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Processo nº 188/06
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
                (Conselheiro Gil Galvão) 
 
                                                                        
 
  
 
  
 Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I – Relatório
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal do Trabalho de Bragança, foi 
 indeferido, por decisão de 21 de Novembro de 2005, o requerimento apresentado 
 pela Companhia de Seguros A., SA, para remição obrigatória da pensão que, na 
 sequência de um acidente de trabalho ocorrido em 23 de Julho de 1974, do qual 
 resultou a morte de B., foi atribuída a C., viúva do sinistrado, por sentença 
 homologatória de 13 de Março de 1975. Para o efeito, o tribunal, “considerando 
 que a beneficiária nestes autos declarou não aceitar a remição da sua pensão”, 
 recusou a aplicação, por inconstitucionalidade, da “norma resultante do art. 56° 
 n.° 1 al. a) do D.L. 143/99 de 30/4, quando interpretada no sentido de impor a 
 remição obrigatória total, isto é independentemente da vontade do titular, de 
 pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou 
 por morte”. A decisão, após considerar que estavam “reunidos os pressupostos 
 necessários à remição obrigatória da pensão” e de ter analisado a jurisprudência 
 constitucional, transcrevendo, para o efeito, passagens do Acórdão n.º 56/2005, 
 concluiu assim:
 
  
 
 “[...] Conclui-se, pois, que a interpretação do art. 56º nº 1 al. a) do D.L. 
 
 143/99 de 30/4 no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é 
 independentemente da vontade do titular, de pensões vitalícias atribuídas por 
 morte aos beneficiários legais do sinistrado falecido, defendida pela seguradora 
 responsável e pela Digna Procuradora da República, põe em causa o princípio 
 constitucional do direito à justa reparação por acidente de trabalho ou doença 
 profissional estabelecido no art. 59° n° 1 al. f) da Constituição, na medida em 
 que impõe uma limitação ao direito do beneficiário-pensionista poder optar, ou 
 pela remição, ou, antes, pelo recebimento da sua pensão sob a forma de renda 
 anual. [...]”
 
  
 
  
 
  
 
 2. Desta decisão foi interposto, “ao abrigo do disposto no art.º 70° n.º 1 al.ª 
 a) da Lei n.º 28/82 de 15/11”, recurso obrigatório pelo Ministério Público, para 
 apreciação da “norma resultante do art.º 56 n.º1. a), do DL 143/99 de 30/4, 
 
 «quando interpretada por forma a impor a remição obrigatória total, isto é 
 independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades 
 parciais permanentes superiores a 30% ou por morte»”.
 
  
 
  
 
 3. Notificado para o efeito, o Ministério Público apresentou alegações, nas 
 quais, após constatar que, “sendo a pensão devida desde 1974, [nos] parece 
 manifesto que a dirimição do caso teria necessariamente de passar pela aplicação 
 do regime transitório plasmado no artigo 74º do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de 
 Abril, que define precisamente as condições de remição de pensões anteriores à 
 vigência do actual regime”, mas que “não cabe, porém, nos poderes do Tribunal 
 Constitucional, no âmbito do presente recurso, sindicar a determinação das 
 normas de direito infraconstitucional, tidas por aplicáveis pelas instâncias – 
 pelo que cabe naturalmente apreciar apenas a questão suscitada quanto à norma 
 tida por aplicável pela decisão recorrida e que foi objecto de um juízo de 
 inconstitucionalidade material”, concluiu nos seguintes termos:
 
  
 
 “[...] 1 – Face à firme corrente jurisprudencial, formada na esteira do decidido 
 no acórdão nº 56/05, não se conforma com o princípio constitucional da justa 
 reparação dos danos emergentes de acidentes laborais, estabelecido no artigo 
 
 59º, nº 1, alínea f) da Constituição da República Portuguesa o regime que se 
 traduz em impor ao trabalhador/sinistrado ou, no caso de morte, ao 
 familiar/beneficiário – contra a sua vontade expressa no processo – a 
 obrigatória remição das pensões vitalícias que – independentemente do seu 
 montante pecuniário – visam compensar graus elevados – superiores a 30% - de 
 incapacidade laboral.
 
 2 – Tal entendimento tanto se justifica quanto às pensões fixadas anteriormente 
 
 à vigência do Decreto-Lei nº 143/99 (previstas no artigo 74º), como às pensões 
 decorrentes de acidentes já ocorridos após vigorar este diploma legal, cuja 
 remição obrigatória está prevista e regulada no artigo 56º.
 
 3 – Não viola o princípio da igualdade a circunstância de – em consequência da 
 remição da pensão – certos trabalhadores ou beneficiários receberem um capital 
 indemnizatório, que passam a administrar livremente, enquanto os restantes 
 continuam a receber uma indemnização expressa em pensão ou renda vitalícia, não 
 objecto de remição.
 
 4 – Porém, a norma constante do artigo 56º, nº 1, alínea a) do Decreto--Lei nº 
 
 143/99, ao impor, independentemente da vontade do trabalhador ou beneficiário, a 
 remição obrigatória total de pensões atribuídas por incapacidades parciais 
 permanentes superiores a 30%, ou por morte do sinistrado, ofende o princípio 
 constitucional da justa reparação de danos causados por acidentes laborais.
 
 5 – Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante 
 da decisão recorrida.”
 
  
 
  
 A recorrida não alegou. 
 
  
 
 4. Discutido o memorando apresentado pelo relator inicial, de que resultou 
 mudança de relator, cumpre formular a decisão do Tribunal.
 
  
 II – Fundamentação.
 
  
 
 5. Importa começar por delimitar mais precisamente o objecto do recurso, tendo 
 em conta, (i) que se trata de uma pensão atribuída ao cônjuge do sinistrado por 
 acidente de que resultou a morte do trabalhador e não por incapacidade superior 
 a 30% , (ii) e,  a circunstância de estar em causa a recusa de aplicação da 
 alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99 a acidentes 
 ocorridos e a pensões fixadas anteriormente à sua entrada em vigor (em 1974, no 
 caso presente).
 Efectivamente, embora este seja o preceito que tem de ser tomado como suporte 
 legal da norma questionada, por não caber ao Tribunal Constitucional interferir 
 na escolha do direito ordinário aplicável, não podem deixar de ter-se em conta, 
 no recurso de fiscalização concreta, os elementos da dimensão normativa 
 efectivamente aplicada que tenham repercussão na análise da questão de 
 constitucionalidade. Aliás, embora na parte final tenha extraído somente da 
 alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99 a norma cuja 
 aplicação recusou, a sentença recorrida começara a análise oficiosa da questão 
 de constitucionalidade pela afirmação de que “também no caso de pensões 
 vitalícias por morte devidas a beneficiários legais as normas dos artigos 56.º 
 n.º1 al. a) e 74.º do D.L. 143/99 de 30/4 estão feridas de inconstitucionalidade 
 por violação do direito à justa reparação por acidentes de trabalho ou doença 
 profissional, quando interpretadas no sentido de imporem a remição obrigatória 
 total dessas pensões vitalícias, independentemente da vontade do pensionista”.
 Assim, o objecto do recurso é a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 
 
 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99, interpretada no sentido de impor a remição 
 obrigatória total de pensões de montante anual inicial não superior a seis vezes 
 a remuneração mínima mensal mais elevada à data da fixação da pensão atribuídas 
 ao cônjuge do trabalhador sinistrado, por acidente de que resultou a morte 
 deste, quando aplicada a pensões fixadas antes da sua entrada em vigor.
 
  
 
  
 
 6. Ora, com este recorte, a questão de constitucionalidade agora colocada não se 
 diferencia, em qualquer aspecto essencial, daquela que, tendo por objecto a 
 norma constante do artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 143/99, quando o titular da 
 pensão é o cônjuge do sinistrado (ou outro beneficiário legal) foi analisada 
 pelo Tribunal no Acórdão n.º 438/2006, publicado no Diário da República, II 
 Série, de 31 de Agosto.
 Ponderou-se neste acórdão o seguinte:
 
 “Pelo acórdão n.º 34/2006 (Diário da República, I Série A, de 8 de Fevereiro de 
 
 2006), foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da 
 
 'norma constante do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, na 
 redacção emergente do Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro, interpretada 
 no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas 
 por incapacidades parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em 
 que estas excedam 30%, por violação do artigo 59º. n.º 1, alínea f), da 
 Constituição da República Portuguesa'.
 Não há, manifestamente, coincidência este esta norma e aquela que constitui o 
 objecto do presente recurso.
 Nas alegações que apresentou, o Ministério Público sustentou que valem 
 plenamente para a norma agora em apreciação as razões que ditaram 'os sucessivos 
 julgamentos de inconstitucionalidade material' que, como se sabe, levaram à 
 referida declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. Foram 
 as seguintes, como se pode ler no Acórdão n.º 34/2006, por transcrição do 
 Acórdão n.º 56/2005 (Diário da República, II série, de 3 de Março de 2005):
 
  «4. O artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, na redacção em 
 causa (dada pelo Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro), já foi julgado 
 
 (organicamente) inconstitucional por este Tribunal no Acórdão n.º 468/2002 
 
 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 54, págs. 789-802), “na 
 interpretação segundo a qual aquele preceito é aplicável à remição das pensões 
 previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º e no artigo 33.º, ambos da Lei 
 n.º 100/97, de 13 de Setembro, em pagamento à data da entrada em vigor deste 
 mesma Lei”.
 
 (…)
 O que se discutia nesse caso era, (…) antes de mais, a extensão do regime 
 transitório fixado no artigo 41.º, n.º 2, da Lei n.º 100/97. No presente caso, o 
 sentido impugnado da mesma norma é outro, e está em causa uma 
 inconstitucionalidade material, sendo que a norma impugnada – o artigo 74.º, na 
 interpretação de “fazer abranger no conceito de ‘pensões de reduzido montante’ 
 todas as pensões infortunísticas laborais, incluindo nelas as situações de total 
 ou elevada incapacidade permanente” – vem acusada, pelo tribunal recorrido, de 
 violar os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justa indemnização 
 dos acidentes de trabalho, sendo que é bastante estabelecer uma dessas causas de 
 inconstitucionalidade para dispensar a averiguação das restantes.'
 
  
 Após citar e transcrever extractos do Acórdão n.º 379/2002 (Diário da República, 
 II série, de 16 de Dezembro de 2002), o Acórdão n.º 56/2005 continua da seguinte 
 forma:
 
 'Em todo o caso, o argumento mais relevante apresentado pela decisão recorrida 
 contra a conformidade constitucional da norma do artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 
 
 143/99 (na redacção dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 382-A/99, e na 
 interpretação que foi efectuada pela decisão recorrida, que o Tribunal 
 Constitucional tem de aceitar como um dado no presente recurso) foi, justamente, 
 o dos limites à teleologia da remição: nesses casos de incapacidade elevada, “só 
 a subsistência de uma pensão vitalícia poderá precaver o sinistrado contra o 
 destino, eventualmente aleatório, do capital resultante da remição obrigatória, 
 em casos como o sub judice”.
 Neste ponto, a decisão recorrida foi também ao encontro da ponderação reiterada 
 pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 302/99 (publicado em Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, vol. 43, págs. 597-603), no qual se pode ler:
 
 «o estabelecimento de pensões por incapacidade tem em vista a compensação pela 
 perda da capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a infortúnios de que 
 foram alvo no ou por causa do desempenho do respectivo labor.
 E, por isso, compreende-se que, se uma tal perda não foi por demais acentuada, o 
 que o mesmo é dizer que o acidente de trabalho ou a doença profissional não 
 implicou a futura continuação do desempenho de labor por parte do trabalhador 
 
 (ainda que tenha reflexo, mesmo em medida não muito relevante, na retribuição 
 por aquele desempenho, justamente pela circunstância de não apresentar uma total 
 capacidade de trabalho), se permita que a compensação correspondente à pensão 
 que lhe foi fixada - e sabido que é que, de uma banda, o montante das pensões é 
 de pouco relevo e, de outra, que o quantitativo fixado se degrada com o passar 
 do tempo - possa ser “transformada” em capital, a fim de ser aplicada em 
 finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a mera percepção 
 de uma “renda” anual cujo quantitativo não pode permitir qualquer subsistência 
 digna a quem quer que seja.
 Transformação essa que ocorrerá a requerimento do trabalhador ou da entidade 
 responsável pelo pagamento da pensão, ou, até, obrigatoriamente, por força da 
 própria lei, neste último caso quando a incapacidade for diminuta (até 10%) e o 
 montante da pensão for reduzido.
 Outrotanto se não passará quando em causa se postarem acidentes de trabalho ou 
 doenças profissionais cuja gravidade seja de tal sorte que vá acentuadamente 
 diminuir a capacidade laboral do trabalhador e, reflexamente, a possibilidade de 
 auferir salário condigno com, ao menos, a sua digna subsistência. Nestas 
 situações, e porque a pensão é, necessariamente, de mais elevado montante, 
 servirá ela de complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em 
 consequência da reduzida capacidade de trabalho.
 Se o montante dessas pensões se perspectivar como algo que actua (ou actuaria 
 desejavelmente) como um mínimo de asseguramento de subsistência, então 
 compreende-se que o legislador pretenda, como assinala o Ex.mo Procurador-Geral 
 Adjunto na sua alegação, “colocar o trabalhador a coberto dos riscos de 
 aplicação do capital de remição”.
 Efectivamente, a aplicação de um capital - ainda que no momento em que essa 
 intenção é formulada se apresente como um investimento adequado, porquanto 
 proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à 
 percepção da pensão anual - é sempre alguma coisa que, em virtude de ser 
 aleatória, comporta riscos.
 E daí se aceitar que, nos casos em que a incapacidade de trabalho se situa em 
 maior percentagem (com o consequente maior montante da pensão), o legislador, 
 para ressalva do próprio trabalhador que dessa incapacidade padece, não autorize 
 a remição das respectivas pensões, desta sorte estabelecendo uma limitação ao 
 poder do trabalhador de pedir ou não a remição.»
 Neste Acórdão n.º 302/99 (bem como no Acórdão n.º 482/99, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a 
 conformidade constitucional de disposições que vedam a remição de certas pensões 
 
 “a requerimento dos pensionistas ou das entidades responsáveis”, e julgou-as 
 inconstitucionais por violação das disposições conjugadas dos artigos 13.º, n.º 
 
 1, 59.º, n.º 1, alínea f), e 63.º, n.º 3, da Constituição.
 No presente caso, o problema é de certa forma inverso, pois não está em causa a 
 limitação ao poder de o trabalhador ponderar se, atento o diminuto quantitativo 
 da pensão, não seria mais compensadora a efectivação da remição (que redundava – 
 disse‑se – “verdadeiramente, na consagração de uma discriminação materialmente 
 infundada, actuando como um obstáculo a que o sistema de segurança social 
 proteja adequadamente [...] o direito dos trabalhadores à justa reparação, 
 quando vítimas de acidentes de trabalho ou de doença profissional [artigo 59º, 
 nº 1, alínea f), do diploma básico]”), mas antes a limitação a continuar a 
 receber a pensão, pela imposição de uma remição obrigatória, para todas as 
 pensões infortunísticas laborais, mesmo que por incapacidades parciais 
 permanentes que excedam 30%.
 Todavia, também no presente caso a interpretação em causa redunda numa limitação 
 do poder de o trabalhador ponderar se é menos arriscado continuar a receber a 
 pensão e recusar a remição – numa imposição do risco do capital a receber –, a 
 qual, com a extensão que a dimensão normativa admite, tornaria precário e 
 limitaria o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando vítimas de 
 acidente de trabalho ou doença profissional.
 
 6.Segundo as alegações do Ministério Público, a razão essencial da 
 inconstitucionalidade material passaria, todavia, a ser outra, radicando, antes, 
 na instituição de um regime (transitório) de remição obrigatória de pensões sem 
 relação com a vontade do beneficiário e “sem qualquer conexão com os valores de 
 remuneração mínima mensal garantida”.
 Quer, porém, se entenda que essa conexão com os valores de remuneração mínima 
 mensal garantida só está prevista nos casos de incapacidade permanente e parcial 
 inferior a 30% (o regime transitório não substitui o regime material constante 
 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99), quer se entenda, apenas, que tal não 
 
 é relevante no caso dos autos, em que estava em causa uma incapacidade parcial 
 permanente fixada em 60%, deixando inteiramente em aberto o modo de aplicar o 
 direito infra-constitucional, o certo é que o Tribunal Constitucional está 
 vinculado à formulação da questão tal como feita na decisão recorrida: a 
 interpretação do citado artigo 74.º no sentido de impor a remição obrigatória de 
 todas as pensões emergentes de acidente de trabalho quando a desvalorização 
 funcional que afecte o sinistrado for total ou exceder 30%.
 Pode, assim, concluir-se, como nos acórdãos citados, que a remição total 
 obrigatória – isto é, independentemente da vontade do beneficiário – de uma 
 pensão vitalícia atribuída por uma incapacidade parcial permanente superior a 
 
 30% é inconstitucional por violação do direito à justa reparação por acidente de 
 trabalho ou doença profissional, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da 
 Constituição.
 Desnecessário se torna, pois, confrontar o normativo em crise com outros 
 princípios ou normas constitucionais.»
 
  6. Contrariamente ao que é sustentado pelo Ministério Público, estes argumentos 
 não são inteiramente transponíveis para a hipótese de morte do sinistrado, e em 
 que o beneficiário da pensão é o cônjuge (ou outro beneficiário, nos termos 
 previstos na lei – actualmente, no artigo 20º da Lei n.º 100/97), como o 
 Tribunal Constitucional já salientou no citado Acórdão n.º 379/2002, que 
 concluiu no sentido da não inconstitucionalidade, a propósito de norma de 
 conteúdo semelhante à que constitui o objecto do presente recurso, embora 
 referida ao n.º 1 do artigo 56º do mesmo Decreto-Lei n.º 143/99: 
 
  
 
 «No caso sub judice o beneficiário da pensão não é o próprio sinistrado, uma vez 
 que este morreu, mas poder-se-á defender que, também aqui, haverá que proceder a 
 idêntica ponderação: se, face a um quadro em que as pensões tendem 
 inevitavelmente a degradar-se, se consideraram inconstitucionais as normas que 
 estabelecem “uma limitação ao poder do trabalhador de pedir ou não a remição”, 
 justificar-se-ia também um juízo de inconstitucionalidade para uma interpretação 
 normativa que, por morte do trabalhador, impõe a remição obrigatória das 
 pensões, sujeitas a actualizações anuais e ajustes por idade dos beneficiários, 
 para assim se salvaguardar a liberdade de o beneficiário correr os riscos do 
 capital de remição, como nas decisões referidas.
 
    (…)
 A norma em sindicância, com efeito, assenta na actualização do valor 
 presumivelmente recebido, de harmonia com as bases técnicas aplicáveis ao 
 cálculo do capital de remição e, bem assim, com as respectivas tabelas práticas, 
 fixadas por portaria do Ministério das Finanças, de acordo com o artigo 57º do 
 diploma. E a lógica que lhe subjaz comporta a conversão em capital de pensões de 
 valor anual reduzido de modo a permitir aos beneficiários, sem prejuízo da álea 
 inerente, que assim se obtenha uma aplicação mais rentável e útil do valor 
 percebido.
 
 (…)
 Na verdade, se a presunção da maior utilidade [da disponibilidade imediata do 
 capital, em consequência da remição] para o beneficiário não valerá, 
 eventualmente, para o sinistrado, em função da sua própria incapacidade, já não 
 pode valer para um beneficiário que, por definição, não é o sinistrado.»
 
  7. Sucede, todavia, que no presente recurso está em causa uma pensão atribuída 
 ao cônjuge do sinistrado por acidente ocorrido em 1964, decorrendo a 
 obrigatoriedade da remição de um regime que entrou em vigor em 1999 (cfr. n.º 1 
 do artigo 41º da Lei n.º 100/97 e n.º 1 do artigo 71º do Decreto-Lei n.º 
 
 143/99).
 Esta circunstância justifica que se aprecie a norma em causa, não apenas à luz 
 da tutela constitucional do direito à justa reparação por acidente de trabalho, 
 direito fundamental dos trabalhadores acrescentado ao artigo 59.º da 
 Constituição pela revisão constitucional de 1997, passando a integrar a alínea 
 f) do seu n.º 1, mas também na perspectiva das implicações do princípio da 
 confiança, contido no princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da 
 Constituição).
 Com efeito, e como tem sido repetidamente apontado pelo Tribunal Constitucional 
 
 (cfr. Acórdãos n.ºs 287/90, Diário da República, II série, de 20 de Fevereiro de 
 
 1991 e 467/2003, Diário da República, II série, de 19 de Novembro de 2003, e 
 jurisprudência neles citada), uma lei que 'prevê consequências jurídicas para 
 situações que se constituíram antes da sua entrada em vigor mas que se mantêm 
 nessa data', como é o caso, tem de 'ser examinada à luz do referido princípio da 
 protecção da confiança, no qual vai implicada uma ideia de segurança, de certeza 
 e de previsibilidade da ordem jurídica' (Acórdão n.º 232/91, Diário da 
 República, II série, de 17 de Setembro de 1991).
 
  Não será, pois, consentânea com tal princípio se 'a confiança do cidadão na 
 manutenção da situação jurídica com base na qual tomou as suas decisões for 
 violada de forma intolerável, opressiva ou demasiado acentuada. Num tal caso, 
 com efeito, a confiança na situação jurídica preexistente haverá de prevalecer 
 sobre a medida legislativa que veio agravar a posição do cidadão. E isso porque, 
 tendo tal confiança, nesse caso, maior 'peso' ou 'relevo' constitucional do que 
 o interesse público subjacente à alteração legislativa em causa, é justo que o 
 conflito se resolva daquela maneira' (mesmo acórdão n.º 232/91); dito por outras 
 palavras, será inconstitucional se 'atingir de forma inadmissível, intolerável, 
 arbitrária ou desproporcionadamente onerosa aqueles mínimos de segurança que as 
 pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar' (Acórdão n.º 486/97, Diário 
 da República, II série, de 17 de Outubro de 1997).
 Isto não significa, naturalmente, que exista qualquer 'direito à não frustração 
 de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas 
 duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados. Ao 
 legislador não está vedado alterar o regime do casamento, do arrendamento, do 
 funcionalismo ou das pensões, por exemplo (…). Cabe saber se se justifica ou não 
 na hipótese da parte dos sujeitos de direito ou dos agentes um 'investimento na 
 confiança' na manutenção do regime legal (…)', como se escreveu no citado 
 Acórdão n.º 287/90.
 Ora, no caso presente, impor ao beneficiário de uma pensão atribuída em 1964 a 
 sua substituição por um capital de remição, obrigando-o a providenciar pela 
 respectiva aplicação em termos de garantir, em idêntica medida, a sua 
 subsistência, afecta de forma inaceitável a expectativa que legitimamente fundou 
 na manutenção de um regime legal que lhe permitiu organizar a vida contando com 
 o pagamento periódico e vitalício daquela quantia. 
 
 É certo que a obrigatoriedade de remição traz óbvias vantagens para a 
 seguradora, obrigada a pagar repetidamente e durante um longo período de tempo 
 inúmeras pensões de reduzido montante; e que, por essa via, o novo regime se 
 explica facilmente por critérios de racionalidade económica. Não se vê, todavia, 
 que tais vantagens sejam aptas a prevalecer sobre o risco que dela poderá 
 resultar para a subsistência do beneficiário, que confiou, nos termos expostos, 
 na manutenção da pensão.
 Para além disso, e pese embora a circunstância de o titular (por direito 
 próprio, não por sucessão) do direito à pensão não ser, aqui, o trabalhador, não 
 se afasta o critério da tutela constitucional do direito à 'assistência e justa 
 reparação' por 'acidentes de trabalho' para aferir a validade constitucional da 
 norma em apreciação, já que o direito a pensão desempenha, no fundo, uma função 
 de substituição da contribuição que o vencimento do trabalhador significava para 
 a subsistência do beneficiário.
 Essa função é, aliás, revelada pelos termos em que o artigo 20.º da Lei n.º 
 
 100/97 define, quer o círculo dos titulares, quer as condições da sua 
 atribuição. 
 Basta verificar que o direito é reconhecido a pessoas a quem o sinistrado, em 
 vida, estava legalmente obrigado a prestar alimentos ou, em certos casos, os 
 prestava de facto: cônjuge (cfr. artigos 1672.º, 1675.º, 2009.º, n.º 1, a) e 
 
 2015º do Código Civil), ex-cônjuge ou cônjuge judicialmente separado de pessoas 
 e bens com direito a alimentos (cfr. artigos 2009.º, n.º 1, a) 2016.º do Código 
 Civil), filhos (cfr. artigos 1874.º, 1880.º, 2009.º, n.º 1, b) do Código Civil), 
 ascendentes (cfr. artigo 2009.º, n.º 1, b) do Código Civil) e quaisquer parentes 
 sucessíveis, desde que o sinistrado 'contribuísse com regularidade para o seu 
 sustento'. No último caso, há um alargamento (subjectivo) em relação ao que 
 consta do artigo 2009.º do Código Civil, alíneas d) e e) do Código Civil, 
 todavia contrabalançado com a exigência acabada de referir. 
 Quanto ao direito a pensão reconhecido ao unido de facto, há que ter em conta 
 que o artigo 6.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, exige, como condição de 
 atribuição da pensão, a reunião das condições constantes do artigo 2020º do 
 Código Civil, ou seja, para o que agora interessa, a titularidade do 'direito a 
 exigir alimentos da herança do falecido'.
 Deve assim concluir-se pela inconstitucionalidade da norma que constitui o 
 objecto do presente recurso, por violação conjugada do disposto na alínea f) do 
 n.º 1 do artigo 59.º da Constituição e do princípio da confiança, inerente ao 
 princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição).”.
 
  
 
    Estas considerações, com especial relevo para as que constam do ponto n.º 7 
 do acórdão transcrito, são perfeitamente transponíveis para a norma agora 
 apreciada, em que igualmente está em causa a imposição de remição obrigatória – 
 isto é contra a vontade do beneficiário -, da pensão atribuída ao cônjuge do 
 trabalhador, vítima de acidente de trabalho mortal, pensão essa fixada em 
 momento anterior ao da entrada em vigor da Lei n.º 100/97 e do  Decreto‑Lei n.º 
 
 143/99. Estão presentes, apesar da diversa base legal, estes mesmos elementos 
 normativos que foram determinantes para a conclusão a que se chegou no acórdão 
 n.º 438/2006. Tanto basta para confirmar o juízo de inconstitucionalidade da 
 norma assim interpretada, sem necessidade de examinar se, relativamente a 
 pensões fixadas posteriormente à sua entrada em vigor – e, portanto, sem que na 
 definição da norma intervenha aquele último elemento temporal – o regime de 
 remição obrigatório estabelecido pela alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do 
 Decreto-Lei n.º 143/99 enfermaria de inconstitucionalidade.
 
  
 
  
 III- Decisão
 
  
 Nestes termos, decide-se:
 
  
 a) Julgar inconstitucional, por violação conjugada do disposto na alínea f) do 
 n.º 1 do artigo 59.º da Constituição e do princípio da confiança, inerente ao 
 princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição, a 
 norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99, 
 de 30 de Abril, interpretada no sentido de impor a remição obrigatória de 
 pensões vitalícias de montante anual inicial não superior a seis vezes a 
 remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão, 
 atribuídas ao cônjuge do trabalhador sinistrado, por acidente de trabalho de que 
 resultou a morte deste, e fixadas em momento anterior ao da entrada em vigor 
 desta norma;
 
   b) Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão 
 recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade.
 Lisboa, 27 de Setembro de 2006
 Vítor Gomes
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Gil Galvão (vencido conforme declaração)
 Bravo Serra (Vencido, nos termos da declaração
 de voto aposta ao presente aresto pelo Ex.mo Conselheiro Gil
 Manuel Gonçalves Gomes Galvão e para a qual, com vénia,
 remeto)
 Artur Maurício
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
 1. Como primitivo relator propus solução diversa da que veio a fazer vencimento. 
 Daí que tenha votado vencido o presente acórdão, no essencial pelas seguintes 
 razões:
 
  
 
 1.1. Em primeiro lugar, considero que os argumentos que fizeram vencimento no 
 Acórdão n.º 34/2006, em foi declarada a inconstitucionalidade, com força 
 obrigatória geral, da “norma constante do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 143/99, 
 de 30 de Abril, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de 
 Setembro, interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de 
 pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes do 
 trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas excedam 30%, por violação do 
 artigo 59º. n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa” não são 
 transponíveis para a hipótese de morte do sinistrado, em que o beneficiário da 
 pensão é o cônjuge.
 
  
 Na verdade, neste caso, está em causa a remição de uma pensão atribuída a um 
 beneficiário que não é o trabalhador que foi vítima de acidente de trabalho ou 
 de doença profissional. Ora, se, em relação a um trabalhador que foi vítima de 
 acidente de trabalho ou de doença profissional, da qual resultou uma 
 incapacidade não inferior a 30%, se poderá ainda concluir, como aconteceu 
 naquele acórdão, que a remição de uma pensão, ainda que de reduzido montante, 
 independentemente da vontade do beneficiário incapacitado, viola o direito deste 
 a uma justa reparação, previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 59º da 
 Constituição, dificilmente se poderá chegar a idêntica conclusão em relação a 
 uma pensão paga a um beneficiário que não é o trabalhador que foi vítima de 
 acidente de trabalho ou de doença profissional, sobretudo se, como é o caso, tal 
 pensão é de reduzido montante.
 
  
 Desde logo, porque aquele juízo pressupõe que a vítima do acidente ou da doença 
 profissional é o melhor juiz da sua incapacidade para angariar sustento e, 
 consequentemente, de qual é a forma mais adequada da compensação que lhe é 
 devida pela sua própria incapacitação. O que justificará a tutela da autonomia 
 da vontade do próprio trabalhador lesado e a ponderação atribuída à sua vontade, 
 embora com excepções. Na verdade, como salientou o representante do Ministério 
 Público, “sempre será lícito ao legislador restringir tal autonomia plena, 
 impedindo a remição total da pensão, mesmo a pedido do trabalhador, nos casos em 
 que esta assegura, em termos decisivos, a própria subsistência do lesado” e 
 também “será lícito ao legislador restringir a autonomia de opção do 
 trabalhador, impondo a remição, independentemente da vontade manifestada por 
 aquele, no caso de pensões que compensem uma reduzida incapacidade laboral, 
 insusceptível de afectar decisivamente a capacidade aquisitiva do sinistrado, ou 
 quando se trate de “pensões” degradadas que – pelo seu montante 
 
 (independentemente do grau de incapacidade que compensam) – se revelam 
 absolutamente inidóneas para assegurar uma subsistência minimamente condigna do 
 lesado”. Mas este pressuposto de que a vítima do acidente ou da doença 
 profissional é o melhor juiz da sua incapacidade para angariar sustento não tem, 
 todavia, paralelo quando o beneficiário não é, de todo em todo, o sinistrado.
 
  
 Além disso, há, ainda, um argumento literal que dificilmente permite chegar à 
 conclusão de violação, nestes casos, do artigo 59º da Constituição: é que o 
 próprio artigo 59º se refere, exclusivamente, a trabalhadores, quando vítimas de 
 acidente de trabalho ou de doença profissional, o que, manifestamente, não é o 
 caso. E nem se diga que o mesmo se justifica em relação a outros beneficiários, 
 já que o direito à pensão desempenharia, no fundo, uma função de substituição da 
 contribuição que o vencimento do trabalhador significaria para a subsistência do 
 beneficiário. É que, dito deste modo, estaremos apenas perante uma afirmação 
 feita em termos abstractos que pode ser claramente negada pelos factos 
 concretos. Mas, além disso, porque, ainda que assim fosse, tal contribuição não 
 deixaria de existir pelo simples facto de haver remição, uma vez que esta se 
 traduz, precisamente, na substituição da pensão vitalícia por uma verba 
 teoricamente equivalente.
 
  
 Não se afigura, assim, que, em relação a pensões atribuídas a um beneficiário 
 que não é o trabalhador que foi vítima de acidente de trabalho ou de doença 
 profissional, a respectiva remição se possa configurar como violadora do direito 
 dos trabalhadores receberem uma “justa reparação, quando vítimas de acidente de 
 trabalho ou de doença profissional”, previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 
 
 59º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente naquelas situações, 
 como é o caso dos autos, em que a pensão é de reduzido montante.
 
  
 
 1.2. Dir-se-á, porém, que, não obstante não existir violação da alínea f) do n.º 
 
 1 do artigo 59º da Constituição, ainda assim não estará assegurada a 
 conformidade constitucional da norma, já que outros princípios poderão estar em 
 causa, nomeadamente o princípio da confiança, contido no princípio do Estado de 
 Direito (artigo 2º da Constituição). Na verdade, estando em causa uma pensão 
 atribuída ao cônjuge do sinistrado por acidente ocorrido em 1974 e decorrendo a 
 obrigatoriedade da remição de um regime que entrou em vigor em 1999, poderá 
 justificar-se a apreciação da norma em causa também à luz da tutela 
 constitucional do princípio da confiança.
 
  
 Com efeito, o Tribunal Constitucional tem repetidamente salientado (cfr. 
 acórdãos n.ºs 287/90, Diário da República, II série, de 20 de Fevereiro de 1991 
 e 467/2003, Diário da República, II série, de 19 de Novembro de 2003, e 
 jurisprudência neles citada), que uma lei que “prevê consequências jurídicas 
 para situações que se constituíram antes da sua entrada em vigor mas que se 
 mantêm nessa data”, como é o caso, tem de “ser examinada à luz do referido 
 princípio da protecção da confiança, no qual vai implicada uma ideia de 
 segurança, de certeza e de previsibilidade da ordem jurídica” (acórdão n.º 
 
 232/91, Diário da República, II série, de 17 de Setembro de 1991). Não sendo 
 consentânea com tal princípio uma norma que crie uma situação em que “a 
 confiança do cidadão na manutenção da situação jurídica com base na qual tomou 
 as suas decisões [seja] violada de forma intolerável, opressiva ou demasiado 
 acentuada. Num tal caso, com efeito, a confiança na situação jurídica 
 preexistente haverá de prevalecer sobre a medida legislativa que veio agravar a 
 posição do cidadão” (acórdão n.º 232/91). Ou, por outras palavras, uma tal norma 
 será inconstitucional se “atingir de forma inadmissível, intolerável, arbitrária 
 ou desproporcionadamente onerosa aqueles mínimos de segurança que as pessoas, a 
 comunidade e o direito têm de respeitar” (acórdão n.º 486/97, Diário da 
 República, II série, de 17 de Outubro de 1997).
 
  
 Isto não significa, contudo, como o Tribunal tem igualmente salientado (cfr., 
 por exemplo, o acórdão n.º 287/90), que exista qualquer “direito à não 
 frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações 
 jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente 
 realizados. Ao legislador não está vedado alterar o regime do casamento, do 
 arrendamento, do funcionalismo ou das pensões, por exemplo. [...]”
 
  
 A questão está, então, em saber se a norma ora em causa implica uma violação de 
 forma inadmissível, intolerável, arbitrária, opressiva, ou desproporcionadamente 
 onerosa da confiança do cidadão na manutenção da situação jurídica. Vejamos.
 
  
 Nos presentes autos está em causa a remição de uma pensão de reduzido montante, 
 por definição inidónea para assegurar uma subsistência minimamente condigna do 
 beneficiário, atribuída em 1974 ao cônjuge de um sinistrado que faleceu em 
 consequência de acidente de trabalho. Com a remição visa-se a atribuição de uma 
 quantia equivalente, em termos actuariais, àquela que o beneficiário receberia 
 se, em condições normais, continuasse a receber a pensão vitalícia. Assim sendo, 
 a substituição da pensão vitalícia por um capital de remição é, em princípio, 
 tendencialmente neutra, quanto aos montantes envolvidos. De facto, o 
 beneficiário, tendo em atenção as tabelas práticas de cálculo da remição – que 
 integram as tábuas de mortalidade -, recebe uma quantia tecnicamente equivalente 
 
 à que receberia se se mantivesse a percepção periódica da quantia que vinha 
 recebendo com a pensão vitalícia, nessa medida não sendo afectada a contribuição 
 
 – por definição manifestamente insuficiente – que a pensão de reduzido montante 
 vinha fazendo para a sua subsistência.
 
  
 
 É inegável, porém, que há algum risco inerente à aludida remição: por um lado, o 
 capital de remição, sendo calculado em função da pensão actual, não comporta as 
 actualizações de que, anualmente, as pensões vitalícias normalmente beneficiam, 
 tendo em atenção a taxa de inflação; por outro, pode acontecer que o tempo de 
 vida do beneficiário exceda a esperança média de vida, com base na qual o 
 capital de remição é calculado. Quanto ao primeiro ponto, porém, não será 
 incontornável, já que uma aplicação financeira poderá permitir obter uma 
 compensação substitutiva da actualização anual; já quanto ao segundo poderá ser 
 mais difícil a sua ultrapassagem.
 
  
 A questão é, então, a de saber se a existência de estes riscos é suficiente para 
 que se considere violada de forma inadmissível, intolerável, arbitrária, 
 opressiva, ou desproporcionadamente onerosa a confiança do titular da pensão na 
 manutenção do pagamento periódico e vitalício de uma determinada quantia.
 
  
 Ora, tratando-se de uma pensão de reduzido montante, – por definição, repete-se, 
 manifestamente insuficiente para assegurar uma subsistência minimamente condigna 
 do beneficiário –, atribuída a quem não é o trabalhador que foi vítima de um 
 acidente de trabalho ou de doença profissional e não tem, neste contexto, 
 qualquer incapacidade para prover ao seu sustento, não se afigura que o facto de 
 a remição poder fazer incorrer o beneficiário no risco de, vindo a exceder a 
 esperança média de vida com base na qual o capital de remição foi calculado, 
 porventura ter de encontrar uma aplicação que lhe permita obter um acréscimo do 
 capital para fazer face a esse período adicional, possa ser considerada uma 
 violação inadmissível, intolerável, arbitrária, opressiva, ou 
 desproporcionadamente onerosa da confiança do beneficiário na manutenção de uma 
 pensão vitalícia de reduzido montante, incapaz de prover à sua subsistência. 
 Sendo certo que, em tais casos, não deixariam de funcionar mecanismos gerais de 
 protecção assistencial, capazes de permitir a superação da dificuldade. Não se 
 vislumbra, assim, que exista, nestes casos, violação do princípio da tutela da 
 confiança consagrado constitucionalmente. E também não se vislumbra que outros 
 princípios ou normas constitucionais possam ser considerados violados.
 
  
 A isto acresce que a remição de pensões de reduzido montante, atribuídas a 
 beneficiários que não são os trabalhadores que foram vítimas de acidentes de 
 trabalho ou de doenças profissionais, ainda que independentemente da vontade do 
 beneficiário, é não só facilmente explicável por critérios de racionalidade 
 económica, mas corresponde, ainda, a uma poupança de meios para a comunidade em 
 geral -e não apenas para as seguradoras obrigadas ao seu pagamento periódico 
 
 (veja-se, por exemplo, os custos da sistemática intervenção dos tribunais 
 durante todo o período de subsistência do pagamento da pensão) –, o que, num 
 contexto de manifesta escassez, não deve deixar de ser ponderado.
 
  
 
 1.3. Assim sendo, entendi que se deveria ter concluído pela não 
 inconstitucionalidade da norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 56º do 
 Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, na precisa dimensão que deu lugar à sua 
 não aplicação ao concreto caso.
 Gil Galvão