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Processo n.º 35/08
 
 2.ª Secção                                                                       
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
 
 
             Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 A – Relatório
 
  
 
             1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto 
 no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua 
 actual versão (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29 de 
 Novembro de 2007, que lhe rejeitou por manifesta improcedência o recurso 
 interposto de despacho do juiz do 1.º Juízo Criminal de Almada, proferido no 
 Proc. n.º 3004/95.0 JA PRT, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da 
 norma do “artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, na parte em 
 que, ao conceder o perdão sob condição resolutiva de reparação do lesado da 
 indemnização que lhe é devida, a satisfazer nos 90 dias imediatos à notificação 
 que deve para o efeito ser feita ao condenado, prejudica o condenado em razão da 
 sua situação económica (artigo 13.º, n.º 2), não considerando o condenado igual 
 perante a lei (artigo 13.º, n.º 1), e restringe os seus direitos, liberdades e 
 garantias (artigo 18.º, n.º 2), sem que essa restrição de direitos, liberdades e 
 garantias revista carácter geral e abstracto (artigo 18.º, n.º 3, todos da 
 Constituição da República Portuguesa)”.
 
  
 
             2 – A recorrente foi condenada criminalmente, juntamente com outras 
 duas arguidas, na pena efectiva de 2 anos e 6 meses de prisão e, solidariamente, 
 em indemnização à ofendida.
 
             A recorrente apenas cumpriu parte dessa pena, tendo beneficiado do 
 perdão de um ano de prisão, ao abrigo da Lei n.º 29/99, mas sob a condição de 
 satisfazer a indemnização em que fora condenada no prazo de 90 dias imediatos à 
 notificação que para o efeito lhe foi feita.
 
             Entendendo haver satisfeito esta condição resolutiva, a arguida 
 requereu ao tribunal da condenação que a considerasse cumprida, por estar a 
 pagar a dívida emergente da condenação em processo de execução, mediante penhora 
 de parte do seu salário, e, caso assim se não pensasse, que lhe fosse concedido 
 novo prazo de 90 dias a contar de notificação para o efeito.
 
             A pretensão da recorrente, sob qualquer das suas vertentes, foi 
 desatendida por decisão da 1.ª instância.
 
             Inconformada, a arguida recorreu para o Tribunal da Relação de 
 Lisboa, continuando a defender os seus já referidos pontos de vista e suscitando 
 a questão da inconstitucionalidade do art.º 5.º, n.ºs 1 e 5, da Lei n.º 29/99, 
 porque “prejudica o condenado em razão da sua situação económica (art.º 13.º, 
 n.º 2), não considerando o condenado igual perante a lei (art.º 13.º, n.º 1), e 
 restringindo os seus direitos, liberdades e garantias (art.º 18.º, n.º 2), sem 
 que essa restrição de direitos, liberdades e garantias revista carácter geral e 
 abstracto (art.º 18.º, n.º 3, todos da Const. da República Portuguesa)”.
 
  
 
             3 – O tribunal ora recorrido rejeitou, por manifesta improcedência, 
 o recurso interposto, tendo-se abonado para decidir a questão de 
 inconstitucionalidade que lhe fora colocada nas seguintes considerações:
 
  
 
 «VIII. Resta, agora, dedicar a atenção merecida à invocação da 
 inconstitucionalidade dos nºs 1 e 2, do art. 5°, da Lei nº 29/99, por violação 
 do princípio da igualdade dos cidadãos, consagrada no art. 13º nºs 1 e 2 e 18º 
 nºs 2 e 3, da CRP. 
 O tratamento jurídico do princípio da igualdade, enquanto princípio estruturante 
 do sistema constitucional global, com o significado de que ninguém pode ser 
 beneficiado, prejudicado ou privado de qualquer direito em função, além do mais, 
 da situação económica, tem sido objecto de tratamento jurisprudencial uniforme 
 no sentido de, numa das suas irradiações, proibir discriminações injustificadas, 
 visto o disposto no art. 13º nº 1, da CRP. O preceito apenas veda o tratamento 
 desigual daquilo que é igual, não já diferenciação de tratamento de situações 
 desiguais. 
 O princípio da igualdade desdobra-se, assim, na obrigação de tratar de forma 
 igual aquilo que é igual e desigual aquilo que é desigual. A obrigação de 
 diferenciação surge como a forma mais justa, logo em manifestação do princípio 
 da igualdade, de tratar situações desiguais. 
 O que se exige, para actuação prática do princípio, é que as medidas sejam 
 materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da 
 proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiam em qualquer 
 motivo constitucionalmente impróprio. As diferenciações são legítimas quando 
 assentam numa distinção objectiva de situações, tenham em vista um fim legítimo 
 e se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas ao seu objectivo (cfr. 
 Constituição da República Portuguesa, Anotada, Coimbra Editora, 128, Profs. 
 Gomes Canotilho e Vital Moreira). 
 A recorrente, sem, no entanto, aduzir uma verdadeira razão de 
 inconstitucionalidade por ofensa ao princípio da igualdade na revogação do 
 perdão por incumprimento da função de reparar os danos que causou com a sua 
 conduta criminalmente ilícita, não tem razão na invocação que faz. De facto a 
 revogação do perdão por incumprimento da reparação apenas se aplica aos 
 condenados que não hajam cumprido a obrigação de reparação, não se podendo dizer 
 que seja materialmente injusta aquela obrigação; que esta seja “irrazoável e 
 arbitrária” (cfr. o Ac. do TC, nº 108/99, DR II Série, de 1/4/99). É razoável, 
 justo e proporcionado que o legislador, se o arguido quer beneficiar do perdão 
 de pena de prisão, ponha a seu encargo a satisfação dos prejuízos que causou; o 
 Estado pode dispor do seu poder punitivo, mas já não pode (ou deve) dispor do 
 interesse do lesado, assegurado por um poder soberano. 
 Por outro lado do que se trata, com a imposição legal em causa não é de 
 prejudicar alguém em virtude da sua situação económica, mas outrossim de impedir 
 incondicionalmente que o obrigado prive o lesado de ser ressarcido, o que 
 redundaria em seu injustificado desfavor; ao fim e ao cabo tratando-se 
 diferenciadamente quem o deve ser. 
 Também se não trata de tratar o arguido que foi condenado pela prática de grave 
 crime de natureza patrimonial, que por deficiência económica se não acha em 
 condições de satisfazer a condição do perdão, de forma diferenciada dos 
 restantes cidadãos que, por deficientes condições económicas não satisfazem as 
 suas dívidas, porque aqueles cometeram um crime, sendo a reparação imposta em 
 condenação a consequência da prática do ilícito, nos termos do art. 129°, do CP. 
 
 
 Está, pois, o legislador legitimado para estabelecer imposições, que se nos 
 afiguram inteiramente pertinentes, consoante os interesses a acautelar e os fins 
 visados com a punição, as quais estão fora da dimensão da proibição do arbítrio 
 
 (cfr. Ac. do TC, de 2/11/99, in BMJ 491, 5. 
 Por lado a lei de amnistia trata de forma igual todos os cidadãos que se 
 encontrem na situação das arguidas, não representando a aplicação da lei 
 qualquer discriminação.” 
 Para esta argumentação e solução remetemos a recorrente a qual, de resto já era 
 conhecedora uma vez que desse aresto havia sido notificada. 
 Por último, a pretensão da recorrente em que lhe seja concedido novo prazo de 90 
 dias não tem agora qualquer possibilidade de ser satisfeito pelas razões acima 
 expendidas relativas ao tempo decorrido desde o cometimento do acto ilícito, da 
 condenação proferida e da notificação, que lhe foi feita há mais de 1 ano, ou 
 seja, pelo menos há quatro vezes o prazo de 90 dias, para a reparação ser 
 efectuada, uma vez que o deferimento dessa pretensão só representaria o 
 adiamento do problema para mais tarde, em suma, uma fuga em frente que contraria 
 frontalmente as razões que presidiram à concessão do perdão nos moldes 
 condicionados que a lei adoptou. 
 Assim sendo, afigura-se manifesto que o alegado não pode, manifestamente, 
 merecer acolhimento.». 
 
  
 
  
 
             4 – Dizendo-se mais uma vez inconformada, a recorrente interpôs o 
 presente recurso para o Tribunal Constitucional. Tendo o relator inicialmente 
 decidido não conhecer dele, veio tal decisão a ser alterada pela conferência, 
 nos termos do n.º 3 do art.º 78.º-A da LTC, em deferimento de reclamação 
 deduzida pela recorrente.
 
  
 
             5 – Notificada para alegar sobre o objecto do recurso, a recorrente 
 concluiu do seguinte jeito o seu discurso argumentativo:
 
  
 
 «1. A arguida e recorrente indicou à queixosa/exequente os seus vencimentos, que 
 esta nomeou à penhora, para pagamento da indemnização arbitrada, com a 
 notificação a que alude o art. 5°, nº 2, da Lei nº 29/99, de 12.05. 
 
  
 
 2. Desde 05/2007 e até hoje que os vencimentos da arguida se encontram 
 penhorado, sendo os respectivos descontos depositados à ordem do Tribunal. 
 
  
 
 3. Com tal penhora e descontos nos vencimentos da arguida, que são depositados à 
 ordem do Tribunal, entendemos que o art. 5°, nºs 1 e 2, da Lei nº 29/99, de 
 
 12.05, ao conceder o perdão sob condição resolutiva de reparação ao lesado da 
 indemnização que lhe é devida, a satisfazer nos 90 dias imediatos à notificação 
 que deve para o efeito ser feita ao condenado, prejudica o condenado em razão da 
 sua situação económica (art. 13°, nº 2), não considerando o condenado igual 
 perante a lei (art. 13°, nº 1), e restringindo os seus direitos, liberdades e 
 garantias (art. 18°, nº 2), sem que essa restrição de direitos, liberdades e 
 garantias revista carácter geral e abstracto (art. 18°, nº 3, todos da Const. 
 República Portuguesa). 
 
  
 
 4. Acrescendo que, em prisão, no caso desta ser decretada com a revogação do 
 perdão concedido, a arguida não poderá pagar à queixosa/exequente a indemnização 
 fixada, por deixar de auferir vencimentos. 
 
  
 
 5. Donde ser inconstitucional o art. 5º, nºs 1 e 2, da Lei nº 29/99, de 12.05, 
 que determina que a arguida satisfaça, nos 90 dias imediatos à notificação que 
 para o efeito lhe será feita, a indemnização a que foi condenada, sob condição 
 resolutiva, com a revogação do perdão de 1 ano concedido, no caso da reparação 
 ao lesado não ocorrer no prazo indicado, inconstitucionalidade, essa, que se 
 verifica por o condenado estar a pagar ao lesado com a penhora dos seus 
 vencimentos, que indicou ao lesado, e por não ter outros meios para pagar, com 
 excepção daqueles que declarou para penhora. 
 
  
 
 6. É inconstitucional o art. 5º, nºs 1 e 2, da Lei nº 29/99, de 12.05, na parte 
 em que revoga o perdão concedido quando há penhora dos seus vencimentos, que 
 indicou ao lesado, para pagar a indemnização arbitrada a este, por violação dos 
 arts. 13°, nºs 1 e 2, e 18°, nºs 2 e 3, da Const. da República Portuguesa.».
 
  
 
             6 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional, 
 contra-alegou, concluindo:
 
  
 
 «1. Não é inconstitucional a norma do artigo 5°, nº 1 e 2 da Lei nº 29/99, de 12 
 de Maio, na medida em que estabelece o pagamento da indemnização devida, nos 
 noventa dias imediatos à notificação do condenado, como condição resolutiva à 
 concessão do perdão da pena. 
 
  
 
 2. Termos em que não deverá proceder o presente recurso.».
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             6 – O objecto do recurso cinge-se, como decorre da decisão que 
 deferiu a reclamação, à questão de saber se a aposição, como condição à 
 concessão do perdão de um ano concedido pelo art.º 1.º, n.º 1, da Lei n.º 29/99, 
 de 12 de Maio, do pagamento da indemnização ao lesado, no prazo de 90 dias 
 imediatos à notificação que para o efeito será feita ao condenado, nos termos 
 previstos no art.º 5.º, n.ºs 1 e 2, da mesma Lei, é constitucionalmente 
 inválida, em face das normas e princípios constitucionais, quer sejam os 
 apontados pela recorrente, quer seja de outros.
 
             O art.º 1.º, n.º 1, da referida Lei estatui que “nas infracções 
 praticadas até 25 de Março de 1999, inclusive, é perdoado um ano de prisão […]”.
 
             A concessão deste perdão foi sujeita, porém, a condição resolutiva. 
 Na verdade, os n.ºs 1 e 2 do art.º 5.º dispõem que:
 
             “1 – Sempre que o condenado o tenha sido também em indemnização o 
 perdão é concedido sob condição resolutiva de reparação ao lesado ou, nos casos 
 de crime de emissão de cheque sem provisão, ao portador do cheque.
 
             2 – A condição referida no número anterior deve ser satisfeita nos 
 
 90 dias imediatos à notificação que para o efeito será feita ao condenado”.
 
  
 
              7 – Antes de mais, importa caracterizar o perdão genérico de penas, 
 por a resolução da concreta questão contender com tal categoria dogmática e os 
 termos da sua sujeição aos cânones constitucionais.
 
             O perdão de penas constitui uma medida de clemência ou de graça “do 
 príncipe” que é aplicada em função das penas em que as pessoas foram condenadas. 
 
 
 
             Como medida de clemência, o perdão emerge de um acto político, 
 tornado fonte jurígena de efeitos sobre as penas aplicadas (sobre a compreensão 
 da clemência como virtude do legislador, cf. Cesare Beccaria, Dos Delitos e das 
 Penas, tradução de José Faria Costa, 2.ª edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 
 p. 161).
 
             Ele impede a execução da pena aplicada pela prática de crimes (cf. 
 sobre a acepção do conceito e das figuras afins, entre outros, Pedro Duro, 
 
 «Notas sobre alguns limites do poder de amnistiar”, Themis, Revista da Faculdade 
 de Direito da UNL, Ano II, n.º 3, 2001, pp. 323 e segs. e Francisco Aguilar, 
 Amnistia e Constituição, Almedina, pp. 37 e segs). 
 
             Na medida em que se traduz num irrelevar, para efeitos do seu 
 cumprimento, da pena concretamente aplicada pela prática de um crime tipificado 
 e cominado na lei – ou visto de outro ângulo, numa desconsideração, total ou 
 parcial, da pena aplicada que foi abstractamente adstringida pelo legislador à 
 violação dos bens jurídico-penais que a definição do tipo legal encerra – o 
 perdão genérico de penas é, por regra, por isso, decretado pelo órgão com 
 competência para definir esse ilícito criminal. 
 
             Nesta perspectiva, ele é, ainda, um meio específico de concretização 
 da política criminal referente à efectivação das penas aplicadas pela prática 
 dos crimes definidos na lei.
 
              Tratando-se de uma medida de clemência geral que é aplicada a todos 
 em função das penas aplicadas, o perdão é um perdão geral.
 
             Na medida, porém, em que o perdão genérico opera em função das penas 
 aplicadas e abrange, em princípio, todos os condenados, ele distingue-se da 
 amnistia e do indulto.
 
             A própria Constituição reconhece, a partir da revisão de 1982, com o 
 aditamento à parte final da alínea f) do art.º 164.º da expressão “e perdões 
 genéricos”, de par com a referência à amnistia e com a previsão já constante do 
 art.º 137.º, n.º 1, alínea e), de competência do Presidente da República para 
 conceder indultos e comutações de penas aplicadas, a diferenciação dos 
 conceitos.
 
             E, assumindo os conceitos tradicionais, presentes no texto 
 constitucional, o art.º 126.º do Código Penal de 1982, publicado posteriormente 
 a tal revisão, a que corresponde agora o art.º 128.º do actual Código Penal, e 
 focando tais institutos pelo lado dos efeitos que desencadeiam, diz que a 
 amnistia “extingue o procedimento criminal (amnistia própria) e, no caso de ter 
 havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como 
 da medida de segurança” (amnistia própria, na primeira situação, e amnistia 
 imprópria no segundo caso); que o perdão genérico “extingue a pena, no todo ou 
 em parte” e que o indulto “extingue a pena, no todo ou em parte, ou substitui-a 
 por outra mais favorável prevista na lei” (para uma compreensão histórica da 
 amnistia, cf. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 444/97, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 
             Deste modo, a amnistia atinge a punibilidade dos actos definidos 
 como crimes; actua em função dos crimes, deixando os actos praticados até ao 
 momento histórico-jurídico considerado de poderem ser enquadrados nos tipos 
 legais amnistiados.
 
             A amnistia apaga retroactivamente a punibilidade criminal dos factos 
 típicos, continuando os tipos penais a valerem, por inteiro, para o futuro.
 
             Por seu lado, o indulto atinge apenas a pena concretamente aplicada 
 a uma concreta pessoa por decisão transitada em julgado, extinguindo-a, no todo 
 ou em parte, ou alterando-a ou suspendendo-a; falando-se nestas últimas 
 situações de comutação de penas.
 
             A Constituição da República Portuguesa atribui a competência 
 exclusiva para conceder amnistias e perdões genéricos à Assembleia da República, 
 na alínea f) do art.º 161.º. 
 
             Tal reserva absoluta de competência da Assembleia da República 
 encontra, exactamente, o seu fundamento material naquele elemento de o perdão 
 genérico defluir de um acto essencialmente político com reflexos sobre a 
 política criminal concretamente adoptada pelo parlamento quando procede à 
 definição dos tipos penais e previsão das correspondentes medidas 
 sancionatórias.
 
             Já a concessão do indulto e comutação de penas está atribuída à 
 competência própria do Presidente da República, estando o seu exercício 
 dependente da audição do Governo [art.º 134.º, alínea f), da CRP].
 
             
 
             8 – Embora a concessão do perdão genérico – única figura que agora 
 nos interessa – seja efeito de um acto político, que pode ter por causa as mais 
 diversas motivações (cf., referindo-se à amnistia, os Acórdãos n.ºs 444/97 e 
 
 510/98, ambos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), como sejam a 
 magnimidade por occasio publicae laetitia excepcional, razões de política geral 
 de apaziguamento ou outras, de correcção de determinadas ponderações anteriores 
 efectuadas pelo direito ou do modo da sua aplicação pela jurisprudência ou pela 
 administração, ela expressa-se através de uma lei em sentido material.
 
             Ora, cabendo a sua edição na competência do legislador ordinário, 
 tomada no campo da política criminal, não pode deixar de se lhe reconhecer 
 discricionariedade normativo-constitutiva na conformação do seu conteúdo.
 
             Referindo-se à circunstância de as Leis n.ºs 23/91, de 4 de Julho, 
 
 15/94, de 11 de Maio e 29/99 não terem contemplado, nos perdões genéricos 
 concedidos, a medida de segurança de internamento, disse-se no Acórdão do 
 Tribunal Constitucional n.º 42/02, disponível em www.tribunalconstitucional.pt:
 
  
 
           “Neste domínio, o Tribunal Constitucional vem entendendo, com 
 significativa reiteração, que, nos óbvios parâmetros do Estado de direito 
 democrático, a liberdade de conformação legislativa goza de alargado espaço onde 
 têm lugar preponderantes considerações não necessariamente restritas aos fins 
 específicos do aparelho sancionatório do Estado, mas também outras ditadas pela 
 conveniência pública que, em última instância, entroncam na raison d’Etat”.
 
             
 
             Mas essa discricionariedade normativo-constitutiva não é ilimitada: 
 ela tem de respeitar as normas e os princípios constitucionais.
 
             Estas normas e princípios constitucionais surgem sempre como um 
 limite à actividade legiferante do órgão constitucionalmente competente para 
 dispor sobre a matéria.
 
             Entre os princípios, cujo respeito se impõe ao legislador ordinário 
 competente para dispor sobre o perdão genérico das penas, contam-se o invocado 
 pela recorrente, o princípio da igualdade perante a lei e na lei (cf. além dos 
 referidos Acórdãos, Pedro Duro, op. cit., p. 336, e Francisco Aguilar, op. cit, 
 p. 209).
 
             No que importa à primeira dimensão, importa reconhecer que o 
 legislador do perdão genérico não o desrespeitou. 
 
             Na verdade, o perdão foi concedido a todos condenados que houvessem 
 praticado os mesmos crimes pelos quais a recorrente foi condenada e se 
 encontrassem na mesma situação.
 
              O perdão abrange todas as pessoas que sejam condenadas pela 
 prática, até ao momento considerado na lei, de todas as categorias de crime, à 
 excepção das pessoas condenadas que se encontrem em determinada situação, nela 
 definida de forma geral e abstracta (n.º 1 do art.º 2.º da Lei n.º 29/99), ou 
 hajam praticado certas categorias de crimes (n.º 2 do mesmo artigo).
 
             Por outro lado, o estabelecimento do pagamento, dentro de certo 
 prazo, da indemnização como condição resolutiva da concessão do perdão mostra-se 
 também feito de forma geral e abstracta, colocando todos os condenados em penas 
 de prisão que o tenham sido igualmente no pagamento de indemnizações aos lesados 
 na mesmíssima situação quanto ao benefício da clemência.
 
             Cabe na discricionariedade normativa do legislador ordinário eleger, 
 quer a medida do perdão de penas – o quantum do perdão –, quer, em princípio, as 
 espécies de crimes ou infracções a que diga respeito a pena aplicada e perdoada, 
 quer a sujeição ou não a condições, desde que o faça de forma geral e abstracta, 
 para todas as pessoas e situações nela enquadráveis.
 
             Importa, agora, saber se os preceitos referidos violam o princípio 
 da igualdade na lei ou se, ao invés, como alega a recorrente, procedem a uma 
 discriminação ilegítima em razão da situação económica do condenado. 
 
             Na óptica da recorrente, ao conceder o perdão sob a condição 
 resolutiva do pagamento ao lesado da indemnização arbitrada, dentro de certo 
 prazo, a lei discriminaria o condenado sem capacidade económica para a solver  
 relativamente àquele condenado que a possui, tratando-o desigualmente.
 
             Já se viu que as pessoas beneficiárias do perdão de penas se 
 encontram na mesma situação quanto à sua sujeição à referida condição resolutiva 
 do pagamento da indemnização dentro de certo prazo.
 
             Pode, porém, acontecer que os beneficiários do perdão tenham, no 
 plano de facto, diferente capacidade económica para poderem satisfazer a 
 indemnização em que foram condenados e assim satisfazer a condição resolutiva.
 
             No art.º 13.º, n.º 2, a Constituição estabelece que “ninguém pode 
 ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou 
 isento de qualquer dever em razão […] da situação económica […]”.
 
             Mas igualdade não é igualitarismo.
 
             O Tribunal Constitucional tem uma vasta jurisprudência sobre o 
 princípio da igualdade.
 
             Reflectindo o estado actual da compreensão do princípio da 
 igualdade, tanto na jurisprudência como na doutrina, nacionais e estrangeiras, 
 afirmou-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2003 (publicado no 
 Diário da República I Série-A, de 17 de Junho de 2003), assumindo em diversos 
 passos da sua fundamentação abundante argumentação de jurisprudência anterior:   
 
                   
 
          
 
         “[...] Princípio estruturante do Estado de Direito democrático e do 
 sistema constitucional global (cfr., neste sentido, Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, 
 pág. 125), o princípio da igualdade vincula directamente os poderes públicos, 
 tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr. ob. 
 cit., pág. 129) o que resulta, por um lado, da sua consagração como direito 
 fundamental dos cidadãos e, por outro lado, da 'atribuição aos preceitos 
 constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força 
 jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de 
 qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as 
 entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou 
 jurisdicional (artigo 18º, nº 1, da Constituição)”(cfr. Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 186/90, publicado no Diário da República II Série, de 12 de 
 Setembro de 1990).
 
  
 
         […] 
 
  
 
 1.2.-     O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação 
 do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, 
 
 “razoável, racional e objectivamente fundadas”, sob pena de, assim não 
 sucedendo, “estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do 
 acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores 
 constitucionalmente relevantes”, no ponderar do citado Acórdão nº 335/94.  Ponto 
 
 é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a 
 discriminação infundada (o que importa é que não se discrimine para discriminar, 
 diz-nos j.c.vieira de andrade – Os Direitos Fundamentais na Constituição 
 Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, pág. 299).
 
  
 
         Perfila-se, deste modo, o princípio da igualdade como “princípio 
 negativo de controlo” ao limite externo de conformação da iniciativa do 
 legislador  -  cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 127 e, por 
 exemplo, os Acórdãos nºs. 157/88, publicado no Diário da República, I Série, de 
 
 26 de Julho de 1988, e os já citados nºs. 330/93 e 335/94  -  sem que lhe 
 retire, no entanto, a plasticidade necessária para, em confronto com dois (ou 
 mais) grupos de destinatários da norma, avalizar diferenças justificativas de 
 tratamento jurídico diverso, na comparação das concretas situações fácticas e 
 jurídicas postadas face a um determinado referencial (“tertium comparationis”).  
 A diferença pode, na verdade, justificar o tratamento desigual, eliminando o 
 arbítrio (cfr., a este propósito, gomes canotilho, in Revista de Legislação e de 
 Jurisprudência, ano 124, pág. 327;  alves correia, O Plano Urbanístico e o 
 Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, pág. 425;  Acórdão nº 330/93).
 
  
 
         Ora, o princípio da igualdade não funciona apenas na vertente formal e 
 redutora da igualdade perante a lei; implica, do mesmo passo, a aplicação igual 
 de direito igual (cfr. gomes canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do 
 Legislador, Coimbra, 1982, pág. 381;  alves correia, ob. cit., pág. 402) o que 
 pressupõe averiguação e valoração casuísticas da 'diferença'” de modo a que 
 recebam tratamento semelhante os que se encontrem em situações semelhantes e 
 diferenciado os que se achem em situações legitimadoras da diferenciação.
 
  
 
                         […]
 
  
 
         “[...] O Tribunal Constitucional tem considerado que o princípio da 
 igualdade impõe que situações da mesma categoria essencial sejam tratadas da 
 mesma maneira e que situações pertencentes a categorias essencialmente 
 diferentes tenham tratamento também diferente. Admitem-se, por conseguinte, 
 diferenciações de tratamento, desde que fundamentadas à luz dos próprios 
 critérios axiológicos constitucionais. A igualdade só proíbe discriminações 
 quando estas se afiguram destituídas de fundamento racional [cf., nomeadamente, 
 os Acórdãos nºs 39/88, 186/90, 187/90 e 188/90, Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 11º vol. (1988), p. 233 e ss., e 16º vol. (1990), pp. 383 e ss., 
 
 395 e ss. e 411 e ss., respectivamente; cf., igualmente, na doutrina, jorge 
 miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 2ª ed., 1993, p. 213 e ss., 
 gomes canotilho, Direito Constitucional, 6ª ed., 1993, pp. 564-5, e gomes 
 canotilho e vital moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 1993, 
 p.125 e ss.]”.
 
  
 
         […] 
 
  
 
        Assente a possibilidade de estabelecimento de diferenciações, tornar-se-á 
 depois necessário proceder ao controlo das normas sub judicio, feito a partir do 
 fim que visam alcançar, à luz do princípio da proibição do arbítrio 
 
 (Willkürverbot) e, bem assim, de um critério de razoabilidade.    
 
  
 
        Com efeito, é a partir da descoberta da ratio da disposição em causa que 
 se poderá avaliar se a mesma possui uma “fundamentação razoável” (vernünftiger 
 Grund), tal como sustentou o “inventor” do princípio da proibição do arbítrio, 
 Gerhard Leibholz (cf. f. alves correia, O plano urbanístico e o princípio da 
 igualdade, Coimbra, 1989, pp. 419ss). Essa ideia é reiterada entre nós por maria 
 da glória ferreira pinto: “[E]stando em causa (...) um determinado tratamento 
 jurídico de situações, o critério que irá presidir à qualificação de tais 
 situações como iguais ou desiguais é determinado directamente pela 'ratio' do 
 tratamento jurídico que se lhes pretende dar, isto é, é funcionalizado pelo fim 
 a atingir com o referido tratamento jurídico. A 'ratio' do tratamento jurídico 
 
 é, pois, o ponto de referência último da valoração e da escolha do critério” 
 
 (cf. Princípio da igualdade: fórmula vazia ou fórmula 'carregada' de sentido?, 
 sep. do Boletim do Ministério da Justiça, nº 358, Lisboa, 1987, p. 27). E, mais 
 adiante, opina a mesma Autora: “[O] critério valorativo que permite o juízo de 
 qualificação da igualdade está, assim, por força da estrutura do princípio da 
 igualdade, indissoluvelmente ligado à 'ratio' do tratamento jurídico que o 
 determinou. Isto não quer, contudo, dizer que a 'ratio' do tratamento jurídico 
 exija que seja este critério, o critério concreto a adoptar, e não aquele outro, 
 para efeitos de qualificação da igualdade. O que, no fundo, exige é uma conexão 
 entre o critério adoptado e a 'ratio' do tratamento jurídico. Assim, se se 
 pretender criar uma isenção ao imposto profissional, haverá obediência ao 
 princípio da igualdade se o critério de determinação das situações que vão ficar 
 isentas consistir na escolha de um conjunto de profissionais que se encontram 
 menosprezados no contexto social, bem como haverá obediência ao princípio se o 
 critério consistir na escolha de um rendimento mínimo, considerado indispensável 
 
 à subsistência familiar numa determinada sociedade” (ob. cit., pp. 31-32).
 
  
 
        […]».
 
  
 
             Ora, a imposição da analisada condição resolutiva não se afigura 
 destituída de fundamento material ou racional bastante, de modo algum podendo 
 ser tida como medida irrazoável ou arbitrária.
 
             A indemnização encontra a sua justificação na prática do crime. É a 
 prática do acto ilícito criminalmente que constitui causa ou fundamento jurídico 
 da condenação do arguido no pagamento da indemnização ao ofendido. 
 
             Nesta medida, ela é também um efeito jurídico da prática do crime, 
 tal como o é a condenação na pena criminal. 
 
             É claro que a pena visa satisfazer, essencialmente, interesses do 
 Estado, de reconstituição da paz jurídica entre a comunidade social e o 
 criminoso, conseguida através de medida funcionalizada para a prevenção geral e 
 para a sua ressocialização, e que a indemnização pretende “reparar um dano” 
 provocado ao ofendido, procurando reconstituir a situação que existiria se não 
 fora a verificação do “evento que obriga à indemnização” (cf. art.ºs 483.º e 
 
 562.º do Código Civil).
 
             Nesta perspectiva, trata-se de efeitos jurídicos autónomos. 
 
             Só que a condenação em indemnização não deixa de corresponder a uma 
 concreta decorrência, ainda, da ilicitude (criminal) do facto praticado e de 
 reacção do sistema jurídico, aqui, em protecção ou favor do lesado.
 
             Ela mantém uma conexão íntima com a prática do crime. Essa relação 
 intrínseca entre a prática do crime e o dever de reparar o dano provocado é, de 
 resto, assumida, expressamente, pelo Código Penal quando determina, no art.º 
 
 71.º, que se relevem as consequências do crime e a conduta destinada a 
 repará-las para efeitos de determinação da medida da pena, e, quando prevê, nos 
 art.ºs 50.º, n.ºs 1 e 2, e 52.º, n.º 1, alínea b), a possibilidade de, nas 
 condições aí definidas, a pena aplicada ser suspensa, mediante o pagamento da 
 indemnização ou a garantia do mesmo por meio de caução idónea, sendo que o 
 Tribunal Constitucional, apreciando esta última norma, considerou que ela não é 
 inconstitucional (cf. Acórdão n.º 596/99 e Acórdão n.º 440/87, este 
 relativamente ao correspondente preceito do C. Penal de 1982; cf., ainda, 
 referindo-se ao artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, na parte em que condiciona a 
 suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento pelo arguido do imposto em 
 dívida e respectivos acréscimos legais, os Acórdãos n.ºs 256/03, 335/03, 500/05 
 e 29/07, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
 
             Aquela conexão intrínseca era, aliás, a razão pela qual já o art.º 
 
 34.º do Código de Processo Penal, de 1929, consagrando o princípio da 
 oficiosidade do arbitramento da indemnização, estabelecia que “o juiz, no caso 
 de condenação, arbitrará aos ofendidos uma quantia como reparação por perdas e 
 danos, ainda que não tenha sido requerida”.
 
             E não obstante o legislador do actual Código de Processo Penal ter 
 optado pelo princípio da adesão da acção cível à acção penal, obrigando à 
 dedução do respectivo pedido de indemnização, ao dispor no art. 71.º que “o 
 pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no 
 processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal 
 civil, nos casos previstos na lei”, não deixa tal opção de se basear na conexão 
 
 íntima da relação de indemnização com a relação penal.
 
             Nessa medida, bem se compreende que o órgão competente (Assembleia 
 da República) do titular do poder de clemência e, simultaneamente, do “ius 
 puniendi” – o Estado – possa considerar que a paz jurídica só ficará, em caso de 
 perdão de pena, totalmente satisfeita se o condenado também em indemnização pela 
 prática do crime reparar efectivamente o dano provocado ao lesado.
 
             Sendo o perdão uma medida de clemência que extingue, total ou 
 parcialmente, a pena do crime pelo qual o arguido foi condenado, mas não 
 extinguindo a ilicitude criminal e a ilicitude civil dos factos praticados, bem 
 se justifica que o legislador da clemência, dentro da sua discricionariedade 
 ponderativa de todos os bens jurídicos ofendidos (penais e civis) entenda não 
 ser ela de conceder quando existam efeitos civis indemnizatórios que tornam 
 ainda presente a necessidade de paz jurídica com o lesado.
 
             Existe, pois, razão material bastante para justificar a irrelevação, 
 na concessão da graça do perdão genérico, da situação económica em que se 
 encontra o seu beneficiário.
 
             Não se verifica, por isso, a violação do princípio da igualdade.
 
             E também não ocorre a alegada violação do art.º 18.º, n.ºs 2 e 3, da 
 CRP. 
 
             Na verdade, a sujeição da concessão do perdão à condição resolutiva 
 de pagamento da indemnização em que foi condenado, dentro de certo prazo, não 
 contende com qualquer direito, liberdade ou garantia fundamental de que o mesmo 
 sentenciado seja titular que caiba na previsão dos referidos preceitos.
 
             Mas independentemente disso, acresce que o condicionamento se mostra 
 feito de forma geral e abstracta, aplicando-se a todos os abrangidos pelo perdão 
 que tenham sido também condenados no pagamento de indemnização ao lesado, e que 
 o mesmo tem fundamento material.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
             9 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide negar provimento ao recurso.
 
             Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 25 UCs.
 Lisboa, 7 de Outubro de 2008
 Benjamim Rodrigues
 João Cura Mariano
 Mário José de Araújo Torres
 Joaquim de Sousa Ribeiro (vencido, nos termos da declaração anexa)
 Rui Manuel Moura Ramos  Votei a decisão ainda que                                
 
                            não tenha superado todas as dúvidas que a invocação
 do princípio da igualdade me suscitou e que demandariam      um estudo mais 
 alargado.
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
  
 Ainda que com alguma dúvida, resultante da impossibilidade de uma reflexão 
 esgotantemente ponderadora das consequências sistémicas da posição assumida, não 
 acompanhei a decisão, por entender que o regime questionado é, numa certa 
 dimensão, passível de censura constitucional.
 
 É-o na medida em que o n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, 
 estabelece o prazo de 90 dias para o condenado satisfazer a indemnização devida 
 ao lesado, sob pena de resolução da concessão do perdão. Se a aposição desta 
 condição resolutiva, em si mesma, é constitucionalmente válida, já o mesmo se 
 não poderá dizer da não previsão de uma “cláusula de salvaguarda”, que 
 permitisse relevar situações de absoluta e comprovada impossibilidade de 
 pagamento.
 Sendo inteiramente “cego” em relação a situações económicas efectivamente 
 impossibilitantes do cumprimento dentro daquele prazo, a norma em causa trata 
 igualmente situações desiguais, sem fundamento bastante, em violação do 
 princípio da igualdade.
 Nem se diga, como se pode ler na sentença recorrida, que “o Estado pode dispor 
 do seu poder punitivo, mas já não pode (ou deve) dispor do interesse do lesado, 
 assegurado por um poder soberano”.
 Pois, na verdade, não se trata de dispor do crédito indemnizatório do lesado. 
 Este permanece incólume, na sua esfera jurídica. Do que se trata é de não 
 condicionar o exercício do poder punitivo à satisfação de uma indemnização, em 
 certo prazo, sem qualquer margem para atendimento de situações de total 
 indisponibilidade económica, impeditivas de satisfação, no prazo fixado (mesmo 
 que susceptível de prorrogação, por igual período) da indemnização em dívida.
 O caso dos autos é bem ilustrativo da carência de justificação razoável da 
 irrelevância normativa dessa situação e dos efeitos perversos a que ela pode 
 conduzir. A condenada indicou à penhora o seu único rendimento disponível: o 
 salário auferido como remuneração do trabalho. A resolução do perdão, com o 
 consequente retorno à prisão, acarreta a perda desse rendimento, o que vem a 
 redundar, ao fim e ao cabo, também num prejuízo para o lesado, sem que se 
 descortine qualquer valor ou interesse suficientemente fundamentador da solução. 
 Joaquim de Sousa Ribeiro