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Processo n.º 573/06                                       
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
 
  
 
  
 Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I
 
  
 
  
 
 1.            O juiz do Tribunal Judicial de Braga proferiu, a fls. 22, o 
 seguinte despacho:
 
  
 
 “O arguido interpôs recurso da sentença, impugnando a decisão proferida sobre 
 matéria de facto.
 Assim sendo, uma vez que incumbe ao Tribunal a transcrição da prova que tenha 
 sido gravada, foi o arguido notificado para proceder ao pagamento do respectivo 
 preparo, no prazo de cinco dias, nos termos do artigo 89º, n.º 2 do Código das 
 Custas Judiciais (fls. 91). Decorrido tal prazo, o arguido não procedeu ao 
 pagamento do preparo devido.
 Pelo exposto, nos termos do artigo 45º, n.º 1, al. e) do Código das Custas 
 Judiciais, o recurso subirá sem a transcrição das provas produzidas oralmente.
 
 […].”.
 
  
 
 2.            Deste despacho recorreu A. para o Tribunal da Relação de 
 Guimarães, tendo na motivação respectiva (fls. 2 e seguintes) concluído do 
 seguinte modo:
 
  
 
 “1. O douto despacho impugnado considerou que a falta de pagamento pelo Arguido 
 do preparo para as despesas decorrentes da transcrição da gravação das provas 
 produzidas oralmente em audiência e necessárias para instruir o recurso penal 
 tem como consequência que o acto da transcrição se não pratique e, 
 
 2. em conformidade, ordenou a subida do recurso sem essa transcrição. 
 
 3. Considerou, portanto, o Mmº Juiz a quo que o disposto nos arts. 89º, n.º 2 e 
 
 45°, n.º 1, al. e), do CCJ se aplica no âmbito do processo penal e, em concreto, 
 aplicou esses preceitos ao caso vertente. 
 
 4. Tal decisão é inaceitável, porque esses preceitos não se aplicam em processo 
 penal, regulando-se a hipótese em apreço não por eles, mas pelo disposto no art° 
 
 147º, na al. b), última parte. 
 
 5. A decisão ofende, assim estes preceitos legais e deve, por isso, ser 
 revogada, ordenando-se que se proceda à transcrição à custa do Cofre Gerais dos 
 Tribunais, sem prejuízo do oportuno reembolso, se for caso disso. 
 
 6. A interpretação seguida pelo Mm° Juiz a quo do conjunto normativo integrado 
 pelos arts 45°, n.º 1, al. e), e 89°, n.º 2, CCJ, de acordo com a qual tais 
 preceitos se aplicam à falta de pagamento do preparo relativo às transcrições a 
 efectuar, para efeitos de recurso em processo penal da prova produzia oralmente 
 e implicam a consequência da não realização das transcrições, é 
 inconstitucional, por ofensa do disposto nos arts 20°, n.º 1 e 4, 32°, n.ºs 1 e 
 
 5, e 202°, n.º 2, CRP.”. 
 
  
 
 3.            O Ministério Público respondeu (fls. 9 e seguintes), sustentando 
 que o despacho recorrido devia ser revogado.
 
  
 
                  O despacho foi mantido, por decisão de fls. 12 e seguintes.
 
  
 
                  O representante do Ministério Público junto do Tribunal da 
 Relação de Guimarães emitiu o parecer de fls. 30 e seguinte, no qual se 
 pronunciou no sentido da manutenção do despacho recorrido.
 
  
 
 4.            O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 27 de Abril de 
 
 2006, negou provimento ao recurso, pelos seguintes fundamentos (fls. 35 e 
 seguintes):
 
  
 
 “[…]
 Como se referiu no relatório deste acórdão, está em causa saber se o art. 45 n.º 
 
 1 al. e) do CCJ se aplica, ou não, no âmbito do processo penal. 
 Na motivação do recurso, refere-se o acórdão de fixação de jurisprudência do STJ 
 
 2/03, DR 1ª Série de 30-1-03. 
 Porque o relator não sabe dizer mais, nem melhor, do que escreveu o sr. 
 procurador geral adjunto no seu parecer, transcrevem-se as partes principais 
 deste: 
 
 «O assento referenciado teve em vista a resolução da questão de saber, sempre 
 que o recorrente impugnasse a matéria de facto em conformidade com o disposto no 
 art. 412 n.ºs 3 e 4, a quem incumbia a transcrição ali referida: ao recorrente 
 ou ao tribunal? E resolveu-a decidindo que incumbe ao tribunal. 
 Mas o problema debatido no assento não dizia respeito ao pagamento de eventuais 
 encargos com a transcrição. 
 E uma coisa é a transcrição e outra diferente o encargo originado pela feitura 
 da mesma. Quem tem o ónus de proceder ou mandar proceder à transcrição não tem, 
 necessariamente, de suportar o encargo com a mesma. Pode ser o tribunal a 
 proceder à transcrição e ser outrem (o recorrente, por exemplo) a custear o 
 encargo com a mesma. 
 Em segundo lugar, o quadro legislativo alterou-se após a prolação do dito 
 assento do STJ. 
 Na verdade, o Dec.-Lei 324/03 de 27-12 alterou profundamente o CCJ e, além do 
 mais, também o CPP. 
 A redacção do n.º 2 do art. 101 do CPP, introduzida por este Dec.-Lei 324/03 
 manda que os encargos com a transcrição sejam suportados nos termos fixados no 
 CCJ. 
 E o art. 89 n.º 2 do CCJ, também com a redacção do mesmo Dec.-Lei, resolve, 
 expressa e claramente, a questão. 
 Refere tal dispositivo que: 
 
 2 – nos casos em que haja lugar a transcrição das provas produzidas oralmente, 
 os custos com a mesma são suportados pelo recorrente, mediante o pagamento do 
 respectivo preparo para despesas, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o 
 disposto nos arts. 43 a 46. 
 Não havia dispositivo semelhante no CCJ na versão anterior (do Dec.-Lei 224-A/96 
 de 26-11). 
 Embora os arts. 43 a 46 se insiram na parte cível, o art. 89 n.º 2 (sito no 
 domínio das custas criminais) manda aplicar, expressamente, o seu regime ao 
 domínio criminal. E manda aplicar tal regime, naturalmente, com as devidas 
 adaptações. Não pode haver uma transposição pura e simples daquele regime dos 
 arts. 43 a 46, dado que ali se prevêem, por exemplo, regras específicas outros 
 processos. 
 Resulta, assim, com clareza, do regime legal, que o encargo é suportado pelo 
 recorrente». 
 Só mais duas notas: 
 Diz o recorrente que «os interesses públicos em jogo no processo penal não se 
 compadecem com a solução adoptada pelo despacho em mérito, que faz depender a 
 análise e a viabilidade do recurso – no fundo a administração da justiça – do 
 pagamento de um acto cuja prática incumbe sempre ao tribunal…». 
 Transcrevendo o ac. RL de 18-1-06, Proc. 11046/05, citado pelo sr. procurador 
 geral adjunto, «o aludido normativo é perfeitamente compatível com a índole e a 
 natureza do processo penal, não podendo ser visto como uma limitação 
 desproporcionada ou intolerável do direito ao recurso e, consequentemente, 
 também do próprio direito de defesa, porquanto os encargos com a transcrição da 
 prova documentada constituem ‘custas-crime’ (art. 89 n.º 1 do CCJ) e, em caso de 
 insuficiência económica, o respectivo sujeito processual poderá socorrer-se do 
 instituto do apoio judiciário». Aliás, não há aqui qualquer especificidade do 
 processo penal, relativamente a outros ramos do direito processual, nomeadamente 
 o processo civil. Ambos são ramos do direito público e tratam do interesse 
 público da administração da justiça. 
 Alega o recorrente que a orientação seguida ofende o disposto nos arts. 20 n.ºs 
 
 1 e 4, 32 n.ºs 1 e 5 e 202 n.º 2 da CRP. 
 Mas nada argumenta no sentido de demonstrar a violação de cada uma das invocadas 
 cinco normas da CRP. É que, alegar não é só afirmar que se discorda da decisão 
 recorrida, mas sim atacá-la, especificando não só os pontos em que se discorda 
 dela, mas também as razões concretas de tal discordância. Como referem Simas 
 Santos e Leal Henriques em Recursos em Processo Penal, pág. 47, «Os recursos 
 concebidos como remédios jurídicos (...) não visam unicamente a obtenção de uma 
 melhor justiça, tendo o recorrente que indicar expressa e precisamente, na 
 motivação, os vícios da decisão recorrida, que se traduzirão em error in 
 procedendo ou in judicando». 
 
 […].”.
 
  
 
 5.            Deste acórdão recorreu A. para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, “para apreciação da inconstitucionalidade do conjunto normativo 
 integrado pelos arts 45º, n.º 1, al. e), e 89º, n.º 2, do Código das Custas 
 Judiciais, na interpretação, adoptada pela decisão recorrida, de acordo com a 
 qual tais preceitos se aplicam à falta de pagamento do preparo relativo às 
 transcrições a efectuar para efeitos de recurso em processo penal da prova 
 produzida oralmente e implicam a consequência da não realização das 
 transcrições, por ofensa do disposto nos arts. 20º, n.ºs 1 e 4, 32º, n.ºs 1 e 5, 
 e 202º, n.º 2, CRP” (fls. 42).
 
  
 
                  O recurso foi admitido por despacho de fls. 43.
 
  
 
 6.            Nas alegações (fls. 56 e seguintes), o recorrente sustentou, para 
 o que agora releva, o seguinte:
 
  
 
 “[…]
 O douto acórdão impugnado considerou, em suma, que:
 
 […]
 
 - o encargo com essa transcrição [da prova produzida oralmente em audiência] tem 
 de ser suportado pelo Arguido, sendo ele o Recorrente;
 
 - a falta de pagamento do respectivo preparo para despesas implica que não se 
 proceda à transcrição.
 
 […]
 Quanto a esta [questão de saber quem é responsável pelos encargos da 
 transcrição], não há dúvida de que a decisão imputa essa responsabilidade ao 
 Recorrente, afastando-se da solução incorporada no mencionado acórdão do STJ.
 Ou seja: por remissão do art° 89°, n.º 2, CCJ, aplicou ao processo penal a norma 
 do n.º 1 do art° 44° do mesmo diploma, segundo a qual «os preparos para despesa 
 são efectuados por quem requereu expressa ou implicitamente a diligência». 
 Quanto à terceira questão, das consequências da falta de pagamento do preparo, o 
 douto acórdão aplicou a norma do art° 45°, 1, e), CCJ para onde remete aquele 
 art° 89°, n° 2, e de acordo com a qual «[...] a falta de pagamento do preparo 
 para despesas implica [...] a não transcrição das provas produzidas oralmente». 
 Ora, são estas duas componentes da decisão impugnada que suscitam a questão de 
 constitucionalidade submetida à apreciação deste colendo Tribunal. 
 O Recorrente sustenta que a responsabilização do Arguido pelos encargos da 
 transcrição das provas necessárias à instrução do recurso penal ofende a 
 garantia do direito ao recurso estabelecida no n.º 1 do art° 32°, a estrutura 
 acusatória do processo penal (na dimensão da respectiva oficiosidade), 
 consignada no n.º 5 do art° 32°, o acesso ao direito e aos tribunais 
 salvaguardado pelo art° 20°, n.º 1, e a obrigação imposta aos tribunais de 
 assegurarem a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos 
 cidadãos decorrente do n.º 2 do art° 202, todos da CRP. 
 Citando o Ac STJ n.º 2/2003 para fixação de jurisprudência, 
 
 «o processo penal visa a satisfação de um interesse público traduzido na 
 protecção dos bens jurídicos fundamentais da comunidade, estando reservadas ao 
 estado a promoção e a condução do procedimento que a cada caso couber. 
 Assim, o processo penal rege-se, entre outros princípios básicos, pelo princípio 
 da oficialidade, segundo o qual constitui tarefa do Estado a investigação e a 
 submissão a julgamento do arguido, pela prática de infracção penal, e da 
 investigação que, como refere Germano Marques da Silva, in Curso de Processo 
 Penal, vol. 1, Editorial Verbo, p. 73, ‘traduz o poder-dever que ao Tribunal 
 incumbe de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das 
 contribuições da acusação e da defesa, o facto sujeito a julgamento, criando 
 aquele mesmo as bases necessárias à sua decisão’. 
 
 […]
 
 É difícil conceber que fosse deixada à mercê do próprio interessado uma tarefa 
 de tanto significado e melindre como seja a de fornecer ao tribunal o material 
 probatório que iria servir de base ao Julgamento do feito, ainda que em sede de 
 recurso».  
 Estas considerações continuam válidas e actuais, quaisquer que tenham sido as 
 alterações introduzidas no Código das Custas Judiciais, porque entroncam em 
 razões constitucionais muito profundas, atinentes à natureza do processo penal e 
 da administração da Justiça e às garantias do Arguido. 
 Dizendo de outro modo: as normas agora em referência, porque, ao fazerem 
 impender sobre o Arguido o ónus de custear, para efeitos de recurso, a 
 transcrição da gravação da prova produzida oralmente em julgamento, dissociam o 
 Estado do poder/dever de assegurar os meios necessários à realização da justiça 
 penal, dificultam, sem justificação, o acesso dos cidadãos ao direito e aos 
 tribunais, e limitam, também sem justificação, as garantias de defesa na 
 vertente do direito ao recurso. 
 Por isso, considera e defende a Recorrente que os arts 45º, n.º 1, al. e), e 
 
 89°, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, na interpretação, adoptada pela 
 decisão recorrida, de acordo com a qual tais preceitos se aplicam à falta de 
 pagamento do preparo relativo às transcrições a efectuar para efeitos de recurso 
 em processo penal da prova produzida oralmente, ofendem o disposto nos arts 20°, 
 n.ºs 1 e 4, 32°, n.ºs 1 e 5, e 202°, n.º 2, CRP e são inconstitucionais. 
 Ainda, porém, que assim não fosse, não deixariam tais normas de ser 
 inconstitucionais por outro motivo, que nos situa no âmago da terceira questão 
 acima enunciada. 
 A consequência da falta de pagamento do preparo para despesas de transcrição não 
 poderá jamais ser, em processo penal, a de o acto não ser praticado, ou seja, na 
 prática, a da rejeição ou total inviabilidade do recurso, pelas mesmíssimas 
 razões que já ficaram enunciadas no ponto anterior, agora reforçadas pelo 
 carácter excessivo e desproporcional dessa sanção. 
 Quando muito – embora com relutância e sem conceder – poderia admitir-se que a 
 falta de pagamento do preparo – se fosse devido e compatível com a referenciada 
 natureza do processo penal – determinava a sua cobrança coerciva, no competente 
 processo executivo. 
 Mais do que isso representa uma limitação ou mesmo obstrução desproporcional e 
 inadmissível de todos aqueles princípios e normas constitucionais. 
 Conclusão: 
 O conjunto normativo integrado pelos arts 45°, n.º 1, al. e), e 89°, n.º 2, do 
 Código das Custas Judiciais, na interpretação, adoptada pela decisão recorrida, 
 de acordo com a qual tais preceitos se aplicam à falta de pagamento do preparo 
 relativo às transcrições a efectuar para efeitos de recurso em processo penal da 
 prova produzida oralmente e implicam a consequência da não realização das 
 transcrições, é inconstitucional por ofensa do disposto nos arts 20°, n.ºs 1 e 
 
 4, 32°, n.ºs 1 e 5, e 202°, n.º 2, CRP.”.
 
  
 
 7.            O representante do Ministério Público junto do Tribunal 
 Constitucional contra-alegou (fls. 60 e seguintes), sustentando, entre o mais, o 
 seguinte:
 
  
 
 “[…]
 
 1. O Tribunal Constitucional tem diversas pronúncias sobre «os ónus processuais» 
 que impedem sobre as partes. O Acórdão n.º 405/04 faz, aliás, uma resenha da 
 jurisprudência a esse propósito, remetendo para diversos Acórdãos que se 
 pronunciam sobre a matéria: Acórdãos n.ºs 428/03, 260/02, 299/93, 337/2000, 
 
 417/99, 529/03 e 322/04. 
 
 2. Com pleno interesse para o caso ora em apreço é, porém o explanado e decidido 
 pelo Acórdão n.º 405/04 (e, também, pelo Acórdão n.º 677/99, para o qual aquele 
 remete) e que aqui transcrevemos por manifesta adequação: 
 
 […]
 
 3. Ora, ao invés do acontecido na situação objecto de apreciação por este 
 Tribunal, que se pronunciou por um juízo de inconstitucionalidades [n]o Acórdão 
 n.º 405/04, na presente situação sub-judice, em primeiro lugar, ao arguido foi 
 dada a oportunidade (...) de assegurar a plena efectividade do seu direito de 
 recurso, porquanto foi devidamente notificado para fazer os preparos, e, em 
 segundo lugar, o arguido não estava inibido de poder socorrer-se do apoio 
 judiciário para assegurar a plena efectividade do direito. 
 
 4. O disposto nos artigos 89°, n.º 2, e 45º do Código das Custas Judiciais, não 
 representava ónus ou formalidades excessivas ou desproporcionadas que ponham em 
 causa a essência daquele direito (vide conclusões das alegações do Ministério 
 Público, transcritas no Acórdão n.º 405/03), por não se verificar «limitação 
 desproporcionada das garantias de defesa do arguido» 
 
 5. Tal como as instâncias já decidiram, atendendo à data de entrada em vigor, a 
 
 01-01-04 do Decreto-Lei 324/03, de 27-12-03, a jurisprudência do Assento n.º 
 
 2/03, será «inaplicável» em face de lei nova que regula expressamente a matéria. 
 
 
 
 6. Ora, o «novo» n.º 2 do artigo 89° (vide também o n.º 1 do mesmo preceito) é 
 bem claro quanto ao «ónus» que impende sobre o arguido e das «consequências» do 
 não cumprimento de tal «ónus» (artigo 45°, n.º 1, alínea e) do Código das Custas 
 Judiciais). 
 
 7. Assim, e dado, por um lado que o arguido teve oportunidade – por força da 
 notificação efectuada – de cumprir com aquele ónus, e dado, por outro lado, que 
 este ónus não é injusto, desproporcionado ou excessivo na justa medida em que o 
 arguido sempre teria ao seu alcance o mecanismo de apoio judiciário (admissível 
 quanto a nós, em face do disposto no n.º 1 e n.º 2, 2ª parte (encargo 
 excepcional), do artigo 18°, da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais (Lei 
 n.º 34/04, de 29 de Julho), não se vê que tal conjunto de normas possa ofender o 
 artigo 20° (acesso aos tribunais), 32° (garantias de defesa) e 202° (função 
 jurisdicional). 
 III. Conclusão 
 Nesta conformidade e face ao exposto, conclui-se: 
 
 1. As normas dos artigos 45°, n.º 1, alínea e) e 89°, n.º 2 do Código das Custas 
 Judiciais, interpretadas no sentido de terem como consequência a não realização 
 da transcrição das provas produzidas oralmente em processo penal, em caso de 
 recurso interposto pelo arguido que não efectuou para tanto o respectivo preparo 
 para despesas, sendo para tal notificado e não estando impedido de solicitar o 
 correspondente apoio judiciário não são inconstitucionais. 
 
 2. Termos em que não deverá proceder o presente recurso.”.
 
  
 
                  Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II
 
  
 
  
 
 8.            No requerimento de interposição do presente recurso (supra, 5.), 
 submeteu o recorrente à consideração do Tribunal Constitucional uma determinada 
 interpretação do conjunto normativo integrado pelos artigos 45º, n.º 1, alínea 
 e), e 89º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais.
 
  
 
                  Nas alegações (supra, 6.), porém, parece pretender também a 
 apreciação do conjunto normativo integrado pelos artigos 89º, n.º 2, e 44º, n.º 
 
 1, do Código das Custas Judiciais, pois que reporta tal conjunto normativo a uma 
 das “componentes da decisão impugnada que suscitam a questão de 
 constitucionalidade submetida à apreciação” deste Tribunal.
 
  
 
                  Ora, como é evidente, o objecto do recurso de 
 constitucionalidade ficou definido no respectivo requerimento de interposição, 
 pelo que não é possível conhecer do conjunto normativo integrado pelos artigos 
 
 89º, n.º 2, e 44º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais.
 
  
 
                  O mesmo é dizer que não é possível conhecer da questão da 
 conformidade constitucional da interpretação segundo a qual “o encargo com essa 
 transcrição [da prova produzida oralmente em audiência] tem de ser suportado 
 pelo Arguido, sendo ele o recorrente”, que o recorrente qualifica como uma das 
 
 “componentes da decisão impugnada que suscitam a questão de constitucionalidade 
 submetida à apreciação” deste Tribunal – deste modo pretendendo a sua 
 apreciação, ao menos implícita, pelo Tribunal Constitucional –, mas que traduz, 
 de facto, uma autónoma questão de constitucionalidade normativa, que não é 
 susceptível de se confundir com aquela que se encontra referida no requerimento 
 de interposição do presente recurso de constitucionalidade.
 
  
 
                  Também por outro motivo não é possível conhecer dessa questão 
 de constitucionalidade. É que, no recurso para o Tribunal da Relação de 
 Guimarães (supra, 2.), o recorrente perspectivou a questão de 
 constitucionalidade apenas no plano das consequências da falta de pagamento, 
 pelo arguido, do preparo para as despesas decorrentes da transcrição da gravação 
 das provas, não no plano da responsabilidade pelo pagamento dessas despesas. 
 Ora, pressupondo o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 
 do Tribunal Constitucional – aquele que agora foi interposto pelo recorrente – a 
 invocação, durante o processo, da questão de constitucionalidade a apreciar pelo 
 Tribunal Constitucional, não seria possível, quanto à interpretação segundo a 
 qual “o encargo com essa transcrição [da prova produzida oralmente em audiência] 
 tem de ser suportado pelo Arguido, sendo ele o recorrente”, ter como preenchido 
 um dos pressupostos do presente recurso.
 
  
 
                  A única questão de constitucionalidade de que cumpre agora 
 conhecer é, assim, aquela que se reporta ao conjunto normativo integrado pelos 
 artigos 45º, n.º 1, alínea e), e 89º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais – 
 pois que só este foi identificado no requerimento de interposição do presente 
 recurso – e que diz respeito unicamente à outra das “componentes da decisão 
 impugnada que suscitam a questão de constitucionalidade submetida à apreciação” 
 deste Tribunal: mais concretamente, à componente dessa decisão que se prende com 
 as consequências da falta de pagamento do preparo para despesas (entre as quais 
 se encontra a não transcrição das provas produzidas oralmente).
 
  
 
                  Em suma, o objecto do presente recurso prende-se apenas com a 
 terceira questão a que alude o recorrente nas alegações – a de que “a falta de 
 pagamento do respectivo preparo para despesas implica que não se proceda à 
 transcrição” –, e que pode ser definida do seguinte modo: a de saber se é 
 inconstitucional, à luz do disposto nos artigos 20º, n.ºs 1 e 4, 32º, n.ºs 1 e 
 
 5, e 202º, n.º 2, da Constituição, a interpretação dos artigos 45º, n.º 1, 
 alínea e), e 89º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, de acordo com a qual, 
 em processo penal, a falta de pagamento do preparo para despesas relativo à 
 transcrição da prova produzida oralmente, a efectuar para efeitos de recurso, 
 tem como consequência a não realização da transcrição. 
 
  
 
  
 
 9.            O artigo 45º, n.º 1, alínea e), do Código das Custas Judiciais, 
 aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, na redacção emergente 
 do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro – aquela que foi tida em conta na 
 decisão recorrida (supra, 4.) –, dispõe o seguinte:
 
  
 
 “Artigo 45º
 Consequências da falta do preparo para despesas
 
 1 – Sem prejuízo do disposto nos números seguintes e no artigo 46º, a falta de 
 pagamento do preparo para despesas implica, conforme os casos:
 
 […]
 e) A não transcrição das provas produzidas oralmente.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
                  Por sua vez, determina o artigo 89º, n.º 2, do mesmo Código:
 
  
 
 “Artigo 89º
 Encargos
 
 […]
 
 2 – Nos casos em que haja lugar à transcrição das provas produzidas oralmente, 
 os custos com a mesma são suportados pelo recorrente, mediante o pagamento do 
 respectivo preparo para despesas, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o 
 disposto nos artigos 43º a 46º.
 
 […].”.
 
  
 
                  Vejamos se é inconstitucional a interpretação destes dois 
 preceitos que constitui o objecto do recurso e que, repete-se, se prende com a 
 não transcrição das provas produzidas oralmente, enquanto consequência da falta 
 de pagamento do preparo para as despesas decorrentes dessa mesma transcrição. 
 
  
 
 10.          Sendo esta a questão a resolver, a dúvida que em primeiro lugar 
 importa esclarecer é a seguinte: será excessiva ou desproporcionada – e, como 
 tal, violadora do direito ao recurso consagrado no artigo 32º, n.º 1, da 
 Constituição – a consequência prevista na lei para a falta de pagamento do 
 preparo para as despesas decorrentes da transcrição, que é justamente a da não 
 realização dessa transcrição?
 
  
 
                  O recorrente entende que sim, atendendo a que a lei podia, ao 
 menos, determinar uma sanção mais branda, como seja a cobrança coerciva, no 
 competente processo executivo, da dívida respeitante ao preparo para despesas de 
 transcrição (supra, 6.).
 
  
 
                  Já o Ministério Público, nas contra-alegações (supra, 7.), 
 responde negativamente, não só porque ao recorrente/arguido foi dada a 
 oportunidade de cumprir o ónus de pagamento desse preparo (pois que, para tal, 
 foi notificado), como também porque o arguido sempre teria ao seu alcance o 
 mecanismo do apoio judiciário, nos termos do disposto no n.º 1 e no n.º 2, 2ª 
 parte, do artigo 18º da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais (Lei n.º 
 
 34/2004, de 29 de Julho).
 
  
 
                  O artigo 18º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que altera o 
 regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpõe para a ordem jurídica 
 nacional a Directiva n.º 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à 
 melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do 
 estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito 
 desses litígios, dispõe o seguinte:
 
  
 
 “Artigo 18º
 Oportunidade do pedido de apoio judiciário
 
 1 - O apoio judiciário é concedido independentemente da posição processual que o 
 requerente ocupe na causa e do facto de ter sido já concedido à parte contrária.
 
 2 - O apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção 
 processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente ou 
 se, em virtude do decurso do processo, ocorrer um encargo excepcional, 
 suspendendo-se, nestes casos, o prazo para pagamento da taxa de justiça e demais 
 encargos com o processo até à decisão definitiva do pedido de apoio judiciário, 
 aplicando-se o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 24º.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
                  A razão está com o Ministério Público.
 
  
 
                  Na verdade, para determinar se um determinado ónus é pesado ou 
 excessivo, não é suficiente verificar se a lei podia, em abstracto, estabelecer 
 uma sanção mais leve para o respectivo incumprimento (como seria o caso, na 
 
 óptica do recorrente, da cobrança coerciva em processo executivo). É que o 
 estabelecimento de uma sanção mais leve pode, na prática, constituir um fraco 
 estímulo para o cumprimento do próprio ónus e, portanto, inviabilizar a 
 realização do objectivo pretendido pela lei com a consagração do ónus: no caso, 
 a realização das transcrições a expensas, não do Estado, mas do recorrente.
 
  
 
                  O que importa, diversamente, apurar é se o onerado pode cumprir 
 o ónus sem que tal lhe seja particularmente penoso e se, não o tendo cumprido, é 
 ponderado o motivo do incumprimento para efeitos de estabelecimento da sanção.
 
  
 
                  Ora, o que se verifica é que o cumprimento do ónus de pagamento 
 do preparo para as despesas decorrentes da transcrição não se revestiu de 
 especiais dificuldades para o recorrente/arguido nem a sanção estabelecida se 
 alheou do motivo do incumprimento.
 
  
 Em primeiro lugar porque, como salienta o Ministério Público, o arguido foi 
 alertado para a necessidade de cumprimento desse ónus (cfr. também o despacho de 
 fls. 22: supra, 1.): assim, se o arguido não cumpriu, não foi por tal lhe ser 
 especialmente difícil, nomeadamente por desconhecer a imposição.
 
  
 Em segundo lugar, porque o arguido sempre teria ao seu alcance o mecanismo do 
 apoio judiciário – como, aliás, se assinala na decisão recorrida (supra, 4.), no 
 trecho em que transcreve parte de um acórdão da Relação de Lisboa: “[…] em caso 
 de insuficiência económica, o respectivo sujeito processual poderá socorrer-se 
 do instituto do apoio judiciário” –, pelo que o cumprimento do ónus não foi 
 dificultado por razões de natureza económica.
 
  
 Em terceiro lugar, porque tendo o arguido sido alertado para o efeito (cfr. 
 notificação de fls. 21), seria redundante um novo despacho alertando-o para a 
 necessidade de pagamento do preparo e consequências do não pagamento: não pode, 
 pois, dizer-se que a sanção (ou melhor, a desvantagem) não ponderou o motivo do 
 não cumprimento do ónus. 
 
  
 Este aspecto, aliás, claramente diferencia o caso sub judice do caso analisado 
 no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 405/04, de 2 de Junho, citado pelo 
 Ministério Público nas contra-alegações – no qual se julgou inconstitucional, 
 por violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição, a norma do n.º 4 do artigo 
 
 412º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta de 
 transcrição, pelo arguido recorrente, das gravações constantes dos suportes 
 técnicos a que se referem as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 
 
 3 do mesmo artigo tem como efeito o não conhecimento da impugnação da matéria de 
 facto e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao mesmo seja dada a 
 oportunidade de suprir tal deficiência –, desde logo porque, aqui, nenhum acto 
 do juiz ou da secretaria tinha sido anteriormente praticado, alertando o arguido 
 para a necessidade de cumprimento do ónus. 
 
  
 Não sendo excessiva nem desproporcionada a consequência prevista na lei para a 
 falta de pagamento do preparo para as despesas decorrentes da transcrição – que 
 
 é a da não realização dessa transcrição –, cumpre concluir que a interpretação 
 normativa ora em apreciação não viola o direito ao recurso consagrado no artigo 
 
 32º, n.º 1, da Constituição, sendo certo que os outros preceitos constitucionais 
 invocados pelo recorrente ou são inaplicáveis ao caso, ou nada acrescentam ao 
 disposto naquele preceito, quanto à resolução da questão de constitucionalidade 
 que constitui o objecto do presente recurso.
 
  
 
  
 III
 
  
 
  
 
 11.          Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal 
 Constitucional decide negar provimento ao recurso.
 
  
 
                  Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 
 
 (vinte) unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 14 de Novembro de 2006
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Artur Maurício