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Processo n.º 384/06
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 
  
 
  
 
  
 Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
          1. Por sentença do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Moita de 28 de 
 Janeiro de 2005, de fls. 137, A. foi condenado na pena de dois anos de prisão 
 pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelas disposições 
 conjugadas dos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), e 204.º, n.º 2, alínea f), 
 e n.º 4, ambos do Código Penal. Feito o cúmulo jurídico com outra pena de nove 
 meses de prisão que lhe havia sido imposta em outro processo, também daquele 2.º 
 Juízo, veio a ser condenado na pena única de dois anos e três meses de prisão.
 
          Inconformado, A. recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, 
 por acórdão de 15 de Março de 2006, de fls. 207, negou provimento ao recurso.
 
          Na parte que agora releva, afirmou-se no mencionado acórdão:
 
          “A alegada inconstitucionalidade do art. 147º do Cod. Proc. Penal, 
 prende-se, na perspectiva do recorrente, com o facto de tal preceito não obrigar 
 
 à presença do defensor no acto do reconhecimento ali previsto. Daqui, conclui 
 pela limitação dos direitos previstos no art. 32.º, n.º 1, da Constituição.
 
          Ora, não vislumbramos em que é que possa verificar-se a desconformidade 
 com a Lei Fundamental, nomeadamente por ofensa às garantias de defesa, do 
 mencionado art. 147.º ao não impor a presença obrigatória do defensor no 
 reconhecimento nele disciplinado.
 
          Com efeito, na salvaguarda das garantias do processo criminal vertidas 
 no texto constitucional, o legislador ordinário é livre no estabelecimento dos 
 actos processuais em que é obrigatória a assistência do defensor.
 
          E fê-lo, com alguma minúcia, diga-se, no art. 64.º do Cod. Proc. Penal, 
 preceito que não contempla a obrigatoriedade da presença do defensor na 
 diligência em questão.
 
          De resto, as garantias de defesa, nas quais assume especial relevo o 
 princípio do contraditório, cujo conteúdo essencial consiste «em que nenhuma 
 prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) 
 deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva 
 possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a 
 contestar e de a valorar», foram inequivocamente respeitadas no julgamento, pois 
 como se vê através da motivação de facto o agora recorrente ao ser aí 
 identificado pelo ofendido como o autor dos factos descritos teve seguramente o 
 ensejo de contraditar o reconhecimento daí resultante.
 
          Assim, sem necessidade de outras considerações também aqui, na alegada 
 inconstitucionalidade, não assiste razão ao recorrente.”
 
  
 
          2. Ainda inconformado, A. veio “interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional, nos termos da alínea b) do art. 70.º da Lei n.º 28/82 de 15 de 
 Setembro, pretendendo-se ver apreciada a inconstitucionalidade do art. 147.º e 
 implicitamente do art. 64.º ambos do Código de Processo Penal, por se entender 
 que as normas neles contidas violam o art. 32.º da Constituição da República 
 Portuguesa”.
 
  
 
          O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 
 do artigo 76º da Lei nº 28/82). Note-se, todavia, que, no despacho de admissão, 
 de fls. 221, o relator observou não ter sido suscitada, durante o processo, 
 qualquer inconstitucionalidade referida ao artigo 64º do Código de Processo 
 Penal.
 
  
 
          3. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações, que o 
 recorrente concluiu da seguinte forma:
 
  
 
 «1°– O recorrente discorda do entendimento do Venerando Tribunal da Relação de 
 Lisboa que não vislumbrou a verificada desconformidade do mencionado art. 147° 
 do CPP com a Lei Fundamental, nomeadamente, por ofensa às garantias de defesa ao 
 não impor a presença obrigatória do defensor no reconhecimento nele 
 disciplinado, ou, na não obrigatoriedade de assistência pelo defensor dos actos 
 de inquérito diferentes daqueles em que a lei a consagrou, em especial no que 
 respeita à prova por reconhecimento, realizada perante os órgãos de polícia 
 criminal com observância de todas as formalidades legais previstas no artigo 
 
 147° do Cód. Proc. Penal, por entender que, na salvaguarda das garantias do 
 processo criminal vertidas no texto constitucional, o legislador é livre no 
 estabelecimento dos actos processuais em que é obrigatória a assistência de 
 defensor; 
 
 2°– Tal norma, assim interpretada e aplicada com o alcance supra-referido, 
 mostra-se ferida de inconstitucionalidade material por contrariar, directamente, 
 o disposto no art. 32°, n° 1 da C.R.P. que preceitua que “o processo criminal 
 assegura todas as garantias de defesa, e o n° 2[3] que preceitua ter o arguido 
 direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do 
 processo.»
 
  
 
          Quanto ao Ministério Público, formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
 «1 – A norma do artigo 147° do Código de Processo Penal, relativa ao 
 reconhecimento de pessoas, quando esta diligência probatória tem lugar na fase 
 de inquérito, ainda que perante órgão de polícia criminal, não é 
 inconstitucional, por não estar prevista a presença obrigatória de defensor.
 
 2– Termos em que não deverá proceder o presente recurso.»
 
  
 
          4. Cumpre começar por delimitar o objecto do recurso, particularmente 
 por ter sido incluído no respectivo requerimento de interposição o artigo 64º do 
 Código de Processo Penal e por se verificar que, como se referiu no citado 
 despacho de fls. 221, a inconstitucionalidade suscitada perante o Tribunal da 
 Relação de Lisboa se restringia ao artigo 147º do mesmo Código.
 
          A verdade, todavia, é que nas alegações de recurso de 
 constitucionalidade, o recorrente, ao reafirmar a inconstitucionalidade 
 suscitada, abandonou qualquer referência ao artigo 64º do Código de Processo 
 Penal.
 
          Assim, e sem necessidade de maiores considerações, fixa-se que 
 constitui objecto do presente recurso a norma do artigo 147º do Código de 
 Processo Penal enquanto interpretada no sentido de que não impõe a presença 
 obrigatória de defensor no reconhecimento nele disciplinado, realizado perante 
 os órgãos de polícia criminal e com observância de todas as formalidades legais 
 previstas no mesmo preceito.
 
          O recorrente afirma – sem, no entanto, apresentar qualquer justificação 
 para a acusação –  que tal norma viola os direitos de defesa do arguido, 
 consagrados no n.º 1 e no n.º 2 [3] do artigo 32º da Constituição.
 
  
 
          5. Adaptando ao caso o que se escreveu no acórdão n.º 413/2004, 
 disponível em www.tribunalconstitucional.pt, embora não respeitante ao acto de 
 reconhecimento, mas igualmente relativo à questão da obrigatoriedade ou não de 
 assistência por defensor em processo criminal, 'há que distinguir claramente 
 duas questões diferentes, o que o recorrente não fez nas alegações de recurso: 
 não está em causa qualquer interpretação' do artigo 147º do Código de Processo 
 Penal 'da qual resulte que se possa recusar' ao suspeito 'o direito de se fazer 
 acompanhar por defensor' durante o reconhecimento realizado na fase de 
 inquérito, como foi o caso; 'o problema colocado é outro, e consiste em saber se 
 esse acompanhamento é constitucionalmente obrigatório – ou seja, se viola a 
 Constituição a norma de que resulte a possibilidade de' o mesmo suspeito 
 
 'prescindir de defensor no' acto de reconhecimento, realizado de acordo com 
 todas as formalidades exigidas pelo artigo 147º do Código de Processo Penal 
 
 (como o recorrente afirma).
 
          Com efeito, não tendo sido arguida a falsidade dos autos de fls. 31 
 
 (auto de reconhecimento) e 32 (constituição de arguido), o Tribunal 
 Constitucional não pode questionar que 'o suspeito foi informado da 
 possibilidade de escolher/indicar/solicitar um defensor, para estar presente 
 durante a realização do acto processual, tendo recusado' (cfr. fls. 31). Está, 
 assim afastada, sem necessidade de maiores demonstrações, a alegada violação do 
 n.º 3 do artigo 32º da Constituição, na parte em que garante o direito de 
 escolha e de assistência por defensor.
 
  
 
          6. Resta analisar a acusação de violação das garantias de defesa, 
 apontada pelo recorrente. 
 Como igualmente se escreveu no citado acórdão n.º 413/2004, 'o n.º 3 do artigo 
 
 32º da Constituição remete para a lei a definição dos casos em que é obrigatória 
 a assistência por advogado, o que significa que cabe no âmbito da liberdade de 
 conformação do legislador a selecção das situações em que a assistência deve ser 
 obrigatória (sem relevar agora estar a distinguir o advogado de defensor não 
 advogado)'.
 
 É, 'todavia, constitucionalmente exigível que essa selecção seja materialmente 
 adequada à relevância dos diversos actos e fases do processo criminal, desde 
 logo por ser condição de garantia dos direitos de defesa do arguido (…)'.
 Impõe-se, portanto, determinar se a não obrigatoriedade de assistência por 
 defensor no acto de reconhecimento realizado na fase de inquérito viola de forma 
 constitucionalmente inaceitável as garantias de defesa do arguido, não 
 esquecendo, nem que o direito a ser assistido por um defensor é, 
 reconhecidamente, uma das 'facetas essenciais do direito de defesa, em geral 
 proclamado pelo art. 32º, n.º 1', como, por exemplo, se escreveu no acórdão n.º 
 
 136/87 (Diário da República, II série, de 23 de Julho de 1987), nem a relevância 
 específica da prova por reconhecimento (cfr., por exemplo, o acórdão n.º 
 
 137/2001, Diário da República, II série, de 29 de Junho de 2001 e jurisprudência 
 por ele citada e transcrita).
 Foi justamente esta relevância especial que justificou o julgamento de 
 inconstitucionalidade proferido no acórdão n.º 137/2001, no qual se escreveu que 
 
 'em suma, dada a relevância que na prática assume para a formação da convicção 
 do tribunal, e os perigos que a sua utilização acarreta, esse reconhecimento tem 
 necessariamente de obedecer, para que possa valer como meio de prova em sede de 
 julgamento, a um mínimo de regras que assegurem a autenticidade e a fiabilidade 
 do acto. (…) Deste modo, é claramente lesivo do direito de defesa do arguido, 
 consagrado no n.º 1 do artigo 32º da Constituição, interpretar o artigo 127º do 
 Código de Processo Penal no sentido de que o princípio da livre apreciação da 
 prova permite valorar, em julgamento, um acto de reconhecimento realizado sem a 
 observância de nenhuma das regras previstas no artigo 147º do mesmo diploma'.
 Sucede que, como o próprio recorrente afirma no requerimento de interposição do 
 recurso de constitucionalidade, está em causa um reconhecimento realizado de 
 acordo com as exigências legais, definidas no artigo 147º do Código de Processo 
 Penal; e sucede, ainda, que o seu valor probatório vai ser apreciado em 
 audiência segundo o princípio da livre apreciação da prova, não lhe cabendo, 
 pois, nenhum valor probatório especial.
 Entende, assim, o Tribunal Constitucional que, não sendo posta em causa a 
 regularidade do acto de reconhecimento; não ficando o recorrente, de forma 
 alguma, impedido de, na audiência de julgamento, contrariar o valor probatório 
 do reconhecimento anteriormente efectuado, com pleno funcionamento da regra do 
 contraditório; e sendo o mesmo, então obrigatoriamente, assistido por defensor, 
 não há qualquer razão para julgar que a norma que constitui o objecto do 
 presente recurso viola o seu direito (constitucional) de defesa. 
 
  
 
          7. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a 
 decisão recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade.
 
  
 
          Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs. 
 Lisboa, 27 de Setembro de 2006
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Vítor Gomes
 Artur Maurício