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Processo n.º 985/06
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Gil Galvão
 
  
 
  
 Acordam em conferência na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I – Relatório
 
  
 
 1. Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Rio Maior, de 3 de Novembro de 
 
 2005, foi o ora recorrente condenado a uma pena de dois anos e quatro meses de 
 prisão, pela prática, em co-autoria, de um crime de furto qualificado. 
 Inconformado com esta decisão o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de 
 Lisboa que, por acórdão de 28 de Junho de 2006, julgou o recurso totalmente 
 improcedente.
 
  
 
 2. Ainda inconformado o arguido veio aos autos para arguir a nulidade desta 
 decisão, tendo dito, nomeadamente, o seguinte:
 
 “[...] Ao não se pronunciar sobre esta questão fundamental o Douto Acórdão 
 recorrido violou os artigos 50º, 51º, 52º e 53º, todos do CP.
 Sendo inconstitucional a interpretação que fez do artigo 50º do Código Penal, 
 uma vez que esta viola os princípios da proporcionalidade e da necessidade das 
 penas criminais consagrados no artigo 18º da C.R.P.”
 
  
 
 3. A nulidade foi julgada improcedente pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, 
 para o que agora importa, ponderou o seguinte:
 
 “[…] inexiste qualquer omissão de pronúncia, como inexiste a violação de 
 qualquer norma legal.
 Talvez perspectivando a possibilidade de um recurso que lhe permita obstar à 
 execução próxima da pena aplicada, “lembrou-se” agora o reclamante de dizer que 
 a interpretação que o acórdão fez do art. 50º do Cod. Penal é inconstitucional, 
 por violação dos princípios da necessidade e da proporcionalidade que devem 
 presidir à aplicação das penas, chamando à liça, para tanto, o art. 18° da Lei 
 Fundamental. [...]
 Ora, independentemente de, também aqui, não lhe assistir qualquer razão, o que é 
 certo é que o conhecimento desta questão extravasa por completo o âmbito com que 
 deve ser entendido, na delimitação do seu objecto, o mecanismo do n.º 2 do 
 mencionado art. 379º”.
 
  
 
 4. Deste acórdão foi interposto o seguinte recurso para este Tribunal:
 
 “[...], notificado do douto Acórdão que julgou totalmente improcedente a 
 reclamação apresentada, não se conformando com o mesmo, vem, com o benefício do 
 apoio judiciário, interpor recurso para o Tribunal Constitucional. 
 
 - O Recorrente reclamou para a Conferência do Douto Acórdão que julgou 
 totalmente improcedente o recurso por si interposto. 
 
 - Por entender que o douto acórdão reclamado apenas se pronunciou, ao de leve, 
 sobre a 1ª parte da 4ª questão aludida. 
 
 - Configurando uma nulidade nos termos dos artigos 425° e 379°, alínea c), do 
 C.P.P.
 
 - Com o devido respeito, o Acórdão do Tribunal da Relação não se pronunciou 
 sobre uma questão fundamental, violando assim os art°s 50°; 51°; 52° e 53°, 
 todos do C.P..
 
 - Sendo inconstitucional a interpretação que fez do art° 50° do C.P., por violar 
 princípios consagrados no art° 18° da C.R.P. 
 
 - Em conferência decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa que não assistia razão 
 ao recorrente, improcedendo a invocada nulidade. 
 O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n°1 do 
 art° 70° da Lei 28/82, de 15 de Novembro (na redacção que lhe foi dada pela Lei 
 n° 13-A/98, de 26 de Fevereiro). 
 O Recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade da norma do artigo 50° 
 do C.P.
 Tal norma, nos termos e com o sentido com que foi aplicada (pelo Tribunal da 
 Relação de Lisboa) viola os artigos 51°, 52° e 53° do C.P. e, ainda, os 
 princípios da Proporcionalidade e da Necessidades das Penas Criminais 
 consagrados no artigo 18° da Constituição. 
 Em conclusão, o presente recurso visa o seguinte: 
 
 - declaração da inconstitucionalidade da interpretação dada ao caso concreto ao 
 artigo 50º do C.P., por entender violar os artigos 51°; 52° e 530 do C.P. e os 
 princípios da Proporcionalidade e da Necessidade das Penas Criminais consagrados 
 no artigo 18° da C.R.P.[...]”
 
  
 
 5. Na sequência, foi proferida pelo Relator, ao abrigo do disposto no n.º 1 do 
 artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada 
 pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não 
 conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na parte agora relevante, o 
 seu teor:
 
 “O recurso foi admitido no Tribunal da Relação de Lisboa. Porém, porque tal 
 decisão não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. artigo 76º, n.º 3, da LTC), 
 cumpre, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do seu objecto.
 O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional pressupõe, designadamente, que o recorrente tenha suscitado, de 
 modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, a questão de constitucionalidade normativa que pretende ver apreciada 
 e que, não obstante, a decisão recorrida tenha efectivamente aplicado, como 
 ratio decidendi, a norma – ou interpretação normativa – arguida de 
 inconstitucional.
 Ora, como vai sumariamente ver-se já de seguida, é evidente tal não aconteceu 
 nos presentes autos.
 Com efeito, o decisão recorrida – expressamente identificada no requerimento de 
 interposição do recurso como sendo o “acórdão que julgou totalmente improcedente 
 a reclamação [por nulidade] apresentada” – não aplicou, como ratio decidendi, o 
 artigo 50º do Código Penal, limitando-se, com fundamento nas disposições 
 relativas à nulidade da sentença, a decidir no sentido da improcedência da 
 reclamada nulidade. Isso mesmo resulta dos seus próprios termos onde, 
 expressamente, se refere que “independentemente de, também aqui [refere-se esta 
 decisão à alegada inconstitucionalidade do artigo 50º do Código Penal] não lhe 
 assistir qualquer razão, o que é certo é que o conhecimento desta questão 
 extravasa por completo o âmbito com que deve ser entendido, na delimitação do 
 seu objecto, o mecanismo do nº 2 do mencionado art. 379º [do CPP]”.
 Tanto basta, pois, para que não possa conhecer-se do objecto do presente 
 recurso.”
 
  
 
 6. Inconformado com esta decisão, veio o recorrente, ao abrigo do disposto no 
 artigo 78º-A, nº 3, da LTC, reclamar para a Conferência, dizendo, nomeadamente, 
 o seguinte:
 
 “notificado da decisão sumária proferida, vem, com o beneficio do apoio 
 judiciário, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 78°-A da LCT, apresentar 
 RECLAMAÇÃO, com os seguintes fundamentos: 
 
 [...]
 
 - Ora salvo o devido respeito, por opinião contrária, o ora recorrente, no 
 recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Lisboa definiu concretamente 
 o objecto do recurso e as normas que entendeu estarem a ser violadas, entre 
 outras a do artigo 50º do C.P..
 
 - É certo que o Tribunal da Relação de Lisboa não se pronunciou concretamente 
 sobre esta questão suscitada pelo recorrente, razão pela qual reclamou para a 
 conferência.
 
 - Tendo invocado, uma vez mais, a violação do artigo 50º do C.P., bem como a sua 
 inconstitucionalidade, na medida em que tal norma, com a interpretação com que 
 foi aplicada viola os artigos 50°; 51º e 53º do C.P. e os Princípios consagrados 
 no artigo 18° da C.R.P., da Proporcionalidade e da Necessidade das Penas 
 Criminais. 
 
 - A decisão sumária de não conhecer do objecto do recurso, pelo motivo supra 
 exposto, é desproporcional se atendermos a que desde o início do processo o 
 recorrente sempre colocou em crise a violação da norma do artigo 50° do C.P.. 
 
 - Por no entender do recorrente, com o devido respeito, o sentido em que foi 
 aplicada esta norma violar direitos fundamentais.
 Pelo exposto deverá a decisão sumária que recusou conhecer o objecto do presente 
 recurso ser revogada, e substituída por outra que admita o mesmo.”
 
  
 
 7. Notificado para se pronunciar, disse o Ministério Público reclamado:
 
 “1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 
 2 – Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da 
 decisão reclamada, no que toca à óbvia inverificação dos pressupostos do recurso 
 interposto.”
 
  
 Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 III – Fundamentação
 
  
 
 8. Na decisão agora reclamada, o Tribunal concluiu pela impossibilidade de 
 conhecer do objecto do recurso que o ora reclamante interpôs. Fundamentou-se 
 aquela decisão no facto de, ao contrário do que é pressuposto do recurso de 
 fiscalização concreta de constitucionalidade, a decisão recorrida não ter 
 aplicado, “como ratio decidendi, o artigo 50º do Código Penal, limitando-se, com 
 fundamento nas disposições relativas à nulidade da sentença, a decidir no 
 sentido da improcedência da reclamada nulidade.”
 
  
 Com a presente reclamação o reclamante, sem, em rigor, contestar esta realidade, 
 vem defender que o recurso deve ser conhecido, por entender que decisão de dele 
 não conhecer “é desproporcional se atendermos a que desde o início do processo o 
 recorrente sempre colocou em crise a violação da norma do artigo 50° do C.P.”, e 
 por “o sentido em que foi aplicada esta norma violar direitos fundamentais” 
 Labora, porém, em manifesto erro, uma vez que, como se verá já de seguida, é 
 evidente que lhe não assiste qualquer razão.
 
  
 Na verdade, o acórdão de que recorreu para este Tribunal – o “que julgou 
 totalmente improcedente a reclamação [por nulidade] apresentada – manifestamente 
 não aplicou, como ratio decidendi, o artigo 50º do Código Penal (nem sequer, em 
 rigor, alguma vez o poderia fazer, dado que se limitou a julgar, de acordo com 
 as normas reguladoras da nulidade, a inexistência do alegado vício no acórdão 
 então recorrido). Ora, tratando-se, no caso previsto no artigo 70º, n.º 1, 
 alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, de recurso de decisões “que 
 apliquem norma”, é óbvia a impossibilidade de conhecer de recursos respeitantes 
 a normas não aplicadas, não havendo aqui qualquer desproporcionalidade, mas, 
 apenas, manifesta falta dos pressupostos de admissibilidade do recurso 
 interposto.
 
  
 Assim sendo, apenas resta, reiterando as razões constantes da decisão reclamada, 
 que em nada são abaladas pela reclamação apresentada, confirmar o julgamento que 
 ali se formulou no sentido da impossibilidade de conhecer do objecto do recurso
 
  
 
  
 III – Decisão
 
  
 Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, 
 confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do recurso.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que, porventura, 
 beneficie.
 Lisboa, 14 de Dezembro de 2006
 Gil Galvão
 Bravo Serra
 Artur Maurício