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Processo n.º 854/05                                       
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
 
  
 
  
 Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I
 
  
 
  
 
 1.            Inconformada com o acórdão da Relação de Lisboa que, confirmando a 
 sentença da 1ª instância, manteve a decisão de atribuição da casa de morada da 
 família ao seu ex-marido, A., B. dele interpôs recurso de revista para o Supremo 
 Tribunal de Justiça, tendo nas alegações respectivas (fls. 564 e seguintes) 
 concluído do seguinte modo:
 
  
 
 “1. Na pendência da Acção de Divórcio, e em sequência do requerido pela ora 
 Recorrente nos termos do artº 1407° do Código Processo Civil, veio o Recorrido 
 com uns Autos de Atribuição da Casa de Morada de Família, pedindo que a mesma 
 lhe fosse atribuída definitivamente e vindo a utilização provisória da mesma, a 
 tornar-se efectiva no prazo de 6 meses.
 
 2. A Recorrente opôs-se, alegando a sua situação de maior carência e fragilidade 
 do agregado familiar do Recorrido [assim, no original], composto por si e pela 
 filha menor do casal, o que veio a provar-se.
 
 3. Na pendência do divórcio foi atribuído à Recorrente o direito à Utilização da 
 Casa de Morada de Família.
 
 4. Decretado o divórcio e nele consignado a culpa do Recorrido, aqueles Autos de 
 Atribuição da Casa de Morada de Família entretanto sustados, prosseguiram.
 
 5. Produzida a prova, sempre no sentido da maior carência económica da 
 Recorrente, veio o Tribunal «a quo» atribuir a Casa de Morada de Família ao 
 sócio do Cofre, porque adquirida na constância do casamento e no regime de 
 propriedade resolúvel àquele mesmo Cofre.
 
 6. Utilizando o artº 50° n.º 1 dos Estatutos para uma interpretação desajustada 
 
 à defesa dos direitos da família, interpretação inconstitucional mesmo, já que 
 não teve em conta o disposto no artº 67° da Constituição da República 
 Portuguesa, interpretação, por demais, contrária ao próprio espírito dos 
 Estatutos e à missão socializante do Cofre de Previdência do Ministério das 
 Finanças;
 Ora,
 
 7. O Recorrido, aproveitando dessa interpretação, faz dela um aproveitamento em 
 total má fé e abuso do direito, como se contém nas presentes Alegações.
 
 É que,
 
 8. A Recorrente para pôr fim ao regime de propriedade resolúvel, liquidou em 
 Dezembro de 2004, as restantes prestações em dívida, ao Cofre de Previdência do 
 Ministério das Finanças, referidas ao empréstimo contraído em Junho de 1980, no 
 montante € 373,93;
 
 9. O Recorrido na esteira da doutrina preconizada no Acórdão em Recurso, obteve 
 do Cofre de Previdência do Ministério das Finanças, a devolução daquela quantia, 
 devolução em numerário(!), alegando que o pagamento efectuado pela Recorrente, e 
 sem sua autorização, é «fraudulento».
 Isto é,
 
 10. Pretende o Recorrido manter as fracções em causa no regime de propriedade 
 resolúvel, aproveitando-se do entendimento – salvo o devido respeito – errado e 
 desfasado do contexto das normas contidas nos Estatutos do Cofre,
 
 11. Contra a Lei e contra o disposto na Constituição como se alegou.
 Acresce por demais que,
 
 12. A decisão do Acórdão em recurso, ao atribuir ao sócio do Cofre a Casa de 
 Morada de Família, omite o condicionalismo em que essa atribuição se opera, isto 
 
 é, se gratuitamente, ou se passiva de compensação...
 
 13. É que estão pendentes Autos de Inventário que correm seus termos sob o n.º 
 
 106-C/1999, da 3ª Secção do 4° Juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa,
 Ora,
 
 14. As fracções identificadas foram adquiridas ao Cofre na constância do 
 casamento, – e não anteriormente ao casamento como se lê no Acórdão recorrido – 
 foram pagas por ambos os cônjuges na medida em que tais pagamentos foram 
 efectuados através da Conta Bancária aberta pelo Recorrido em seu exclusivo 
 nome, mas provisionada exclusivamente com o seu vencimento!
 
 15. Constituindo bens comuns do casal, bens em compropriedade de ambos os 
 ex-cônjuges.
 
 16. A verdade é que nestes Autos o Recorrido nunca se serviu do disposto no artº 
 
 1793° do Código Civil com vista à peticionada atribuição da Casa de Morada de 
 Família ou peticionou qualquer renda ou considerou a contrapartida da ocupação.
 
 17. Antes e tão só está em causa a atribuição a um dos cônjuges da Casa de 
 Morada de Família, neste caso, e a pretexto dos Estatutos do Cofre, ao sócio 
 específico deste.
 
 18. E porque […] nos Estatutos – artº 50º – se lê «O Cofre só poderá autorizar o 
 arrendamento de casas em regime de propriedade resolúvel...» em casos 
 específicos, mal andou o Tribunal ao decidir atribuir a casa ao sócio do Cofre, 
 mau grado a sua maior capacidade económica, como se um arrendamento estivesse 
 subjacente... face ao ex-cônjuge...
 
 19. Actuando o Recorrido como se descreve, dúvidas não restam que tal actuação 
 carece do apoio da Lei para – pagas integralmente as prestações, o que ocorrerá 
 em Maio de 2005 – porque tem em vista tão só, e no seu exclusivo interesse, 
 obstar a que as fracções que constituem a Casa de Morada de Família, sejam 
 atribuídas, no regime do art° 1793° do Código Civil ao ex-cônjuge que mais delas 
 carece – a Recorrente e a filha.
 
 20. O Tribunal decidindo, sem mais, atribuir a utilização da Casa de Morada de 
 Família ao Recorrido, não considerou que as fracções em causa de que os 
 ex-cônjuges são comproprietários podem vir a ser adjudicadas ou à Recorrente ou 
 ao Recorrido;
 
 21. O Recorrido actua com abuso do direito ao inviabilizar a cessação do regime 
 de propriedade resolúvel, para impedir a aplicação da Lei.
 Pelo que,
 
 22. O Recorrido deverá ser condenado como Litigante de Má Fé, pela descrita 
 actuação com Abuso do Direito, e apoiado na doutrina do Acórdão recorrido de que 
 se requer a alteração, com vista a conseguir, contra a sua família em situação 
 de desfavor, decisão contrária à Lei, à Constituição... e aos bons costumes.
 Pelo que,
 
 23. O Acórdão em recurso deve ser revogado e substituído por outro que consinta 
 uma interpretação dos Estatutos como se vem peticionando, e que tenha em vista a 
 final decisão dos citados Autos de Inventário em curso,
 
 24. Com vista a que se cumpra o disposto no artº 1793° do Código Civil a final, 
 depois de adjudicada em Inventário.
 Já que,
 
 25. Iniludivelmente a interpretação dada aos Estatutos pelo Acórdão recorrido, 
 viola o princípio da igualdade – artº 13° da Lei Fundamental.”.
 
  
 
  
 
                  O recorrido, A., também alegou (fls. 625 e seguintes).
 
  
 
  
 
 2.            Por acórdão de 29 de Junho de 2005 (fls. 647 e seguintes), o 
 Supremo Tribunal de Justiça negou a revista, remetendo para os fundamentos do 
 aresto então recorrido e acrescentando, para o que agora releva, o seguinte:
 
  
 
 “[…]
 Assim e por um lado, importará pôr em destaque que nas Instâncias se decidiu bem 
 a questão de direito, que se mostrava «essencial» para a boa solução a conferir 
 aos autos. E que era a de saber se «era possível que o sócio do Cofre de 
 Previdência do Ministério das Finanças, que haja adquirido uma fracção em regime 
 de propriedade resolúvel, a possa dar de arrendamento, na sequência do seu 
 divórcio».
 Na verdade, a «solução» havida nas Instâncias, em sentido negativo, traduz o 
 entendimento legítimo para tal «questão».
 
 […]
 Por outro, importará «sobremaneira» pôr em «relevo» a necessidade, «in casu», de 
 contemplar a natureza «peculiar» da «morada de família», na conjugação dos 
 artigos 1793º do Código Civil e 27º, 50º e 51º do D.L. n.º 465/76, de 11 de 
 Junho.
 Tal, no espírito do previsto, aliás, pelo Professor Leite de Campos, Lições, 305 
 e seguintes e, também, em consonância com o decidido no Ac. deste S.T.J., de 21 
 Maio 98, B.M.J. 477, 550, no tocante à consideração do «arrendamento» na sua 
 caracterização como «judicial» e não propriamente como contrato, portanto.
 Observe-se, também, que ao invés do sustentado pela Recorrente com a «solução» 
 assumida nas Instâncias, e que, ora, se homologa também, não se nota a 
 
 «violação» constitucional do princípio da «igualdade», estatuído no artigo 13º 
 da Lei Fundamental.
 Ou de outro qualquer, nessa sede, aliás.
 Na verdade, nesse campo, o que importa sempre contemplar são as «razões» de 
 ordem garantística que estão na génese e presidem aos dispositivos de natureza 
 constitucional.
 Nesse alcance, a lição do Professor Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6ª 
 ed. 379 e seguintes.
 E entre outros o Ac. do Tribunal Constitucional de 19. Jun. 96, n.º 786/96, 
 publicado no DR II de 20. Agt. 96, a página 11.660.
 Ora, «in casu», não se mostra que se tenha verificado a «quebra» das aludidas 
 
 «razões» e em qualquer vertente.
 Nomeadamente, não se constata, porventura por banda do Recorrido, o 
 
 «ultrapassar» dos limites impostos pela boa fé, bons costumes ou fim social ou 
 económico do direito que lhe assistia na sua qualidade de «sócio» do Cofre de 
 Previdência em causa.
 
 […].”.
 
  
 
 3.            Deste acórdão interpôs B. recurso para o Tribunal Constitucional, 
 ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, 
 nos seguintes termos (fls. 682 e seguinte):
 
  
 
 “[…] 
 Advém o presente Recurso da violação do disposto nos artºs. 13º e 67° da 
 Constituição da República Portuguesa, pelo artigo 50° dos Estatutos do Cofre de 
 Previdência do Ministério das Finanças – Decreto-Lei n.º 465/76 de 11 de Junho 
 com a alteração do Decreto-Lei n.º 325/78 de 9 de Novembro, na interpretação 
 dada pelo STJ no Acórdão de que ora se recorre, contrária à atribuição da casa 
 de morada de família ao cônjuge nos termos do 1793° do Código Civil.
 Norma cuja inconstitucionalidade foi já suscitada, nas alegações da ora 
 recorrente para o Tribunal da Relação de Lisboa e bem assim nas suas alegações 
 para o S.T.J.
 
 […].”.
 
  
 
                  O recurso para o Tribunal Constitucional foi admitido por 
 despacho de fls. 684 v.º.
 
 4.            Já no Tribunal Constitucional, produziu a recorrente as alegações 
 de fls. 691 e seguintes, que concluiu do seguinte modo:
 
  
 
 “1º. A Recorrente e o Recorrido celebraram entre si casamento civil, sem 
 convenção antenupcial em 27/12/1975;
 
 2°. Em 25/06/1980 o Cofre de Previdência do Ministério das Finanças transmitiu 
 ao Sócio aqui Recorrido a propriedade resolúvel da Casa de Morada de Família 
 sita na …, em Miraflores, Algés;
 
 3°. O Cofre transmitiu a propriedade resolúvel ao Recorrido para habitação deste 
 e do seu agregado familiar, como se lê na escritura de 25.06.80 (fls. 19 a fls. 
 
 27),
 
 4°. Por Sentença de 25/10/2002, foi decretado o divórcio entre Recorrente e 
 Recorrido, tendo este sido declarado principal culpado;
 
 5°. Da resposta aos factos alegados pela Recorrente resulta provado a situação 
 de desfavor económica desta face ao Recorrido, e o facto de a filha, menor, ser 
 doente e sempre ter vivido no locado (fls. 443 a 444 vº.).
 
 6°. Sem embargo do que, o Tribunal 'a quo' entendeu atribuir a Casa de Morada de 
 Família ao Recorrido, o Sócio efectivo do Cofre de Previdência do Ministério das 
 Finanças, na esteira do decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 
 
 13/01/87,
 
 7°. Porque, conforme entendimento expresso no Sumário do mesmo Acórdão, os 
 Estatutos do Cofre impedem que, em consequência do divórcio se conceda o direito 
 ao arrendamento da Casa de Morada de Família ao cônjuge que não seja 
 concretamente o sócio daquele Cofre a quem a casa foi inicialmente atribuída em 
 regime de propriedade resolúvel;
 
 8°. Mas nem o artº 50° dos Estatutos, nem qualquer outra disposição impedem a 
 Atribuição da Casa de Morada de Família ao agregado familiar do sócio.
 
 9º. O Recorrido para obstar a que as fracções que constituem a Casa de Morada de 
 Família, sejam atribuídas, no regime do artº 1793° do Código Civil ao ex-cônjuge 
 que mais delas carece – a Recorrente e a filha.
 
 10º. Utilizou o artº 50° n.º 1 dos Estatutos para uma interpretação desajustada 
 
 à defesa dos direitos da família, interpretação inconstitucional mesmo, já que 
 não teve em conta o disposto no art° 67° da Constituição da República 
 Portuguesa, interpretação, por demais, contrária ao próprio espírito dos 
 Estatutos e à missão socializante do Cofre de Previdência do Ministério das 
 Finanças;
 
 11°. O Cofre, na prossecução dos seus fins sociais e de solidariedade, concede 
 condições favoráveis para aquisição de habitação dos sócios e suas famílias, 
 proíbe obviamente e tão só que o sócio arrende a casa a estranhos, com fins 
 meramente especulativos, já que assim se aproveitariam de uma situação 
 privilegiada de aquisição «bonificada», para daí tirar proventos em pura 
 especulação e em prejuízo doutros sócios carenciados;
 
 12°. O Legislador não previu necessariamente todas as formas de aquisição da 
 Casa de Morada de Família, e assim não necessariamente o caso dos Autos em que a 
 propriedade da mesma é resolúvel.
 
 13°. O Julgador terá, portanto, de interpretar a Lei nos casos nela não 
 previstos, acedendo-a à situação vertente, já que a Casa de Morada de Família, e 
 a Família exigem a tutela do mais carenciado;
 
 14°. O caso em apreço será porventura omisso, e assim o M. Juiz no 
 desenvolvimento do n.º 1 do artº 67° da Constituição da República Portuguesa, 
 considerando que a família como elemento fundamental tem direito à protecção da 
 sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a 
 realização pessoal dos seus membros, teria de decidir a favor do ex-cônjuge mais 
 carenciado e a filha do ex-casal,
 
 15°. E não desalojá-los, como aconteceu;
 
 16°. A norma do artº 1793° do Código Civil estabelece mais que um contrato de 
 arrendamento em que a vontade da Tutela (neste caso se o Cofre o proibisse) será 
 substituída pela vontade do Juiz, e constitui um verdadeiro ónus ligado à casa 
 que desempenha a função de casa de morada de família, in Ac. 4 de Fev. 1992, 
 C.J. Ano XVII, 1992, Tomo I, pág. 230.
 
 17º. Pretendeu o Recorrido manter as fracções em causa no regime de propriedade 
 resolúvel, aproveitando-se do entendimento – salvo o devido respeito – errado e 
 desfasado do contexto das normas contidas nos Estatutos do Cofre,
 
 18º. A verdade é que nestes Autos o Recorrido nunca se serviu do disposto no 
 artº 1793° do Código Civil com vista à peticionada atribuição da Casa de Morada 
 de Família ou peticionou qualquer renda ou considerou a contrapartida da 
 ocupação, dado tratar-se de bem comum.
 
 19º. E porque […] nos Estatutos – artº 50° – se lê «O Cofre só poderá autorizar 
 o arrendamento de casas em regime de propriedade resolúvel...» em casos 
 específicos,
 
 20º. Iniludivelmente a interpretação dada aos Estatutos pelo Acórdão recorrido, 
 viola o princípio da igualdade – artº 13° da Lei Fundamental, porque arbitrária 
 e contrária a um tratamento de igualdade face a situações similares conforme já 
 decidido pelos Tribunais Superiores.
 Nestes termos e nos de direito, sempre com o douto suprimento das deficiências 
 do Patrocínio, se espera ver revogado o Acórdão, e declarado inconstitucional o 
 Artigo 50° dos Estatutos do Cofre de Previdência do Ministério das Finanças – 
 Decreto-Lei n.º 465/76 de 11 de Junho com a alteração do Decreto-Lei n.º 325/78 
 de 9 de Novembro, na interpretação adoptada pelo STJ no Acórdão de que se 
 recorre, porque contrário aos artigos 13º e 67º da Constituição da República 
 Portuguesa com as legais consequências, porque só assim se fará Justiça!”.
 
  
 
                  O recorrido, A., também alegou (fls. 723 e seguintes), 
 sustentando que nenhuma inconstitucionalidade se verificava, essencialmente pelo 
 seguinte:
 
  
 
 “[…]
 A interpretação que os Tribunais fizeram do indicado artº 50º não viola, porém, 
 aquelas normas constitucionais. O Dec. Lei 465/76, de 11 de Junho, nem nega aos 
 sócios do Cofre o direito a uma habitação condigna nem põe em crise o direito 
 que aos cônjuges assiste de disporem da casa de morada de família.
 A especificidade do regime da «propriedade resolúvel», contudo, impõe que não 
 seja possível a aplicação das normas civilistas, designadamente o que preceitua 
 o artº 1793°/1 do C. Cv.
 De facto, a atribuição da casa de morada de família decorre da tutela dos 
 direitos privados de cada um dos cônjuges, individualmente considerados.
 E são regras de natureza estritamente privada que devem ser observadas na 
 resolução desses litígios.
 
 […].”.
 
  
 
                  Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II
 
  
 
  
 
 5.            Constitui objecto do presente recurso – conforme a delimitação 
 feita pela recorrente – a norma do artigo 50º dos Estatutos do Cofre de 
 Previdência do Ministério das Finanças (adiante, Estatutos do Cofre), aprovados 
 pelo Decreto-Lei n.º 465/76, de 11 de Junho, com a alteração do Decreto-Lei n.º 
 
 325/78, de 9 de Novembro, interpretada no sentido de não ser possível, em caso 
 de divórcio, a atribuição da casa de morada da família, em regime de 
 arrendamento, nos termos do artigo 1793º do Código Civil, ao ex-cônjuge que não 
 seja o sócio do Cofre de Previdência do Ministério das Finanças a quem a 
 correspondente habitação foi inicialmente transmitida em regime de propriedade 
 resolúvel por aquele Cofre.
 
  
 
                  O referido artigo 50º dos Estatutos do Cofre é do seguinte 
 teor: 
 
  
 
 “Art. 50.º - 1. O Cofre só poderá autorizar o arrendamento de casas em regime de 
 propriedade resolúvel quando o sócio, por motivos de transferência ou outra 
 razão de serviço oficial, tiver de mudar o local da residência e não puder, por 
 isso, habitar a casa.
 
 2. A casa, porém, só pode ser arrendada a estranhos quando não houver sócios que 
 a pretendam arrendar, devendo a renda ser fixada pela direcção, sob proposta dos 
 competentes serviços técnicos do Cofre.
 
 3. O arrendamento caducará findo o prazo concedido pela direcção.”.
 
  
 
                  Por sua vez, o artigo 1793º do Código Civil dispõe como segue:
 
  
 
 “Artigo 1793º
 
 (Casa de morada da família)
 
 1. Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a 
 casa de morada da família, quer essa seja comum quer própria de outro, 
 considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o 
 interesse dos filhos do casal.
 
 2. O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do 
 arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do 
 contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do 
 senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem”.
 
  
 
                  Apenas pode estar em causa, no presente recurso, a apreciação 
 da conformidade constitucional da interpretação normativa que ficou explicitada 
 
 – designadamente à luz dos artigos 13º e 67º da Constituição, que são os 
 preceitos constitucionais invocados pela recorrente –, e não, obviamente, a 
 apreciação da bondade de tal interpretação à luz dos critérios gerais de 
 interpretação da lei. Na verdade, a competência do Tribunal Constitucional 
 limita-se à apreciação da conformidade constitucional de normas, tal como foram 
 aplicadas nas decisões judiciais que os recorrentes impugnam, não se estendendo 
 
 à determinação da melhor interpretação da lei (cfr. artigo 70º, n.º 1, alínea 
 b), da Lei do Tribunal Constitucional).
 
  
 
                  Assim, por exemplo, não pode o Tribunal Constitucional 
 pronunciar-se sobre a questão de saber se o artigo 50º dos Estatutos do Cofre 
 efectivamente veda a atribuição da casa de morada da família ao agregado 
 familiar do sócio (cfr. conclusão 8ª das alegações da recorrente: supra, 4.), 
 sobrepondo-se à regra geral do artigo 1793º do Código Civil – que, justamente, 
 permite que, na sequência de divórcio, a casa de morada da família possa ser 
 dada de arrendamento pelo tribunal a qualquer dos cônjuges, em função das 
 necessidades de cada um e dos interesses dos filhos –, pois que tal se prende 
 com a aferição da justeza da interpretação adoptada pelo tribunal recorrido à 
 luz do artigo 9º do Código Civil.
 
  
 
                  Por outro lado, e como a competência do Tribunal Constitucional 
 se cinge à apreciação da questão de constitucionalidade que ficou explicitada, 
 não cabe manifestamente no objecto do presente recurso a apreciação do pedido de 
 atribuição da casa de morada da família que o ora recorrido formulou nos autos: 
 nomeadamente não pode este Tribunal decidir se tal casa de morada da família 
 deve ser atribuída à recorrente ou ao recorrido e se as circunstâncias alegadas 
 pela recorrente (existência de uma filha a seu cargo e culpa do ex-cônjuge no 
 divórcio) justificam a improcedência do pedido formulado pelo recorrido.
 
  
 
 6.            Vejamos qual é o enquadramento sistemático da regra do artigo 50º 
 dos Estatutos do Cofre – a norma que, na interpretação acolhida pelo tribunal 
 ora recorrido, se sobrepõe à regra do artigo 1793º do Código Civil, na medida em 
 que veda, em caso de divórcio, a atribuição da casa de morada da família, em 
 regime de arrendamento, ao ex-cônjuge que não seja o sócio do Cofre de 
 Previdência do Ministério das Finanças a quem a correspondente habitação foi 
 inicialmente transmitida em regime de propriedade resolúvel por aquele Cofre.
 
  
 
                  De acordo com o artigo 1º, n.º 1, dos Estatutos do Cofre, “o 
 Cofre de Previdência do Ministério das Finanças é uma instituição de previdência 
 social, de utilidade pública, dotada de personalidade jurídica e autonomia 
 administrativa e financeira”.
 
  
 
                  Uma das suas incumbências é, nos termos do artigo 3º, alínea 
 b), dos mesmos Estatutos, a de “adquirir ou construir casas destinadas à 
 exclusiva e permanente habitação dos seus sócios, em regime de propriedade 
 resolúvel ou de arrendamento”.
 
  
 
                  Em regra, qualquer trabalhador da função pública pode ser 
 admitido como sócio do Cofre (artigo 4º).
 
  
 
                  Uma das regalias dos sócios traduz-se na possibilidade de lhes 
 serem atribuídas, em regime de propriedade resolúvel ou de arrendamento, casas 
 de habitação adquiridas ou construídas com fundos capitalizáveis do Cofre (cfr. 
 artigo 27º, n.º 1).
 
  
 
                  A aquisição da propriedade resolúvel das casas ocorre com a 
 
 “celebração de contrato, por escritura pública, entre os interessados e o Cofre, 
 do qual deve constar o preço, que corresponderá ao capital investido, as 
 entregas iniciais, havendo-as, as condições de pagamento e ainda outras que se 
 considerem necessárias” (artigo 37º, n.º 1).
 
  
 
                  A atribuição de casas em regime de propriedade resolúvel 
 obedece a vários requisitos (cfr. artigo 30º, n.º 1): designadamente, a casa 
 deve destinar-se à exclusiva e permanente habitação do sócio e do seu agregado 
 familiar. Na atribuição de casas em regime de propriedade resolúvel terão 
 prioridade “os sócios cujo agregado familiar vença menor remuneração de trabalho 
 per capita e, de entre estes, os que tiverem maior número de filhos a seu cargo” 
 e, em igualdade de circunstâncias, terão preferência “os sócios de inscrição 
 obrigatória ainda em serviço na função pública, depois os sócios mais antigos, 
 seguindo-se os que tiverem maior número de pessoas a seu cargo e, por último, os 
 mais idosos” (cfr. artigo 35º).
 
  
 
                  Se o adquirente perder a qualidade de sócio, não observar os 
 preceitos estatutários ou faltar ao cumprimento de cláusulas do contrato, o 
 contrato considera-se, em regra, rescindido (artigo 51º, n.º 1); “em caso de 
 rescisão do contrato, a conservatória, a simples requerimento do Cofre, 
 cancelará o registo de transmissão a favor do sócio adquirente” (artigo 52º).
 
  
 
 7.            A interpretação normativa acolhida pelo tribunal recorrido tem 
 como imediata consequência a seguinte: a qualidade de sócio do Cofre de 
 Previdência do Ministério das Finanças do proprietário (ou de um dos 
 proprietários) da casa de morada da família a quem a correspondente habitação 
 foi inicialmente transmitida em regime de propriedade resolúvel por aquele Cofre 
 constitui fundamento suficiente para o afastamento do regime geral do artigo 
 
 1793º do Código Civil e, nessa medida, para a criação de um regime especial de 
 atribuição da casa de morada da família.
 
  
 
                  Este regime especial, como é óbvio, implica um tratamento 
 desfavorável do ex-cônjuge de sócio do Cofre relativamente ao ex-cônjuge que 
 seja sócio do Cofre e também um tratamento desfavorável daquele relativamente a 
 qualquer ex-cônjuge: na verdade, ao ex-cônjuge de sócio do Cofre apenas poderá 
 vir a ser atribuída a casa de morada de família a título de arrendamento nas 
 condições previstas no artigo 50º, n.º 2, dos Estatutos do Cofre para o 
 arrendamento “a estranhos” (ainda que se trate, como no caso dos autos, de 
 imóvel adquirido na constância do matrimónio, sendo certo que o regime de bens 
 deste casal é o regime da comunhão de adquiridos); já ao ex-cônjuge que seja 
 sócio do Cofre e ao ex-cônjuge “comum” pode ser atribuída a casa de morada de 
 família (quer seja bem comum, quer seja bem próprio do outro cônjuge) a título 
 de arrendamento, verificados os requisitos gerais do artigo 1793º do Código 
 Civil.
 
  
 
                  Ora, o que cumpre perguntar é se tal tratamento desfavorável do 
 ex-cônjuge de sócio do Cofre de algum modo se justifica: dito de outro modo, o 
 que importa averiguar é se a qualidade de sócio do Cofre de Previdência do 
 Ministério das Finanças do proprietário (ou de um dos proprietários) da casa de 
 morada da família a quem a correspondente habitação foi inicialmente transmitida 
 em regime de propriedade resolúvel por aquele Cofre constitui fundamento 
 razoável para a impossibilidade de ponderação, nos termos gerais do artigo 1793º 
 do Código Civil, das necessidades do ex-cônjuge desse sócio para o efeito de a 
 casa de morada da família casa lhe ser atribuída a título de arrendamento.
 
  
 
 8.            Interessa pois verificar se a Constituição proíbe tal tratamento 
 desfavorável, desde logo face ao disposto no artigo 13º: com efeito, a 
 circunstância de o ex-cônjuge de sócio do Cofre não poder beneficiar do regime 
 do artigo 1793º do Código Civil, parece, numa primeira aproximação, ofender o 
 princípio da igualdade (entre ex-cônjuges).
 
  
 
                  O Tribunal Constitucional tem tido frequentemente ocasião de se 
 pronunciar sobre o sentido e o alcance do princípio constitucional da igualdade. 
 
 
 
  
 
                  No Acórdão n.º 232/03 (Diário da República, I Série-A, n.º 138, 
 de 17 de Junho de 2003, p. 3514 ss), tirado em Plenário, em autos de 
 fiscalização preventiva, procedeu o Tribunal a uma síntese da abundante 
 jurisprudência constitucional nesta matéria. Dessa jurisprudência resulta que o 
 princípio da igualdade obriga que se trate como igual o que for essencialmente 
 igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a 
 diferenciação de tratamento, mas apenas a discriminação arbitrária, a 
 irrazoabilidade, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham 
 justificação e fundamento material bastante.
 
  
 
                  Já no Acórdão n.º 187/01 (Diário da República, II Série, n.º 
 
 146, de 26 de Junho de 2001, p. 10492 ss) se afirmara que, “como princípio de 
 proibição do arbítrio no estabelecimento da distinção, tolera, pois, o princípio 
 da igualdade a previsão de diferenciações no tratamento jurídico de situações 
 que se afigurem, sob um ou mais pontos de vista, idênticas, desde que, por outro 
 lado, apoiadas numa justificação ou fundamento razoável, sob um ponto de vista 
 que possa ser considerado relevante”.
 
                  No caso destes autos, para decidir da violação do princípio da 
 igualdade é, então, necessário saber se o tratamento diferenciado, que decorre 
 da norma agora questionada, é arbitrário ou se, pelo contrário, tem fundamento 
 material bastante. 
 
  
 
                  A questão pode assim equacionar-se: constituirá a qualidade de 
 sócio do Cofre de Previdência do Ministério das Finanças do proprietário (ou de 
 um dos proprietários) da casa de morada da família a quem a correspondente 
 habitação foi inicialmente transmitida em regime de propriedade resolúvel por 
 aquele Cofre – ou, perguntando de outro modo, constituirá o regime de 
 propriedade resolúvel que caracteriza o vínculo através do qual o imóvel foi 
 transmitido – uma razão justificativa desse tratamento diferenciado 
 
 (desfavorável), susceptível de afastar a existência de discriminação e, como 
 tal, a aparente violação do disposto no artigo 13º da Constituição?
 
  
 
                  Antes de responder a esta questão, convém sublinhar que, como 
 tem sido reiteradamente afirmado, na sequência do Parecer da Comissão 
 Constitucional n.º 458, de 25 de Novembro de 1982 (Apêndice ao Diário da 
 República, de 23 de Agosto de 1983), o Tribunal Constitucional, ao aferir a 
 compatibilidade de uma norma legislativa com o princípio da igualdade, não deve 
 pôr em causa a liberdade de conformação do legislador ou a discricionariedade 
 legislativa. Deve abster-se de se substituir ao legislador, ponderando a 
 situação como se estivesse no lugar deste e impondo a sua própria ideia do que 
 seria, no caso, a solução “razoável”, “justa” e “oportuna”. O seu controlo deve 
 ser tão-só de carácter negativo, consistindo este em saber se a opção do 
 legislador se apresenta intolerável ou inadmissível de uma perspectiva 
 jurídico-constitucional, por não se encontrar para ela qualquer fundamento 
 material. Em suma, uma norma (ou interpretação normativa) só pode ser 
 questionada, de um ponto de vista jurídico-constitucional, por violar o 
 princípio da igualdade, se a distinção a que na mesma se procede for 
 absolutamente intolerável ou inadmissível, por não ser possível encontrar para a 
 mesma fundamento material bastante.
 
                  Como o Tribunal Constitucional disse no Acórdão n.º 422/04 
 
 (Diário da República, II Série, n.º 259, de 4 de Novembro de 2004, p. 16257 ss):
 
  
 
 “[…]
 O controlo judicial do comportamento do legislador, com o objectivo de 
 determinar se este, adoptando determinada solução normativa, se conteve dentro 
 dos parâmetros decorrentes do princípio constitucional da igualdade, expresso no 
 artigo 13.º da CRP, pressupõe uma compreensão aprofundada dos fins visados com 
 essa solução.
 Significa isto que, estando nestes casos sempre em causa um juízo de comparação 
 entre duas realidades, só através da determinação dos objectivos visados é 
 possível compreender se esta ou aquela solução – quando implica, à luz dessa 
 comparação, um tratamento desigual – se configura como arbitrária, estando, em 
 função disso, constitucionalmente vedada.
 
 É este critério, a que poderemos chamar de controlo da arbitrariedade, que vem 
 funcionando na nossa jurisdição constitucional, já desde a Comissão 
 Constitucional, como mecanismo de aferição do respeito pelo princípio da 
 igualdade [o primeiro Parecer da Comissão Constitucional, o Parecer n.º 1/76 
 
 (Pareceres da Comissão Constitucional, 1.º Vol., Lisboa, 1977, págs. 5/18), 
 lidou, desde logo, com uma «questão de desigualdade» e com o controlo dos 
 motivos do legislador; veja-se, como exemplo recente na jurisprudência deste 
 Tribunal, o Acórdão n.º 232/03 (Diário da República – I Série-A, de 17/6/03, 
 págs. 3514/3531)].
 Este controlo dos motivos à luz do conceito de arbitrariedade, pesquisa a 
 existência de uma «razão suficiente» para a diferenciação, sendo que, como 
 refere Robert Alexy, «(...). Uma razão é suficiente para a permissão de um 
 tratamento desigual se, por força dessa mesma razão, esse tratamento desigual 
 não é arbitrário» (Theorie der Grundrechte, Frankfurt, 1986, pág. 375). Ou, como 
 se diz no já indicado Acórdão n.º 232/03: «Assente a possibilidade de 
 estabelecimento de diferenciações, tornar-se-á depois necessário proceder ao 
 controlo das normas sub judicio, feito a partir do fim que visam alcançar, à luz 
 do princípio da proibição do arbítrio (...) e, bem assim, de um critério de 
 razoabilidade».
 
 […].”.
 
  
 
  
 
 9.            Ora, há que reconhecer que a qualidade de sócio do Cofre de 
 Previdência do Ministério das Finanças do proprietário – ou, noutra perspectiva, 
 o regime de propriedade resolúvel que caracteriza o vínculo através do qual o 
 imóvel foi transmitido – justifica indubitavelmente alguma contenção das normais 
 faculdades contidas no direito de propriedade.
 
  
 
                  Na verdade, é certamente merecedor de tutela o interesse em que 
 uma das regalias dos sócios do Cofre (precisamente, a de lhes serem atribuídas 
 casas de habitação adquiridas ou construídas com fundos capitalizáveis do Cofre) 
 não se converta em negócio para esses sócios – o que eventualmente poderia 
 ocorrer, se nenhuma restrição houvesse à possibilidade de arrendá-las. Assim se 
 explica, em geral, o regime restritivo contido no artigo 50º dos Estatutos do 
 Cofre.
 
  
 
                  Mas essa qualidade – ou esse regime – já não pode constituir 
 fundamento válido para justificar um tratamento de tal modo diferenciado entre 
 ex-cônjuges que legitime a absoluta não ponderação das necessidades do 
 ex-cônjuge de sócio do Cofre aquando da tomada da decisão judicial a que alude o 
 artigo 1793º, n.º 1, do Código Civil. É, como tal, de considerar excessivo e 
 desproporcionado o afastamento do regime geral consagrado no artigo 1793º, n.º 
 
 1, do Código Civil, a que conduz a interpretação normativa ora em apreciação. 
 
  
 
                  Sublinhe-se, de resto, que em tal decisão judicial não se 
 coloca propriamente um problema de “reconhecimento de um direito” a um dos 
 ex-cônjuges, mas antes um problema de “atribuição de um dever” a um dos 
 ex-cônjuges – o dever de manter a casa de morada da família –, cumprindo ao 
 juiz, quando profere tal decisão, avaliar, nomeadamente, as necessidades de cada 
 um dos ex-cônjuges e o interesse dos filhos. De todo o modo, a protecção dos 
 interesses que se encontram subjacentes ao regime constante do artigo 50º dos 
 Estatutos do Cofre não pode considerar-se fundamento razoável para excluir a 
 ponderação das circunstâncias que, segundo a lei, hão-de motivar a decisão 
 judicial relativa à atribuição da casa de morada da família.
 
                  Mais uma vez se repete que não cabe ao Tribunal Constitucional 
 decidir se, na situação dos autos, a casa de morada da família devia ter sido 
 atribuída, em regime de arrendamento, à ora recorrente. Esta é uma decisão que 
 compete ao tribunal recorrido, sendo certo, aliás, que, no âmbito da aplicação 
 do regime contido no artigo 1793º, n.º 1, do Código Civil, ao tribunal recorrido 
 caberá, designadamente, definir as condições do contrato de arrendamento e, 
 inclusivamente, fazer cessar o arrendamento quando circunstâncias supervenientes 
 o justifiquem. 
 
  
 
                  Mas já compete ao Tribunal Constitucional apreciar se, ao tomar 
 uma tal decisão, o tribunal recorrido pode prescindir completamente da 
 ponderação das necessidades de cada um dos ex-cônjuges, como sucedeu no caso dos 
 autos, em que se afastou liminarmente a aplicação do disposto no artigo 1793º do 
 Código Civil, por se considerar que o disposto no artigo 50º dos Estatutos do 
 Cofre se lhe sobrepunha.
 
  
 
                  Ora, face ao disposto no artigo 13º da Constituição, tal 
 possibilidade é de rejeitar. 
 
  
 
                  Conclui-se, assim, que não é constitucionalmente conforme o 
 entendimento segundo o qual, em caso de divórcio, não é admissível ponderar a 
 atribuição da casa de morada da família, em regime de arrendamento, nos termos 
 do artigo 1793º do Código Civil, ao ex-cônjuge que não seja o sócio do Cofre de 
 Previdência do Ministério das Finanças a quem a correspondente habitação foi 
 inicialmente transmitida em regime de propriedade resolúvel por aquele Cofre, 
 pois que tal entendimento não tem fundamento material bastante.
 
  
 
                  Atingida esta conclusão, desnecessário se torna analisar a 
 questão da eventual inconstitucionalidade por violação do artigo 67ºda 
 Constituição, também colocada pela recorrente.
 III
 
  
 
  
 
 9.            Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal 
 Constitucional decide:
 
  
 
                  a)            Julgar inconstitucional, por violação do disposto 
 no artigo 13º da Constituição, a norma do artigo 50º dos Estatutos do Cofre de 
 Previdência do Ministério das Finanças, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 465/76, 
 de 11 de Junho, com a alteração do Decreto-Lei n.º 325/78, de 9 de Novembro, 
 interpretada no sentido de que, em caso de divórcio, não é admissível ponderar a 
 atribuição da casa de morada da família, em regime de arrendamento, nos termos 
 do artigo 1793º do Código Civil, ao ex-cônjuge que não seja o sócio do Cofre de 
 Previdência do Ministério das Finanças a quem a correspondente habitação foi 
 inicialmente transmitida em regime de propriedade resolúvel por aquele Cofre;
 
  
 
                  b)            Conceder, consequentemente, provimento ao 
 recurso, determinando a reforma da decisão recorrida de acordo com o presente 
 juízo de inconstitucionalidade.
 
  
 Lisboa, 14 de Novembro de 2006
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Artur Maurício