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Processo n.º 546/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
 
 
                         Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. Relatório
 
                         A. instaurou acção de despejo contra B., L.da, pedindo a 
 declaração da resolução do contrato de arrendamento relativo à loja do prédio 
 sito na Rua …, n.º..‑.., em Lisboa, e a condenação da ré na entrega do local à 
 autora, livre de pessoas e bens, e no pagamento das rendas vencidas e vincendas 
 até à efectivação dessa entrega. Alegou, em síntese, que a ré, locatária da 
 referida loja, celebrou, em 1 de Maio de 2003, com C. e D. um contrato, 
 denominado de cessão de exploração, por via do qual eles passariam a explorar 
 por sua conta o estabelecimento comercial aí instalado, pelo prazo de 12 meses, 
 renovável por iguais e sucessivos períodos, mediante o pagamento da quantia 
 mensal de € 650,00, actualizável anualmente, mas fê‑lo sem pedir autorização à 
 senhoria e também sem fazer a comunicação legal referida no artigo 1038.º, 
 alínea g), do Código Civil, que impõe ao locatário a obrigação de “comunicar ao 
 locador, dentro de quinze dias, a cedência do gozo da coisa por algum dos 
 referidos títulos quando permitida ou autorizada”, resultando da precedente 
 alínea f) a obrigação de o locatário “não proporcionar o gozo total ou parcial 
 da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, 
 sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar”.
 
                         Por despacho saneador do 7.º Juízo Cível da Comarca de 
 Lisboa, de 13 de Abril de 2007, o pedido de resolução do contrato de 
 arrendamento foi julgado improcedente por se haver entendido que a ré não estava 
 obrigada a pedir autorização à autora para celebrar tal contrato nem tinha de 
 proceder à comunicação a que se reporta a alínea g) do artigo 1038.º do Código 
 Civil, pelo que da omissão desses actos não resultava a possibilidade de 
 resolução do contrato de arrendamento. Após recordar que, nos termos do n.º 1 do 
 artigo 111.º do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto‑Lei 
 n.º 321‑B/90, de 15 de Outubro, “não é havido como arrendamento do prédio urbano 
 
 (…) o contrato pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, 
 juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial 
 
 (...) nele instalado”, o despacho saneador desenvolveu a seguinte argumentação:
 
  
 
             “O referido contrato é um contrato atípico ou inominado, que não se 
 identifica nem com o arrendamento, nem com o trespasse e cujo regime jurídico 
 não se encontra expresso na lei.
 
             O que há de característico em tal contrato não é a cedência da 
 fruição do imóvel nem a do gozo do mobiliário ou do recheio que nele se 
 encontra, mas a cedência temporária do estabelecimento como um todo, uma 
 universalidade, uma unidade económica mais ou menos complexa.
 
             Através desse contrato não se dá a transmissão do direito ao 
 arrendamento, não envolvendo o mesmo a transferência definitiva do 
 estabelecimento nem sequer a transferência do arrendamento sobre o imóvel, como 
 sucede no trespasse, já que o cedente conserva a titularidade da relação 
 locatícia.
 
             Nesse contrato, o negócio não incide directamente sobre o prédio, 
 sendo este apenas um dos elementos do estabelecimento comercial propriamente 
 dito, não ocorrendo consequentemente uma transmissão do arrendamento, sendo o 
 cedente quem perante o senhorio continua a responder, como locatário, perante 
 qualquer violação contratual que seja fundamento de resolução.
 
             Como sustenta a ré, decorre de todo o exposto que a lei exclui o 
 mencionado contrato de cessão de exploração do âmbito do contrato de locação, 
 sujeitando‑o ao princípio da liberdade contratual (a este propósito, vide, por 
 todos, a posição do Ex.mo Juiz Conselheiro Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 7.ª 
 edição, Livraria Almedina, pág. 647 e seguintes).
 
             A este propósito também já o Tribunal Constitucional se pronunciou 
 no Acórdão n.º 289/99, de 12 de Maio (DR, II Série, de 14 de Julho de 1999), e 
 no Acórdão n.º 77/2001, de 14 de Fevereiro (DR, II Série, de 26 de Março de 
 
 2001), no sentido de que a falta de comunicação ou de autorização do senhorio a 
 que aludem as alíneas f) e g) do artigo 1038.º do Código Civil, estando em causa 
 a cessão de exploração do estabelecimento, não é contrária à Constituição, 
 antes compatibilizando o eventual conflito dos direitos que se consagram nos 
 artigos 61.º, n.º 1, e 62.º, n.º 1, do diploma fundamental, e não constituindo 
 fundamento para a resolução do contrato (vide também obra citada, pág. 648).
 
             Assim, sendo certo que o contrato que a ora ré celebrou com C. e D. 
 foi um contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial, conclui‑se 
 que a pretensão da autora não pode proceder, porquanto a ré não estava obrigada 
 a pedir autorização à autora para celebrar tal contrato nem tinha que proceder à 
 comunicação a que se reporta a alínea g) do artigo 1038.º do Código Civil, pelo 
 que não se verifica existir qualquer fundamento para a resolução do contrato de 
 arrendamento existente entre autora e ré.”
 
  
 
                         Contra esta decisão apelou a autora para o Tribunal da 
 Relação de Lisboa, sustentando, em suma, que a comunicação ao locador da cessão 
 de exploração pelo locatário é obrigatória, nos termos do artigo 1038.º, alínea 
 g), do Código Civil, e tinha de ser feita no prazo de 15 dias a contar da 
 respectiva escritura, resultando da falta dessa comunicação a ineficácia da 
 cessão em relação ao senhorio e fundamento de resolução do contrato de 
 arrendamento.
 
                         A ré apelada contra‑alegou, sustentado a confirmação da 
 decisão recorrida e logo aduzindo que “a interpretação do teor das alíneas f) e 
 g) do artigo 1038.º do Código Civil no sentido de que a cessão de exploração de 
 estabelecimento comercial instalado em prédio arrendado em termos de a sua 
 validade estar condicionada à prévia autorização do senhorio e de o arrendatário 
 estar sujeito ao dever de comunicação ao senhorio após a sua realização, 
 constituindo qualquer dessas faltas fundamento de despejo previsto na alínea f) 
 do n.º 1 do artigo 64.º do RAU, como o faz a recorrente, constitui 
 inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade, que 
 aqui desde já se invoca para os devidos e legais efeitos, uma vez que pelos 
 atrás referidos acórdãos do Tribunal Constitucional [Acórdãos n.ºs 289/99 e 
 
 77/2001] ficou assente que a cessão de exploração de estabelecimento comercial 
 não é contrária à Constituição, antes compatibilizando o eventual conflito dos 
 direitos que se consagram nos artigos 61.º, n.º 1, e 62.º, n.º 1, da CRP, e não 
 constituindo fundamento para a resolução do contrato de arrendamento”.
 
                         Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22 de 
 Abril de 2008, foi julgada procedente a apelação da autora, revogada a decisão 
 apelada, declarado resolvido o contrato de arrendamento e condenada a ré na 
 entrega do locado, livre de pessoas e bens, e no pagamento da quantia de € 
 
 132,50 por cada mês que decorrer até essa efectiva entrega. Para alcançar essa 
 solução, o referido acórdão desenvolveu a seguinte fundamentação:
 
  
 
             “4.2. O inquilino está ou não obrigado a notificar ao senhorio a 
 cessão de exploração do locado, no prazo de 15 dias contados a partir da data 
 da celebração desse contrato?
 
             4.2.1. A questão que aqui cumpre dirimir – e que se consubstancia na 
 interpretação do estatuído na alínea g) do artigo 1038.º do Código Civil («São 
 obrigações do locatário: …. comunicar ao locador, dentro de 15 dias, a cedência 
 do gozo da coisa por algum dos referidos títulos, quando permitida ou 
 autorizada» – sendo esses «títulos» os enunciados na alínea f) desse mesmo 
 normativo) – originou jurisprudência e doutrina não só diversa mas 
 diametralmente oposta.
 
             O que será, talvez, pouco agradável tendo em conta a previsão do n.º 
 
 3 do artigo 8.º do Código Civil e a necessidade de garantir à comunidade a 
 segurança e certeza jurídicas pelas quais esta tanto anseia.
 
             Porém, a verdade é que os princípios interpretativos estabelecidos 
 pelo legislador nos três números do artigo 9.º do aludido Código permitem essas 
 divergências desde que a interpretação proposta tenha na letra da lei um mínimo 
 de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa (n.º 2).
 
             Ainda assim, esse não é o único critério a atender, pois o julgador 
 terá sempre que ter em conta as condições específicas do tempo em que a norma 
 jurídica está a ser aplicada (n.º 1) e que presumir que o legislador consagrou 
 as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos 
 adequados (n.º 3, cabendo acrescentar que por soluções acertadas se deve 
 entender aquelas que são eticamente conformes à hierarquia de valores que 
 estrutura e dá consistência ao tecido social comunitário, ou, mais simplesmente, 
 as que cabem nos limites da boa fé, dos bons costumes e do fim económico e 
 social do direito – artigo 334.º do Código Civil).
 
             Mas, repete‑se, essas regras não são entendidas de um modo uniforme 
 e, por isso, são tão diversamente aplicadas – daí a necessidade dos acórdãos 
 para uniformização de jurisprudência (artigos 732.º‑A e 732.º‑B do CPC).
 
             4.2.2. Só que a tudo isto acresce que, como avisava Marco Túlio 
 Cícero no século I AC, o tempora o mores, e, sopesando bem todas as 
 consequências sociais que resultaram da predominância dada, durante décadas, aos 
 interesses dos inquilinos sobre os dos senhorios, a comunidade começou a 
 inverter esse seu entendimento e essa sua prática – e, em boa verdade, esse 
 predomínio, no caso dos arrendamentos para fins comerciais e industriais, dada a 
 concreta natureza dos interesses em colisão, não é nem ética nem 
 sociologicamente sustentável (v. artigos 334.º e 335.º do Código Civil, 
 especialmente este último).
 
             O NRAU – que consubstancia o mais recente (actual) pensamento 
 legislativo – e, em particular, a nova redacção dada ao n.º 2 do artigo 1109.º 
 do Código Civil, é disso um sinal evidente, um sinal que o julgador não pode 
 ignorar, nomeadamente porque tem como função social e institucional administrar 
 a justiça em nome do povo (n.º 1 do artigo 202.º da Constituição da República).
 
             Em termos puros e simples, quando estão em causa arrendamentos para 
 fins comerciais e industriais, passou a considerar‑se que não podem suscitar‑se 
 dúvidas quanto à existência de um efectivo dever de informação do inquilino ao 
 senhorio quanto às exactas condições em que o espaço locado está a ser usado 
 
 (isto exactamente porque o cedente não perde a qualidade de arrendatário, ao 
 contrário do que acontece com o trespassante).
 
             4.2.3. Não se ignora, portanto, a opinião jurídica do falecido 
 Conselheiro Aragão Seia – ou a jurisprudência do Tribunal Constitucional 
 igualmente citada na sentença que agora se sindica – mas é igualmente inequívoco 
 que os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça mais recentes (inter alia, todos 
 in www.dgsi.pt/jstj, acórdãos de 9 de Outubro de 2006 – relator Faria Antunes, e 
 de 10 de Julho de 2007 – relator Salvador da Costa) propõem já a solução 
 jurídica que veio a ser consagrada nesse novo artigo 1109.º do Código Civil, a 
 saber: que nos casos de celebração, pelos arrendatários, de contratos de cessão 
 de exploração, é obrigatória a comunicação de tais acordos aos senhorios, no 
 prazo de 15 dias, sob pena de permitir a estes últimos peticionar em juízo a 
 resolução dos contratos de arrendamento firmados com tais inquilinos – que como 
 tal permanecem não obstante o novo contrato – e o consequente despejo desses 
 locados.
 
             E o supra transcrito texto do artigo 1038.º, que é o aplicável à 
 situação sub judice (artigo 12.º do Código Civil), permitia e permite essa 
 interpretação, totalmente conforme às regras enunciadas no artigo 9.º daquele 
 Código.
 
             4.2.4. E porque assim é, não pode manter‑se a decisão recorrida, 
 antes havendo que julgar procedentes as conclusões das alegações do recurso 
 intentado pela ora apelante, e, por essa razão, com o que se revoga a sentença 
 proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, declarar resolvido o contrato de 
 arrendamento relativo à loja do prédio urbano sito na Rua Cesário Verde, n.º 
 
 3‑C, em Lisboa, inscrito na matriz da freguesia de Penha de França sob o artigo 
 
 515, e condenar a ré a entregar imediatamente essa loja à autora, livre de 
 pessoas e bens, bem como a pagar a esta demandante a quantia de € 132,50 por 
 cada mês que decorrer até à entrega efectiva do locado.”
 
  
 
                         Notificada deste acórdão, a ré apelada, ora recorrente, 
 veio do mesmo interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da “interpretação 
 adoptada na decisão recorrida segundo a qual a cessão de exploração (ou 
 locação) de estabelecimento comercial instalado em prédio arrendado se encontra 
 abrangida na hipótese das referidas alíneas f) e g) do artigo 1038.º do Código 
 Civil, em termos de a sua validade estar sujeita ao dever de comunicação ao 
 senhorio após a sua realização, pelo que a falta dessa comunicação constituía 
 fundamento de despejo previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 64.º do RAU (já 
 que os factos ocorreram no âmbito da lei antiga – RAU), interpretação essa que é 
 manifestamente violadora do princípio da igualdade – como, aliás, já 
 anteriormente se alegara – atentas as anteriores decisões proferidas no âmbito 
 da mesma legislação pelo douto Tribunal Constitucional nos seus Acórdãos n.ºs 
 
 289/99, de 12 de Maio, e 77/2001, de 14 de Fevereiro, já referidos, assim 
 compatibilizando o conflito de direitos que se consagrou nos artigos 61.º, n.º 
 
 1, [e 62.º, n.º 1,] da Constituição da República Portuguesa”.
 
                         Neste Tribunal, a recorrente apresentou alegações, 
 concluindo:
 
  
 
             “1. A interpretação das normas constantes das alíneas f) e g) do 
 artigo 1038.º do Código Civil no sentido de que na cessão de exploração 
 comercial (ou locação de estabelecimento) a sua validade está sujeita ao dever 
 de comunicação ao senhorio, após a sua realização, pelo que a falta dessa 
 comunicação constitui fundamento para despejo ao abrigo do disposto na alínea f) 
 
 [do n.º 1] do artigo 64.º do RAU, é manifestamente violadora do disposto no 
 artigo 61.º da CRP e do principio da igualdade, atentas as anteriores decisões 
 proferidas no âmbito dessa mesma legislação por este mesmo douto Tribunal, por 
 seus doutos Acórdãos n.ºs [289]/99, de 12 de Maio, e 77/2001, de 14 de 
 Fevereiro.
 
             2. Os factos a que se refere a presente acção reportam-se ao ano de 
 
 2004, sendo certo que o contrato de cessão de exploração tem a data de 1 de Maio 
 de 2003 e a contestação da acção foi apresentada em 20 de Fevereiro de 2004.
 
             3. A legislação nova a que os M.mos Juízes Desembargadores se 
 reportam – NRAU, Lei n.º 6/2006 – entrou em vigor apenas em Fevereiro de 2006 
 e, nos termos da aplicação das leis no tempo, não é claramente aplicável aos 
 factos ocorridos antes da sua entrada em vigor, nem expectável que as partes 
 regulem os seus comportamentos à luz de uma lei futura.
 
             4. O tratamento de situações como as que decorreram no âmbito dos 
 processos cujos acórdãos atrás referirmos aconselha a que a decisão de 
 considerar dispensável essa notificação prevista nas alíneas f) e g) do artigo 
 
 1038.º do Código Civil se mantenha, a fim de que factos idênticos, processados 
 em períodos de vigência de uma idêntica legislação, não sejam tratados de forma 
 desigual.
 
             5. Decorre de todo o exposto que a interpretação dada em 
 conformidade com o explanado no ponto 1 destas alegações é inconstitucional, 
 violando quer o disposto no artigo 61.º, n.º 1, da CRP, quer ainda o princípio 
 da igualdade.
 
             Nestes termos e nos mais do direito aplicável, deve ser concedido 
 provimento ao presente recurso, e, em face disso, deve este Venerando Tribunal 
 proferir um juízo de inconstitucionalidade da interpretação dada pelo Tribunal 
 a quo às normas contidas nas alíneas f) e g) do artigo 1038.º do Código Civil, 
 com a redacção ocorrida ao tempo da vigência do RAU (2004), no sentido de que a 
 falta de comunicação aí prevista constituía no caso de cessão ou locação de 
 estabelecimento fundamento de despejo previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 
 
 64.º do RAU, pois só assim se fará Justiça!”
 
  
 
                         A autora apelante, ora recorrida, contra‑alegou, 
 propugnando a improcedência do recurso.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Fundamentação
 
                         2.1. A fim de definir, com precisão, o objecto do 
 presente recurso, cumpre salientar que, como resulta do precedente relatório, a 
 autora, tendo inicialmente fundado o pedido de resolução do contrato de 
 arrendamento quer na omissão do pedido de autorização para a celebração do 
 contrato de cessão de exploração do estabelecimento, quer na omissão da 
 comunicação da celebração desse contrato, veio, na apelação por ela interposta, 
 a cingir o fundamento do pedido a esta última causa.
 
                         Por outro lado, embora a discussão travada nos autos 
 pelas partes se tenha centrado no reconhecimento, ou não, da consagração legal 
 desse dever de comunicação e na constitucionalidade dessa exigência, a sua 
 relevância jurídico‑prática sempre esteve associada à consequência que, a vingar 
 a tese da existência do dever de comunicação, derivava da sua violação: o 
 reconhecimento do direito de o senhorio resolver o contrato de arrendamento com 
 o fundamento previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 64.º do RAU [“1. O 
 senhorio só pode resolver o contrato se o arrendatário: (…) f) Subarrendar ou 
 emprestar, total ou parcialmente, o prédio arrendado, ou ceder a sua posição 
 contratual, nos casos em que estes actos são ilícitos, inválidos por falta de 
 forma ou ineficazes em relação ao senhorio, salvo o disposto no artigo 1049.º 
 do Código Civil; (…)”].
 
                         Constitui, assim, objecto do presente recurso a questão 
 da constitucionalidade da norma, extraída da conjugação dos artigos 64.º, n.º 1, 
 alínea f), do RAU e 1038.º, alíneas f) e g), do Código Civil, interpretados no 
 sentido de que constitui fundamento de resolução do contrato de arrendamento a 
 falta de comunicação do locatário ao locador da celebração de um contrato de 
 cessão de exploração do estabelecimento comercial sito no prédio arrendado.
 
  
 
                         2.2. O n.º 1 do artigo 1085.º do Código Civil dispunha – 
 regra que foi transferida para o artigo 111.º, n.º 1, do RAU – que não era 
 havido como arrendamento a cessão de exploração de estabelecimento comercial [ou 
 
 “locação de estabelecimento”, designação que o legislador por vezes utilizara no 
 passado (cf., designadamente, os artigos 1682.º‑A, n.º 1, alínea b), do Código 
 Civil, aditado pelo Decreto‑Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, 246.º, n.º 2, 
 alínea c), do Código das Sociedades Comerciais, e 80.º, n.º 2, alínea m), do 
 Código do Notariado, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 207/95, de 14 de Agosto, na 
 redacção do Decreto‑Lei n.º 40/96, de 7 de Maio) e que veio a consagrar no 
 artigo 1109.º do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 6/2006, de 27 de 
 Fevereiro (que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano – NRAU)], entendida 
 como o contrato pelo qual se transfere temporária e onerosamente, para outrem, 
 juntamente com o gozo do prédio [prédio arrendado, entenda‑se, já que se o 
 cedente do estabelecimento for simultaneamente proprietário do prédio estaremos 
 na presença de um contrato misto de arrendamento para comércio e de locação de 
 estabelecimento – cf. Manuel Henrique Mesquita, Revista de Legislação e de 
 Jurisprudência, ano 129.º, pp. 79‑80], exploração de um estabelecimento 
 comercial ou industrial nele instalado. Essa explicitação legal do afastamento 
 da equiparação a arrendamento visou primacialmente não submeter a cessão da 
 exploração de estabelecimento comercial (em prédio arrendado) às regras 
 específicas do contrato de arrendamento, designadamente a regra vinculística da 
 renovação obrigatória, antes valendo quanto a ela as regras comuns da liberdade 
 contratual (cf. Jorge Alberto Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 7.ª edição, 
 Coimbra, 2003, pp. 644 e seguintes).
 
                         Face ao teor das alíneas f) e g) do artigo 1038.º do 
 Código Civil – que se mantém inalterado desde a versão originária desse diploma 
 
 –, verificou‑se persistente divergência doutrinal e jurisprudencial quanto à 
 questão de saber se sobre o locatário incide quer o dever de obter autorização 
 do locador para a celebração de contrato de cessão de exploração de 
 estabelecimento comercial a funcionar no prédio locado, quer o dever de 
 comunicar ao locador essa cessão, ou apenas o dever de efectuar esta 
 comunicação, ou nenhum desses deveres.
 
                         A tese da inexistência dos deveres de obtenção de 
 autorização do locador para a celebração do contrato de cessão de exploração de 
 estabelecimento comercial e de comunicação da efectiva celebração de tal 
 contrato assentava desde logo, quanto ao primeiro dever, num argumento de 
 maioria ou paridade de razão extraído da expressa determinação legal (cf. 
 artigo 1118.º, n.º 1, do Código Civil, substituído pelo artigo 115.º, n.º 1, do 
 RAU) da desnecessidade de autorização para a celebração de trespasse, sendo 
 certo que enquanto no trespasse ocorre transferência definitiva da titularidade 
 do estabelecimento, a cessão de exploração transfere pro tempore a mera fruição 
 do estabelecimento (cf., nesse sentido, ainda perante a legislação anterior ao 
 Código Civil, Orlando de Carvalho, Critério e Estrutura do Estabelecimento 
 Comercial, I – O Problema da Empresa como Objecto de Negócios, Coimbra, 1967, p. 
 
 603; e, já na vigência do Código Civil, Rui de Alarcão, “Sobre a transferência 
 da posição do arrendatário no caso de trespasse”, Boletim da Faculdade de 
 Direito, vol. XLVII, 1971, pp. 21‑54, em especial p. 27, nota 12, F. M. Pereira 
 Coelho, Arrendamento, Coimbra, 1984, p. 204, nota 1, e Paulo de Tarso 
 Domingues, “A locação de empresa”, Revista de Direito e Economia, anos XVI a 
 XIX, 1990‑1993, pp. 539‑566, em especial pp. 559‑566; em sentido oposto, 
 entendendo que, face ao silêncio do artigo 1085.º do Código Civil (ou artigo 
 
 111.º do RAU) quanto à possibilidade de cessão da exploração sem necessidade de 
 autorização do senhorio, em contraste com a expressa dispensa dessa 
 autorização para o trespasse, constante do artigo 1118.º (artigo 115.º do RAU), 
 não haveria lugar à aplicação analógica desta última norma, mantendo aplicação 
 as regras gerais da locação, carecendo a cessão de exploração de 
 estabelecimento de autorização e comunicação ao senhorio, cf. Fernando Andrade 
 Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª 
 edição, Coimbra, 1986, pp. 532‑533, anotação 7 ao artigo 1085.º, e Pedro Romano 
 Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial) – Contratos, 2.ª edição, 
 Coimbra, 2001, p. 294).
 
                         Por outro lado, a negação da existência de qualquer dos 
 dois referidos deveres era derivada da constatação de que do contrato de cessão 
 da exploração de estabelecimento comercial não resultava qualquer cessão de 
 posição contratual (o locatário cedente da exploração do estabelecimento 
 continuava a ser a contraparte do locador no contrato de arrendamento), nem 
 sublocação, nem comodato, pelo que não se verificava nenhuma das três situações 
 em que (taxativamente) a alínea f) do artigo 1038.º do Código Civil condicionava 
 a possibilidade de o locatário proporcionar a outrem o gozo da coisa à obtenção 
 de prévia autorização do locador, nem, consequentemente, nenhuma das situações 
 em que, nos termos da subsequente alínea g), estava obrigado a comunicar a 
 cedência da coisa por algum dos “referidos títulos” (cessão da posição 
 contratual, sublocação ou comodato): neste sentido, Aragão Seia, obra citada, 
 pp. 647‑648.
 
                         Uma terceira via, considerando não exigida a autorização 
 do locador, mas devida a comunicação da cessão – por imprescindível para 
 possibilitar ao senhorio a fiscalização do negócio realizado, designadamente 
 para, nos termos do n.º 2 do artigo 111.º, apurar se terá ocorrido alguma das 
 circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 115.º (que determina não haver 
 trespasse quando a transmissão não for acompanhada de transferência, em 
 conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que 
 integram o estabelecimento, ou quando, transmitido o gozo do prédio, passe a 
 exercer‑se nele outro ramo de comércio ou indústria ou quando, de um modo geral, 
 lhe seja dado outro destino), hipótese em que o contrato passa a ser havido 
 como arrendamento do prédio –, tem sido defendida, na doutrina, entre outros, 
 por M. Januário da Costa Gomes, Arrendamentos Comerciais, 2.ª edição, Coimbra, 
 
 1991, pp. 76‑77; Jorge Henrique da Cruz Pinto Furtado, Manual do Arrendamento 
 Urbano, 3.ª edição, Coimbra, 2001, pp. 611‑618; António Pais de Sousa, Anotações 
 ao Regime do Arrendamento Urbano, 6.ª edição, Lisboa, 2001, p. 212; Jorge Manuel 
 Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 2003, 
 pp. 310‑319; cf., por último, a anotação de Fernando de Gravato Morais ao 
 acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 17 de Junho de 2004, P. 1092/04 
 
 (“Comunicação da cedência do gozo do imóvel ao senhorio no caso de locação de 
 estabelecimento”, Cadernos de Direito Privado, n.º 10, Abril/Junho 2005, pp. 
 
 60‑68), constando, quer do acórdão quer da anotação, desenvolvidas referências 
 
 às posições doutrinais e jurisprudenciais que têm subscrito cada uma das três 
 teses em presença, referências para as quais se remete (apenas se aditando a 
 menção aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Outubro de 2006, P. 
 
 06A2463, de 14 de Outubro de 2006, P. 06A2756, e de 10 de Julho de 2007, P. 
 
 07B2409, com texto integral disponível em www.dgsi.pt/jstj).
 
                         Como é sabido, a aludida controvérsia doutrinal e 
 jurisprudencial veio a ser resolvida pela Lei n.º 6/2006, na redacção dada ao 
 n.º 2 do novo artigo 1109.º do Código Civil, que, sob a epígrafe Locação de 
 estabelecimento, e inserido na Subsecção VIII – Disposições especiais do 
 arrendamento para fins não habitacionais, dispõe:
 
  
 
             “1 – A transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio ou de 
 parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou 
 industrial nele instalado, rege‑se pelas normas da presente subsecção, com as 
 necessárias adaptações.
 
             2 – A transferência temporária e onerosa de estabelecimento 
 instalado em local arrendado não carece de autorização do senhorio, mas deve 
 ser‑lhe comunicada no prazo de um mês.”
 
  
 
                         Trata‑se, porém, de normação inaplicável ao caso dos 
 autos, em que o contrato de cessão do estabelecimento comercial foi celebrado em 
 
 1 de Maio de 2003, tendo a presente acção sido instaurada em 26 de Janeiro de 
 
 2004.
 
  
 
                         2.3. No Acórdão n.º 289/99 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 43.º vol., p. 547), este Tribunal – em recurso interposto do 
 acórdão do STJ, de 19 de Março de 1998, que confirmara a improcedência de acção 
 de resolução de contrato de arrendamento comercial fundada na falta de pedido de 
 autorização e na falta de comunicação, por parte do locatário, de cedência de 
 exploração de estabelecimento comercial instalado no prédio locado – não julgou 
 inconstitucionais as normas das alíneas f) e g) do artigo 1038.º do Código 
 Civil, quando interpretadas no sentido de que a falta de comunicação ou de 
 autorização do senhorio não constituem fundamento para resolução do contrato de 
 arrendamento, estando em causa a cessão de exploração do estabelecimento.
 
                         Para atingir esta conclusão, desenvolveu‑se a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
             “II – 1. Segundo o disposto nas alíneas f) e g) do artigo 1038.º do 
 Código Civil, são obrigações do locatário [n]ão proporcionar a outrem o gozo 
 total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição 
 jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o 
 autorizar, e [c]omunicar ao locador, dentro de quinze dias, a cedência do gozo 
 da coisa por algum dos referidos títulos, quando permitida ou autorizada.
 
             A decisão sob censura qualificou o negócio jurídico celebrado entre 
 o réu e mulher e a sociedade Álvaro Pinto Correia & Filhos, L.da, como um 
 contrato de cessão de exploração comercial, concluindo seguidamente que da mesma 
 se não «justificaria, nem autorização nem levar ao conhecimento do senhorio».
 
             Significa isto, pois, que o acórdão impugnado veio interpretar 
 aquelas alíneas de sorte a que a cessão de exploração de um estabelecimento 
 comercial, levada a efeito pelo detentor desse estabelecimento, que arrendou 
 determinado local para a sua instalação, não está dependente de prévia 
 autorização do senhorio e comunicação ao mesmo da realização desse negócio.
 
             E é esta interpretação que as recorrentes, por intermédio do 
 vertente recurso, impugnam do ponto de vista da sua validade constitucional, 
 pois que, na sua óptica, ela violaria o que se dispõe no n.º 1 do artigo 62.º da 
 Lei Fundamental.
 
             Dispõe‑se neste preceito constitucional que [a] todos é garantido o 
 direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos 
 termos da Constituição.
 
             E é essa garantia que as recorrentes consideram violada com a 
 interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça fez da norma constante da 
 alínea g) do artigo 1038.º do Código Civil, ao nela se não abranger, no 
 conceito de cessão onerosa ou gratuita da posição jurídica do arrendatário a 
 cessão de exploração do estabelecimento comercial ou industrial instalado na 
 coisa locada.
 
             No aresto ora impugnado foi sublinhado que «em nada foi afectada a 
 posição contratual das senhorias» porquanto «(c)ontinua a ser o mesmo, o 
 arrendatário» e a transferência «incidiu, directamente, sobre o estabelecimento 
 comercial do réu, só abrangendo, digamos indirectamente, bens nele porventura 
 existentes e o arrendamento».
 
             2. De acordo com a noção legal, o arrendamento urbano é o contrato 
 pelo qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um prédio urbano, 
 no todo ou em parte, mediante retribuição (cf. artigo 1.º do Regime do 
 Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 321‑B/90, de 15 de Outubro).
 
             A natureza jurídica do direito do arrendatário tem sido objecto de 
 controvérsia na doutrina portuguesa.
 
             Autores como Paulo Cunha, Luís Pinto Coelho, Dias Marques, Oliveira 
 Ascensão e Menezes Cordeiro podem ser apontados como defensores da tese da 
 realidade do direito de locatário, enquanto que outros, como Inocêncio Galvão 
 Teles, Pinto Loureiro, Gomes da Silva, Pires de Lima, Manuel Henrique Mesquita, 
 Adriano Vaz Serra, João de Matos, Cunha e Sá, Rodrigues Bastos, Pereira Coelho, 
 Manuel Januário Gomes, Antunes Varela e António Santos Lessa se postam como 
 sustentando aquilo que, comummente, se designa por concepção personalista (cf. 
 Jorge Pinto Furtado, in Manual do Arrendamento Urbano, 1996, pp. 52 e 53, nota 
 
 64).
 
             A mais impressiva (e, quiçá maioritária) jurisprudência, por seu 
 turno, tem, nos feitos à mesma submetidos, optado por aquilo que se pode 
 desenhar como seguindo uma perspectiva iluminada pela tese personalista do 
 direito do locatário.
 
             Como é sabido, esteia‑se esta tese na circunstância de o Código 
 Civil parecer, na noção contida no seu artigo 1022.º, «reflectir ... a imagem 
 tradicional da locação como contrato obrigacional e não real», o que é 
 transponível para a noção utilizada no artigo 1.º do RAU (cf. António Pais de 
 Sousa, Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano, 4.ª edição, p. 56).
 
             Em abono da defesa do arrendamento como um direito real, não poderá 
 deixar de citar‑se José de Oliveira Ascensão (Direito Civil – Reais, 4.ª edição 
 refundida, p. 471), que ensina que o «direito de arrendamento é inerente ao 
 prédio e atribui o aproveitamento deste», pelo que, «[e]m consequência, não é 
 atingido por quaisquer transmissões, em vida ou por morte, do direito 
 concorrente que limita», defendendo que «[e]ste princípio vem hoje estabelecido 
 em geral para a locação do artigo 1057.º».
 
                         Por outro lado, Manuel Henrique Mesquita (Obrigações 
 Reais e Ónus Reais, 1990, p. 176) escreve:
 
  
 
             «[…] as manifestações normativas da realidade apenas se verificam 
 após a efectivação da relação de uso ou fruição da coisa locada – e a relação 
 jurídica locativa, conforme vimos, nasce por mero efeito do contrato de locação, 
 não pressupondo, por conseguinte, a entrega da coisa ao locatário. Em segundo 
 lugar, porque, mesmo depois de instaurada a relação de uso ou fruição, a 
 posição jurídica do locatário continua a ser disciplinada, quanto a alguns dos 
 seus efeitos ou vicissitudes, em função e à luz de uma relação intersubjectiva 
 estabelecida entre ele e o locador, consubstanciada no contrato locativo. O 
 direito do locatário não chega a autonomizar‑se da sua matriz contratual, sendo 
 disciplinado pela lei, não apenas no seu momento genético, mas também para além 
 dele, como uma das faces da relação negocial de cooperação de que promana.»
 
  
 
             Torna‑se claro que este Tribunal não tem, in casu, que tomar 
 qualquer posição sobre a controvérsia de que se vem dando notícia, havendo, 
 apenas, que não deixar passar em claro que, mesmo que se sustentasse que o 
 contrato de arrendamento não tem natureza essencialmente pessoal, como diz 
 Pereira Coelho (Direito Civil – I Arrendamento, Sumários das lições ao Ciclo 
 Complementar de Ciências Jurídicas em 1980-1981, pp. 19 e seguintes), que pugna 
 por não haver argumentos decisivos para essa concepção afastar, não é de 
 desprezar o facto de a lei equiparar, por vezes, o direito do arrendatário aos 
 direitos reais para determinados efeitos.
 
             Abordando a relevância do arrendamento, conquanto numa outra 
 perspectiva, este Tribunal teve ocasião de dizer no seu Acórdão n.º 267/95 
 
 (publicado na II Série do Diário da República, de 20 de Julho de 1995):
 
  
 
             «8 – Seja, porém, qual for em definitivo a natureza jurídica do 
 direito ao arrendamento (real ou obrigacional), uma coisa é certa: um tal 
 direito é, em certa medida, protegido pelo artigo 62.º da Constituição, ou 
 seja, pela garantia constitucional do direito de propriedade.
 
             Vejamos em que medida.
 
             O artigo 62.º, n.º 1, da Constituição garante o direito à 
 propriedade privada e à sua transmissão, ‘nos termos da Constituição’, isto é, 
 dentro dos limites e termos definidos noutros pontos da Lei Fundamental, 
 competindo ao legislador definir o conteúdo e limites do direito de propriedade 
 privada [artigo 168.º, n.º 1, alíneas b) e j), da Constituição].
 
             Elemento essencial do direito de propriedade é o direito de não de 
 ser privado dela, que a Constituição não garante em termos absolutos, 
 prevendo-se no n.º 2 do artigo 62.º apenas o direito de não ser arbitrariamente 
 privado da propriedade e o direito à percepção de uma indemnização no caso de 
 requisição ou de expropriação por utilidade pública.»
 
             
 
             3. Perante esta parametrização, torna‑se claro que, no caso sub 
 specie, e para que se não tenda a precipitar um raciocínio com base no qual, não 
 podendo o arrendamento ser desligado do direito garantido pelo n.º 1 do artigo 
 
 61.º do Diploma Básico, a interpretação normativa sub specie constitucionis se 
 figuraria como feridente de tal garantia, há que levar mais longe a análise da 
 questão.
 
             Efectivamente, não pode o problema em apreço ser desligado de uma 
 outra óptica, justamente aquela que consiste no desenho do que, no caso, se 
 postava, ou seja, aquilo que os tribunais judiciais deram como assente (e que, 
 de todo em todo, este Tribunal não pode, no dito caso, pôr em crise) e que 
 consistiu em se tratar uma situação de cessão de exploração do estabelecimento.
 
             Como se sabe, a relação de arrendamento é susceptível de sofrer, 
 como qualquer outra relação jurídica, modificações subjectivas, ou seja, aquelas 
 que operam no plano dos sujeitos.
 
             No que se refere ao arrendamento com um fim que não seja o de 
 habitação, a doutrina tem considerado apenas como modificações subjectivas da 
 relação jurídica os seguintes casos: simples cessão da posição contratual; 
 subarrendamento; trespasse de estabelecimento comercial ou industrial; e cessão 
 de escritório, consultório ou estúdio de profissão liberal (para alguma doutrina 
 
 – cf. Jorge Pinto Furtado, ob. cit., p. 442 – ainda aí se incluem os casos de 
 subarrendamento).
 
             Não importando, para o caso, as situações previstas no artigo 122.º 
 do RAU (redacção e numeração operadas pelo Decreto‑Lei n.º 257/95, de 30 de 
 Setembro) – a que corresponde ao artigo 1120.º do Código Civil –, não se vai sem 
 dizer que as restantes situações se encontram reguladas no artigo 1059.º, n.º 2, 
 do Código Civil, e no artigo 115.º do RAU.
 
             Quanto às situações de cessão da posição contratual e de 
 subarrendamento, exigem expressamente os artigos 424.º, n.º 1, ex vi do artigo 
 
 1059.º, n.º 2, um e outro do Código Civil – quanto à cessão da posição de 
 arrendatário –, 1038.º, alínea f), do mesmo corpo de leis e 44.º do RAU – quanto 
 ao subarrendamento – o consentimento do senhorio.
 
             Tratando‑se de um estabelecimento comercial, convém efectuar um mui 
 perfunctória discorrer sobre o respectivo conceito e aquilo que tem sido 
 vincado como a diferenciação entre os seus trespasse e cessão de exploração.
 
             Assim, Pinto Furtado (ob. cit., pp. 486 a 488) defende que o 
 estabelecimento comercial deve ser visualizado como um «complexo de bens 
 patrimoniais congregados pelo empresário para a realização da sua actividade 
 económica», acrescentando:
 
  
 
             «Complexo de bens que envolverá, pois, não apenas as coisas 
 materiais ou corpóreas, mas também as coisas imateriais ou incorpóreas, com 
 valor económico, que lhe dão aisance instrumental – como, designadamente, o 
 aviamento, ou seja aquela qualidade em clientela e organização que está para o 
 estabelecimento comercial como a fertilidade do solo está para a organização de 
 uma exploração agrícola, ou como o nome ou insígnia do estabelecimento.
 
             […] temos ainda um nítido afloramento de semelhante perspectiva 
 jurídico‑positiva universalizante na facti species do artigo 115.º do RAU.
 
             […] O estabelecimento comercial ou industrial, a que se reporta este 
 preceito, constitui portanto o que na dogmática se denomina universalidade.»
 
  
 
             De seu lado, Oliveira Ascensão («Estabelecimento comercial», in 
 Revista da Ordem dos Advogados, ano 47, 1987, I, P. 14), doutrina no sentido de 
 que:
 
  
 
             «O estabelecimento comercial é uma universalidade de facto: é uma 
 coisa colectiva, unificada pela aptidão para o desempenho de uma função 
 produtiva.
 
             […] que há um sentido técnico de estabelecimento comercial, 
 entendido agora como complexo de situações jurídicas. Neste sentido, o 
 estabelecimento comercial é uma universalidade de direito. É ponto em que nos 
 não podemos deter; mas também não vemos motivo nenhum para fugir à qualificação. 
 O estabelecimento comercial, como situação jurídica, cai inteiramente naquela 
 noção, pois é um complexo de situações jurídicas (ou uma situação jurídica 
 complexa) juridicamente unificadas para efeitos da sua sujeição a vicissitudes 
 comuns.»
 
  
 
             Também Ferrer Correia («Reivindicação do estabelecimento comercial 
 como unidade jurídica», in Estudos Jurídicos, II, 1969, pp. 262 e seguintes) 
 defende que «é como verdadeira unidade jurídica, e não apenas como unidade 
 económica, que o estabelecimento comercial deve ser concebido».
 
             Dada a sua relação com a cessão da exploração de estabelecimento, 
 não é despicienda a citação da seguinte passagem do mesmo autor: «a chamada 
 concessão de exploração comercial ou industrial (rectius: locação de 
 estabelecimento) não é redutível a tantos contratos distintos e autónomos 
 quantos os singulares elementos componentes da universalidade. Designadamente, o 
 negócio jurídico não poderá ser qualificado como arrendamento, sem embargo de 
 envolver a transferência para o locatário, por todo o tempo do contrato, do uso 
 do prédio onde o estabelecimento está instalado.» (p. 265).
 
             Ainda Pinto Furtado, e agora a propósito do trespasse, é do 
 entendimento de que:
 
  
 
             «Além disso, entende‑se pacificamente que ele [o trespasse] 
 envolverá, por outro lado, necessariamente, uma transferência definitiva do 
 estabelecimento. A mera transmissão pro tempore não forma um trespasse – 
 asserção que hoje parece seguramente confirmada pela destrinça que o Regime 
 estabelece entre trespasse, referido no artigo 115.º, e concessão ou cessão da 
 exploração, que contempla no seu artigo 111.º» (p. 490).
 
  
 
             Também Manuel Januário Gomes considera que os conceitos de 
 trespasse e de cessão de exploração são distintos, porquanto no caso do 
 primeiro haverá «sempre que ocorrer uma transferência definitiva e unitária do 
 estabelecimento comercial» (Arrendamentos comerciais, 1991, 2.ª ed., pp. 162 e 
 
 163), enquanto que o segundo «consiste numa forma de negociação do 
 estabelecimento comercial traduzida numa transferência temporária e onerosa do 
 seu gozo ou exploração» (dita obra, p. 61).
 
             4. Sem se ter que tomar partido – já que isso se situa fora dos 
 poderes cognitivos deste Tribunal – sobre o que se deva entender por cessão de 
 exploração efectuada pelo recorrido, tal como foi dado por assente pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça (e que, aliás, se encontra apoiada por autores tais como 
 Orlando de Carvalho, Rui Alarcão, Pereira Coelho e M. Januário Gomes – quanto a 
 este último, veja‑se a obra já citada, p. 77), é evidente que havemos de tomar 
 por assente que na interpretação do artigo 1038.º, alínea g), do Código Civil, 
 que aqui é objecto de recurso, foi considerado que aquela cessão não alterou a 
 relação jurídica estabelecida entre as recorrentes, como locadoras, e o 
 recorrido, como arrendatário, qualidade que, no entender daquele alto tribunal, 
 se manteve inalterada quanto, nomeadamente, às suas obrigações.
 
             É, pois, neste plano que se tem de verificar da existência ou não da 
 alegada contrariedade com a Constituição da norma contida na alínea g) [e 
 também a da alínea f)] do artigo 1038.º do Código Civil no entendimento segundo 
 o qual, havendo cessão do estabelecimento comercial instalado em local 
 arrendado, o arrendatário não necessita da autorização do senhorio para 
 efectuar essa cessão, nem de lha comunicar, tal como foi entendido pelo acórdão 
 recorrido.
 
             Neste contexto, há que não olvidar que, como se sublinhou no Acórdão 
 deste Tribunal n.º 425/87 (publicado no Diário da República, II Série, de 5 de 
 Janeiro de 1988), tomando por referência o «direito de propriedade privada, 
 dir‑se‑á, desde logo, que a conflitualidade existente entre o senhorio e o 
 inquilino radica numa base obrigacional, derivando os direitos e deveres 
 respectivos de um contrato entre ambos celebrado ...».
 
             Assim sendo, e atentos os direitos e obrigações das partes no 
 contrato de arrendamento para comércio ou indústria razoavelmente admissíveis e 
 que, porventura, no prisma do senhorio, se podem configurar como tendo 
 incidência nos poderes de uso, fruição e disposição do seu direito sobre a coisa 
 locada (quiçá podendo acarretar uma sorte de «limitações» àqueles poderes), não 
 se pode dizer que o proprietário do locado (ou quem sobre ele tenha poderes de 
 uso e fruição, caso não seja proprietário) fique afectado ou veja alteradas mais 
 gravosamente essas «limitações» decorrentes do arrendamento que livremente antes 
 celebrou no desfrute da sua autonomia contratual e na decorrência dos poderes de 
 fruição que tinha sobre essa mesma coisa.
 
             É que, esse anterior contrato, com toda a corte de eventuais 
 
 «limitações» que dele promanem para o livre e incondicionado exercício do 
 direito de propriedade sobre o locado (ou um outro direito de conteúdo 
 patrimonial, não passando em claro, que, como dizem Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., p. 331, o 
 espaço semântico-constitucional do direito de propriedade não se limita à 
 proprietas rerum) continua intocado e sujeito a toda a regulamentação que o 
 pauta, continuando a ser exigível pelo locador que o arrendatário cumpra as 
 obrigações inerentes a esse contrato, mantendo‑se, pois, de pé os mesmíssimos 
 direitos, obrigações e ónus decorrentes do contrato.
 
             O que, com a cessão, ocorreu foi unicamente uma alteração subjectiva 
 da gestão do estabelecimento, tido como uma universalidade e da qual faz parte o 
 próprio local onde o mesmo se encontra instalado, estabelecimento esse que 
 continua a ser o mesmo e titulado pelo mesmo arrendatário sobre o qual, como se 
 disse, continuam a impender as mesmas obrigações que defluem do contrato de 
 arrendamento.
 
             Na interpretação de que se cura, a posição das ora recorrentes, no 
 que tange ao seu direito de propriedade sobre a coisa locada não deve, por isso, 
 considerar‑se «tocada» ou, pelo menos, apresentar maiores «limitações» do que 
 aquelas que eventualmente já decorriam do contrato de arrendamento que 
 celebraram com o locatário.
 
             E isto, é evidente, mesmo que para quem perfilhe a perspectiva de 
 que o contrato de arrendamento, mesmo para comércio e indústria, é um contrato 
 intuitus personae (questão sobre a qual, atento o que acima se disse já, este 
 
 órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa não tem aqui 
 que tomar posição), por isso que o mesmo mantém o seu objecto, continuando a 
 ser as mesmas as partes contratantes e as condições e cláusulas a que tal 
 contrato obedece. 
 
             Mas, mesmo para quem não perfilhe na sua integralidade uma 
 fundamentação como a que se veio de expor, por isso que poderia defender que a 
 mesma, levada às últimas consequências, porventura conduziria a que não fossem 
 consideradas como contrárias à Constituição todas as alterações da pessoa do 
 arrendatário (verbi gratia, nos casos de trespasse ou de outras situações de 
 cessão do arrendamento) sem que houvesse necessidade de comunicação ou 
 autorização do senhorio, o que é certo é que, tratando‑se, como no caso se 
 trata, de uma cessão de exploração de um estabelecimento comercial ou 
 industrial, a manutenção do contrato de arrendamento onde tal estabelecimento se 
 sedia ou situa, com dispensa de autorização e comunicação de e ao senhorio, não 
 deixará de ser perspectivável como uma protecção desse mesmo estabelecimento e, 
 dessa sorte, de protecção da própria livre iniciativa económica consubstanciada 
 na exploração do estabelecimento.
 
             Não se divisa, assim, que a interpretação, seguida pelo aresto 
 recorrido e de harmonia com a qual a falta de comunicação ou de autorização do 
 senhorio a que aludem as alíneas f) e g) do artigo 1038.º do Código Civil, não 
 constitui fundamento para resolução do contrato de arrendamento, estando em 
 causa a cessão de exploração do estabelecimento, seja contrária à Constituição, 
 antes compatibilizando o eventual conflito dos direitos que se consagram nos 
 artigos 61.º, n.º 1, e 62.º, n.º 1, desde diploma fundamental.”
 
  
 
                         O juízo de não inconstitucionalidade constante deste 
 Acórdão n.º 289/99 foi reiterado no Acórdão n.º 77/2001, proferido em recurso em 
 que os recorrentes (autores vencidos em acção de resolução do contrato de 
 arrendamento fundada em cedência, pelo locatário, da exploração de um 
 estabelecimento comercial instalado no locado sem que tivesse obtido autorização 
 dos locadores ou lhes tivesse sido efectuada qualquer comunicação) sustentavam 
 a inconstitucionalidade material, por violação dos princípios constitucionais da 
 igualdade, da justiça e do Estado de direito e ainda por violação do direito de 
 propriedade, da norma da alínea f) do artigo 1038.º do Código Civil, entendida 
 no sentido de que não abarca na sua previsão a hipótese de cessão da exploração 
 de estabelecimento comercial ou industrial e de que, em consequência, este 
 negócio se pode realizar sem autorização prévia do senhorio e sem necessidade de 
 comunicação posterior ao negócio. Após se reproduzir a parte relevante da 
 fundamentação do Acórdão n.º 289/99, acrescentou-se no Acórdão n.º 77/2001:
 
  
 
             “3.1. Há que convir que a interpretação dada pelo Tribunal da 
 Relação do Porto no acórdão sob recurso à norma da alínea f) do artigo 1038.º do 
 Código Civil é, de todo em todo, similar àquela interpretação que foi objecto da 
 análise no Acórdão de que imediatamente acima se encontra transcrita uma parte.
 
             Daí que a corte argumentativa utilizada no dito Acórdão n.º 289/99 
 seja, cabalmente, transponível para o caso sub specie e concernentemente à norma 
 da alínea f) do artigo 1038.º do Código Civil, no entendimento perfilhado pelo 
 Tribunal da Relação do Porto. 
 
             A isto acresce que se não vislumbra da alegação produzida pelos 
 recorrentes qualquer argumento que tenha virtualidade, ainda que mínima, e que 
 possa abalar a mencionada corte argumentativa.
 
             Sublinhar‑se‑á, tão‑somente, que nenhuma das dimensões do princípio 
 da igualdade, como sejam a proibição do arbítrio, a proibição de discriminação 
 e a obrigação de diferenciação, foi violada pelo sentido normativo seguido pelo 
 acórdão sob censura quanto ao preceito de que agora se trata.
 
             De facto, a cessão de exploração de estabelecimento comercial ou 
 industrial não é equivalente às restantes situações invocadas nas alegações: 
 sublocação e trespasse. Qualquer uma destas apontadas situações expressamente 
 previstas na alínea f) do artigo 1038.º do Código Civil são consideradas, ao 
 contrário daquela, pela doutrina, como casos de modificação subjectiva da 
 relação jurídica (cf. Jorge Pinto Furtado, referido no Acórdão n.º 289/99, e na 
 passagem ali transcrita).
 
             Desse modo, não se pode falar de qualquer tratamento desigual, 
 porquanto desiguais são as situações confrontadas.
 
             No que respeita aos princípios da justiça e do Estado de direito não 
 se divisa em que é que a norma contida na alínea f) do artigo 1038.º do Código 
 Civil, na aludida interpretação, os possa violar, tanto mais quanto é certo que, 
 quanto a esse ponto, nenhum desenvolvimento se alcança da alegação que foi 
 produzida pelos recorrentes que suporte, em termos minimamente aceitáveis, essa 
 pretensa violação.
 
             Motivos pelos quais se haverá de concluir pela inexistência de 
 qualquer violação da Constituição.”
 
  
 
                         2.4. A recorrente entende que o critério normativo 
 acolhido no acórdão recorrido viola o princípio da igualdade, fundamentalmente 
 por contrastar com anteriores decisões do Tribunal Constitucional, que, na sua 
 tese, para situações idênticas, teriam imposto a adopção de entendimentos 
 opostos.
 
                         Esta arguição é claramente improcedente.
 
                         É sabido que não compete ao Tribunal Constitucional 
 determinar qual a interpretação mais correcta do direito ordinário aplicável ao 
 caso, cabendo‑lhe apenas sindicar se a interpretação efectivamente acolhida nas 
 decisões recorridas – interpretação que tem de ser recebida como um dado da 
 questão de constitucionalidade – respeita ou desrespeita os princípios e as 
 normas constitucionais.
 
                         Perante divergências jurisprudenciais – designadamente 
 tão vincadas e reiteradas como as verificadas a propósito da questão de saber 
 se a cessão da exploração de estabelecimento comercial instalado em local 
 arrendado estava sujeita a autorização do e a comunicação ao senhorio, ou 
 apenas a comunicação, ou nem a uma nem a outra –, é óbvio que, na prática, se 
 criam situações de desigualdade, sendo casos idênticos objecto de soluções 
 diferentes consoante a corrente jurisprudencial em que se inserem os tribunais 
 que os decidem. Mas tal não representa a verificação de uma situação de 
 inconstitucionalidade normativa por violação do princípio da igualdade, enquanto 
 imposição ao legislador ordinário do dever de não consagrar soluções 
 arbitrárias.
 
                         Por outro lado, a circunstância de, nos dois aludidos 
 Acórdãos, o Tribunal Constitucional ter decidido que não era 
 constitucionalmente imposto que o legislador consagrasse o dever de o locatário 
 obter autorização do senhorio para a cessão da exploração do estabelecimento 
 comercial instalado no local arrendado e de comunicar ao locador a efectivação 
 da cessão autorizada, não impõe, como sua decorrência lógica, que se tenha por 
 constitucionalmente proibida a consagração de qualquer um desses deveres. O que 
 naqueles Acórdãos se decidiu foi que, consideradas as diferenças entre os 
 títulos referidos na alínea f) do artigo 1038.º do Código Civil (cessão da 
 posição contratual, subarrendamento e comodato) e a cessão de exploração de 
 estabelecimento comercial instalado em local arrendado, o princípio 
 constitucional da igualdade não impunha ao legislador ordinário que 
 estabelecesse para esta cessão os mesmos condicionalismos fixados para aquelas 
 três figuras; e que, por outro lado, a interpretação normativa que dispensava a 
 autorização do e a comunicação ao senhorio não violava, de forma intolerável, o 
 direito de propriedade deste, antes o conciliava com o direito de iniciativa 
 económica do locatário.
 
                         No presente caso – sem qualquer contradição com a 
 anterior jurisprudência deste Tribunal –, dir‑se‑á que o critério normativo, 
 seguido na decisão recorrida, de que a cessão de exploração deve ser comunicada 
 ao senhorio (sem exigência de obtenção de prévia autorização) não viola o 
 princípio da igualdade, desde logo porque nem sequer equipara integralmente 
 esta situação às três expressamente previstas nas alíneas f) e g) do artigo 
 
 1038.º do Código Civil, relativamente às quais se exige cumulativamente a 
 autorização e a comunicação, e depois porque, atentas as razões invocadas para 
 a afirmação do dever de comunicação (legítimo interesse do senhorio em conhecer 
 a identidade de quem efectivamente usufrui do local arrendado e direito que lhe 
 assiste de controlar o preenchimento dos requisitos do contrato de cessão, ao 
 abrigo dos n.ºs 2 dos artigos 111.º e 115.º do RAU), a imposição deste dever 
 nada tem de arbitrário, desnecessário ou inadequado.
 
                         Ao que acresce que, tratando‑se de um dever de fácil 
 execução e que não interfere (ao contrário da exigência de autorização) com a 
 decisão do locatário sobre o modo por ele tido por mais vantajoso para a 
 exploração do seu estabelecimento, não se vislumbra como possa sustentar‑se que 
 tal solução viola o direito de iniciativa económica, consagrado no artigo 61.º, 
 n.º 1, da CRP.
 
                         Improcedem, assim, os fundamentos em que a recorrente 
 alicerçou a sua tese da inconstitucionalidade do critério normativo adoptado no 
 acórdão recorrido.
 
  
 
                         2.5. A recorrente centrou a sua argumentação 
 fundamentalmente na impugnação da correcção da interpretação do direito 
 ordinário segundo a qual o locatário deve comunicar ao senhorio a cessão de 
 exploração de estabelecimento comercial instalado no local arrendado e na 
 acusação de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade e do 
 direito de iniciativa económica privada, do critério normativo que afirma a 
 existência desse dever.
 
                         Porém, aceitando‑se a consagração legal e a 
 constitucionalidade da imposição desse dever, a violação da Constituição pode 
 ser colocada numa outra perspectiva: a da eventual violação do princípio da 
 proporcionalidade por se considerar excessivo o sancionamento do incumprimento 
 desse dever com a resolução do contrato de arrendamento, apreciação que é 
 consentida pelo artigo 79.º‑C da LTC, e aliás já encarada por este Tribunal.
 
                         Na verdade, a problemática da violação do princípio da 
 proporcionalidade no âmbito da previsão legal das causas de resolução do 
 contrato de arrendamento já foi apreciada por este Tribunal, no Acórdão n.º 
 
 302/2001, em recurso de decisão que decretara o despejo de todo o prédio locado 
 
 (rés‑do‑chão e 1.ª andar), com fundamento em cedência gratuita de apenas uma 
 sala do 1.º andar, não autorizada pelo nem comunicada ao senhorio. Sustentava a 
 recorrente que a norma do artigo 64.º, n.º 1, alínea f), do RAU, ao não permitir 
 a redução do contrato de arrendamento, nos casos de incumprimento ou violação de 
 apenas parte do mesmo, e ao não prever a consequente subsistência da parte ou 
 partes não afectadas pela violação verificada, violava o princípio da 
 proporcionalidade constitucionalmente consagrado. O Tribunal decidiu, por 
 maioria, negar provimento ao recurso, não julgando inconstitucional a norma 
 questionada. Reconhecendo não existirem obstáculos a que a aplicação do 
 princípio da proporcionalidade, “inicialmente restrita à conformação dos actos 
 dos poderes públicos e à protecção dos direitos fundamentais”, se estenda ao 
 domínio das relações jurídico‑privadas, como “princípio geral de direito, 
 conformador não apenas dos actos do poder público mas também, pelo menos em 
 certa medida, dos actos de entidades privadas e inspirador de soluções 
 adoptadas pela própria lei no domínio do direito privado”, o aludido Acórdão 
 acabou por concluir que “num sistema de resolução do contrato de arrendamento 
 por iniciativa do senhorio caracterizado pela existência de causas tipificadas, 
 e num sistema em que a resolução do contrato fundada no incumprimento por parte 
 do arrendatário tem necessariamente de ser decretada pelo tribunal, não se 
 afigura desrazoável, arbitrário nem excessivo que o incumprimento traduzido em 
 cedência do imóvel pelo arrendatário, sem autorização do senhorio, constitua 
 fundamento de resolução do contrato pelo senhorio, ainda que se trate de mera 
 cedência parcial”.
 
                         Na perspectiva ora em apreço, importa começar por 
 salientar que, apesar do pacífico entendimento do carácter taxativo da 
 enumeração das causas de resolução do contrato de arrendamento por iniciativa 
 do senhorio, constante dos artigos 1093.º do Código Civil e 64.º do RAU, ele não 
 impediu que fosse sustentado, na doutrina e na jurisprudência, que da 
 verificação do preenchimento de qualquer uma dessas situações não decorria 
 inexoravelmente a atribuição ao locador do poder de requerer a resolução do 
 contrato [O NRAU, na redacção dada ao artigo 1083.º do Código Civil, substituiu 
 a tipificação taxativa de fundamentos, prevista no artigo 64.º, n.º 1, do RAU, 
 por “um critério de base, formulado em termos de cláusula geral” – o 
 incumprimento, por qualquer das partes, de obrigações contratuais que, pela sua 
 gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do 
 arrendamento –, “complementado por previsões específicas, de carácter meramente 
 exemplificativo, de situações de incumprimento pelo arrendatário, justificativas 
 da resolução pelo senhorio”, sendo certo que “a aplicação das previsões 
 específicas não pode ser desligada da ponderação do factor de valoração 
 enunciado na cláusula geral” (Joaquim de Sousa Ribeiro, “O novo regime do 
 arrendamento urbano: contributos para uma análise”, Cadernos de Direito Privado, 
 n.º 14, Abril/Junho 2006, pp. 3‑24, em especial pp. 20‑21, republicado em 
 Direito dos Contratos – Estudos, Coimbra, 2007, pp. 307‑343, em especial pp. 
 
 336‑337; no mesmo sentido, cf. Maria Olinda Garcia, A Nova Disciplina do 
 Arrendamento Urbano, Coimbra, 2006, p. 23; e Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e 
 João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano, Lisboa, 2006, pp. 167‑168).]
 
                         Para fundar tais soluções, a jurisprudência e a doutrina 
 sublinharam que nada impedia a aplicação ao contrato de arrendamento da regra do 
 artigo 802.º, n.º 2, do Código Civil (“O credor não pode, todavia, resolver o 
 negócio, se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver 
 escassa importância”), disposição esta que “encerra um princípio geral da 
 resolução dos contratos que [o artigo 1093.º do Código Civil] não deve ter 
 querido afastar” (V. G. Lobo Xavier, “Contrato de arrendamento: interpretação; 
 Aplicação do prédio a ramo de negócio diverso do convencionado e teoria do 
 acessório”, anotação ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 1 de 
 Fevereiro de 1979, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 116.º, n.ºs 
 
 3709 a 3711, pp. 105‑118, 153‑160 e 179‑182, em especial p. 180 e notas 30 e 31, 
 com referência a diversas decisões judiciais, principalmente em casos de 
 afectação parcial do prédio locado a fim diverso do convencionado), e isto 
 independentemente do recurso à invocação da figura do abuso de direito (local 
 citado, nota 32). Como se referiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 
 
 3 de Julho de 1997, P. 96B916 (texto integral disponível em www.dgsi.pt/jstj) – 
 que, embora reconhecendo ter a locatária violado a alínea f) do artigo 1038.º do 
 Código Civil ao consentir que, sem autorização dos locadores, uma sociedade 
 indicasse, na escritura da sua constituição, como sua sede o local arrendado, 
 considerou tratar‑se de violação de “escassa importância”, que não justificava a 
 aplicação da sanção da resolução do contrato –: “O artigo 64.º do RAU, ao 
 tipificar os fundamentos de resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio, 
 revela ser a resolução a última sanção, como razão extrema, excluída para 
 infracções mínimas, as de escassa importância, as que de modo algum frustram o 
 plano contratual ou afectam a base de confiança própria de um contrato intuitus 
 personae, como é o arrendamento”.
 
                         Relativamente à consagração legal do direito do locador 
 não informado da transmissão por trespasse de obter o despejo do locado, 
 Antunes Varela (“Acção de despejo”, Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, 
 
 1983, tomo IV, pp. 15‑23, em especial p. 19) referia que “A falta de comunicação 
 do trespasse do estabelecimento ao locador (dono do imóvel onde o 
 estabelecimento se encontra instalado) é severamente (talvez excessivamente, em 
 face do espírito da actual legislação locatícia e até porque o senhorio não pode 
 opor‑se à cessão do direito ao arrendamento), sancionada com o direito de 
 despejo”, sanção que adiante qualifica de “severíssima”. E A. Ferrer Correia 
 
 (“Sobre a projectada reforma da legislação comercial portuguesa”, Revista da 
 Ordem dos Advogados, ano 44, Maio 1984, pp. 5‑43, em especial pp. 40‑41) 
 considerava “manifestamente excessiva” a sanção para a omissão do dever de 
 comunicação do trespasse consistente na atribuição ao senhorio do direito de 
 resolução do contrato, considerando preferível, embora de difícil sustentação 
 face aos textos legais vigentes, a solução, preconizada por Orlando de 
 Carvalho, de, enquanto a notificação não tivesse lugar, o senhorio ter o direito 
 de ignorar a cessão realizada, com todas as consequências inerentes [Já no 
 domínio do NRAU, Ricardo Costa (“O Novo Regime do Arrendamento Urbano e os 
 negócios sobre a empresa”, Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais – 
 Homenagem aos Profs. Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco 
 Lobo Xavier, vol. I, Coimbra, 2007, pp. 479‑523, em especial pp. 504‑505] realça 
 
 “a severidade, o excesso e a desproporção do direito ao despejo” como sanção 
 pela omissão de comunicação do trespasse].
 
                         Apesar de estas acusações de excessiva severidade e 
 desproporção da atribuição ao senhorio do direito de despejo por omissão da 
 comunicação da efectivação de trespasse, que implica uma transferência 
 definitiva do gozo do locado para terceiro, valerem, eventualmente com acrescida 
 força, para a outorga de similar direito de resolução como sanção para a 
 omissão de comunicação da cessão – por definição, meramente temporária – de 
 exploração de estabelecimento comercial, afigura‑se que, tudo considerado, elas 
 não serão suficiente para fundamentar um juízo de inconstitucionalidade da 
 solução legal por violação do princípio da proporcionalidade.
 
                         O reduzido leque de tipos de sanção aplicável ao 
 incumprimento do contrato por parte do locatário, face à multiplicidade de 
 possíveis violações dos diversos deveres que o oneram, torna inevitável que 
 sanção da mesma gravidade seja aplicável a violações contratuais de desigual 
 repercussão. E, como assinalava João Baptista Machado (“Resolução do contrato de 
 arrendamento – Prazo para a propositura da acção”, em Obra Dispersa, vol. I, 
 Braga, 1991, pp. 3‑30, em especial pp. 18‑19): “Se, por força da renovação 
 imposta (artigo 1095.º), o arrendatário goza duma posição de privilégio – em 
 detrimento do interesse do senhorio –, bem se compreende que, em contrapartida, 
 sobre ele impenda um mais estrito dever de cumprir rigorosamente, ponto por 
 ponto, as suas obrigações contratuais. (…) E é assim que nós vemos postas como 
 fundamentos legais do arrendamento certas infracções contratuais que, nos 
 quadros do regime comum da resolução legal, não seriam suficientes para a 
 justificar [Efectivamente, em inúmeras hipóteses, particularmente fora dos 
 grandes centros, os factos previstos nas alíneas a), e), f), g) e i), segunda 
 parte, do artigo 1093.º, n.º 1, atendendo ao interesse do credor terão «escassa 
 importância». Representam, contudo, formas de inadimplemento e o senhorio não 
 tem outro meio de reagir contra elas que não seja a acção de resolução]. (…) 
 Sintetizando, deve pois dizer‑se que, em princípio, só ao arrendatário 
 cumpridor a lei pretende conferir tutela especial do regime proteccionista dos 
 arrendamentos urbanos; e que, por isso, contra o arrendatário que é mau 
 cumpridor ele põe um meio fácil de reacção, facultando-lhe amplamente o 
 exercício do despejo imediato – ou seja, o direito de resolução.”
 
                         Analisado o quadro legal vigente, tal como foi 
 interpretado na decisão recorrida, no seu conjunto, há que concluir que a 
 solução em causa não se mostra, de forma manifesta, violadora do princípio da 
 proporcionalidade.
 
  
 
  
 
                         3. Decisão
 
                         Em face do exposto, acordam em:
 
                         a) Não julgar inconstitucional a norma, extraída da 
 conjugação dos artigos 64.º, n.º 1, alínea f), do Regime do Arrendamento Urbano, 
 aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 321‑B/90, de 15 de Outubro, e 1038.º, alíneas f) e 
 g), do Código Civil, interpretados no sentido de que constitui fundamento de 
 resolução do contrato de arrendamento a falta de comunicação do locatário ao 
 locador da celebração de um contrato de cessão de exploração do estabelecimento 
 comercial sito no prédio arrendado; e, consequentemente,
 
                         b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão 
 recorrida, na parte impugnada.
 
                         Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
 Lisboa, 23 de Setembro de 2008.
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Silva Rodrigues
 João Cura Mariano
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos