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Processo nº 330/07
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
  
 
  
 
         Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 Relatório
 A. deduziu oposição à execução fiscal que fora instaurada, originariamente, 
 contra o B., para a cobrança de dívidas fiscais provenientes de IVA, relativas 
 ao mês de Dezembro de 2002, e que, posteriormente, foi revertida contra o 
 oponente, com base no facto de este figurar no “Livro de Actas” como Presidente 
 e Director Administrativo daquele Clube Desportivo.
 
  
 O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferiu sentença em que decidiu o 
 seguinte:
 
 “Declaram-se materialmente inconstitucionais os números 1 e 2 do artigo 39.º do 
 Decreto-Lei n.º 67/97, de 3 de Abril, na parte em que os mesmos determinam e 
 admitem a responsabilidade pessoal, ilimitada e solidária pelo pagamento das 
 dívidas fiscais ao credor tributário das pessoas aí mencionadas, por violação do 
 principio de reserva de lei sobre a criação e determinação da incidência 
 tributária;
 Por provada – na parte que foi analisada – concede-se provimento à Oposição, 
 declarando-se a impossibilidade jurídica de chamamento à Execução Fiscal do 
 Oponente, por via de aplicação do regime legal estabelecido nos números 1 e 2 do 
 artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 67/97, de 3 de Abril”.
 
  
 O Ministério Público interpôs recurso desta sentença para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do art.º 70.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 28/82, de 15 
 de Novembro, pretendendo que se aprecie a inconstitucionalidade das normas 
 constantes dos nºs 1 e 2 do artº 39º, do Decreto-Lei n.º 67/97, de 3 de Abril, 
 declarada na sentença recorrida. 
 
  
 O Ministério Público apresentou alegações, onde concluiu do seguinte modo:
 
 “- Insere-se no âmbito da reserva de lei fiscal, prevista no nº 2 do artigo 103º 
 da Constituição da República Portuguesa, a definição dos pressupostos da 
 responsabilidade solidária ou subsidiária dos membros de órgãos de uma pessoa 
 colectiva pelo pagamento dos débitos fiscais, originariamente a cargo desta, já 
 que tal matéria releva decisivamente, quer para a definição da incidência do 
 imposto em causa, quer para a delimitação das garantias dos cidadãos face à 
 Administração Fiscal. 
 
 - A previsão de um inovatório e agravado regime de responsabilidade solidária 
 dos membros da direcção dos clubes desportivos pelos débitos a cargo de tais 
 entidades – inovatório relativamente ao que decorria do Código de Processo 
 Tributário, então em vigor – constante da norma que integra o objecto do 
 presente recurso não encontra suporte bastante nos diplomas legais à sombra dos 
 quais foi editado o Decreto Lei nº 67/97, pelo que está afectado de 
 inconstitucionalidade orgânica. 
 
 - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado 
 pela decisão recorrida”. 
 
  
 Não foram apresentadas contra-alegações.
 
  
 
 *
 Fundamentação
 Este recurso tem por objecto a apreciação da inconstitucionalidade orgânica dos 
 nº 1 e 2, do artº 39º, do Decreto-Lei nº 67/97, de 3 de Abril, diploma que 
 estabeleceu o regime jurídico das sociedades desportivas, bem como o regime de 
 gestão dos clubes desportivos que optarem pela não constituição daquelas 
 sociedades (artº 1º, nº 1, do D.L. 67/97).
 Esta questão já foi objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional no seu 
 acórdão nº 311/07, cuja fundamentação vamos acompanhar de perto:
 Lê-se nos referidos nº 1 e 2, do artº 39º:
 
 “1 – Para efeitos do presente diploma, são considerados responsáveis pela gestão 
 efectuada, relativamente às secções profissionais dos clubes desportivos 
 referidos no art.º 37.º, o presidente da direcção, o presidente do conselho 
 fiscal ou o fiscal único, o director responsável pela área financeira e os 
 directores encarregados da gestão daquelas secções profissionais.
 
            2 – Sem prejuízo de outras sanções aplicáveis, nos casos referidos 
 nos artigos 24.º do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, com a redacção 
 dada pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, e 27.º-B, também, do 
 Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, aditado pelo artigo 2.º do 
 Decreto-Lei n.º 140/95, de 14 de Junho, os membros da direcção dos clubes 
 desportivos mencionados no número anterior são responsáveis, pessoal, ilimitada 
 e solidariamente, pelo pagamento ao credor tributário ou às instituições de 
 segurança social das quantias que, no respectivo período de gestão, deixaram de 
 entregar para pagamento de impostos ou da segurança social”.
 Nestes normativos estendeu-se a responsabilidade pessoal, ilimitada e solidária 
 dos administradores e gerentes das sociedades comerciais de responsabilidade 
 limitada, pela satisfação das dívidas tributárias da respectiva sociedade, que 
 vigora no nosso sistema fiscal desde o Decreto nº 17.730, de 7 de Dezembro de 
 
 1929, e que actualmente consta do artº 13º, do Código de Processo Tributário, 
 aos titulares dos órgãos dirigentes das secções profissionais dos clubes 
 desportivos.
 Considerou-se que apesar dos clubes desportivos que não se constituíram em 
 sociedade desportiva, não estarem sujeitos ao regime jurídico estabelecido para 
 as sociedades comerciais, o facto das suas secções profissionais terem uma 
 dinâmica empresarial, justificava que aos seus dirigentes fosse imputada uma 
 responsabilidade tributária solidária pela satisfação das dívidas fiscais 
 resultantes de incumprimento do clube.
 Contudo, no artº 103º, nº 2, da C.R.P., encontra-se consagrado o princípio da 
 legalidade tributária, segundo o qual os impostos tem de ser criados por lei, a 
 qual determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos 
 contribuintes. E, nos termos do artº 165º, nº 1, i), da C.R.P., a aprovação 
 dessa lei fiscal é reserva relativa de competência da Assembleia da República, a 
 qual poderá autorizar o Governo a legislar sobre essa matéria.
 O referido artº 39º, nº 1, e 2, que estendeu a responsabilidade pessoal, 
 ilimitada e solidária dos administradores e gerentes das sociedades comerciais 
 de responsabilidade limitada, pela satisfação das dívidas tributárias da 
 respectiva sociedade, aos titulares dos órgãos dirigentes das secções 
 profissionais dos clubes desportivos, pertence ao Decreto-Lei nº 67/97, de 3 de 
 Abril, aprovado pelo Governo.
 Independentemente da posição que se adopte na controversa qualificação jurídica 
 desta responsabilidade tributária pelo pagamento da dívida de outrem, a sua 
 consagração integra o conceito de “incidência”, referido no artº 103º, nº 2, da 
 C.R.P., pois determina mais um responsável pela satisfação de impostos, pelo que 
 deve constar de lei aprovada pela Assembleia da República ou pelo Governo, 
 devidamente autorizado pela Assembleia para esse efeito.
 O Decreto-Lei nº 67/97, de 3 de Abril, foi aprovado “no uso de autorização 
 legislativa concedida pela alínea d), do nº 4, do artº 30º, da Lei nº 52-C/96, 
 de 27 de Dezembro, e no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei 
 
 1/90, de 13 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 19/96, de 25 de 
 Junho”.
 Na alínea d), do nº 4, do artº 30º, da referida Lei (de autorização 
 legislativa) nº 52-C/96, de 27 de Dezembro, permitiu-se que o Governo 
 harmonizasse “em sede de IRC, os regimes aplicáveis aos clubes desportivos e às 
 sociedades desportivas nos termos da legislação aplicável”.
 O objecto da autorização foi apenas o da definição do regime do IRC 
 relativamente aos clubes e sociedades desportivas, sendo o seu sentido o de 
 harmonizá-lo com o regime geral estabelecido. Não dimana, pois, desta 
 autorização a atribuição de quaisquer poderes legislativos sobre a obrigação de 
 terceiros responderem pela satisfação das dívidas tributárias daquelas 
 entidades. Esta seria uma outra matéria que exigiria uma previsão específica na 
 citada lei de autorização legislativa, de modo a ser cumprido o disposto no 
 artº 165º, nº 2, da C.R.P., quanto ao objecto e sentido da autorização.
 Relativamente à lei de Bases do Desporto, aprovada pela Lei nº 1/90, de 13 de 
 Janeiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 19/96, de 25 de Junho, o único 
 preceito susceptível de ter alguma conexão com esta matéria é o artº 20º, que 
 dispõe o seguinte:
 
 “1 - São clubes desportivos, para efeitos desta lei, as pessoas colectivas de 
 direito privado que tenham como escopo o fomento e a prática directa de 
 actividades desportivas. 
 
 2 - Os clubes desportivos que não participem em competições desportivas 
 profissionais constituir-se-ão, nos termos gerais de direito, sob forma 
 associativa e sem intuitos lucrativos. 
 
 3 - Por diploma legal adequado serão estabelecidos os termos em que os clubes 
 desportivos, ou as suas equipas profissionais, que participem em competições 
 desportivas de natureza profissional poderão adoptar a forma de sociedade 
 desportiva com fins lucrativos, ou o regime de gestão a que ficarão sujeitos se 
 não optarem por tal estatuto. 
 
 4 - O diploma referido no número anterior salvaguardará, entre outros 
 objectivos, a defesa dos direitos dos associados e dos credores de interesse 
 público e a protecção do património imobiliário, bem como o estabelecimento de 
 um regime fiscal adequado à especificidade destas sociedades. 
 
 5 - Mediante diploma legal adequado poderão ser isentos de IRC os lucros das 
 sociedades desportivas que sejam investidos em instalações ou em formação 
 desportiva no clube originário. 
 
 6 - Os clubes desportivos e sociedades desportivas que disputem competições 
 desportivas de carácter profissional terão obrigatoriamente de possuir 
 contabilidade organizada segundo as normas do Plano Oficial de Contabilidade, 
 com as adaptações constantes de regulamentação adequada”.
 Independentemente da questão deste diploma poder cumprir a função de autorização 
 legislativa exigida pelo artº 165º, da C.R.P., o nº 4, do acima transcrito artº 
 
 20º, ao falar apenas em “salvaguarda…dos credores de interesse público”, é 
 demasiado genérico para que daí se possa extrair uma autorização para 
 estabelecer a responsabilidade fiscal aqui em discussão. 
 E a referência contida na parte final desse mesmo nº 4, ao “estabelecimento de 
 um regime fiscal adequado”, além de continuar a sofrer da mesma falta de 
 especificidade do objecto e sentido da solução normativa em questão, apenas se 
 dirige ao regime das sociedades desportivas e não ao regime de gestão dos clubes 
 desportivos.
 Atento o raciocínio efectuado concluiu-se que a norma cuja constitucionalidade 
 se encontra impugnada foi aprovada pelo Governo sem ter suporte em autorização 
 legislativa que a abrangesse, pelo que sofre de inconstitucionalidade orgânica, 
 atento o disposto no artº 165º, nº 1, i), da C.R.P..
 
  
 
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 3. Decisão
 Pelo exposto, decide-se:
 a) Julgar inconstitucionais, por violação das disposições conjugadas dos artigos 
 
 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República 
 Portuguesa, as normas constantes dos números 1 e 2 do art.º 39.º do Decreto-Lei 
 n.º 67/97, na parte em que as mesmas admitem a responsabilidade pessoal, 
 ilimitada e solidária, pelo pagamento das dívidas fiscais ao credor tributário 
 das pessoas aí mencionadas;
 b) Confirmar o juízo de inconstitucionalidade feito pela decisão recorrida e, 
 consequentemente, negar provimento ao recurso.
 
  
 
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 Sem custas.
 
  
 
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 Lisboa, 29 de Maio de 2007
 João Cura Mariano
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos