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Processo n.º 814/06
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção
 
  do Tribunal Constitucional: 
 
  
 
  
 
                  1. A fls. 476 foi proferida a seguinte decisão sumária :
 
  
 
 «1. O PARTIDO SOCIALISTA impugnou junto do Supremo Tribunal de Justiça a 
 deliberação da Comissão Nacional de Eleições de 17 de Janeiro de 2006 que lhe 
 aplicou a coima única de € 7.481,97, pela prática de três contra-ordenações 
 previstas e punidas no artigo 209.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias 
 Locais (aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto), na sequência da 
 publicação de anúncios de actividades de campanha com a inserção de slogans e 
 mensagens propagandísticas em violação do disposto no artigo 46.º do mesmo 
 diploma.
 Por despacho de 6 de Abril de 2006, de fls. 406 e seguintes, a impugnação foi 
 julgada improcedente.
 Inconformado, o impugnante interpôs recurso para o Pleno das Secções Criminais 
 do Supremo Tribunal de Justiça (a fls. 432), tendo afirmado, nas conclusões das 
 respectivas alegações, na parte que agora releva, o seguinte:
 
 «U. A Lei penal Portuguesa – para a qual remete, em bloco, o n.º 1 do artigo 
 
 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro – consagra o princípio da 
 individualidade da responsabilidade criminal (artigo 11.º do CP), aliado ao 
 princípio da intransmissibilidade das penas criminais (artigo 30.º, n.º 3, da 
 CRP), sendo que a responsabilização contra-ordenacional das pessoas colectivas é 
 um afastamento ao princípio da responsabilidade individual, contudo, mesmo para 
 as pessoas colectivas, mantém-se o princípio constitucional do n.º 3 do artigo 
 
 30.º (intransmissibilidade das penas criminais).
 V. A douta decisão do Digníssimo Juiz Conselheiro ao decidir como decidiu está a 
 considerar que os factos cometidos pelos militantes que celebraram os contratos 
 com os jornais identificados no auto de notícia da CNE (não pertencentes a 
 
 órgãos que possam vincular o partido) possam ser responsabilidade do PS está, 
 precisamente a considerar que os factos que constituem a contra-ordenação possa, 
 de alguma forma, transitar para o PS, em clara violação ao princípio 
 constitucional já definido, sendo tal decisão reportada de inconstitucional por 
 violação do artigo 30.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, que 
 estabelece o princípio da intransmissibilidade das penas criminais.»
 Por despacho de 14 de Junho de 2006, de fls. 448, determinou-se que o referido 
 recurso fosse considerado como reclamação para a conferência, ao abrigo do 
 disposto no artigo 700.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável por 
 força do disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal. E, por acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça  de 6 de Setembro de 2006, de fls. 453, a reclamação 
 foi desatendida, confirmando-se o despacho reclamado e concluindo que não 
 ocorria qualquer 'transmissão de penas, mas de responsabilização por actos dos 
 seus agentes e a pessoas, cujos interesses promovem, pelo que se não atropela o 
 artº 30º n.º 3, da CRP'.
 
 2. O PARTIDO SOCIALISTA veio então recorrer para o Tribunal Constitucional, «nos 
 termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição da 
 República e bem assim atento o disposto na alínea b) do artigo 70.º da Lei 
 
 28/82, de 15 de Novembro», pretendendo ver apreciada a
 
 «inconstitucionalidade da norma do Código Penal constante do artigo 11.º quando 
 interpretado no sentido de admitir que as pessoas colectivas (in casu um partido 
 político) respondam por actos cometidos por militantes ou representantes locais 
 que não integram os órgãos da pessoa colectiva, não podendo, estatutariamente 
 representar essa mesma pessoa colectiva. Norma que o ora recorrente considera 
 violar o disposto no n.º 3 do artigo 30.º da Constituição da República 
 Portuguesa e que consagra o princípio da intransmissibilidade das penas 
 criminais.
 Tal inconstitucionalidade, conforme alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, foi invocada nas motivações/conclusões de recurso 
 junto do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, não tendo 
 sido objecto de apreciação.»
 O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do 
 artigo 76º da Lei nº 28/82). 
 
 3. O Tribunal Constitucional não pode conhecer do objecto do recurso, desde logo 
 porque não foi oportunamente suscitada qualquer questão de constitucionalidade 
 normativa, de forma a provocar no tribunal  recorrido uma decisão da qual o 
 Tribunal Constitucional pudesse conhecer por via de recurso. 
 Com efeito, é pressuposto de admissibilidade do recurso de fiscalização concreta 
 de normas interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º 
 da Lei n.º 28/82, como é o caso, que a inconstitucionalidade haja sido 
 
 “suscitada durante o processo” (artigo 70º, n.º 1, alínea b)), ou seja, colocada 
 
 “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (n.º 2 do artigo 
 
 72º da Lei n.º 28/82).
 
 É, ainda, necessário que tal norma tenha sido aplicada com o sentido acusado de 
 ser inconstitucional, como ratio decidendi (cfr., nomeadamente, os acórdãos nºs 
 
 313/94, 187/95 e 366/96, publicados no Diário da República, II Série, 
 respectivamente, de 1 de Agosto de 1994, 22 de Junho de 1995 e de 10 de Maio de 
 
 1996)
 Como se pode verificar na transcrição acima efectuada, e, bem assim, do restante 
 texto das alegações de fls. 432, o recorrente não invocou perante o Supremo 
 Tribunal de Justiça  a inconstitucionalidade de nenhuma norma contida no artigo 
 
 11º do Código de Processo Penal. Muito diferentemente, considerou que o despacho 
 que então impugnava (em recurso convolado em reclamação, recorde-se), 'ao 
 decidir como decidiu', entendendo que 'os factos cometidos pelos militantes que 
 celebraram os contratos (…) possam ser responsabilidade do PS' violava o 'artigo 
 
 30º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, que estabelece o princípio 
 da intransmissibilidade das penas criminais'.
 Ora o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade destina-se a que 
 este Tribunal aprecie a conformidade constitucional de normas, ou de 
 interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão 
 recorrida, não obstante ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade “durante 
 o processo” (al. b) citada), e não das próprias decisões que as apliquem. Assim 
 resulta da Constituição e da lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo 
 Tribunal (cfr. a título de exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, 
 publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro 
 de 1995, 31 de Janeiro de 1995 e 16 de Maio de 1996). 
 
 4. É certo que, como o Tribunal tem repetidamente afirmado, o recorrente pode 
 ser dispensado do ónus de invocar a inconstitucionalidade “durante o processo” 
 nos casos excepcionais e anómalos em que não tenha disposto processualmente 
 dessa possibilidade, sendo então admissível a arguição em momento subsequente – 
 maxime, no requerimento de interposição de recurso (cfr., a título de exemplo, 
 os Acórdãos n.º 62/85, n.º 90/85 e n.º 160/94, publicados, respectivamente, nos 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 5, págs. 497 e 663 e no Diário da 
 República, II Série, de 28 de Maio de 1994). Todavia, não é esse, 
 manifestamente, o caso dos autos. 
 Assim, e deixando de lado, por desnecessária, a questão de saber se o artigo 11º 
 do Código Penal foi efectivamente aplicado na decisão recorrida com o sentido 
 definido no requerimento de interposição de recurso, não se poderia considerar 
 relevante a alegação de inconstitucionalidade normativa constante do mesmo 
 requerimento.
 
 5. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão 
 sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82. 
 
                    Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso. 
 
      Sem custas (n.º 3 do artigo 10º da Lei Orgânica  n.º 19/2003, de 20 de 
 Junho).»
 
                  
 
 2. Inconformado, o recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto 
 no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da decisão 
 sumária.
 Em seu entender, a decisão reclamada assentou em duas razões para justificar o 
 não conhecimento do recurso: a 'alegadamente consistente na questão de 
 determinar se o artigo 11º do Código Penal foi efectivamente aplicado na decisão 
 recorrida', que a decisão 'entendeu (…) não apreciar (…), julgando-a 
 irrelevante', e a 'alegada falta (omissão) de invocação da inconstitucionalidade 
 durante o processo, em violação ao disposto no art. 70º, n.º 1, b)' da Lei nº 
 
 28/82.
 Quanto à primeira razão, o reclamante observa que, 'apesar de julgada 
 desnecessária para efeitos de apreciação', não pode 'deixar de referir que (…) 
 referiu expressamente que a interpretação e aplicação – explícita e/ou implícita 
 
 – feita da norma do art. 11º do Código Penal é contrária às concretas normas 
 constitucionais que igualmente indicou, no n.º 3 do artigo 30º da CRP'; que 'a 
 interpretação dos Conselheiros do STJ, ao decidir culpar o PS, como pessoa 
 colectiva que é, de actos cometidos por terceiros, ainda que militantes do 
 partido, (…) viola claramente o princípio da intransmissibilidade das penas 
 criminais'; e conclui que 'é, pois, perfeitamente claro que o Recorrente 
 procedeu à enunciação da norma na dimensão normativa concretamente questionada, 
 resultando claro que a interpretação normativa do artigo 11º do CP foi 
 efectivamente aplicada na decisão recorrida, sendo que a decisão recorrida foi 
 proferida pelo STJ em primeiríssima instância e não, como parece resultar da 
 decisão aqui sob reclamação, da decisão da autoridade administrativa Comissão 
 Nacional de Eleições (…)'. Assim, impõe-se 'a conclusão de que o Recorrente (ora 
 reclamante) invocou uma interpretação normativa aplicada pelo STJ em decisão de 
 primeira instância, pelo que se não verifica a primeira irregularidade apontada 
 ao requerimento de interposição de recurso'.
 Relativamente à segunda razão da decisão de não conhecimento, o reclamante 
 considera que também não procede.
 Em síntese, o reclamante observa (ponto 9. da reclamação) que suscitou a 
 inconstitucionalidade 'da decisão do STJ' no 'normativo invocado nas conclusões 
 e, bem assim, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional (…), bem sabendo que este tribunal  superior [o Supremo Tribunal 
 de Justiça ] decidiu a impugnação da decisão da CNE em primeira instância'. Ora, 
 
 'veja-se que a primeira instância de recurso, neste caso concreto (e muito 
 específico) é o Pleno das Secções Criminais do STJ, pois que, até esse momento, 
 não existiu qualquer recurso (…)'.
 Assim, 'conforme resulta dos autos, e como é bem referido na decisão aqui sob 
 reclamação, a questão foi colocada perante o Pleno das Secções Criminais, pois 
 que só então foi conhecida a decisão do STJ, e foi esta decisão em primeira 
 instância a integrou aplicação de normas em dimensão desconforme à Lei 
 Fundamental, e forneceu o fundamento da sua oposição, e não a decisão da CNE 
 devidamente impugnada perante o STJ'.
 Por este motivo, 'não era exigível ao ora reclamante, antes dessa decisão, ter 
 suscitado as questões de inconstitucionalidade objecto do recurso que agora 
 interpôs (…)', estando pois cumprido 'o ónus da indicação das normas aplicadas 
 cuja inconstitucionalidade suscitou – artº 70º n.º 1 alínea b) e 75º-A n.º 1 da 
 LTC (…) nos precisos termos'  em que a decisão reclamada considera adequados.
 Para além disso, 'no caso levado em apreço ao Pleno das Secções Criminais do STJ 
 
 (…) a condenação do PS foi de tal forma anómala e excepcional que não permitiu 
 invocar a inconstitucionalidade em sede de impugnação da decisão da autoridade 
 administrativa, como pretende a decisão aqui sob reclamação'.
 
  
 
 3. Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da 
 manifesta improcedência da reclamação, pois que 'a argumentação da entidade 
 reclamante em nada abala os fundamentos da decisão reclamada, no que toca à 
 evidente inverificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso 
 interposto'. 
 Em seu entender, é 'manifesto que, por um lado, o reclamante não cumpriu 
 adequadamente o ónus de suscitar, durante o processo e em termos processualmente 
 adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de 
 integrar os poderes cognitivos desde Tribunal Constitucional' e é 'evidente e 
 incontroverso', por outro, que, face ao objecto do litígio, teve plena 
 oportunidade processual para o fazer no âmbito da impugnação que dirigiu ao 
 Supremo Tribunal de Justiça '. 
 
  
 
                  4. A presente reclamação é claramente improcedente, desde logo 
 porque não põe em causa a razão determinante da decisão de não conhecimento do 
 recurso de constitucionalidade.
 
                  Com efeito, e relativamente à primeira das razões apontadas 
 pelo reclamante para tal decisão de não conhecimento, cumpre desde logo observar 
 que a decisão reclamada não a assumiu como fundamento da impossibilidade de 
 julgar o mérito do recurso, como expressamente nela se afirma. Não se torna, 
 assim, necessário responder à reclamação neste ponto. 
 Sempre se acrescenta, no entanto, que, não foi a questão de saber se o artigo 
 
 11º do Código Penal tinha sido ou não aplicado, com a interpretação questionada 
 no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, pela 
 
 'decisão da autoridade administrativa Comissão Nacional de Eleições', que a 
 decisão reclamada entendeu desnecessário apreciar mas, naturalmente, a questão 
 de saber se tal interpretação tinha sido efectivamente aplicada pela decisão de 
 que foi interposto esse mesmo recurso para o Tribunal Constitucional – o acórdão 
 da conferência do Supremo Tribunal de Justiça.
 
  
 
 5. Quanto à segunda das razões apontadas, e entendendo a reclamação à luz da 
 convolação operada no Supremo Tribunal de Justiça  quanto ao recurso interposto 
 para 'o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça ', a que o 
 reclamante continua a referir-se, cumpre fazer duas observações.
 Em primeiro lugar, a de que o reclamante teve plena oportunidade de suscitar a 
 inconstitucionalidade normativa que pretende atribuir ao artigo 11º do Código 
 Penal quando recorreu para o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de 
 Justiça, a tempo de cumprir o ónus imposto pela al. b) do n.º 1 do artigo 70º da 
 Lei nº 28/82 e pelo n.º 2 do artigo 72º da mesma Lei.
 Em segundo lugar, e esta foi a razão que determinou a decisão de não 
 conhecimento do recurso, o que o ora reclamante suscitou nas alegações do 
 recurso que interpôs para o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de 
 Justiça  foi, como se viu, a inconstitucionalidade da decisão de fls. 406, e não 
 de qualquer norma contida no artigo 11º do Código Penal. Assim o reconhece, 
 aliás, no já referido ponto 9. da presente reclamação.
 
  
 
 6. Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não 
 conhecimento do recurso.
 
     Sem custas (n.º 3 do artigo 10º da Lei Orgânica  n.º 19/2003, de 20 de 
 Junho).
 Lisboa, 14 de Novembro de 2006
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Vítor Gomes
 Artur Maurício