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Processo nº 550/07
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
  
 Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 Relatório
 Nos autos de recurso (contra-ordenação) nº 10092/05.0TBOER, do 3º Juízo Criminal 
 de Oeiras, foi, por sentença de 4-12-2006, julgado parcialmente improcedente o 
 recurso interposto pela A., SA, relativamente à sua condenação, proferida pela 
 Alta Autoridade para a Comunicação Social, na coima de €. 75.000, pela prática 
 da contra-ordenação p.p. pelos artº 21º, nº 1, e 64º, nº 1, c), e 3, da Lei nº 
 
 31-A/98, de 14/7, sendo agora ali condenada na coima de €. 42.000.
 A A., SA, interpôs recurso desta sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa, 
 que, por acórdão de 19-4-2007, julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão 
 recorrida.
 Deste acórdão interpôs a A., SA, recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo da alínea b), do nº 1, do artº 70º, da Lei da Organização, Funcionamento 
 e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:
 
 “1. O 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, em sentença proferida 
 em 4 de Dezembro de 2006, analisou, entre outras, a questão de “saber como 
 conjugar, em caso de conflito, direitos fundamentais antagónicos: o direito à 
 imagem, o direito à intimidade da vida privada e o direito ao desenvolvimento 
 da personalidade, por um lado, e o direito / dever de informação em liberdade, 
 por outro “.
 
 2. Tendo concluído que “o relevo jornalístico da notícia de um alegado abuso 
 sexual de menor não justificava o atropelo ao núcleo mais básico dos seus 
 direitos fundamentais, mormente ao direito à reserva da intimidade da vida 
 particular e ao desenvolvimento da personalidade.”, e isto quando fora prestado 
 consentimento pelos representantes legais da menor .
 
 3. Decidindo, não obstante o tribunal de primeira instância e o tribunal 
 superior, pela confirmação da “condenação desta pela contra-ordenação prevista e 
 punível pelos artigos 21.º, n.º 1 ... da Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho”.
 
 4. Dessa decisão judicial interpôs a Recorrente recurso para o Venerando 
 Tribunal da Relação de Lisboa, requerendo que fosse “julgada e declarada a 
 inconstitucionalidade por violação dos artigos 37.º, n.ºs 1 e 2, 38.º, n.ºs 1 e 
 
 2; 18.º, n.ºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa, da interpretação 
 feita pelo Tribunal a quo da norma prevista no art. 21.º, n.º 1 da Lei n.º 
 
 31-A/98, de 14 de Julho, quando interpretada em termos de limitar e restringir a 
 liberdade de expressão e o direito/dever de informar face aos direitos, 
 liberdades e garantias genérica e abstractamente previstos no n.º 1 do art. 21.º 
 do referido diploma legal.”.
 
 5. Propugnando pelo entendimento segundo o qual “a previsão legal do art. 21.º, 
 n.º 1 da Lei da Televisão apenas será aplicável quando estejam em causa “casos 
 extremos” de violação dos direitos fundamentais” e não qualquer interpretação 
 discricionária e subjectiva, ao arrepio das normas constitucionais e legais. 
 
 6. Por acórdão proferido em 19 de Abril de 2007 entendeu-se, no que tange a esta 
 questão, que a interpretação preconizada pelo tribunal recorrido do citado 
 preceito não violaria qualquer das disposições constitucionais referidas, 
 decidindo que “não se vislumbra assim inconstitucionalidade alguma em tal 
 preceito, improcedendo ... o recurso nesta parte”, mantendo-se, dessa forma, o 
 entendimento pela Recorrente considerado inconstitucional. 
 
 7. Termos em que, por ter sido aplicada uma norma (art. 21.º, n.º 1 da Lei n.º 
 
 31.º-A/98 de 14 de Julho), cuja interpretação normativa é patentemente 
 inconstitucional, por violação dos artigos 37.º, n.ºs 1 e 2, 38.º, n.ºs 1 e 2 e 
 
 18.º, n.ºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa; inconstitucionalidade 
 essa que foi suscitada no recurso pela ora Recorrente interposto para o Tribunal 
 da Relação de Lisboa, sendo esta parte legítima e o recurso ora interposto legal 
 e tempestivo, se requer a sua admissão, seguindo-se os demais termos até final”.
 
  
 Notificado para corrigir este requerimento, de modo a enunciar a interpretação 
 normativa contida na decisão recorrida cuja inconstitucionalidade pretendia ver 
 apreciada, a recorrente apresentou requerimento em que concluiu do seguinte 
 modo:
 
 “Razão pela qual se requer que seja julgada e, após a devida ponderação e 
 análise dos argumentos a expender em alegações, declarada a 
 inconstitucionalidade por violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 27.º, n.ºs 1 e 2 do 
 artigo 37.º, n.ºs 1 e 3 do artigo 38.º e n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, todos da 
 Constituição da República Portuguesa, da interpretação feita pelo Tribunal 
 Judicial da Comarca de Oeiras, e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, 
 da norma prevista no n.º 1 da Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, quando 
 interpretada em termos de limitar e restringir, de modo absoluto e sem ponderar 
 as circunstâncias do caso concreto, a liberdade de expressão e o direito/dever 
 de informar face aos direitos, liberdades e garantias genérica e abstractamente 
 previstos no n.º 1 do artigo 21.º do referido diploma legal. 
 Ou, dito de outro modo, o artigo 21.º da Lei de Televisão interpretado de modo a 
 que seja absolutamente proibida a difusão de qualquer entrevista a menor vítima 
 de abuso sexual, com a sua imagem e identidade ocultada, ainda por cima 
 devidamente consentida e autorizada pelos seus representantes legais, viola a 
 garantia constitucional da liberdade de expressão e de informação e a proibição 
 de censura previstas nos artigos 37.º n.º 1 e 2 e 38.º n.º 1 e 2 alínea a) ambos 
 da Constituição da República Portuguesa”.
 
  
 Foi proferida decisão sumária, que não conheceu do mérito do recurso interposto, 
 com a seguinte fundamentação:
 
  
 
  
 
 “No recurso deduzido com fundamento na alínea b), do nº 1, do artº 70º, da LTC, 
 pode questionar-se a constitucionalidade da interpretação duma norma efectuada 
 pela decisão recorrida.
 Contudo, também aqui, o controlo exercido pelo Tribunal Constitucional tem 
 natureza estritamente normativa, não sendo a decisão judicial que é objecto de 
 fiscalização, enquanto operação subsuntiva da norma ao caso concreto, mas sim o 
 critério normativo utilizado para efectuar tal operação, como resultado da 
 actividade interpretativa duma determinada norma. Conforme refere Carlos Lopes 
 do Rego, “a interpretação normativa sindicável pelo Tribunal Constitucional 
 pressupõe uma vocação de generalidade e abstracção na enunciação do critério 
 normativo que lhe está subjacente, de modo a autonomizá-lo claramente da pura 
 actividade subsuntiva, ligada irremediavelmente a particularidades específicas 
 do caso concreto” (in “O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal 
 Constitucional”, em “Jurisprudência Constitucional”, nº 3, Julho/Setembro de 
 
 2004, pág. 7).
 Conforme resulta claramente da leitura da fundamentação do Acórdão recorrido, 
 ponderou-se, perante as especificidades do caso concreto, se estaríamos perante 
 uma situação que se incluía nas hipóteses que justificavam uma restrição à 
 liberdade de expressão e ao direito de informar, não se tendo enunciado 
 qualquer critério geral e abstracto, indiferente aos circunstancialismos da 
 realidade em análise.
 Na verdade, contrariamente ao que consta dos critérios interpretativos 
 constantes do requerimento de correcção imputados à decisão recorrida, esta não 
 ignorou as particularidades do caso concreto, nem enunciou qualquer proibição 
 normativa absoluta.
 Estamos apenas perante uma concreta e casuística valoração das circunstâncias do 
 caso sub juditio, que não pode ser sindicada pelo Tribunal Constitucional, não 
 devendo, assim, ser conhecido o recurso interposto pela A., SA.
 Não sendo a questão suscitada pela recorrente susceptível de ser conhecida pelo 
 Tribunal Constitucional, importa proferir decisão sumária nesse sentido, nos 
 termos do artº 78º - A, nº 1, da LTC”.
 
  
 Desta decisão reclamou a recorrente, com os seguintes argumentos:
 
 “O recurso cuja admissão foi sumariamente indeferida vem interposto ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC e, conforme imperativo do n.º 2 do 
 artigo 75º-A da LTC, aponta a norma cuja interpretação é, no entender da 
 recorrente, inconstitucional. 
 Assim, o controlo pedido a este Colendo Tribunal circunscreve-se a uma questão 
 estritamente normativa uma vez que foi posto em causa o critério normativo 
 utilizado pelo Tribunal a quo na operação interpretativa e consequente subsunção 
 da norma ao caso concreto, situação que pode e deve ser sindicável pelo Tribunal 
 Constitucional. 
 Vem, agora, a reclamação em apreço da decisão que sumariamente não admitiu o 
 referido recurso porque estaremos “... perante uma concreta e casuística 
 valoração das circunstâncias do caso sub juditio, que não pode ser sindicada 
 pelo Tribunal Constitucional...” (cfr. Decisão reclamada) [sublinhado nosso]. 
 Com o devido respeito, não é isso que resulta do recurso em causa, nem, muito 
 menos, é essa a intenção da reclamante. 
 Na verdade, a reclamante sindicou, tal como a alínea b), do n.º 1, do artigo 70º 
 da LTC permite, a constitucionalidade da interpretação duma norma muito 
 concreta, como, aliás, vem admitido na decisão sumária. 
 Contudo, e ao contrário do que aí é referido, a reclamante questionou o critério 
 normativo, genérico e abstracto, utilizado na operação de subsunção da norma ao 
 caso concreto e não qualquer operação concreta e casuística de valoração das 
 circunstâncias do caso. 
 Concretamente, o recurso em causa questiona a interpretação e aplicação que a 
 decisão recorrida fez do artigo 21º da Lei da Televisão, porquanto tal 
 interpretação e aplicação normativa inconstitucional afectaram o conteúdo 
 essencial da liberdade de expressão, na sua modalidade de direito fundamental à 
 liberdade de imprensa. 
 Ora, como já foi referido, esta norma plasma, como critério orientador da 
 actividade do intérprete e aplicador da lei, o conceito de dignidade da pessoa 
 humana, donde resulta – como os tratados internacionais nos determinam – que só 
 poderá haver restrição numa situação gravosa, não compaginável com o caso em 
 apreço. 
 Ou seja, a interpretação – e sua extensão – dada pelo tribunal recorrido, não 
 poderia ter sido querida pelo legislador, pois o caso em apreço, 
 circunscrevendo-se à definição internacional e nacional de dignidade da pessoa 
 humana, nunca poderia ultrapassar este domínio restrito, como ultrapassou. 
 Daí que se tenha sindicado a interpretação ínsita à decisão de que neste caso 
 concreto deverá haver uma restrição ao direito de informar, porquanto partiu de 
 uma interpretação incorrecta daquela norma/conceito, colidindo com a 
 Constituição. 
 Assim, do recurso em causa ficam de fora quaisquer inconstitucionalidades 
 imputadas a actos de aplicação, execução ou simples subsunção de normas, isto 
 
 é, de regras de conduta ou de critérios de decisão. 
 No presente caso, está-se perante matéria puramente normativa e não decisória, 
 na medida em que se impugna a constitucionalidade de uma norma na interpretação 
 dada pelo acórdão recorrido, inconstitucionalidade essa já invocada em instância 
 anterior. 
 Aliás basta ver o que se disse no segmento final do requerimento que antecede: 
 Razão pela qual se requer que seja julgada e, após a devida ponderação e análise 
 dos argumentos a expender em alegações, declarada a inconstitucionalidade por 
 violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 27.º, n.ºs 1 e 2 do artigo 37.º, n.ºs 1 e 3 do 
 artigo 38.º e n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, todos da Constituição da República 
 Portuguesa, da interpretação feita pelo Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, 
 e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, da norma prevista no n.º 1 da 
 Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, quando interpretada em termos de limitar e 
 restringir, de modo absoluto e sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, 
 a liberdade de expressão e o direito/dever de informar face aos direitos, 
 liberdades e garantias genérica e abstractamente previstos no n.º 1 do artigo 
 
 21.º do referido diploma legal. 
 Ou, dito de outro modo, o artigo 21.º da Lei de Televisão interpretado de modo a 
 que seja absolutamente proibida a difusão de qualquer entrevista a menor vítima 
 de abuso sexual, com a sua imagem e identidade ocultada, ainda por cima 
 devidamente consentida e autorizada pelos seus representantes legais, viola a 
 garantia constitucional da liberdade de expressão e de informação e a proibição 
 de censura previstas nos artigos 37.º n.º 1 e 2 e 38.º n.º 1 e 2 alínea a) ambos 
 da Constituição da República Portuguesa.
 Não podem restar, pois, dúvidas de que o que está em causa é uma consideração de 
 carácter estritamente normativo, com alcance longo e natureza geral e abstracta, 
 até pela simples razão de que a questão faz sentido neste e em qualquer outro 
 caso e prescinde até de qualquer análise casuística. 
 Em resumo, estando em causa uma interpretação normativa, como é o caso, e sendo 
 determinante do juízo sobre a respectiva constitucionalidade o entendimento com 
 que as normas questionadas foram aplicadas à concreta dimensão do problema 
 submetido à decisão do Tribunal recorrido, o recurso em causa pode ser 
 perfeitamente conhecido pelo Tribunal Constitucional e deve sê-lo. 
 Face ao exposto, a presente reclamação deverá ser deferida e, consequentemente, 
 apreciado o recurso cuja admissão foi sumariamente recusada e, assim, julgada a 
 inconstitucionalidade submetida à apreciação deste Colendo Tribunal”.
 
  
 Respondeu o Ministério Público, pronunciando-se pelo indeferimento da reclamação 
 nos seguintes termos:
 
          “A presente reclamação é manifestamente improcedente. 
 
         Na verdade, e como é evidente, o longo e prolixo requerimento de p. 
 
 324/329 não traduz cumprimento adequado do ónus de especificação, de forma 
 cabal, concisa e inteligível da norma ou critério normativo cuja 
 constitucionalidade se pretende sindicar. 
 Acresce que, se o dito critério normativo era apenas o constante do segmento 
 final de tal peça processual, é inquestionável que a Relação, no acórdão 
 recorrido, não procedeu manifestamente à respectiva aplicação, já que: 
 
 - procedeu a uma valoração e ponderação “concretas”, que está nos antípodas da 
 alegada restrição absoluta e desligada da especificidade do caso concreto; 
 
 - não aplicou a interpretação do questionado artigo 21º, enunciada pela entidade 
 reclamante, já que funcionou como “ratio decidendi” essencial a consideração de 
 que a “ocultação da identidade” do menor, cujo depoimento foi colhido, não foi 
 satisfatoriamente realizada (Cf. p. 309), atenta a fácil “identificabilidade” do 
 menor, decorrente do modo como foi obtido o depoimento (ponto 2 – 8 e 10) da 
 matéria de facto”.
 
  
 
                                                                                  
 
  *
 Fundamentação
 O reclamante alega nesta reclamação que a questão por si colocada ao Tribunal 
 Constitucional respeita a um critério normativo, genérico e abstracto, utilizado 
 na operação de subsunção do caso concreto à norma, e não qualquer operação 
 concreta e casuística de valoração das circunstâncias do caso. 
 Ora, a decisão sumária de não conhecimento do recurso não negou que o reclamante 
 tenha enunciado, como questão de inconstitucionalidade que pretendia ver 
 apreciada, uma interpretação normativa, genérica e abstracta, tendo antes 
 verificado que a mesma não constava da ratio decidendi da decisão recorrida.
 Pode ler-se na decisão reclamada:
 
 “Conforme resulta claramente da leitura da fundamentação do Acórdão recorrido, 
 ponderou-se, perante as especificidades do caso concreto, se estaríamos perante 
 uma situação que se incluía nas hipóteses que justificavam uma restrição à 
 liberdade de expressão e ao direito de informar, não se tendo enunciado 
 qualquer critério geral e abstracto, indiferente aos circunstancialismos da 
 realidade em análise.
 Na verdade, contrariamente ao que consta dos critérios interpretativos 
 constantes do requerimento de correcção imputados à decisão recorrida, esta não 
 ignorou as particularidades do caso concreto, nem enunciou qualquer proibição 
 normativa absoluta.
 Tendo o recurso, em processo de fiscalização concreta, natureza instrumental, 
 relativamente à decisão recorrida, o mesmo não pode apreciar questões 
 académicas, mas apenas aquelas que respeitam a normas ou interpretações 
 normativas contidas na decisão recorrida.
 O reclamante pretende que seja apreciada a inconstitucionalidade do “artigo 21.º 
 da Lei de Televisão interpretado de modo a que seja absolutamente proibida a 
 difusão de qualquer entrevista a menor vítima de abuso sexual, com a sua imagem 
 e identidade ocultada, ainda por cima devidamente consentida e autorizada pelos 
 seus representantes legais, por violar a garantia constitucional da liberdade 
 de expressão e de informação e a proibição de censura previstas nos artigos 37.º 
 n.º 1, e 2, e 38.º, n.º 1 e 2, alínea a), ambos da Constituição da República 
 Portuguesa”.
 Lendo atentamente o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa verifica-se que 
 este critério normativo não se encontra aí enunciado, nem está implícito à 
 fundamentação aduzida.
 Conforme se refere nessa decisão relativamente à subsunção dos factos provados 
 ao disposto no referido artº 21º, da Lei da Televisão:
 
 “O preceito em causa insere-se no Cap. III, sob a epígrafe “Programação e 
 Informação”, e na Secção I, ora respeitante à “Liberdade de programação e 
 informação”, desde logo consagrando o artº 20º anterior, o princípio da 
 
 “autonomia dos operadores” nos seguintes termos:
 
 “1- A liberdade de expressão do pensamento através da televisão integra o 
 direito fundamental dos cidadãos a uma informação livre e pluralista, essencial 
 
 à democracia, à paz e ao progresso económico e social do País.
 
 2- Salvo os casos previstos na presente lei, o exercício da actividade de 
 televisão assenta na liberdade de programação, não podendo a Administração 
 Pública ou qualquer órgão de soberania, com excepção dos tribunais, impedir, 
 condicionar ou impor a difusão de quaisquer programas.”
 Ora, o citado artº 21º, não proibindo, em bom rigor, a emissão da entrevista em 
 questão, mais não consubstancia – tal como antes se disse já em sede do artº 37º 
 nº 2 da CRP – que a concretização de um limite, imposto, em geral e 
 expressamente previsto no seu nº 2.
 Como da sua simples leitura desde logo decorre, objecto de tais “limites” está 
 
 “qualquer emissão”, desde que violadora de “direitos, liberdades e garantias 
 fundamentais” ou “atente contra a dignidade da pessoa humana” – nº 1 – alargando 
 o nº 2 seguinte tal proibição às “emissões susceptíveis de influir de modo 
 negativo na formação da personalidade das crianças ou adolescentes ou de afectar 
 outros públicos mais vulneráveis”.
 Como dissemos, na emissão da(s) entrevista(s) referida(s), em causa estão, não 
 só os universais direitos, liberdades e garantias referidos, relativamente a uma 
 menor de 10 anos de idade, vítima de um crime de natureza sexual, mas também, 
 nas circunstâncias concretamente descritas e mais que a sua honra, a 
 intimidade…, o unificador conceito do “sofrimento” da sua própria dignidade, 
 assim violada.
 Assim sendo, 
 A emissão – repetida – da entrevista da menor nos termos julgados provados – 
 supra refer. em 2- “consegue” preencher, ex abundantis, todos e cada um dos 
 elementos constitutivos referidos, seja no âmbito dos direitos, liberdades e 
 garantias supra referidos, seja também e ainda no que à sua dignidade respeita.
 Daí que, e convenhamos, temos de ter por de todo preenchido o circunstancialismo 
 típico antes referido: foram violados direitos, liberdades e garantias 
 fundamentais…atentou-se contra a dignidade de uma pessoa, ainda criança… – como 
 resultou provado supra refer. em 2- 8. e 10. – identificada ou – e no mínimo – 
 de todo, e facilmente, identificável, presente que é a sua definição objecto do 
 artº 3º al. a) da citada Lei 67/98”.
 
  
 O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa não só não formula o critério 
 interpretativo do referido artº 21º, da Lei da Televisão, enunciado pela 
 recorrente, limitando-se a efectuar uma concreta e casuística valoração das 
 circunstâncias factuais do caso sub juditio, como, inclusive, entendeu, perante 
 a factualidade provada que não foi assegurada a não identificabilidade da 
 menor, em oposição ao que é dito no critério normativo indicado pelo recorrente 
 como constando da decisão recorrida.
 Mostra-se, pois, acertada a decisão de não tomar conhecimento do recurso, com 
 fundamento em que o critério normativo enunciado pelo recorrente não constitui 
 ratio decidendi da decisão recorrida, devendo, por esse motivo, ser indeferida a 
 reclamação apresentada.
 
  
 
                                                                                  
 
  *
 Decisão
 Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A., S.A., da decisão 
 sumária proferida nestes autos em 19-6-2007.
 
  
 
                                                                                  
 
  *
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, 
 ponderados os critérios do artº 9º, nº 1, do D.L. nº 303/98 (artº 7º, do D.L. nº 
 
 303/98, de 7 de Outubro).
 
  
 
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 Lisboa, 18 de Julho de 2007
 João Cura Mariano
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos