 
 do Código de Processo Penal («Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a 
 prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da 
 entidade competente»).
 
                  5.º – É certo que a decisão ora recorrida explicitou que, no 
 seu entender, a condenação da recorrente não se baseou exclusivamente nas 
 declarações do co‑arguido B., nem a relevância probatória dada a estas 
 declarações prescindiu da sua corroboração objectiva.
 
                  6.º – Acontece que a recorrente – que sempre negou os factos 
 por que foi acusada – entendeu precisamente o contrário, isto é, que com apelo à 
 livre apreciação da prova foi condenada, no que se refere aos crimes de 
 corrupção e tentativa de extorsão, com base exclusivamente nas declarações 
 daquele co‑arguido, não corroboradas objectivamente,
 
 7.º – Chegando a classificar a decisão, tal como foi sufragada pelo Tribunal a 
 quo, como arbitrária e irracional.
 
 8.º – Explicitando porquê, quer na sua motivação de recurso para o Tribunal a 
 quo, quer no pedido de aclaração da decisão, ora recorrida, onde, não deixando 
 cair a questão da inconstitucionalidade suscitada, deitou por terra, uma por 
 uma, as provas nomeadas por aquele tribunal como constituindo, para além das 
 declarações do co‑arguido B. a base da condenação pela prática dos referidos 
 crimes.
 
 9.º – Demonstrando, ainda, que o único elemento corroborante de tais 
 declarações, digno desse nome, resultou de um lamentável lapso do juiz da 1.ª 
 instância, sucessivamente «branqueado» por ambas as instâncias superiores, com a 
 agravante de esta última e ora recorrida o ter feito com apelo a matéria de 
 facto nunca antes apreciada.
 
 10.º – Ora, não sendo nem podendo ser a discordância quanto aos referidos 
 aspectos, suas vicissitudes ou merecimentos, o objecto do presente recurso, o 
 que está aqui em causa é, tão‑só, saber se foram ou não ultrapassados os 
 limites impostos constitucionalmente ao julgador na apreciação da prova, segundo 
 as regras da experiência e a sua livre convicção.
 
 11.º – Isto é, se os poderes de que legalmente dispõe para o efeito, nos termos 
 previstos no artigo 127.º do Código de Processo Penal, revogado o regime da 
 prova legal, foram ou não correctamente por si interpretados e aplicados, com 
 ou sem violação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 32.º da Constituição da 
 República Portuguesa.
 
 12.º – Em suma, se é ou não inconstitucional a interpretação feita pelo Tribunal 
 a quo da norma contida no referido artigo 127.º do Código de Processo Penal, na 
 medida em que tenha, efectivamente, como defende a ora recorrente, aplicado como 
 ratio decidendi, o critério normativo arguido de inconstitucional.
 
                  13.º – Para tanto, por se mostrar essencial à resolução da 
 questão de constitucionalidade, terá esse Tribunal Constitucional de tomar 
 posição fundamentada face à referida discordância, aqui tomada como questão 
 incidental que surge pregressamente e em relação de preordenação com o juízo, 
 formalmente autónomo, a formular sobre a referida questão.
 
                  14.º – O Ex.mo Senhor Conselheiro Relator, ao negar à ora 
 recorrente o conhecimento do seu recurso, nos precisos termos em que o mesmo foi 
 formulado, tomou implícito partido pela tese do Tribunal a quo, sem a sujeitar, 
 nos precisos termos e limites referidos, a uma fundamentada crítica, no 
 confronto com a tese oposta da recorrente.
 
                  15.º – Termos em que deverá ser ordenado o prosseguimento do 
 recurso nesta parte.
 
                  16.º – No que respeita à segunda questão, entendeu o Ex.mo 
 Senhor Conselheiro Relator não poder conhecer do recurso em virtude de a 
 recorrente «ter imputado directamente à decisão judicial em causa, em si mesma 
 considerada e incindivelmente dependente das particularidades do caso concreto, 
 vícios (...) que representariam violação de normas de direito ordinário e de 
 normas constitucionais».
 
                  17.º – Concluindo, ainda, que «a recorrente jamais imputou a 
 normas ou a interpretações normativas adequadamente identificadas, a directa 
 desconformidade com normas ou princípios constitucionais, como seria 
 necessário para se considerar suscitada uma questão de inconstitucionalidade 
 normativa».
 
                  18.º – Se é verdade que, no requerimento de interposição do 
 recurso para esse Tribunal Constitucional, a recorrente não esboçou sequer a 
 identificação da interpretação normativa dos preceitos que reputa 
 inconstitucional, como refere o Ex.mo Senhor Conselheiro Relator,
 
                  19.º – Também é verdade que a tal não é obrigada (n.ºs 1 e 2 do 
 artigo 75.º‑A da LTC).
 
                  20.º – Se o fosse e o não tivesse feito, deveria o Ex.mo Senhor 
 Conselheiro Relator ter convidado a recorrente a fazê‑lo, no prazo de 10 dias 
 
 (n.º 5 da mesma disposição).
 
                  21.º – O que não aconteceu.
 
                  22.º – No entanto, se é verdade, tal como reconheceu o Ex.mo 
 Senhor Conselheiro Relator, ter a recorrente imputado à decisão judicial vícios 
 que representam violação de normas de direito ordinário, isto é, excesso de 
 pronúncia (alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º, ex vi n.º 4 do artigo 425.º, 
 ambos do Código de Processo Penal), cominando na sua nulidade,
 
                  23.º – Também é verdade, tendo sido igualmente reconhecido pelo 
 mesmo Senhor Relator, ter a recorrente alegado a violação do princípio 
 constitucional do direito de defesa da arguida e ora recorrente, consagrado no 
 n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
 
                  24.º – Não decorrente directamente dos imputados vícios, como 
 erradamente considerou o Ex.mo Senhor Conselheiro Relator, mas da errada e 
 inconstitucional interpretação feita pelo Tribunal a quo, no entender da ora 
 recorrente, da norma contida no artigo 434.º, conjugada com o comando previsto 
 no n.º 1 do artigo 426.º, ambos do Código de Processo Penal, no que se refere 
 aos seus poderes de cognição e envio do processo para novo julgamento.
 
                  25.º – Assim, suscitou a ora recorrente perante o Supremo 
 Tribunal de Justiça, na única ocasião que teve para o efeito, tal como foi 
 igualmente reconhecido pelo Exmo. Senhor Conselheiro Relator, a 
 
 «inconstitucionalidade da norma contida no artigo 434.º, conjugada com o comando 
 previsto no n.º 1 do artigo 426.º, ambos do Código de Processo Penal, se 
 interpretado este no sentido da possibilidade da decisão da causa, com o 
 consequente não envio do processo para novo julgamento, através da intromissão 
 em aspectos fácticos, embora no âmbito das alíneas a), b) e c) do n.º 2 do 
 artigo 410.º do Código de Processo Penal, com o aditamento de novos factos ou 
 simples argumentos que extravasem o texto da decisão recorrida ou com a exclusão 
 da matéria de facto apreciada em audiência, de forma a desvirtuar o sentido e 
 alcance da decisão recorrida».
 
                  26.º – Alegando, também, que tal interpretação, afectando, 
 nessa parte, a decisão recorrida, viola o princípio constitucional do direito de 
 defesa da arguida e ora recorrente, consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
                  27.º – Ora, independentemente da razão que lhe assista, não 
 pode deixar de ser reconhecido ter a recorrente cumprido os requisitos dos quais 
 depende, também nesta parte, a admissibilidade do recurso para esse Tribunal 
 Constitucional.
 
                  28.º – Impondo‑se, por consequência, o seu conhecimento.”
 
  
 
                                  1.3. Notificados os recorridos da apresentação 
 desta reclamação, o representante do Ministério Público neste Tribunal 
 apresentou a seguinte resposta:
 
  
 
                  “1 – A presente reclamação carece manifestamente de fundamento.
 
                  2 – Na verdade, a argumentação da reclamante em nada abala os 
 fundamentos da decisão reclamada no que toca à evidente inverificação dos 
 pressupostos de admissibilidade do recurso.”
 
  
 
                                  Os restantes recorridos não apresentaram 
 resposta.
 
                                  Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                                  2.1. Relativamente à primeira questão de 
 inconstitucionalidade suscitada, reportada a determinada interpretação do 
 artigo 127.º do CPP, a decisão ora reclamada considerou o recurso inadmissível 
 
 (cf. o seu n.º 3.4), por a decisão recorrida não ter feito aplicação, como sua 
 ratio decidendi, do critério normativo arguido de inconstitucional pela 
 recorrente, que, recorde‑se, consistia em interpretar esse preceito no sentido 
 de consentir fundar a condenação de um co‑arguido “com base exclusivamente nas 
 declarações de um outro co‑arguido, não corroboradas objectivamente”.
 
                                  Aduz a reclamante que o acórdão recorrido não 
 poderia deixar de ter aplicado o preceito do artigo 127.º do CPP e que ela 
 entende que, no caso, a sua condenação pelos crimes de extorsão e de corrupção 
 se fundou exclusivamente no depoimento do seu co‑arguido não corroborado 
 objectivamente.
 
                                  Sendo certo que o acórdão recorrido não poderia 
 deitar de ter aplicado o preceituado no artigo 127.º, não é menos certo que 
 este preceito comporta várias interpretações e é cada uma dessas possíveis 
 interpretações que integrará a “norma” objecto do recurso de 
 constitucionalidade. A recorrente, nestes autos, como se assinalou (cf. n.º 3.1 
 da decisão sumária) suscitou duas distintas questões de inconstitucionalidade, 
 ambas reportadas ao artigo 127.º do CPP: uma perante o Tribunal da Relação de 
 Lisboa, que abandonou na motivação do recurso interposto para o STJ, e outra 
 perante este último tribunal.
 
                                  Ora, o critério normativo em que se manifesta 
 esta última interpretação foi explicitamente repudiado pelo acórdão recorrido 
 
 (cujas passagens relevantes foram transcritas no n.º 3.3 da decisão sumária), 
 que expressamente aderiu (com invocação de jurisprudência e doutrina 
 concordantes) ao critério segundo o qual o depoimento de co‑arguido só pode 
 constituir suporte da condenação de outro co‑arguido desde que corroborado 
 objectivamente. A discordância da reclamante respeita, pois, à operação de 
 subsunção judicial da situação concreta do caso em análise a esse critério 
 normativo. Mas esta operação de subsunção, em si mesma considerada – sendo certo 
 que a sua correcção não pode ser sindicada pelo Tribunal Constitucional –, é 
 insusceptível de constituir objecto idóneo de recurso de constitucionalidade, 
 atentas a característica exclusivamente normativa do sistema português de 
 fiscalização de constitucionalidade (cf. n.º 2 da decisão sumária).
 
                                   Improcede, assim, esta parte da reclamação da 
 recorrente.
 
  
 
                                  2.2. Quanto à segunda questão de 
 inconstitucionalidade suscitada, reportada aos artigos 434.º e 426.º, n.º 1, do 
 CPP, a decisão sumária ora reclamada – embora não tenha acompanhado, neste 
 ponto, a posição do tribunal recorrido quanto à impossibilidade de conhecimento 
 da questão (antes entendendo que, não sendo a arguição de nulidade de decisão 
 judicial, em regra, momento adequado à suscitação da questão da 
 inconstitucionalidade das normas aplicadas na decisão arguida de nula, já o será 
 se a inconstitucionalidade visa as normas que disciplinam o próprio incidente de 
 arguição de nulidade, pois nesse aspecto ainda se não esgotou o poder 
 jurisdicional do tribunal) – considerou que a recorrente imputara “directamente 
 
 à decisão judicial em causa, em si mesmo considerada e incindivelmente 
 dependente das particularidades do caso concreto, vícios (ter dado por provados 
 factos novos e ter excluído factos considerados provados pelas instâncias – 
 vícios cuja existência, aliás, o acórdão ora recorrido não reconheceu) que 
 representariam violação de normas de direito ordinário e de normas 
 constitucionais”, sem jamais ter imputado “a normas ou a interpretações 
 normativas adequadamente identificadas a directa desconformidade com normas 
 ou princípios constitucionais, como seria necessário para se considerar 
 suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa”, acrescentando‑se que 
 
 “nem sequer no requerimento de interposição do presente recurso a recorrente 
 esboçou a identificação da interpretação normativa dos preceitos em causa que 
 reputava inconstitucional (sendo certo que a tais preceitos, na sua literal 
 estatuição, nenhuma acusação de inconstitucionalidade vem apontada), em termos 
 de habilitar o Tribunal Constitucional a, caso concedesse provimento ao 
 recurso, apresentar essa interpretação «na sua decisão em termos de, tanto os 
 destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, 
 sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve 
 ser aplicado, por, deste modo, violar a Constituição»”.
 
                                  Aduz a reclamante que não é obrigada a 
 identificar, no requerimento de interposição de recurso, a interpretação 
 normativa que acusa de inconstitucional e que teria suscitado adequadamente, 
 perante o STJ, a questão que pretende ver apreciada.
 
                                  Quanto ao primeiro aspecto, constitui reiterada 
 orientação jurisprudencial do Tribunal Constitucional a de que, quando o 
 recorrente questiona a conformidade constitucional de uma interpretação 
 normativa, deve identificar essa interpretação com o mínimo de precisão, não 
 sendo idóneo, para esse efeito, o uso de fórmulas como “na interpretação dada 
 pela decisão recorrida” ou similares. Com efeito, constitui orientação pacífica 
 deste Tribunal a de que (utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94) “ao 
 suscitar‑se a questão de inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um 
 preceito legal, apenas parte dele ou tão‑só uma interpretação que do mesmo se 
 faça. (...) [E]sse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há‑de ser 
 enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o 
 Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários 
 desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para 
 dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, 
 deste modo, violar a Constituição.”
 
                                  Esse ónus da adequada identificação da 
 interpretação normativa acusada de inconstitucional vale tanto para a suscitação 
 da questão perante o tribunal que viria a proferir a decisão recorrida como para 
 a definição do objecto do recurso de constitucionalidade que deve constar do 
 respectivo requerimento de interposição. A indicação da “norma” cuja 
 inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, imposta 
 pelo n.º 1 do artigo 75.º‑A da LTC, se pode ser satisfeita pela mera menção do 
 preceito em que a norma se contém, quando se questiona a sua literal estatuição, 
 já exige, quando se questiona uma determinada interpretação da norma que teria 
 sido feita pelo tribunal recorrido, a adequada identificação desta 
 interpretação, pelas razões já referidas. E se, quando a deficiência de 
 identificação da interpretação normativa respeita só ao requerimento de 
 interposição de recurso, se imporá a formulação de convite, ao abrigo dos n.ºs 5 
 e 6 do dito artigo 75.º‑A, para correcção da falta, já este convite não se 
 justifica se a deficiência de identificação afecta a própria suscitação da 
 questão perante o tribunal recorrido, falta esta insusceptível de correcção na 
 fase de admissão do recurso.
 
                                  Ora, em rigor, na arguição de nulidade do 
 primeiro acórdão, a recorrente, atentos os termos em que suscitou a questão da 
 inconstitucionalidade, reportou‑a à decisão judicial então atacada, pois, 
 apesar da invocação de normas de direito ordinário e de normas constitucionais, 
 a questão mostra‑se incindivelmente ligada às particularidades do caso 
 concreto, assim desprovida das características da generalidade e da abstracção 
 usualmente associadas à actividade normativa.
 
                                  Mas mesmo que se vislumbrasse naquela peça 
 processual a suscitação, em termos minimamente aceitáveis, de uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, sempre seria de concluir que o tribunal 
 recorrido não aplicou o critério normativo questionado pela recorrente, a saber: 
 que lhe era lícita a “intromissão em aspectos fácticos, embora no âmbito das 
 alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, com 
 aditamento de novos factos ou simples argumentos que extravasem o texto da 
 decisão recorrida ou com exclusão de matéria de facto apreciada em audiência, de 
 forma a desvirtuar o sentido e alcance da decisão recorrida”.
 
                                  Na verdade, quando ao pretenso aditamento de 
 factos, o que o STJ fez, como resulta do próprio texto do acórdão, na passagem 
 em causa, foi apelar às “regras da experiência comum”, como manda o corpo do 
 n.º 2 do artigo 410.º do CPP, para apurar se, no caso, essas regras, conjugadas 
 com o texto da decisão recorrida, evidenciavam erro notório na apreciação da 
 prova. A argumentação desenvolvida com apelo a essas regras não traduz qualquer 
 
 “aditamento de novos factos”.
 
                                  E também não ocorreu “exclusão da matéria de 
 facto”, pois o STJ, na segunda passagem questionada, onde refere que o “facto do 
 n.º 19 nem sequer é decisivo para a condenação da recorrente pelo crime tentado 
 de extorsão, preenchido que ficou com a primeira abordagem dos assistentes”, não 
 deu como não provado esse facto, limitando‑se a constatar que, mesmo sem ele, 
 seria de considerar verificado o cometimento do crime em causa, o que constitui 
 obviamente mera pronúncia sobre a questão de direito.
 
                                  Assim, também por esta razão – não ter a 
 decisão recorrida feito aplicação do critério normativo arguido de 
 inconstitucional – se justifica o não conhecimento da segunda questão de 
 inconstitucionalidade suscitada.
 
  
 
           3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
 
 
 Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
 
 
 Lisboa, 16 de Novembro de 2006.
 Mário José de Araújo Torres 
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos