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Processo n.º 461/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
 1.Em 21 de Março de 2005 deu entrada no Conselho Superior da Magistratura (CSM) 
 participação do advogado A. contra B., juíza em exercício de funções no 2.º 
 Juízo do Tribunal da Comarca de Chaves.
 Em sessão do Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura de 24 de 
 Maio de 2005, foi deliberado arquivar o processo administrativo a que a referida 
 participação dera origem “em virtude de não se indiciar matéria de natureza 
 disciplinar na actuação processual” da participada, e ordenou-se a remessa de 
 cópia de todo o expediente à Ordem dos Advogados.
 Dessa decisão apresentou o participante reclamação, que, por deliberação do 
 Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 20 de Setembro de 2005, foi 
 rejeitada por “o reclamante carecer de legitimidade para a dedução dessa 
 reclamação, visto não ser titular de um interesse directo, pessoal e legítimo na 
 anulação da deliberação reclamada”.
 O autor da participação interpôs, então, recurso contencioso de anulação dessa 
 deliberação. No Supremo Tribunal de Justiça, foi em 21 de Dezembro de 2005 
 emitido pelos serviços do Ministério Público o seguinte parecer:
 
 «1 – A., advogado, através do requerimento de fls. 3/9, vem interpor recurso 
 contencioso da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, 
 datada de 20 de Setembro de 2005 (fls. 11), que confirmou a deliberação do 
 respectivo Conselho Permanente, datada de 24 de Maio de 2005 (fls. 21), 
 determinante do arquivamento do processo administrativo despoletado por força de 
 exposição oportunamente apresentada pelo recorrente contra a magistrada Judicial 
 do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Chaves, a juiz de direito B..
 Mais concretamente, pelo seu desempenho funcional na instrução em processo de 
 inquérito-crime, objecto da exposição dirigida ao Conselho Superior da 
 Magistratura, nos autos a fls. 33/37, onde o participante e ora recorrente, que 
 patrocinava arguida ali constituída, descortina matéria susceptível de 
 procedimento disciplinar, ao arrepio do entendimento da deliberação recorrida, 
 que concluiu pela existência tão-só de decisões jurisdicionais, impugnáveis pela 
 via recursiva. 
 
 2 – Na matéria em causa, que na óptica do recorrente reveste natureza 
 disciplinar e eventualmente pode contender com o mérito profissional da visada, 
 releva a exclusividade da competência do Conselho Superior da Magistratura, 
 atenta a qualidade de magistrada judicial da denunciada (cfr. artigo 149.º, 
 alínea a), da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho).
 Ao que acresce, por outro lado, ponderar o disposto no artigo 164.º, n.º 1, da 
 mesma Lei, em conformidade com o princípio geral que emana do artigo 55.º, n.º 
 
 1, alínea a), do C.P.T.A. (e já antes dos artigos 821.º, n.º 1, do Código 
 Administrativo, e 46.º, n.º 1, do Regulamento do S.T.A.), quando atribui 
 legitimidade activa para a impugnação de actos administrativos aos titulares de 
 um “interesse directo, pessoal e legítimo na anulação da deliberação ou 
 decisão”. 
 
 3 – O mesmo é dizer que o interesse que fundamenta a legitimidade activa em 
 contencioso é pessoal e directo e, como tal, tem que incidir de forma imediata 
 sobre a esfera dos direitos ou interesses legalmente protegidos do recorrente. 
 O hipotético interesse mediato, indirecto ou reflexo do exponente e ora 
 recorrente carece de virtualidade para legitimar a sua pretensão de contrariar a 
 decisão de ente público exclusivamente competente para o efeito, quanto este 
 determinou o arquivamento do processo administrativo instaurado, porque nele 
 apenas viu matéria de natureza jurisdicional e não, necessariamente, de cariz 
 disciplinar. 
 
 4 – Assim sendo, pertinente a conclusão de que não sendo o recorrente, nas 
 sobreditas circunstâncias, o titular dos interesses protegidos, em derradeira 
 análise, pelo direito disciplinar, também não é directa e imediatamente afectado 
 pela deliberação recorrida, o que, de harmonia com o disposto no citado artigo 
 
 164.º, n.º 1, da Lei n.º 21/85, lhe retira legitimidade para interpor o presente 
 recurso. 
 
 5 – Encurtando razões, dir-se-á, por último, que é sob este entendimento que se 
 tem movimentado a orientação jurisprudencial da secção do contencioso deste 
 Supremo Tribunal, como são disso exemplo os acórdãos de 16 de Abril de 1991, 23 
 de Abril de 1998, 21 de Novembro de 2000, 8 de Março de 2001, 23 de Outubro de 
 
 2003 e 21 de Setembro de 2004, proferidos, respectivamente, nos processos n.ºs 
 
 80864-1.ª Sec., 1390/97-3.ª Sec., 2964/00-7.ª Sec., 3699/00-4.ª Sec., 
 
 1635/03-2.ª Sec. e 1802/04-4.ª Sec..
 
 6 – Posto que, somos de parecer que o presente recurso deverá ser objecto de 
 rejeição por ilegitimidade activa do recorrente.»
 O recurso veio a ser rejeitado por acórdão de 19 de Janeiro de 2006 do Supremo 
 Tribunal de Justiça, por ilegitimidade do recorrente. Tal decisão tem o seguinte 
 teor:
 
 «(…) 
 
 É dessa deliberação [de 20 de Setembro de 2005] que vem interposto, ao abrigo do 
 art.º 168.º, n.º 1, e ss., do EMJ, o presente recurso contencioso de anulação. 
 Nele, o recorrente sustenta, antes de mais, em indicados termos, a legitimidade 
 para reclamar da deliberação do Conselho Permanente de 24/5/2005 que o Plenário 
 do CSM em 20/9/2005 lhe não reconheceu, e insistindo, depois, em que a 
 deliberação do Conselho Permanente, de arquivamento do processo administrativo 
 gerado pela participação aludida “em virtude de não se indiciar matéria de 
 natureza disciplinar na actuação processual” da participada (destaque nosso), 
 
 “não tem (...) qualquer fundamentação”, “está deficientemente fundamentada”, e 
 partiu de pressupostos de facto errados.
 Em tema de legitimidade, a tese do recorrente é, em suma, como segue: a 
 participada impôs limites ilegais ao exercício da profissão de advogado; o 
 recorrente, lesado no seu direito de exigir o exercício da sua profissão segundo 
 as normas que o seu estatuto profissional define, queixou-se nomine proprio 
 contra o impedimento do exercício da sua actividade profissional nos termos em 
 que a lei o regulamenta. 
 Em recurso contencioso de anulação, o participante, ora recorrente, pretende, 
 ainda, que, no provimento do recurso, se ordene se proceda disciplinarmente 
 
 “contra a denunciada”, de que requer a citação, oportunamente – v., sobre esta 
 
 última pretensão, acórdãos deste Tribunal de 11/1/2001, no Proc. n.º 358/00, 
 
 2.ª, e desta Secção de 13/12/2001, no Proc. n.º 1048/01, com sumário, 
 respectivamente, nas pp. 31 (2 col.-2- 1, II e III ) e 377 (2 col., último) da 
 edição anual de 2001 dos Sumários de Acórdãos Cíveis deste Tribunal organizada 
 pelo Gabinete dos Juízes Assessores do mesmo. 
 Tendo tido vista dos autos consoante art.º 173.º, n.º 1, do EMJ, o M.º P.º, para 
 além de notar estar em causa desempenho funcional da participada na instrução em 
 processo de inquérito-crime em que o recorrente descortina matéria susceptível 
 de procedimento disciplinar, e tal assim ao arrepio do entendimento da 
 deliberação recorrida, que concluiu pela existência tão-só de decisões 
 jurisdicionais impugnáveis em via de recurso, destaca ou salienta o disposto, em 
 sede ou tema de legitimidade, no art.º 164.º, n.º 1, do EMJ.
 Em face, nomeadamente, dessa disposição legal, emitiu parecer no sentido da 
 rejeição deste recurso, por ilegitimidade do recorrente. 
 Importa decidir, nos termos do n.º 3.º do art.º 173.º do EMJ, sem necessidade de 
 vistos. Assim: 
 O art.º 178.º do EMJ declara expressamente a subsidiariedade das normas que 
 regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo para o 
 STA. 
 No respeitante a este recurso, a questão da legitimidade está expressa, directa 
 e imediatamente regulada no art.º 164.º, n.º 1, do EMJ. 
 Esse preceito atribui legitimidade activa para reclamar ou recorrer a “quem 
 tiver interesse directo, pessoal e legítimo na anulação da deliberação ou 
 decisão”. 
 Como assim, a quem tal tiver efectivamente, e não apenas a quem simplesmente tal 
 alegue, invoque ou pretexte – menos cogente, desde logo, se manifestando, em 
 vista da subsidiariedade expressamente declarada no art.º 178.º do EMJ, a 
 invocação do art.º 55.º, n.º 1, al. a), do CPTA. Isto posto: 
 Como no próprio requerimento de interposição deste recurso se pode ler 
 
 (respectiva pág. 4, 1.º par., 2.º período, em citação de Mário Aroso de Almeida 
 e Carlos Cadilha, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais 
 Administrativos”, p. 278 ss., nota 4 ao art.º 55.º do CPTA), o interesse é 
 pessoal quando o interessado possa retirar da anulação do acto impugnado uma 
 utilidade concreta – que pode ser de ordem moral – para si próprio. 
 O recorrente argue lesão da sua honorabilidade pessoal e profissional, 
 susceptível de reparação, a ser disso caso, pelos meios comuns civis ou 
 criminais. 
 A finalidade essencial do processo disciplinar almejado é defender os interesses 
 da administração da justiça, punindo os visados que os contrariem. 
 O exercício da acção disciplinar não tem, por isso, em princípio, em conta os 
 interesses pessoais dos participantes. 
 Não achado na participação do ora recorrente nada de especificamente censurável 
 
 à participada em termos disciplinares, não tinha a entidade recorrida, sem 
 competência para se pronunciar sobre matéria jurisdicional, de considerar ainda, 
 
 à luz da doutrina de Ac. STA de 15/10/99, BMJ, n.º 490/104, citada pelo 
 recorrente (em 12. do requerimento de interposição deste recurso), se os factos 
 participados, que julgou não integrarem infracções disciplinares, envolviam, ou 
 não, também efectiva ofensa de valores pessoais do participante.
 Observa-se no parecer do M.º P.º já referido que, exigido que o interesse que 
 fundamenta a legitimidade activa em questão seja pessoal e directo, esse 
 interesse tem, enquanto tal, que incidir de forma imediata na esfera dos 
 direitos ou interesses legalmente protegidos de quem recorre. 
 Segundo esse parecer, o hipotético interesse mediato, indirecto ou reflexo do 
 ora recorrente não legitima a sua pretensão de contrariar a decisão do ente 
 público exclusivamente competente em matéria disciplinar (consoante art.ºs 136.º 
 e 149.º, al. a), do EMJ), quando este determinou o arquivamento do processo 
 administrativo instaurado porque viu nele apenas questões de natureza 
 jurisdicional e não necessariamente com cariz disciplinar. 
 Vem, deste modo, a ser, de facto, pertinente a conclusão de que, nas 
 circunstâncias descritas, o recorrente, para além de não ser o titular dos 
 interesses em último termo protegidos pelo direito disciplinar, também não é 
 directa e imediatamente afectado pela deliberação recorrida, o que, em vista do 
 disposto no n.º 1 do art.º 164.º do EMJ lhe retira legitimidade para interpor 
 este recurso. 
 O parecer citado refere, neste entendimento, acórdãos desta Secção de 16/3/91, 
 
 23/4/98, 21/11/2000, 8/3/2001, 23/10/2003 e 21/9/2004, nos Procs. n.ºs 
 
 80864-1.ª, 1390/97-3.ª, 2964/00-7.ª, 3699/00-4.ª, 16305-2.ª e 1802/04-4.ª.»
 Dessa decisão apresentou o recorrente reclamação, nos seguintes termos:
 
 «A) Expor a V. Ex.ªs. o seguinte:
 
 1 – Como resulta de fls. 3 do mesmo, o M.º P.º teve vista aos autos e emitiu 
 parecer. 
 
 2 – Esse parecer foi tido em consideração na decisão de V. Ex.ªs., sem que tenha 
 sido permitido ao recorrente pronunciar-se sobre o mesmo. 
 
 3 – Tal omissão consubstancia vício processual, por violação do princípio do 
 contraditório (artigo 3.º, n.º 3, do CPC). 
 B) Arguir, com a fundamentação aduzida, tal vício, que deve ser sanado, 
 anulando-se todo o processado posterior a tal omissão e determinando-se, pois, a 
 notificação do recorrente para que se pronuncie sobre o conteúdo do parecer do 
 M.º P.º, seguindo-se, após, o demais de lei.»
 Por acórdão de 23 de Março de 2006, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu 
 indeferir a referida reclamação. Pode ler-se no referido aresto:
 
 «(…)
 Já, consoante art.º 172.º, n.º 1, do EMJ, indicados no requerimento de 
 interposição deste recurso os respectivos fundamentos de facto e de direito, e 
 logo, pois, nele analisada a questão prévia da legitimidade do recorrente, 
 observou-se, em sede de apreciação dessa questão prévia, o determinado no 
 subsequente art.º 173.º. 
 Precisamente subordinado à rubrica ou epígrafe “Questões prévias”, o seu n.º 1 
 determina que, distribuído o recurso, os autos vão, em fase liminar, com vista 
 ao M.º P.º. 
 O n.º 3 desse mesmo artigo estabelece, por sua vez, que, quando o relator 
 entender que ocorre ilegitimidade das partes ou manifesta ilegalidade do 
 recurso, adiantando exposição breve e fundamentada, apresentará o processo na 
 primeira sessão sem necessidade de vistos. Desta sorte: 
 A reclamada intervenção do M.º P.º, que não é parte no processo, nesta fase 
 liminar do recurso, faz-se em defesa da legalidade, que estatutariamente lhe 
 compete, consoante art.ºs 219.º, n.º 1, da Constituição, 5.º, n.ºs 1 e 3, da 
 LOFTJ (Lei Orgânica e de Funcionamento dos Tribunais Judiciais – Lei n.º 3/99, 
 de 13/1), e 2.º, n.º 2, do Estatuto do M.º P.º (Lei n.º 47/86, de 15/10, com as 
 alterações introduzidas pela Lei n.º 23/92, de 20/8). 
 Está-se perante caso em que, logo em vista do alegado pelo recorrente no 
 requerimento da interposição do recurso, se julgou devida sumária, liminar, 
 rejeição do mesmo – e, por conseguinte, inútil mais desenvolvido ou aprofundado 
 debate. 
 Em tais parâmetros, resulta sem cabimento nova intervenção do recorrente, que 
 com nada, essencialmente, nem ninguém, de novo se defronta.»
 
 2.Inconformado, veio então o autor da participação, A., interpor recurso para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 
 de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do 
 Tribunal Constitucional), nos seguintes termos:
 
 «1 – O recurso é interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Setembro. 
 
 2 – Pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade da norma ínsita no artigo 
 
 173.º do EMJ, quando interpretada no sentido com que o foi na decisão recorrida, 
 isto é, no sentido de que tendo o M.º P.º tido vista, nos termos do n.º 1 do 
 mesmo artigo, e tendo então exarado parecer com quatro folhas, em que pugna pela 
 ilegitimidade activa do recorrente, é possível ao tribunal decidir de acordo com 
 esse parecer, sem que previamente tenha sido dada oportunidade ao recorrente de 
 tomar posição sobre a perspectiva do M.º P.º. 
 
 3 – Tal interpretação, nos termos em que foi acolhida, viola os princípios 
 constitucionais do contraditório, da proibição da indefesa, do acesso aos 
 tribunais, de queixa para defesa dos seus direitos e de tutela jurisdicional 
 efectiva dos mesmos ou de interesses legalmente protegidos, integrantes dos 
 princípios do Estado de Direito Democrático e consagrados nos artigos 2.º, 
 
 3.º/2, 9.º/2/b), 18.º, 20.º/1, 52.º/1 e 268.º/4, todos da CRP. 
 
 4 – A questão da inconstitucionalidade não foi antes suscitada pois era de todo 
 impensável e imprevisível, actualmente, aceitar-se que pode haver decisão 
 judicial, acatando a posição de um interveniente, sem respeito pelo princípio do 
 contraditório, aliás bem explícito no artigo 3.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC, quando 
 toda a tradição processual no STJ até vai em sentido contrário (cfr., v. g., 
 Proc. n.º 1930/05, da 6.ª Secção).»
 Admitido o recurso, foi determinada a produção de alegações que o recorrente 
 encerrou desta forma:
 
 «1 – A decisão recorrida entendeu que o recorrente não tinha o direito a 
 pronunciar-se sobre o parecer do M.º P.º, na esteira da decisão recorrida, por o 
 mesmo ser vista para defesa da legalidade, que estatutariamente compete ao M.º 
 P.º, na fase liminar do recurso. 
 
 2 – Não tem razão, porquanto a aceitar-se tal tese, impedido estava o recorrente 
 de exercer o seu direito de queixa e de conseguir a tutela jurisdicional 
 efectiva do mesmo, apesar de estar em causa a ofensa de valores pessoais. 
 
 3 – Tal interpretação do artigo 173.º do EMJ viola os artigos 2.º, 3.º, n.º 2, 
 
 9.º, b), 18.º, 20.º, n.º 1, 52.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, todos da CRP, por 
 desrespeito do princípio do contraditório, subjacente à tutela jurisdicional dos 
 direitos e que a própria lei ordinária consagra (artigo 3.º do CPC). 
 
 4 – Assim, deve ser exarado juízo de inconstitucionalidade de tal interpretação, 
 com as inerentes consequências na tramitação do recurso.»
 A entidade recorrida, notificada para contra-alegar, nada disse.
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 3.É o seguinte o teor da disposição do artigo 173.º do Estatuto dos Magistrados 
 Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, que contém a norma que 
 constitui o objecto do presente recurso:
 
 «Artigo 173.º 
 
 (Questões prévias)
 
 1 – Distribuído o recurso, os autos vão com vista ao Ministério Público, por 
 cinco dias, sendo em seguida conclusos ao relator.
 
 2 – O relator pode convidar o recorrente a corrigir as deficiências do 
 requerimento.
 
 3 – Quando o relator entender que se verifica extemporaneidade, ilegitimidade 
 das partes ou manifesta ilegalidade do recurso, fará uma breve e fundamentada 
 exposição e apresentará o processo na primeira sessão sem necessidade de 
 vistos.»
 Constitui objecto do presente recurso a norma que se extrai do acima transcrito 
 artigo 173.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, 
 de 30 de Julho, interpretado no sentido de permitir a emissão de parecer pelo 
 Ministério Público sobre a questão prévia da legitimidade do autor de 
 participação disciplinar para interpor recurso contencioso da deliberação que 
 rejeitou reclamação contra a deliberação de arquivamento, sem que desse parecer 
 seja dado conhecimento ao recorrente para se poder pronunciar. Para o 
 recorrente, tal norma viola os artigos 2.º, 3.º, n.º 2, 9.º, n.º 2, alínea b), 
 
 18.º, 20.º, n.º 1, 52.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4 da Constituição, nos termos já 
 referidos.
 
 4.Importa recordar que a constitucionalidade de normas processuais penais que 
 prevêem a emissão, em processo penal, de parecer pelo Ministério Público no 
 tribunal ad quem, que não teria de ser dado a conhecer ao arguido, foi várias 
 vezes apreciada pelo Tribunal Constitucional, designadamente no domínio do 
 Código de Processo Penal de 1929. Assim, designadamente, o Acórdão n.º 533/99, 
 publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Novembro de 1999, e 
 disponível em www.tribunalconstitucional.pt, não julgou inconstitucional “a 
 norma constante do artigo 664.º do Código de Processo Penal de 1929, 
 interpretada no sentido de que, se o Ministério Público, quando os recursos lhe 
 vão com vista, se pronunciar, deve ser dada aos réus a possibilidade de 
 responderem”, independentemente do sentido do parecer (ou seja, quer se 
 pronuncie no sentido do agravamento da sua posição, quer não). E, 
 posteriormente, por exemplo no Acórdão n.º 279/2001 (publicado no Diário da 
 República, II Série, de 27 de Setembro de 2001, e disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt) o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional 
 o artigo 416.º do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de permitir 
 a emissão de parecer pelo Ministério Público junto do Tribunal superior, sem que 
 dele seja dado conhecimento ao arguido para se poder pronunciar.
 A verdade, todavia, é que a questão de constitucionalidade se punha então, e 
 como tal foi analisada e decidida, à luz das “garantias de defesa” constantes do 
 artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição. No presente caso, diversamente, o 
 
 “vício procedimental” que é esgrimido pelo recorrente e que resultaria de uma 
 norma que o possibilitaria em termos inconstitucionais – com concessão de 
 
 “vista” do Ministério Público “sem possibilidade de resposta” – ocorre, não no 
 processo penal, mas no domínio do recurso previsto e regulado pelos artigos 
 
 168.º a 178.º do Estatuto dos Magistrados Judicias, e é invocado, não pelo 
 arguido, mas pelo recorrente que foi autor de participação em processo 
 disciplinar.
 O Tribunal Constitucional também já apreciou, porém, as exigências 
 constitucionais relativas à notificação ao particular, recorrente num recurso 
 contencioso interposto contra um acto praticado por um órgão do Estado, do 
 parecer que o Ministério Público emitiu, para sobre ele se pronunciar. Assim, 
 decidiu, no Acórdão n.º 185/2001 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt e 
 publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 50.º, pp. 259 e ss.), 
 não julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do disposto na 
 alínea c) do artigo 27º com o artigo 53º do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de 
 Julho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos), “segundo a qual, num 
 recurso contencioso interposto por um particular contra um acto praticado por um 
 
 órgão do Estado, não há que notificar o recorrente particular para se pronunciar 
 sobre o parecer que o Ministério Público emite, na vista final do processo, no 
 qual não levanta nenhuma questão nova que possa conduzir à rejeição do recurso” 
 
 (itálico aditado). Para fundamentar esta decisão, salientou-se que fora 
 decisiva, no Acórdão n.º 533/99, “a verificação de que, no processo penal, o 
 Ministério Público intervém no exercício do poder punitivo do Estado, e a esse 
 título exerce a acção penal – ou seja, neste sentido, intervém como ‘parte’; no 
 contencioso administrativo de anulação, que neste recurso nos interessa, não 
 podemos esquecer que a norma em apreciação apenas prevê que o Ministério Público 
 tenha vista do processo para emitir parecer sobre a decisão a proferir quando 
 não foi ele a interpor o recurso (cfr. início do artigo 27.º e fim do artigo 
 
 53.º) – ou seja, quando o Ministério Público apenas intervém no recurso como 
 garante da legalidade objectiva e não como representante de nenhuma das partes”. 
 Mas disse-se igualmente que as razões apontadas para justificar a 
 inconstitucionalidade da norma então apreciada [no Acórdão n.º 533/99] não 
 ocorriam na norma agora em julgamento, pois 
 
 “não se verifica aqui a impossibilidade de controlo pelas partes que, ali, foi 
 considerada decisiva; por um lado, porque, sendo o parecer apresentado por 
 escrito, sempre podem questionar a apreciação feita pelo tribunal sobre a 
 existência, ou não, de uma questão nova, e sobre a decisão de as notificar para 
 se pronunciarem ou não; em caso de discordância – ou seja, para o que interessa, 
 se o tribunal tiver entendido não ter sido suscitada uma questão nova e, 
 portanto, tiver julgado o recurso sem ter mandado notificar a parte para se 
 pronunciar –, sempre esta pode invocar nulidade justamente por falta dessa 
 notificação, que origina, naturalmente, uma violação relevante do princípio do 
 contraditório (artigo 201º do Código de Processo Civil).
 Com efeito, o respeito por este princípio apenas exige que, em caso de o 
 Ministério Público ter suscitado uma questão nova – um novo obstáculo ao 
 conhecimento do recurso, para o que agora interessa – ao recorrente seja dada 
 oportunidade de a apreciar, antes da decisão do recuso; e foi precisamente com 
 este sentido que o Supremo Tribunal Administrativo interpretou e aplicou a norma 
 em julgamento”.
 
 [itálico aditado]
 Noutros arestos, o Tribunal Constitucional julgou já inconstitucional, por 
 violação do direito a um processo equitativo, normas que dispensavam a 
 notificação ao particular do parecer do Ministério Público em recurso 
 contencioso que tratou de questões sobre as quais aquele ainda não dispusera de 
 oportunidade para se pronunciar.
 Assim, no Acórdão nº 582/2000 (Diário da República, II Série, de 13 de Fevereiro 
 de 2001), julgou-se “inconstitucional, por violação do direito a um processo 
 equitativo, a norma constante do n.º 3 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 185/93, 
 de 22 de Maio, quando interpretada no sentido de que, no recurso judicial da 
 decisão do organismo de segurança social que rejeite a candidatura da adoptante, 
 não é necessária a notificação ao recorrente do parecer que o Ministério Público 
 emita, sendo esse parecer desfavorável ao recorrente e versando sobre matéria 
 relativamente à qual o recorrente ainda não tenha tido oportunidade de se 
 pronunciar”. Disse-se neste Acórdão n.º 582/2000:
 
 «[...]
 Apesar de não se encontrar autonomamente consagrado na Constituição, fora do 
 
 âmbito do processo penal, o princípio do contraditório tem diginidade 
 constitucional, por derivar, em última instância, do princípio do Estado de 
 direito (cfr., entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 397/89, 
 Diário da República, II Série, n.º 212, de 14 de Setembro de 1989, p. 9197 ss; 
 n.º 62/91, Diário da República, I Série, n.º 91, de 19 de Abril de 1991, p. 2245 
 ss; n.º 284/91, Diário da República, II Série, n.º 245, de 24 de Outubro de 
 
 1991, p. 10680 s).
 O princípio do contraditório tem como objectivo assegurar um tratamento 
 igualitário das partes no processo, designadamente ao nível da admissão da prova 
 e da apreciação do seu valor. Sendo obrigado a ouvir ambas as partes, o tribunal 
 fica dotado da base imprescindível para proferir uma decisão imparcial e justa. 
 Esse princípio decorre portanto também, quer do direito de acesso aos tribunais 
 para defesa de direitos e interesses legalmente protegidos (artigo 20º, n.º 1, 
 da Constituição), quer do direito a um processo equitativo (artigo 20º, n.º 4), 
 quer do próprio princípio da igualdade (artigo 13º).
 
 10. De todo o modo, a norma constante do n.º 3 do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 
 
 185/93, de 22 de Maio, quando interpretada no sentido explicitado no número 
 anterior, viola o direito a um 'processo equitativo', a que a Constituição 
 passou a fazer expressa referência a partir da revisão de 1997. 
 Como este Tribunal disse no Acórdão nº 345/99 (Diário da República, II Série, nº 
 
 40, de 17 de Fevereiro de 2000, p. 3293 ss):
 
 “O conceito de «processo equitativo» tem sido desenvolvido sobretudo pela 
 jurisprudência da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, cujo artigo 6º tem 
 precisamente como epígrafe «direito a um processo equitativo» e cujo § 1º 
 dispõe, retirando as palavras do artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos 
 do Homem, que «qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada 
 equitativamente», frase que é repetida no artigo 14º do Pacto Internacional 
 Relativo aos Direitos Civis e Políticos. Ora a revisão constitucional pretendeu 
 precisamente, fazendo uma «transposição explícita do artigo 6º da Convenção 
 Europeia dos Direitos do Homem», tendo presente «todo o trabalho do Tribunal 
 Europeu dos Direitos do Homem», «dar dignidade constitucional» (expressões do 
 deputado Alberto Martins na reunião de 5.9.1996 da Comissão Eventual para a 
 Revisão Constitucional, edição provisória não oficial de José de Magalhães, 
 Dicionário da Revisão Constitucional em CD-Rom, 2ª ed., Lisboa, Editorial 
 Notícias, 1999), a conteúdos normativos que, através daquele direito 
 internacional, já integravam a ordem jurídica portuguesa e inclusivamente, num 
 certo entendimento, através da remissão no nº 2 do artigo 16º, a própria ordem 
 constitucional (no mesmo sentido se pronunciou o deputado Luis Sá, ibidem: «toda 
 a densificação é bem vinda e nesse sentido creio que a consagração do princípio 
 do processo equitativo pode ser uma contribuição para que no plano da legislação 
 ordinária venha a ser reforçado o princípio da igualdade das armas, dos direitos 
 de defesa, da justiça no processo em termos gerais»: também o deputado Luis 
 Marques Guedes admitiu um «ganho acrescido»).”
 O respeito por um processo equitativo exige a criação de condições objectivas 
 que permitam assegurá-lo. Ora, não se vê como tal possa acontecer quando se 
 considere não ser necessária a notificação ao recorrente do parecer que o 
 Ministério Público emita, sendo esse parecer desfavorável ao recorrente e 
 versando sobre matéria relativamente à qual o recorrente ainda não tenha tido 
 oportunidade de se pronunciar.»
 E também no Acórdão n.º 361/2001 (publicado em Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol. 50.º, pp. 843 e ss., e disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), o juízo de não inconstitucionalidade a que se 
 chegou teve como pressuposto o facto de no parecer proferido pelo Ministério 
 Público na “vista” que antecede a sentença, nos processos versando as acções 
 sobre responsabilidade civil contratual dos entes públicos, e que não fora 
 notificado às partes, não ter sido “suscitada nenhuma questão que pudesse 
 conduzir a que se não tomasse uma decisão «de fundo» na acção”.
 O juízo sobre a conformidade da norma em apreço – relativa à não notificação ao 
 autor de participação disciplinar, para sobre ele se pronunciar, do parecer 
 emitido Ministério Público sobre a questão prévia da legitimidade daquele para 
 interpor recurso contencioso da deliberação que rejeitou reclamação contra a 
 deliberação de arquivamento do procedimento disciplinar – com as exigências 
 constitucionais de um processo equitativo depende, pois, de saber se estava, ou  
 não, em causa, no parecer não notificado ao recorrente, uma “questão nova”, com 
 a qual ele não havia anteriormente sido confrontado, e sobre a qual não tinha, 
 pois, tido oportunidade de se pronunciar.
 
 5.Ora, da consulta dos autos decorre, efectivamente, que o recorrente não tinha, 
 antes do parecer emitido pelo Ministério Público no recurso contencioso da 
 deliberação que rejeitara a reclamação contra a deliberação de arquivamento, 
 sido confrontado com a questão da sua falta de legitimidade para interpor esse 
 recurso contencioso.
 Com efeito, na deliberação recorrida apenas estivera em causa a legitimidade 
 para o autor de participação disciplinar reclamar da deliberação que determinou 
 o arquivamento do procedimento disciplinar, e não a legitimidade para interpor 
 recurso contencioso da deliberação de rejeitou essa reclamação (por falta de 
 legitimidade para reclamar). Trata-se de questões diversas, e que não têm de ser 
 resolvidas no mesmo sentido.
 A questão tratada no parecer do Ministério Público de 21 de Dezembro de 2005, 
 reportada à legitimidade para o reclamante interpor recurso contencioso da 
 decisão que rejeitou a reclamação por falta de legitimidade, era, pois, uma 
 questão nova, sobre a qual o recorrente não tinha, pois, ainda tido oportunidade 
 de se pronunciar. Assim, as exigências constitucionais do processo equitativo – 
 no caso, do direito ao contraditório –, afirmadas pelo Tribunal Constitucional 
 em recurso contencioso quando estejam em causa questões novas que possam levar à 
 rejeição do recurso, impunham que desse parecer fosse dado conhecimento ao 
 recorrente, para sobre ele se pronunciar.
 Ao permitir a decisão do recurso sem tal notificação ao recorrente, a dimensão 
 normativa é, pois, violadora do direito a um processo equitativo, 
 constitucionalmente consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da 
 República e decorrente, em última instância, do próprio princípio do Estado de 
 Direito, e comportando, como sua dimensão essencial, o direito ao contraditório 
 
 (“audiatur altera pars”).
 E conclui-se, assim, que é de conceder provimento ao presente recurso de 
 constitucionalidade.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
 a)        Julgar inconstitucional, por violação do direito a um processo 
 equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República), a norma do artigo 
 
 173.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 
 de Julho, interpretado no sentido de permitir, em recurso de deliberação do 
 Conselho Superior da Magistratura, a emissão de parecer pelo Ministério Público 
 sobre a questão prévia da legitimidade do autor de participação disciplinar para 
 interpor recurso contencioso da deliberação que rejeitou reclamação contra a 
 deliberação de arquivamento do procedimento disciplinar, com a qual não havia 
 sido anteriormente confrontado, e sem que desse parecer seja dado conhecimento 
 ao recorrente para se poder pronunciar;
 b)        Consequentemente, conceder provimento ao recurso e determinar a 
 reformulação da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de 
 inconstitucionalidade.
 Lisboa, 6 de Fevereiro de 2007
 
  
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos