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Processo n.º 926/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do 
 artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional, da decisão sumária do relator de 7 de Fevereiro de 2006, que 
 decidiu, ao abrigo do disposto no n.º 1 do mesmo preceito, não tomar 
 conhecimento do objecto do presente recurso. Tal decisão teve o seguinte teor:
 
 «1.Por acórdão de 13 de Outubro de 2005, o Tribunal da Relação de Lisboa negou 
 provimento ao recurso interposto por A. da decisão da 1.ª Secção do 1.º Juízo do 
 Tribunal Criminal de Lisboa que, no âmbito do processo comum singular n.º 
 
 17121/97.2TDLSB, o condenou como autor material de um crime de dano qualificado, 
 previsto e punido pelos art.ºs 212.º, n.º 1, e 213.º, n.º 3, alínea c), do 
 Código Penal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 5,00 ou em 
 alternativa a 80 dias de prisão. Consequentemente, confirmou a decisão 
 recorrida. Pode ler-se nesse aresto:
 
 «(…)
 Prévia à apreciação do recurso será a demarcação do seu âmbito e das questões 
 concretas a tratar.
 
 É pacífica e constante a jurisprudência, designadamente do STJ, no sentido de 
 que, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso – verificação de 
 nulidades insanáveis ou de qualquer dos vícios previstos no art.º 410.°, n.º 2, 
 do CPP, de conhecimento oficioso – a delimitação das questões a tratar se define 
 pelas conclusões extraídas, pelo recorrente, das motivações por ele 
 apresentadas.
 São pois as conclusões da motivação que delimitam em definitivo e exclusivamente 
 as questões objecto do recurso.
 Das conclusões da motivação oferecida pelo recorrente verificamos que o mesmo 
 opõe à decisão que o condenou
 
 - pugnando por que, nos termos do art.º 122.° do CPP, se declare nulo o debate 
 instrutório e todo o subsequente processado, incluindo o julgamento, pretendendo 
 perfilar-se nulidade insanável do art.º 119.º, c), do mesmo diploma (ausência de 
 defensor quando a lei exige a sua comparência),
 
 - impugnando, mediante mera invocação de que na altura dos factos estava longe 
 do local onde foram praticados, na companhia das testemunhas B. e C., não 
 podendo assim tê‑los praticado, a decisão de facto – o que, não obstante, 
 reconduz a invocação do art.º 379.º, n.º 1, c), do C.P.P., o que é dizer a 
 nulidade da sentença,
 
 - alegando que, não tendo embora destruído o muro, se o tivesse destruído teria 
 agido em exercício de direito de necessidade, e bem assim com exclusão de 
 ilicitude nos termos dos art.ºs 31.º e 34.°, n.º 1, do C.P.P (já que o referido 
 muro impedia o escoamento de águas das chuvas, impedindo-as de escoarem para o 
 talude e fazendo com que se acumulassem dentro do muro que na parte mais 
 inclinada tinha 2 m de altura, pondo em risco prédios e viaturas em Alfornelos).
 Estas as questões objecto do recurso a cuja ponderação passaremos.
 Invoca o recorrente antes de mais nulidade insanável do art.º 119.º, c), do CPP 
 pretendendo não ter sido acompanhado de defensor quando a lei exige a sua 
 comparência, pois, sendo pessoa analfabeta e não compreendendo o alcance das 
 notificações que lhe foram feitas (nomeadamente para audiência de julgamento e 
 para efeitos do disposto no art.º 333.°, n.º 1, do CPP), entregou-as ao seu 
 patrono – sendo que, como ele o refere, pediu apoio judiciário na modalidade de 
 dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento 
 de honorários ao patrono por si escolhido – nunca exercendo o contraditório 
 confiando que ele o faria, pelo que, não tendo ele comparecido a qualquer acto 
 processual, não esteve, na prática, representado.
 Ora, compulsando os autos, verificamos que, contrariamente ao que invoca, sempre 
 o recorrente esteve representado por defensor, e designadamente nos actos em que 
 a lei impunha que o estivesse, entre os quais o debate instrutório e julgamento 
 
 (cf. fls. 129, 243 e 246), não podendo pretender-se que assim não aconteceu 
 porque, não comparecendo o seu patrono nomeado, lhe foi nomeado para o 
 representar em tais actos, nos termos legais, distinto defensor.
 Por outro lado, o analfabetismo não é, com o devido respeito, justificação para 
 não compreensão de notificações que inviabilizasse o exercício do contraditório, 
 através da acção do defensor (escolhido aliás por ele próprio) junto de quem 
 poderia ter indagado de forma mais constante e atenta o desenvolver do processo, 
 instando-o a promover os termos necessários àquele exercício, como era  seu 
 interesse e dever e ao que a iliteracia não obstava nem a “confiança cega” no 
 ilustre causídico dirimia (sendo aliás que, em última análise, seria ele próprio 
 quem podia fornecer-lhe os dados a tal necessários), sempre, perante eventual 
 inércia daquele, podendo pedir, como veio a fazer a final, a sua substituição.
 Regular se mostra também em vista dos autos, designadamente da certidão 
 respectiva, a sua notificação para ser sujeito a julgamento não podendo, de novo 
 se frisa, a sua iliteracia justificar não compreensão das notificações que lhe 
 foram feitas e informação implícita (aliás em grande parte de factos de sentido 
 inequívoco para qualquer pessoa, por menos culta) e muito menos em termos de 
 levar a que as mesmas se considerassem não feitas.
 Não se perfila assim a nulidade invocada nem violação de qualquer dos preceitos 
 legais que o recorrente pretende ofendidos, maxime constitucionais, não podendo 
 a sua argumentação, no que a tais aspectos se refere, ter acolhimento, e bem 
 assim o recurso proceder.
 Mas não só no que se refere a esta questão o recurso não pode obter provimento.
 Assim, logo no que concerne à segunda vertente da sua impugnação é manifesta a 
 sua improcedência.
 Como dissemos, mediante mera invocação de que na altura dos factos estava longe 
 do local onde foram praticados na companhia das testemunhas B. e C. não podendo 
 assim tê-los praticado, o recorrente apela para a sua absolvição, em tais termos 
 sendo patente que impugna, pretendendo vê-la alterada por forma a afastar os 
 factos que o incriminam, a matéria de facto. 
 Quanto a este ponto desde logo há que dizer que, com o devido respeito, não tem 
 cabimento, sequer sendo claro o sentido da invocação feita do art.º 379.º, n.º 
 
 1, c), do C.P.P. na sequência de tal argumentação, não se vendo como desta 
 pretenda extrair-se que o Tribunal deixou de pronunciar-se sobre questões que 
 deveria apreciar e bem assim por decorrente nulidade da sentença.
 Eventualmente poderá o recorrente pretender que, não se considerando 
 circunstância que agora vem invocar de que alegadamente resultaria 
 impossibilidade de cometimento dos factos, o Tribunal incorreu em omissão 
 enquadrável em tal previsão legal.
 Nunca porém poderia assistir-lhe razão já que essa circunstância não foi 
 suscitada perante o Tribunal – não tendo sido referida em julgamento, não tendo 
 aí sido ouvidas ou sequer arroladas para o serem, as pessoas que alegadamente a 
 poderiam confirmar – não se colocando assim a questão de o Tribunal dela dever 
 conhecer.
 Também na perspectiva da impugnação da decisão de facto é, como se disse, 
 manifesta a improcedência do recurso.
 
 É certo que, como decorre do disposto nos art.ºs 428.º, n.º 1, e 431.° do CPP as 
 Relações conhecem de facto e de direito, sendo a reapreciação/alteração da 
 decisão/matéria de facto, à partida, admissível mesmo para além da aferição da 
 verificação dos sobreditos vícios – esta oficiosa – e bem assim o recurso com 
 tal âmbito, observados que se mostrem os requisitos do art.º 412.º do mesmo 
 diploma em ordem a demarcar os aspectos concretos a rever.
 Porém, no caso, para além de obviamente inobservados os requisitos do art.º 
 
 412.° citado em termos insusceptíveis de sanação útil por via de eventual 
 correcção de conclusões (já que a deficiência radica na própria motivação e bem 
 assim nos fundamentos do recurso, a cuja correcção não tem o Tribunal de 
 convidar sob pena de – fundamentada que sempre teria de ser, nos termos gerais, 
 a decisão que convidasse à correcção – estar a “orientar” sujeito processual em 
 matéria não apenas adjectiva ou formal) é manifesta a improcedência da 
 impugnação dessas decisão/matéria de facto.
 Efectivamente, da simples leitura da argumentação deduzida pelo recorrente para 
 justificar a alteração do sentido da decisão – alteração que necessariamente 
 passaria pela modificação dos factos provados e não provados por forma a se 
 concluir pela sua absolvição – resulta evidente não ter a circunstância que 
 agora alega, com base na qual entende dever essa modificação ter lugar, sido 
 antes considerada (não teria, como vimos, de o ser, pois que não foi levada à 
 discussão) nem produzida ou sequer anteriormente oferecida a “prova” da mesma.
 A sua impugnação da decisão da matéria de facto nada tem assim a ver com erro na 
 apreciação e valoração da prova que se pretenda ver corrigido (e foi isso, 
 inequivocamente, o que o legislador teve em mente ao facultar um segundo grau de 
 jurisdição), antes e tão-só traduzindo clara pretensão a que se considere agora 
 circunstância (que antes não fora considerada – nem suscitada – alegadamente 
 comprovável por pessoas que não foram ouvidas na audiência de julgamento nem 
 para tal arroladas) que obstaria, se provada, ao acolhimento dos factos tal como 
 o foram.
 Ora, efectuado que foi o julgamento e proferida decisão, não se perfilando, nos 
 termos invocados (como atrás se decidiu) ou em quaisquer outros, nulidade que 
 importe a anulação em qualquer medida do processado, é patente que uma tal 
 circunstância nunca poderá ser considerada e bem assim que a impugnação do 
 recorrente à decisão com fundamento na sua alegada ocorrência não poderá ter 
 acolhimento.
 Em suma, justificando o recorrente a sua pretensão à alteração do sentido da 
 decisão (desde logo de facto e, consequentemente, de direito) em facto que não 
 foi antes considerado, sequer tendo sido invocado em momento e termos de 
 suscitar a sua consideração e produção de prova para sua comprovação em sede de 
 julgamento, é patente a inatendibilidade da sua argumentação e bem assim 
 manifesta a improcedência do recurso também nessa parte, ou seja, da matéria de 
 facto.
 O mesmo acontecerá com a terceira questão suscitada pelo recorrente, aliás em 
 termos algo paradoxais já que, em síntese, se traduzem em dizer “não fiz o que 
 se considerou provado, mas se tivesse feito, teria sido em concretização de 
 direito de necessidade, logo, está excluída a ilicitude do acto”.
 Dados os termos em que a questão é colocada e porque, em vista do 
 circunstancialismo a considerar, o sentido da decisão a proferir se apresenta 
 como óbvio, dispensar-nos-emos de maiores explanações.
 Resume-se aliás em poucas palavras o que a respeito há a dizer. Vejamos:
 Improcedendo, nos termos expostos, a impugnação da decisão de facto e não se 
 perfilando, por outro lado, qualquer vício do art.º 410.º, n.º 2, do CPP que a 
 inquine,
 
 (do teor da decisão resulta claramente
 
 (1) que a matéria de facto assente, bastante para integrar todos os elementos 
 típicos do crime considerado e para a determinação da medida de penas, se colhem 
 todos os elementos necessários à formulação do juízo de condenação assumido e 
 fixação de pena, sendo assim aquela manifestamente suficiente para a decisão,
 
 (2) que não há qualquer colisão entre os fundamentos ou contradição entre a 
 fundamentação e a decisão – por forma alguma os fundamentos justificam decisão 
 contrária à que foi tomada, sendo aliás que em vista dos mesmos a decisão não 
 poderia ter sido outra senão a assumida e
 
 (3) que inexiste erro notório na apreciação da prova – do texto da decisão 
 recorrida por forma alguma se colhe que se tenha tirado de um facto provado uma 
 conclusão logicamente inaceitável, que se tenha dado como provado algo que 
 notoriamente está errado, ou que se tenha retirado de um facto provado uma 
 conclusão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das 
 regras da experiência comum, não tendo também sido preterida prova vinculada)
 a matéria de facto provada e não provada está em definitivo fixada, sendo 
 incontornável, com base nela e tão-só havendo que decidir.
 Tal é dizer que apenas os factos provados poderão ser considerados para decidir 
 do cometimento ou não de infracção – designadamente a imputada – de punibilidade 
 da conduta e sanção a impor.
 Em tal conformidade, apenas com base nos factos provados se poderá decidir do 
 preenchimento de elementos típicos de infracção – designadamente a que for 
 imputada ao arguido – mas também da existência de qualquer causa de exclusão da 
 ilicitude ou da culpa previstas nos art.ºs 31.º e ss. do CP.
 Seria assim da matéria de facto assente, integrante da tipicidade requerida pelo 
 crime que vinha imputado ao arguido, que teria de se extrair a concorrência de 
 qualquer circunstância que consubstanciasse causa de exclusão da ilicitude, e 
 designadamente o direito de necessidade invocado.
 Ora dos factos assentes – e, como se disse, únicos disponíveis e incontornáveis 
 
 – nada se colhe que permita concluir por que o recorrente tenha agido em 
 exercício de direito de necessidade, designadamente nada se colhe do 
 circunstancialismo que agora (na motivação do recurso) vem alegar para 
 justificar, mediante direito de necessidade, a actuação apurada (não obstante 
 refira não a ter cometido...).
 Não são, em tais termos, necessários mais considerandos para decidir que, também 
 nesta vertente, não pode a sua argumentação ter acolhimento, nem proceder o 
 recurso.
 Com o que se impõe concluir pela sua total improcedência.»
 
 2.O recorrente veio então interpor o presente recurso para o Tribunal 
 Constitucional, com um requerimento em que disse:
 
 «A., arguido melhor identificado nos autos, não se conformando com o douto 
 acórdão proferido por este Venerando Tribunal que manteve a condenação do 
 requerente em 120 dias de multa à razão diária de € 5,00 ou em alternativa 80 
 dias de prisão, vem dele interpor recurso para o Venerando Tribunal 
 Constitucional, nos termos do art.º 69.º, art.º 70.º, n.º 1, al. b) e f), e 
 art.º 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
 Assim, porque o recorrente está em tempo, porque tem legitimidade no processo e 
 por a questão de ilegalidade ter sido suscitada pelo recorrente no Recurso para 
 o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, por violação do Princípio do 
 Contraditório e de lei substantiva e lei adjectiva cuja violação se remete para 
 fls. (…) da motivação e suas conclusões deste recurso.»
 O recorrente apresentou ainda, com o referido requerimento de interposição de 
 recurso, as respectivas “Motivações” e “Conclusões” de recurso.
 Cumpre decidir.
 
 3.As alegações dos recursos de constitucionalidade são sempre produzidas neste 
 Tribunal (artigo 79.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional), após despacho 
 do relator. A junção das ditas “Motivação” e “Conclusões” de recurso foi, pois, 
 prematura. Aliás, logo o requerimento de recurso não preenchia os requisitos do 
 artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da Lei do Tribunal Constitucional. Seria, assim, caso 
 de proferir despacho convite para aperfeiçoamento do requerimento de recurso. 
 Todavia, no presente caso, tal seria um acto inútil, por se verificar que o 
 Tribunal não poderia tomar conhecimento do recurso, como resulta do confronto 
 das referidas “motivação” e “conclusões”, a considerar apenas nessa estrita 
 medida.
 Por outro lado, apesar de o presente recurso ter sido admitido, tal decisão, 
 como se sabe (artigo 76.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional), não 
 vincula o Tribunal Constitucional. E, analisados os autos, verifica-se que é de 
 proferir decisão sumária, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal 
 Constitucional, por este Tribunal não poder tomar conhecimento do recurso.
 
 4.Com efeito, os presentes recursos vêm interpostos ao abrigo das alíneas b) e 
 f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional. Analisemos, 
 separadamente, os pressupostos de cada um dos recursos.
 Para se poder tomar conhecimento de um recurso de constitucionalidade interposto 
 ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é 
 necessário, além do esgotamento dos recursos ordinários que no caso coubessem, 
 que a questão de constitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo e 
 que a norma, ou interpretação normativa, impugnada tenha sido aplicada, como 
 ratio decidendi, pela decisão recorrida – isto é, que tal norma ou interpretação 
 normativa tenha constituído fundamento decisivo para o tribunal recorrido. Este 
 
 último requisito é expressão da necessária utilidade da intervenção do Tribunal 
 Constitucional, em via de recurso, pois, se a norma impugnada não foi ratio 
 decidendi – mas antes é apenas mencionada num obiter dictum –, ou se existe 
 outro fundamento, só por si bastante para se chegar a decisão idêntica à 
 recorrida, a decisão do Tribunal Constitucional sobre a sua constitucionalidade, 
 qualquer que ela fosse, sempre seria insusceptível de alterar o sentido da 
 decisão do tribunal recorrido. Nestas condições, o Tribunal Constitucional não 
 pode tomar conhecimento do recurso.
 Recorde-se, ainda, que, no nosso sistema de fiscalização concentrada e 
 incidental da constitucionalidade, não cabe ao Tribunal Constitucional, nem 
 controlar o modo como a matéria de facto foi apurada pelos tribunais recorridos, 
 nem sequer controlar o mérito da decisão recorrida, em si mesma, ou, sequer, 
 apurar se as normas nela aplicadas correspondem ou não ao melhor direito. No 
 recurso de constitucionalidade tal como foi delineado pela Constituição da 
 República e pela Lei do Tribunal Constitucional, este é apenas um órgão de 
 fiscalização da constitucionalidade de normas, em si mesmas (isto é, numa 
 interpretação enunciativa) ou em determinada interpretação particular, aplicada 
 na decisão recorrida.
 Ora, no presente caso não se verificou a suscitação por parte do recorrente de 
 uma questão de constitucionalidade normativa, pois aquilo que este 
 verdadeiramente impugnou, e que reputa inconstitucional, é a forma pela qual se 
 teria desenrolado todo o procedimento criminal, em particular a actuação do seu 
 defensor oficioso, e, ainda, a decisão condenatória em si mesma considerada, com 
 a qual não se conforma (conclusão a que se chega pela leitura do seu 
 requerimento de interposição de recurso, da peça processual que designa por 
 
 “motivação” e respectivas “conclusões” e ainda das alegações apresentadas junto 
 do Tribunal da Relação de Lisboa).
 No entanto, como ficou já dito, não compete a este Tribunal debruçar-se sobre 
 tal tipo de questões. Pelo que, por não ter sido suscitada durante o processo, 
 nem ter sido trazida a este Tribunal, uma verdadeira questão de 
 constitucionalidade normativa, não se pode tomar conhecimento do recurso, nesta 
 parte.
 
 5.Restaria o recurso interposto ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º 
 da Lei do Tribunal Constitucional. Esta norma prevê um recurso de ilegalidade, 
 dispondo que “[c]abe recurso para o Tribunal Constitucional em secção, das 
 decisões dos tribunais: (…) f) que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido 
 suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas 
 c), d) e e)”, sendo tais fundamentos a violação de lei com valor reforçado 
 
 (alínea c)), a violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da 
 República por norma constante de diploma regional (alínea d)) e a violação do 
 estatuto de uma região autónoma por norma emanada de um órgão de soberania 
 
 (alínea e)).
 Ora, pode excluir-se liminarmente a verificação de qualquer ilegalidade com os 
 fundamentos referidos nas alíneas d) e e), posto que não está em causa qualquer 
 norma constante de diploma regional nem a violação do estatuto de uma região 
 autónoma. E também é claro que não se verificou no processo a aplicação de 
 qualquer norma cuja ilegalidade por violação de lei com valor reforçado houvesse 
 sido suscitada. Nem sequer se descortina, aliás, qual poderia ser esta “lei com 
 valor reforçado” no caso concreto.
 Também aqui, verifica-se que o que o recorrente verdadeiramente questiona 
 através do presente recurso é a decisão condenatória em si mesma considerada, e, 
 bem assim, o decurso de todo o procedimento criminal, nomeadamente a actuação do 
 seu defensor oficioso. Ora, como ficou dito e se reitera, as competências do 
 Tribunal Constitucional em sede de recurso confinam-se à apreciação da 
 constitucionalidade ou legalidade de normas, não podendo este Tribunal aferir 
 das próprias decisões judiciais, em si mesmas consideradas, nem da actuação dos 
 vários intervenientes processuais.
 Assim, por também não estarem verificados os pressupostos do recurso de 
 ilegalidade, interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea f), da Lei do 
 Tribunal Constitucional, não se pode dele tomar conhecimento.
 
 6.Pelos fundamentos expostos, decido, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 
 
 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, não tomar conhecimento do presente 
 recurso e condenar o recorrente em custas, fixando a taxa de justiça em 6 (seis) 
 unidades de conta.»
 
 2. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional 
 respondeu pela seguinte forma à presente reclamação:
 
 “1 – A presente reclamação, deduzida sem que o reclamante indique minimamente as 
 razões da sua discordância quanto à decisão reclamada, é manifestamente 
 improcedente.
 
 2 – Pelo que deverá ser esta inteiramente confirmada.”
 Cumpre decidir.
 II. Fundamentos
 
 3. A reclamação apresentada pelo recorrente contra a decisão sumária do relator 
 limita‑se a referir que, não se conformando com o respectivo teor, “porque está 
 em tempo e porque tem legitimidade no processo”, dela se reclama para a 
 conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei do Tribunal 
 Constitucional, não se esboçando qualquer tentativa de rebater os fundamentos 
 dessa decisão, no sentido da admissibilidade do recurso e do dever de 
 conhecimento do seu objecto.
 Pode, porém, aceitar-se que, mesmo quando o reclamante não aduz quaisquer 
 fundamentos adicionais para a reclamação para a conferência prevista no artigo 
 
 78.º‑A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, atendendo à natureza colegial 
 dos tribunais superiores, deve ser-lhe reconhecida a possibilidade de ver tal 
 reclamação apreciada por uma formação decisória integrando mais do que um juiz, 
 pelo que se não deverá deixar de tomar conhecimento da reclamação (cfr., neste 
 sentido, por exemplo, os Acórdãos n.º 514/2003, 87/2005, 93/2005 e 714/2005, 
 disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), para reponderação dos fundamentos 
 da decisão reclamada.
 
 4. Procedendo a essa reponderação, entende-se, porém, que a presente reclamação 
 não pode ser deferida, confirmando-se a decisão sumária reclamada, de não 
 conhecimento do recurso interposto. 
 Com efeito, e como se disse já na referida decisão, num recurso, como o 
 presente, interposto (também) ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 Lei do Tribunal Constitucional, apenas se pode conhecer da 
 
 (in)constitucionalidade de normas, em si mesmas ou numa sua específica 
 interpretação (dimensões interpretativas do preceito). E, para que o Tribunal 
 possa conhecer do objecto do recurso, exige-se que os recorrentes suscitem, 
 durante o processo, a inconstitucionalidade da norma, ou, se só ele estiver em 
 causa, de um dado sentido ou dimensão normativa, que pretendem submeter à 
 apreciação deste Tribunal, e que tal norma (ou sentido normativo) tenha sido 
 aplicada na decisão recorrida, como ratio decidendi, não obstante a acusação de 
 inconstitucionalidade. Se o recorrente apenas questiona uma dada dimensão ou 
 interpretação de uma norma, deve precisar o sentido que pretende ver submetido à 
 apreciação do Tribunal Constitucional, de modo a que, se tal norma vier a ser 
 julgada inconstitucional, o Tribunal Constitucional a possa enunciar na decisão 
 e que o tribunal recorrido saiba qual o sentido da norma que não pode ser 
 aplicado por desconforme com a Constituição. 
 Ora, tal necessidade de individualização do segmento ou de enunciação do sentido 
 ou interpretação normativos que o recorrente reputa inconstitucionais não se 
 basta com alegações como a de que “de direito o ora recorrente estava 
 acompanhado por defensor, mas de facto não estava acompanhado por defensor, pois 
 o seu defensor faltou a todos os actos processuais”, ou de que “houve violação 
 do art.º 32.º, n.º 3 da C.R.P. e do art.º 64.º, n.º 1, do C.P.P, devendo serem 
 declarados inválidos todos os actos processuais incluindo o debate instrutório e 
 a Audiência e Julgamento nos termos e para os efeitos do art.º 122.º do C.P.P” 
 
 (conclusão 2.ª das alegações de recurso para o tribunal recorrido), nem com a 
 alegação, já em sede de recurso para o Tribunal Constitucional, e não perante o 
 tribunal a quo, de que “na interpretação da lei processual penal existe uma 
 inconstitucionalidade na parte em que permite que o ora recorrente seja 
 dispensado de comparecer em Audiência de julgamento e que esta se realize como 
 se estivesse presente, sendo este analfabeto e de ele nem sequer tivesse 
 conveniência pessoal na comparência.” (conclusão 17.ª das “Motivação” e 
 
 “Conclusões” do recurso de constitucionalidade).
 A decisão sumária reclamada é, pois, de confirmar neste aspecto.
 E tal decisão é igualmente de confirmar quanto à improcedência do recurso 
 interposto ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional pelos fundamentos indicados na decisão sumária reclamada e não 
 infirmados na reclamação apresentada – isto é, o facto de o recorrente não 
 impugnar qualquer norma, mas antes “a decisão condenatória em si mesma 
 considerada, e, bem assim, o decurso de todo o procedimento criminal, 
 nomeadamente a actuação do seu defensor oficioso”.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento à presente reclamação e 
 confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade interposto, bem como condenar o reclamante em custas, com 20 
 
 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
 Lisboa, 23 de Março de 2006
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos