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Processo n.º 856/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
              Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                                     1. Relatório
 
                                     1.1.A., L.da, intentou no Tribunal Judicial 
 da Comarca do Funchal acção declarativa, com forma de processo sumário, contra 
 B., pedindo que fosse decretada a cessação do contrato de arrendamento, por 
 denúncia realizada pela autora, sendo a ré condenada a reconhecer tal cessação 
 de arrendamento e a despejar imediatamente o locado, contra o recebimento da 
 importância de Esc. 3 000 000$00.
 
                                     Citada a ré, veio esta, tempestivamente, 
 deduzir contestação, defendendo‑se por excepção e impugnação e requerendo, 
 subsidiariamente, o diferimento da desocupação do locado. Excepcionou a ré a 
 inconstitucionalidade do dispositivo legal que permitiu a denúncia do contrato 
 de arrendamento pela autora, designadamente os artigos 89.º‑A e 89.º‑B do Regime 
 do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 321‑B/90, de 15 de Outubro 
 
 (RAU), por violação do disposto nos artigos 65.º, 13.º e 18.º, n.º 2, da 
 Constituição da República Portuguesa (CRP).
 
                                     1.2. Após resposta da autora e prolação de 
 despacho de abstenção da selecção de matéria de facto assente e por provar, 
 fundado na simplicidade da causa, realizou‑se audiência de julgamento, finda a 
 qual foram dados como provados os seguintes factos:
 
                                     1) A sociedade autora é dona e legítima 
 possuidora do prédio urbano situado na Rua …de polícia, freguesia de São Pedro, 
 concelho do Funchal (…).
 
                                     2) O mencionado imóvel da autora é 
 constituído, além do mais, por uma pequena moradia, situada no r/c, com entrada 
 pela Rua do …., da freguesia de São Pedro, concelho do Funchal.
 
                                     3) Por documento de 30 de Setembro de 1966, 
 a autora deu de arrendamento, com destino à habitação, a C., essa moradia do seu 
 prédio.
 
                                     4) O arrendamento foi participado na então 
 
 1.ª Repartição de Finanças do Funchal.
 
                                     5) O dito C. era casado com D..
 
                                     6) O casal tinha uma filha, a aqui ré B..
 
                                     7) A renda mensal inicialmente estipulada 
 era de Esc. 950$00 e, no ano de 2000, cifrava‑se em Esc. 6910$00.
 
                                     8) Após a celebração do contrato de 
 arrendamento, mais concretamente a partir de 1 de Outubro de 1966, o casal 
 formado pelo arrendatário C. e pela D. passou a viver e conviver no locado com a 
 sua filha, a aqui ré B..
 
                                     9) Em 27 de Dezembro de 1969 morreu o 
 primitivo arrendatário C..
 
                                     10) Por morte deste, a posição de 
 arrendatário transmitiu‑se para a viúva, D..
 
                                     11) Em 28 de Janeiro de 2000, morreu a viúva 
 D..
 
                                     12) A morte da referida D. foi comunicada 
 pela aqui ré, B., à autora, por carta registada com aviso de recepção, recebida 
 por esta em 27 de Julho de 2000.
 
                                     13) Na sequência dessa carta da ré, a autora 
 denunciou aquele contrato de arrendamento, mediante o pagamento de uma 
 indemnização correspondente a 10 anos da renda em vigor, no montante total de 
 Esc. 829 200$00 (Esc. 6910$00 x 12 x 10), por carta registada enviada para a ré 
 em 19 de Agosto de 2000.
 
                                     14) A ré, por carta registada com aviso de 
 recepção recebida pela autora em 16 de Outubro de 2000, opôs‑se a tal denúncia 
 e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 89.º‑B do RAU, propôs uma nova 
 renda no montante de Esc. 50 000$00.
 
                                     15) Face ao que a autora, por carta 
 registada com aviso de recepção enviada para a ré em 7 de Novembro de 2000, e 
 por esta recebida em 13 de Novembro de 2000, optou pela denúncia do dito 
 contrato de arrendamento, agora mediante uma indemnização calculada com base 
 nesta renda de Esc. 50 000$00 proposta pela ré e correspondente a dez anos de 
 renda proposta, ou seja, do valor global de Esc. 6 000 000$00 (Esc. 50 000$00 x 
 
 12 x 10).
 
                                     16) Em 12 de Dezembro de 2000, a autora 
 pagou a importância de Esc. 3 000 000$00, correspondente a metade da aludida 
 indemnização, importância que esta então recebeu integralmente e de que prestou 
 quitação – assim reconhecendo e aceitando a cessação do mencionado arrendamento 
 por efeito da denúncia da senhoria e aqui autora.
 
                                     17) Por carta registada com aviso de 
 recepção de 16 de Julho de 2001, recebida pela ré em 19 de Julho de 2001, a 
 autora pediu à ré a restituição do locado, informando que no acto da entrega do 
 mesmo seria efectuado o pagamento de Esc. 3 000 000$00, respeitante à segunda 
 metade da dita indemnização e indicando o dia 17 de Agosto de 2001, pelas 15.00 
 horas, para a realização de tais operações.
 
                                     18) A ré não fez a entrega do locado à 
 autora na apontada oportunidade nem posteriormente.
 
                                     19) A ré é empregada doméstica.
 
                                     20) Actividade com a qual aufere o 
 vencimento mensal bruto de € 243,66.
 
                                     21) A ré não tem quaisquer bens imóveis.
 
                                     22) A ré tem três filhos, dos quais apenas 
 uma, a mais nova, E., continua a viver consigo na casa objecto dos presentes 
 autos.
 
                                     23) A referida filha da ré, E., é estudante, 
 encontrando‑se a frequentar o 12.º ano do liceu, bem como o Conservatório de 
 Música.
 
                                     24) O pai da E. contribui mensalmente com 
 uma quantia em dinheiro para o seu sustento.
 
                                     25) À excepção daquela ajuda, todo o 
 sustento da ré e da sua filha é assegurado pela ré.
 
                                     26) A ré é divorciada.
 
                                     27) A ré paga os estudos musicais da sua 
 filha, no valor de € 13,50 mensais.
 
                                     28) A ré suporta a quantia de € 34,47 que 
 vem depositando mensalmente na Caixa Geral de Depósitos, relativamente ao 
 arrendamento subjacente nos presentes autos.
 
                                     29) À data em que a ré propôs à autora uma 
 nova renda, no valor de Esc. 50 000$00, em Outubro de 2000, vivia ainda consigo, 
 para além da referida filha E., outro filho seu, F..
 
                                     30) Sendo que este último, trabalhando como 
 mecânico, contribuía para a economia familiar substancialmente.
 
                                     31) O referido filho da ré, F., já não vive 
 com a mesma.
 
                                     32) E, tendo as suas próprias despesas de 
 habitação, alimentação, etc., agora nada contribui para a economia da sua mãe, 
 aqui ré, e da sua referida irmã, E..
 
                                     33) A ré nasceu em 18 de Janeiro de 1951.
 
                                     34) O trabalho da ré e a escola da filha são 
 no centro do Funchal.
 
                                     35) No Funchal e arredores, uma habitação 
 correspondente às necessidades de habitação da ré e sua filha, ou seja, com 
 tipologia T2, aproxima‑se, pelo menos, do valor de compra de € 100 000,00, e do 
 valor de arrendamento mensal de € 500,00, ambos incomportáveis para a ré.
 
                                     36) Tais razões levaram a ré, logo que 
 ocorreu a denúncia do contrato de arrendamento por parte da autora, a contactar 
 os serviços de habitação social, quer da Câmara Municipal do Funchal, quer do 
 Instituto de Habitação da Madeira, junto de quem formulou e se encontra pendente 
 pedido de habitação social para si e sua filha E.
 
                                     37) Sem lhe ter sido, até à data, 
 disponibilizada habitação social.              
 
                                     38) A autora é dona de diversas habitações 
 existentes na mesma rua do imóvel em causa nos presentes autos – Rua … –, entre 
 si confinantes.
 
                                     39) Todas essas habitações estiveram 
 sujeitas a arrendamento habitacional e desde há longa data.
 
                                     40) Uma parte das mesmas encontra‑se livre e 
 desocupada.
 
                                     41) Todas as referidas habitações apresentam 
 um elevado grau de deterioração e são em si, além do mais, muito modestas.
 
                                     42) A sua localização é em pleno centro do 
 Funchal.
 
                                     43) O destino certo de todas as referidas 
 habitações será, nunca a sua reconstrução ou reparação, mas antes a sua 
 demolição global, para a realização de nova e maior construção.
 
                                     44) Tal projecto apenas poderá ser 
 empreendido mediante a libertação de todo esse conjunto de habitações, o que 
 está longe de acontecer.
 
                                     45) As habitações desocupadas encontram‑se 
 fechadas, sem utilização ou obras em curso.
 
                                     46) A autora tem prevista, para o conjunto 
 predial formado pelo prédio locado e outros prédios com ele confinantes de que é 
 proprietária, a construção de um amplo empreendimento imobiliário (destinado a 
 hotelaria e comércio).
 
                                     Com base nestes factos, a sentença de 15 de 
 Julho de 2004 do 3.º Juízo Cível do Funchal julgou a acção procedente e, em 
 consequência, declarou a cessação do contrato de arrendamento em causa, por 
 denúncia validamente realizada pela autora; condenou a ré a despejar 
 imediatamente o locado, contra o recebimento da importância de Esc. 3 000 000$00 
 
 (€ 14 963,94); e julgou improcedente, por não provado, o pedido de diferimento 
 da desocupação do locado formulado pela ré, indeferindo‑o.
 
                                     Para alcançar esta decisão, desenvolveu a 
 sentença a seguinte fundamentação:
 
  
 
                   “O artigo 85.º, n.ºs 1, alíneas a) e b), e 3, do RAU (Regime 
 do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 321‑B/90, de 15 de 
 Outubro) afasta a regra geral do artigo 1051.º, n.º 1, alínea d), do Código 
 Civil, segundo a qual o contrato de locação caduca com a morte do locatário, 
 permitindo a transmissão da posição contratual do arrendatário do primitivo 
 contratante para o seu cônjuge sobrevivo e, ainda, deste para descendente que 
 com ele convivesse há mais de um ano, considerada a data do óbito.
 
                   Pelo que era fundada a pretensão da ré em querer aceder à 
 posição contratual da arrendatária, sua mãe.
 
                   Comunicada ao senhorio a morte do primitivo arrendatário – o 
 que equivale à declaração de vontade de operar a transmissão da posição 
 contratual –, nos termos do artigo 89.º do RAU, a este restam duas opções.
 
                   Ou aceita a transmissão, mantendo‑se o arrendamento como antes 
 ou submetido ao regime de renda condicionada (artigo 87.º do RAU).
 
                   Ou denuncia o contrato, nos termos do artigo 89.º‑A do mesmo 
 diploma, ou seja, mediante o pagamento de uma indemnização correspondente a 10 
 anos de rendas.
 
                   Foi esta última opção que tomou a autora.
 
                   Fazendo‑o de forma regular e tempestiva.
 
                   Por sua vez, a ré opôs‑se, tal como lhe permitia a lei (artigo 
 
 89.º‑B, n.º 1, do RAU), propondo uma nova renda.
 
                   Mecanismo que visaria a manutenção do contrato em moldes mais 
 justos – porque a renda tenderia a aproximar‑se do real valor locativo – ou uma 
 mais justa indemnização – posto que o despejo se tornaria mais oneroso quanto 
 mais ajustada àquele valor fosse a renda.
 
                   Isto porque, perante a posição da ré, a autora podia, também 
 ela, optar (artigo 89.º‑B, n.º 2, do RAU).
 
                   Ou pela manutenção do arrendamento, com a nova renda proposta 
 pela ré.
 
                   Ou pela denúncia, pagando, agora, uma indemnização calculada 
 com base na nova renda proposta.
 
                   Foi esta última opção que tomou a autora.
 
                   Procedendo à denúncia com observância das formalidades legais, 
 incluindo o pagamento de metade da indemnização devida após a consolidação da 
 denúncia, pela qual optou, pagamento esse que a ré aceitou.
 
                   O que quer, então, a ré?
 
                   Aceitando o pagamento de metade da indemnização, a ré não 
 desocupou voluntariamente o locado e opôs‑se à presente acção, invocando a 
 inconstitucionalidade dos artigos 89.º‑A e 89.º‑B do RAU por não permitirem a 
 transmissão do arrendamento por morte do primitivo arrendatário, a não ser em 
 condições incomportáveis para pessoas de débil situação económica.
 
                   Desde logo, anote‑se que as pessoas referidas no artigo 85.º 
 do RAU não são titulares de um arrendamento mas, antes, titulares de um direito 
 
 à transmissão desse arrendamento em condições a negociar, nos termos 
 rigidamente demarcados pela lei, com o senhorio.
 
                   Senhorio esse que tem sempre a última palavra, em homenagem ao 
 princípio da liberdade contratual.
 
                   Embora a lei, atenta às expectativas jurídicas que os 
 potenciais transmissários do arrendamento possuem, condicione a extinção do 
 contrato por vontade do senhorio ao pagamento de uma indemnização que se 
 pretende justa.
 
                   Tal como Menezes Cordeiro (Colectânea de Jurisprudência – 
 Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano IV, tomo 1, p. 6), não se vê que a 
 solução adoptada mereça reparos constitucionais.
 
                   Repetindo‑se aqui o estafado argumento que não são os 
 proprietários particulares do parque habitacional quem tem de suportar o 
 encargo de prover às necessidades de habitação dos socialmente desfavorecidos.
 
                   Sem o que se criaria outra desigualdade: a de o senhorio do 
 inquilino pobre ser, tendencialmente, um senhorio pobre, enquanto o senhorio de 
 um inquilino rico ser, tendencialmente, um senhorio rico.
 
                   Aliás, no caso concreto, a actuação da ré constitui abuso de 
 direito já que aceitar o pagamento de parte da indemnização devida pela denúncia 
 e, depois, não restituir o locado e opor‑se à acção de despejo integra um 
 verdadeiro venire contra factum proprium.
 
                   Roçando a sua actuação processual a litigância de má fé.
 
                   No que respeita ao pedido de diferimento da desocupação, 
 também ele não procede.
 
                   Na verdade, a situação económica da ré, que é de facto débil, 
 será amplamente reforçada com o recebimento da indemnização paga pela autora, a 
 qual cobrirá, pelo menos, 5 anos de rendas aos valores reais do mercado de 
 arrendamento.
 
                   Acresce que a ré tem pendente o pedido de atribuição de casa 
 de habitação social, o qual, certamente, será privilegiado em caso de 
 procedência desta acção, pelo que não é de reputar razoável aquele lapso de 
 espera de 5 anos, apontado.
 
                   Com a ré vive apenas uma filha, estudante do último ano do 
 Ensino Complementar e, por consequência, a entrar na idade laboral, o que 
 reforçaria a capacidade económica do agregado.
 
                   Não há notícia de problemas de saúde.
 
                   A actuação contratual e processual da ré, como se assinalou 
 supra, não tem sido pautada pela boa fé.
 
                   Finalmente, a autora tem prevista para o local a construção de 
 um amplo empreendimento imobiliário e hoteleiro, o que faz indiciar que a 
 desocupação imediata do local não causa à ré prejuízo superior à vantagem 
 conferida à autora.
 
                   Razões pelas quais se entende que não se mostram reunidos os 
 pressupostos para o diferimento da desocupação do locado, a que se referem os 
 artigos 102.º, n.º 1, e 103.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do RAU.”
 
  
 
                                     1.3. Contra esta sentença apelou a ré para o 
 Tribunal da Relação de Lisboa, formulando, no final das respectivas alegações, 
 as seguintes conclusões:
 
  
 
 “a) São materialmente inconstitucionais os artigos 89.°‑A e 89.°‑B do RAU, por 
 violação dos artigos 65.°, 13.° e 18.°, n.º 2, todos da CRP, interpretados 
 conjuntamente, e porquanto o regime resultante das referidas normas do RAU:
 b) Estabelece um critério que, de forma clara e inequívoca, protege mais o 
 transmissário/inquilino que mais possibilidades económicas tem (nomeadamente 
 para efeitos de habitação), e menos o transmissário/inquilino que menos 
 possibilidades económicas tem;
 c) Estabelece um critério que apenas atende ao confronto, por natureza meramente 
 formal, entre a denúncia do senhorio / a proposta do transmissário / e a 
 resposta final do senhorio – sem atender, em termos de fundo, e ainda que de 
 forma mínima, à comparação entre a necessidade/beneficio para o senhorio em face 
 do sacrifício/possibilidades do transmissário;
 d) Estabelece um critério que, de forma totalmente alheia à efectiva e concreta 
 disponibilização de habitação social para os mais desfavorecidos, permite a 
 cessação de soluções habitacionais há muito duradouras, sobretudo para esses 
 mesmos mais desfavorecidos (porque tendo menos posses para a proposta de nova 
 renda), aqueles justamente perante quem a obrigação do Estado em garantir 
 habitação é maior;
 e) Admitindo, por mera hipótese, que assim se não entenda, sempre se verifica, 
 pelo menos, a inconstitucionalidade, por violação das mesmas regras 
 constitucionais, da interpretação dos referidos normativos do RAU, feita pelo 
 Tribunal a quo, segundo a qual se considera procedente o despejo, na sequência 
 de denúncia efectuada pelo senhorio por morte do primitivo inquilino, mediante o 
 pagamento de € 29 927,87 ao destinatário da denúncia e do despejo, sendo este 
 uma empregada doméstica com 53 anos de idade, auferindo € 243,66 por mês, para 
 seu sustento e de uma filha, estudante, que consigo vive, não tendo quaisquer 
 bens imóveis, e para quem se verifica ser incomportável o valor quer de compra 
 
 (€ 100 000,00), quer de arrendamento (€ 500,00 por mês) de nova habitação, e à 
 qual não foi ainda disponibilizada habitação social;
 f) As inconstitucionalidades ora apontadas podem e devem ser conhecidas por 
 esse Tribunal (artigo 207.° da CRP), com as devidas e legais consequências, a 
 saber, a absolvição da ré dos pedidos contra si formulados pela autora.”
 
  
 
                                     1.4. Ao recurso foi negado provimento pelo 
 acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de Maio de 2005, que, após 
 transcrição dos artigos 89.º, 89.º‑A e 89.º‑B do RAU e 13.º, 18.º, n.º 2, e 65.º 
 da CRP, desenvolveu a seguinte argumentação jurídica:
 
  
 
                   “Dois tipos de inconstitucionalidades são levantadas pela ré.
 
                   Uma, a inconstitucionalidade material das citadas normas do 
 RAU:
 
                   «O RAU estabelece um critério que, de forma clara e 
 inequívoca, protege mais o transmissário/inquilino que mais possibilidades 
 económicas tem – nomeadamente, para efeitos de habitação – e menos o 
 transmissário inquilino que menos possibilidades económicas tem;
 
                   Apenas atende ao confronto, por natureza meramente formal, 
 entre a denúncia do senhorio / a proposta do transmissário / e a resposta final 
 do senhorio – sem atender, em termos de fundo, e ainda que de forma mínima, à 
 comparação entre a necessidade/benefício para o senhorio em face do 
 sacrifício/possibilidades do transmissário;
 De forma totalmente alheia à efectiva e concreta disponibilização de habitação 
 social para os mais desfavorecidos, permite a cessação de soluções habitacionais 
 há muito duradouras, sobretudo para esses mesmos mais desfavorecidos – porque 
 tendo menos posses para a proposta de nova renda –, aquelas justamente perante 
 quem a obrigação do Estado em garantir habitação é maior.»
 Outra, respeitante à concreta interpretação e aplicação dos normativos do RAU:
 
 «Admitindo, por mera hipótese, que assim se não entenda, sempre se verifica, 
 pelo menos, a inconstitucionalidade, por violação das mesmas regras 
 constitucionais, da interpretação dos referidos normativos do RAU, feita pelo 
 Tribunal a quo, segundo a qual se considera procedente o despejo, na sequência 
 de denúncia efectuada pelo senhorio, por morte do primitivo inquilino, mediante 
 o pagamento de € 29 927,87 ao destinatário da denúncia e do despejo, sendo este 
 uma empregada doméstica com 53 anos de idade, auferindo € 243,66 por mês, para 
 seu sustento e de uma filha, estudante, que consigo vive, não tendo quaisquer 
 bens imóveis e para quem se verifica ser incomportável o valor quer de compra – 
 
 € 100 000,00 –, quer de arrendamento – € 500,00, por mês – de nova habitação, e 
 
 à qual não foi ainda disponibilizada habitação social.»
 Quanto à primeira, mantém‑se actual a decisão do Tribunal Constitucional, 
 expressa no Acórdão de 1 de Outubro de 1992 – publicitado em 
 
 www.dgsi.pt.atcol.nsf/9 –, do seguinte teor:
 
  
 
 «Não existe qualquer exigência constitucional impondo à lei ordinária o dever de 
 consagrar uma transmissão sucessiva e ilimitada da posição jurídica de 
 arrendatário mortis causa, sendo manifesto que a norma do artigo 65.° da 
 Constituição não obriga a semelhante entendimento, mesmo quando se entenda que 
 o direito à habitação deve prevalecer sobre o direito de uso e disposição da 
 propriedade privada.»
 
  
 Quanto à segunda constitucionalidade arguida:
 Pensamos que não assiste razão à recorrente.
 Senão vejamos.
 O facto de a ré ser empregada doméstica, ter 53 anos de idade e auferir o 
 ordenado mensal de € 243,66, não é impeditivo da ratificação da denúncia do 
 contrato de arrendamento, legalmente operada.
 O valor da indemnização recebida e a receber acautela o interesse, também 
 legítimo, da ré de ter uma habitação.
 O legislador equiparou, e bem, a situação da ré à de um inquilino sujeito a uma 
 renda condicionada.
 Se o senhorio mantiver a vontade de denunciar o contrato de arrendamento, terá 
 que se sujeitar à contraproposta da ré – o que aconteceu, tendo a proposta da ré 
 sido no valor de € 250 mensais – e a indemnização é calculada com base nesse 
 montante e no total de 10 anos de renda.
 Há que convir ser esta solução legislativa equilibrada, pois a renda 
 condicionada é a que mais se aproxima dos valores do mercado habitacional, 
 decorrentes da oferta e procura, e permite que se arbitre a favor do inquilino 
 uma indemnização equitativa e que proporciona a este os meios económicos 
 suficientes para assegurar o direito à habitação que a Constituição da República 
 Portuguesa lhe reconhece.
 Sabendo‑se que há que conciliar o analisado direito à habitação do inquilino com 
 o direito de propriedade do senhorio, compete também ao Estado intervir, nos 
 termos que o artigo 65.° da CRP enuncia e, com a urgência possível, 
 disponibilizar à ré uma habitação social, que tenha em consideração a sua 
 situação pessoal e económica.
 Significa isto que reputamos de constitucional a interpretação do RAU feita pelo 
 Tribunal a quo.
 Contudo, impõe‑se o diferimento da restituição do locado, a aferir pelo Tribunal 
 da 1.ª Instância, em concreto, e em conformidade com a resposta do Estado ao 
 pedido já deduzido pela ré, no sentido de lhe ser atribuída uma habitação 
 social, interesse esse que se sobrepõe ao da autora de dispor, de imediato, do 
 imóvel em questão – artigos 103.° n.ºs 1, alínea b), e 2, do RAU.”
 
  
 
                                     Pelos fundamentos expostos, o Tribunal da 
 Relação de Lisboa decidiu: (i) julgar conformes à CRP os normativos em apreço 
 do RAU e a interpretação feita dos mesmos pelo Tribunal a quo, declarando-se 
 cessado o contrato de arrendamento, por denúncia validamente realizada pela 
 autora; (ii) condenar a ré a despejar o locado, contra o recebimento da 
 importância de Esc. 3 000 000$00 (€ 14 963,94); e (iii) diferir, porém, a 
 restituição do locado, nos termos dos artigos 103.º, n.ºs 1 e 2, do RAU, sendo o 
 prazo do diferimento a aferir pelo Tribunal da 1.ª Instância, em concreto, em 
 consonância com a resposta do Estado ao pedido já deduzido pela ré para que lhe 
 seja atribuída uma habitação social.
 
  
 
                                     1.5. A recorrente requereu a aclaração do 
 anterior acórdão, aduzindo:
 
  
 
                   “1 – Na parte decisória do referido Acórdão desta Relação – c) 
 
 – foi decidido que o prazo do diferimento seria aferido pelo Tribunal da 1.ª 
 Instância, em concreto e em consonância com a resposta do Estado ao pedido já 
 deduzido pela ré para que lhe seja atribuída uma habitação social;
 
                   2 – O Estado, porém, poderá demorar mais do que o ano de 
 diferimento máximo, previsto no artigo 104.º do RAU, como, aliás, se vem 
 verificando;
 
 3 – Nesse caso, não ficou claro, salvo o devido respeito, se o Tribunal de 1.ª 
 Instância poderá, ou não, alargar o prazo de diferimento, em consonância com a 
 resposta do Estado, para além do prazo de 1 ano previsto no artigo 104.º do RAU;
 Sendo, precisamente, este o aspecto que pelo presente requerimento se pretende e 
 espera ver esclarecido.”
 
  
 
                                     Sobre esse pedido de aclaração recaiu o 
 acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de Junho de 2005, onde se 
 expendeu:
 
  
 
                   “A recorrente e ré nos autos quer que o Tribunal esclareça se 
 o diferimento do despejo pode, ou não, ultrapassar o prazo de um ano, pelas 
 razões acima aduzidas.
 
                   Dispõe o artigo 104.º do RAU que:
 
  
 
                   «1 – O diferimento da desocupação por razões sociais não pode 
 exceder o prazo máximo de um ano, a contar da data do trânsito em julgado da 
 sentença que tenha decretado o despejo.
 
                   2 – O prazo referido no número anterior absorve quaisquer 
 outros diferimentos permitidos por leis gerais ou especiais.»
 
  
 
                   O diferimento do despejo está regulado no normativo supra 
 enunciado, que não permite duas interpretações.
 
                   O n.º 2 do artigo 104.º do RAU é peremptório no sentido de que 
 o prazo de um ano é o limite máximo para o diferimento da desocupação.
 Significa isto que o Tribunal a quo não pode diferir o despejo para além do 
 prazo legalmente previsto de um ano.
 DECISÃO. 
 Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação, com o 
 esclarecimento acima efectuado, mantêm o antes decidido por este mesmo Tribunal 
 da Relação de Lisboa.”
 
  
 
                                     1.6. É contra o acórdão do Tribunal da 
 Relação de Lisboa, de 12 de Maio de 2005, que por B. vem interposto o presente 
 recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por 
 
 último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver 
 apreciada a inconstitucionalidade, por violação dos artigos 65.º, 13.º e 18.º, 
 n.º 2, da CRP: (i) em primeiro lugar, das normas dos artigos 89.º‑A e 89.º‑B do 
 RAU, cuja inconstitucionalidade foi suscitada pela recorrente nas alegações da 
 sua apelação; e (ii) em segundo lugar, da norma do artigo 104.º do RAU, cuja 
 inconstitucionalidade só no requerimento de interposição de recurso é suscitada, 
 por a norma em causa ter sido aplicada, pela primeira vez nos autos, pelo 
 acórdão recorrido, ao que acresce que “a resposta negativa que o Tribunal da 
 Relação dá quanto à invocada inconstitucionalidade dos artigos 89.º‑A e 89.º‑B 
 do RAU afigura‑se indissociável da aplicação que o mesmo faz do artigo 104.º do 
 RAU”.
 
                                     No Tribunal Constitucional, o relator, no 
 despacho em que determinou a apresentação de alegações, consignou que as partes 
 se deviam pronunciar, querendo, “sobre a eventualidade de vir a entender‑se 
 excluir do objecto do recurso a questão de inconstitucionalidade reportada à 
 norma do artigo 104.º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo 
 Decreto‑Lei n.º 321‑B/90, de 15 de Outubro (RAU), por falta do requisito de 
 admissibilidade específico dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, consistente na ónus de 
 arguição, pelo recorrente, perante o tribunal recorrido, antes da prolação da 
 decisão impugnada, da inconstitucionalidade da norma que nela veio a ser 
 aplicada”, uma vez que “tal requisito só se pode considerar dispensado quando a 
 decisão recorrida tiver procedido à aplicação de determinada norma de modo 
 insólito, inesperado ou anómalo (decisão‑surpresa), em termos de não ser 
 razoável exigir ao recorrente a prévia suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade dessa interpretação normativa, situação que pode vir a 
 entender‑se não ocorrer no presente caso, em que era previsível a aplicação da 
 citada norma, dado que foi a ora recorrente quem requereu, embora a título 
 subsidiário, o diferimento da desocupação do local arrendado com fundamento 
 nos artigos 102.º e seguintes do RAU (cf. contestação de fls. 72 a 82), o que 
 foi expressamente indeferido pela sentença apelada (fls. 176 a 180), vindo a 
 ser deferido pelo acórdão ora recorrido (fls. 233 a 250), que procedeu a mera 
 interpretação literal do preceito em causa”.
 
  
 
                                     1.7. A recorrente apresentou alegações, no 
 termo das quais formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
 “a) Quanto à questão prévia, da admissibilidade de apreciação da 
 constitucionalidade do artigo 104.º do RAU, verifica‑se que a mesma só agora 
 pôde ser suscitada, em face do teor do Acórdão da Relação de Lisboa, na medida 
 em que:
 
 – por um lado, sendo certo que os recursos apenas servem para reapreciar as 
 questões que já hajam sido objecto de apreciação, verifica‑se que o artigo 104.º 
 do RAU não foi aplicado pelo Tribunal de Primeira Instância, apenas o sendo, 
 agora, pelo Tribunal da Relação;
 
 – por outro lado, a resposta negativa que o Tribunal da Relação dá quanto à 
 invocada inconstitucionalidade dos artigos 89.º-A e 89.º-B do RAU afigura-se 
 indissociável da aplicação que o mesmo faz do artigo 104.º do RAU;
 b) Assim sendo, quer por se tratar de questão nova, quer por se mostrar 
 associada à decisão do Tribunal da Relação quanto à questão da 
 inconstitucionalidade já suscitada, também deverá agora conhecer‑se da 
 conformidade ou não do disposto no artigo 104.º do RAU com o disposto nos 
 artigos 65.º, 13.º e 18.º, n.º 2, da CRP;
 c) Quanto ao fundo da questão, pelo Tribunal da Relação de Lisboa foi 
 desatendida a questão da inconstitucionalidade dos artigos 89.º‑A e 89.º‑B do 
 RAU suscitada pela recorrente, sendo em abono do respectivo entendimento 
 invocado o Acórdão do Tribunal do Constitucional de 1 de Outubro de 1992;
 d) Porém, nunca foi colocada pela recorrente a questão de uma transmissão 
 ilimitada da posição do arrendatário, a qual, com toda a propriedade, e no 
 referido Acórdão, esse Tribunal Constitucional afastou, tendo a recorrente 
 discutido, isso sim, o modo pelo qual e as condições em que opera a denúncia 
 impeditiva da transmissão, modo e condições que não podem deixar de condicionar 
 a actuação do Estado;
 e) Tal discussão terá na sua base o princípio da necessária harmonização entre 
 os direitos em colisão, de propriedade do senhorio e de habitação do inquilino, 
 harmonização ou concordância prática estas que impõem ao Estado uma obrigação 
 efectiva de prestação de habitação ao inquilino carenciado, quando esta deva 
 ceder perante o direito de propriedade do senhorio, e obrigação essa do Estado 
 que só em caso de impossibilidade poderá incumprir;
 f) Ora, não é mediante o simples diferimento por um ano, a aguardar a eventual 
 disponibilização de habitação do Estado, que se mostram conciliados os direitos 
 em conflito, de propriedade e de habitação;
 g) É que, no caso de o Estado não cumprir com a sua obrigação no prazo de um 
 ano, se trata da pura e simples ablação absoluta do direito de habitação do 
 inquilino em prol do direito de propriedade do senhorio, apenas adiado por 
 aquele prazo, e ablação essa constitucionalmente inadmissível, porquanto 
 inexiste hierarquia entre os referidos dois direitos, obrigando, reitera‑se, à 
 respectiva harmonização;
 h) Neste aspecto reside a inconstitucionalidade do artigo 104.º do RAU, tal como 
 aplicado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em conjugação com os artigos 89.º-A 
 e 89.º-B do RAU,
 i) Normativos estes que são materialmente inconstitucionais, por violação dos 
 artigos 65.º, 13.º e 18.º, n.º 2, todos da CRP, interpretados conjuntamente, e 
 porquanto o regime resultante dos mesmos:
 j) Estabelece um critério que, de forma clara e inequívoca, protege mais o 
 transmissário/inquilino que mais possibilidades económicas tem (nomeadamente 
 para efeitos de habitação), e menos o transmissário/inquilino que menos 
 possibilidades económicas tem;
 k) Estabelece um critério que apenas atende ao confronto, por natureza meramente 
 formal, entre a denúncia do senhorio / a proposta do transmissário / e a 
 resposta final do senhorio – sem atender, em termos de fundo, e ainda que de 
 forma mínima, à comparação entre a necessidade/benefício para o senhorio em face 
 do sacrifício/possibilidades do transmissário;
 l) Estabelece um critério que, de forma totalmente alheia à efectiva e concreta 
 disponibilização de habitação social para os mais desfavorecidos, permite a 
 cessação de soluções habitacionais há muito duradouras, sobretudo para esses 
 mesmos mais desfavorecidos (porque tendo menos posses para a proposta de nova 
 renda), aqueles justamente perante quem a obrigação do Estado em garantir 
 habitação é maior;
 m) Admitindo por mera hipótese que assim se não entenda, sempre se verifica, 
 pelo menos, a inconstitucionalidade, por violação das mesmas regras 
 constitucionais, da interpretação dos referidos normativos do RAU, feita pelo 
 Tribunal a quo, segundo a qual se considera procedente o despejo, na sequência 
 de denúncia efectuada pelo senhorio por morte do primitivo inquilino mediante o 
 pagamento de € 29 927,87 ao destinatário da denúncia e do despejo, sendo este 
 uma empregada doméstica com 53 anos de idade, auferindo € 243,66 por mês, para 
 seu sustento e de uma filha, estudante, que consigo vive, não tendo quaisquer 
 bens imóveis, e para quem se verifica ser incomportável o valor quer de compra 
 
 (€ 100 000,00), quer de arrendamento (€ 500,00 por mês) de nova habitação, e à 
 qual não foi ainda disponibilizada habitação social;
 n) As inconstitucionalidades ora apontadas podem e devem ser conhecidas por 
 esse Tribunal (artigo 207.º da CRP), com as devidas e legais consequências, a 
 saber, a absolvição da ré dos pedidos contra si formulados pela autora.”
 
  
 
                                     1.8. A autora, ora recorrida, contra‑alegou, 
 considerando inadmissível o recurso tendo por objecto a norma do artigo 104.º do 
 RAU e propugnando o improvimento do mesmo na parte relativa às normas dos artigo 
 
 89.º‑A e 89.º‑B do RAU, caso se entenda que a recorrente procedeu à adequada 
 identificação da interpretação dessas normas cuja conformidade constitucional 
 pretende ver apreciada.
 
  
 
                                     Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                                     2. Fundamentação
 
                                     2.1. Pelas razões já apontadas no despacho 
 do relator atrás transcrito, não há que conhecer da questão da 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 104.º do RAU, por não ter sido 
 suscitada pela recorrente antes de proferida a decisão recorrida, sendo certo 
 que, por um lado, a interpretação feita desse preceito, correspondendo ao seu 
 sentido literal, nada tem de anómalo, e, por outro lado, a aplicabilidade do 
 regime do diferimento do despejo foi preconizada pela própria recorrente, pelo 
 que a aplicação da norma em causa nada tem de inesperado.
 
                                     Aliás, nem sequer no pedido de aclaração do 
 acórdão ora recorrido (apesar se esse já não constituir momento idóneo para o 
 efeito) a recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma em 
 causa.
 
  
 
                                     2.2. Dispõem os artigos 89.º, 89.º‑A e 
 
 89.º‑B do RAU:
 
  
 
                   “Artigo 89.º (Comunicação ao senhorio)
 
 1 – O transmissário não renunciante deve comunicar ao senhorio, por carta 
 registada com aviso de recepção, a morte do primitivo arrendatário ou do 
 cônjuge sobrevivo, enviada nos 180 dias posteriores à ocorrência. (redacção do 
 Decreto‑Lei n.º 278/93, de 10 de Agosto).
 
 2 – A comunicação referida no número anterior deve ser acompanhada dos 
 documentos autênticos ou autenticados que comprovem os direitos do 
 transmissário.
 
 3 – A inobservância do disposto nos números anteriores não prejudica a 
 transmissão do contrato mas obriga o transmissário faltoso a indemnizar por 
 todos os danos derivados da omissão. [Este n.º 3 foi revogado pelo Decreto‑Lei 
 n.º 278/93, mas o Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 410/97, declarou 
 inconstitucional, com força obrigatória geral, por violação do disposto na 
 alínea h) do n.º 1 do artigo 168.º da CRP, a norma do artigo 1.º do 
 Decreto‑Lei n.º 278/93, na parte em que eliminou o n.º 3 do artigo 89.º do RAU].
 
  
 Artigo 89.º‑A (Denúncia pelo senhorio)
 
 1 – Nos casos referidos no artigo 87.° [contratos transmitidos para 
 descendentes com mais de 26 anos de idade e menos de 65, para ascendentes com 
 menos de 65 anos e afins na linha recta, nas mesmas condições, a que é 
 aplicável o regime de renda condicionada – n.º 1 –, regime extensivo aos 
 contratos transmitidos para descendentes ou afins menores de 26 anos quando 
 completem aquela idade e desde que haja decorrido um ano sobre a morte do 
 arrendatário – n.º 2], e em alternativa à aplicação do regime de renda 
 condicionada aí prevista, pode o senhorio optar pela denúncia do contrato, 
 pagando uma indemnização correspondente a 10 anos de renda, sem prejuízo dos 
 direitos do arrendatário a indemnização por benfeitorias e de retenção, nos 
 termos gerais.
 
 2 – A denúncia é feita por carta registada, com aviso de recepção, no prazo de 
 
 30 dias após a recepção da comunicação prevista da morte do primitivo 
 arrendatário ou do cônjuge sobrevivo, ou da comunicação prevista no n.º 3 do 
 artigo 87.° [comunicação da data em que completa 26 anos, que o transmissário 
 referido no n.º 2 deve fazer ao senhorio, por declaração escrita, com a 
 antecedência mínima de 30 dias], conforme os casos.
 
 3 – Presume-se a aceitação da denúncia quando não haja oposição nos termos do 
 artigo seguinte.
 
  
 
                   Artigo 89.º‑B (Oposição do arrendatário)
 
 1 – O arrendatário pode opor‑se à denúncia propondo uma nova renda, por carta 
 registada com aviso de recepção, no prazo de 60 dias após a recepção da 
 comunicação referida no artigo anterior.
 
 2 – Recebida a oposição, deve o senhorio, no prazo de 30 dias, optar pela 
 manutenção do contrato com a renda proposta ou pela denúncia, mas então com uma 
 indemnização calculada na base da renda proposta pelo arrendatário.”
 
  
 
                                     Estes artigos 89.º‑A e 89.º‑B foram aditados 
 pelo Decreto‑Lei n.º 278/93, editado ao abrigo da autorização legislativa, 
 concedida ao Governo pela Lei n.º 14/93, de 14 de Maio, para legislar no domínio 
 do regime jurídico do arrendamento para fins habitacionais, com o sentido e a 
 extensão constantes do seu artigo 2.º, designadamente no sentido de 
 
 “possibilitar a denúncia dos contratos de arrendamento para habitação a cuja 
 transmissão seja aplicável a alteração do regime de renda previsto no artigo 
 
 87.º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 321‑B/90, 
 de 15 de Outubro, mediante o pagamento de uma indemnização igual a 10 anos de 
 renda, praticada à data da transmissão, sem prejuízo de o arrendatário poder 
 propor um novo valor de renda que, caso não seja aceite para efeitos de 
 continuação do contrato, relevará para cálculo da indemnização referida” (alínea 
 d)), pelo que, quanto a estas alterações, não se coloca o problema de falta de 
 credencial parlamentar que determinou a declaração de inconstitucionalidade 
 proferida pelo referido Acórdão n.º 410/97.
 
                                     Justificando a introdução desta 
 possibilidade de denúncia do contrato, lê‑se no preâmbulo do Decreto‑Lei n.º 
 
 278/93:
 
  
 
                   “2. Mais delicado do que dispor para o futuro é alterar o 
 regime dos arrendamentos já constituídos. E, no entanto, é neste âmbito que se 
 encontram os principais factores de constrangimento na legislação do 
 arrendamento, os maiores problemas sociais e a principal causa da degradação de 
 tão larga parcela do nosso património imobiliário urbano.
 
                   Reconhecendo isso, o Regime do Arrendamento Urbano já limitou 
 os casos de transmissão do arrendamento por morte do arrendatário. Consagra‑se 
 agora uma alternativa à transmissão para descendentes com mais de 26 e menos de 
 
 65 anos, para ascendentes com menos de 65 anos e para afins na linha recta nas 
 mesmas condições, traduzida numa indemnização correspondente a 10 anos de 
 renda. Para tutelar os beneficiários da transmissão, permite‑se que estes se 
 possam opor a essa pretensão, oferecendo um novo montante para a renda. Caso 
 esta não seja aceite, a indemnização aos inquilinos terá esse valor na sua base. 
 A solução é equilibrada, já que o despejo se torna tanto mais oneroso quanto 
 mais justa é a renda. E, quanto maior for a indemnização, mais facilmente poderá 
 o transmissário do direito ao arrendamento prover, de forma alternativa, à sua 
 necessidade de alojamento. Refira‑se, por outro lado, que o montante daquela 
 indemnização não é tributável em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas 
 singulares.”
 
  
 
                                     2.3. O artigo 65.º da CRP – norma que a 
 recorrente considera violada pelo critério normativo seguido pelo acórdão 
 recorrido – proclama que “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma 
 habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que 
 preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar” (n.º 1), incumbindo ao 
 Estado, “para assegurar o direito à habitação” (n.º 2): (i) “programar e 
 executar uma política de habitação inserida em planos de reordenamento geral do 
 território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma 
 rede adequada de transportes e de equipamento social” (alínea a)); (ii) 
 
 “promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a 
 construção de habitações económicas e sociais” (alínea b)); (iii) “estimular a 
 construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação 
 própria ou arrendada” (alínea c)); “incentivar e apoiar as iniciativas das 
 comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos 
 problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a 
 autoconstrução” (alínea d)), para além de o Estado dever adoptar “uma política 
 tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar 
 e de acesso à habitação própria” (n.º 3), e de o Estado, as regiões autónomas e 
 as autarquias locais deverem definir “as regras de ocupação, uso e transformação 
 dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no 
 quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo” e 
 proceder “às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de 
 fins de utilidade pública urbanística” (n.º 4).
 
                                     O Tribunal Constitucional já foi chamado, 
 por diversas vezes, a apreciar a conformidade de diversos aspectos do regime 
 legal do arrendamento para habitação – designadamente quanto à sua transmissão 
 por morte do primitivo arrendatário – com os comandos do artigo 65.º da CRP.
 
                                     No Acórdão n.º 101/92 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 21.º vol., p. 381), que não julgou inconstitucional a norma do 
 artigo 1111.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção do Decreto‑Lei n.º 328/81, de 
 
 4 de Dezembro, que restringiu a transmissão do arrendamento por morte do 
 arrendatário ao cônjuge do primitivo arrendatário e aos parentes ou afins deste 
 na linha recta, ponderou‑se:
 
  
 
                   “O direito à habitação consagrado neste normativo [artigo 65.º 
 da CRP], tal como outros direitos sociais, apresenta uma dupla natureza: (1) de 
 um lado, consiste no direito de não ser arbitrariamente privado da habitação ou 
 de não ser impedido de conseguir uma, revestindo então a forma de «direito 
 negativo», ou seja, de direito de defesa, determinando um dever de abstenção do 
 Estado e de terceiros, apresentando‑se, nessa medida, como um direito análogo 
 aos «direitos, liberdades e garantias» (cf. artigo 17.º); (2) de outro lado, o 
 direito à habitação consiste no direito de a obter, traduzindo-se na exigência 
 das medidas e prestações estaduais adequadas a realizar tal objectivo. Neste 
 sentido, constitui um verdadeiro e próprio «direito social», implicando enquanto 
 tal determinadas obrigações positivas do Estado (n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 65.º), 
 que conferem àquele a natureza de direito positivo que justifica e legitima a 
 pretensão do cidadão a determinadas prestações (cf. Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., 2.ª ed., pp. 
 
 345 e 346).
 
                   A norma cuja constitucionalidade vem questionada retomou, após 
 o interregno provocado pelo Decreto‑Lei n.º 293/77, a orientação definida pela 
 Lei n.º 2030 e mantida pelo Código Civil de 1967, segundo a qual a transmissão 
 mortis causa da posição jurídica de arrendatário só se verifica em relação ao 
 primitivo arrendatário ou ao seu cessionário, e não já em relação a qualquer 
 outra pessoa a quem tenha sido transmitido, por morte, o respectivo direito.
 
                   Todavia, se é certo que o preceito em causa, na sua actual 
 redacção, se deve considerar mais limitativo da transmissão ex lege do 
 arrendamento por morte do arrendatário do que o regime definido pelo Decreto‑Lei 
 n.º 293/77, ainda assim, não pode, por tal facto, falar‑se a seu respeito de 
 inconstitucionalidade.
 
                   Com efeito, a vertente mais significativa do direito à 
 habitação enquanto «direito económico, social e cultural» contém-se na sua 
 dimensão positiva, isto é, no direito dos cidadãos às medidas e prestações 
 estaduais adequadas à concretização do objectivo ali enunciado – o direito a 
 obter uma habitação adequada e condigna à realização da condição humana, em 
 termos de preservar a intimidade pessoal e a privacidade familiar. Gomes 
 Canotilho e Vital Moreira (cf. ob. e loc. cit.) a este respeito assinalam que «o 
 incumprimento por parte do Estado e demais entidades públicas das obrigações 
 constitucionais (...) indicadas constitui uma omissão inconstitucional, e pode 
 e deve desencadear os mecanismos da inconstitucionalidade por omissão (artigo 
 
 283.°)».
 
                   Ao contrário, a chamada dimensão negativa do direito à 
 habitação traduz‑se num mero dever de abstenção do Estado e de terceiros em 
 ordem a não praticarem actos que possam prejudicar a efectiva realização daquele 
 direito.
 
                   Ora, no plano desta vertente do direito à habitação não pode 
 aceitar‑se como constitucionalmente exigível que a realização daquele direito 
 esteja dependente de limitações intoleráveis e desproporcionadas de direitos de 
 terceiros (que não o Estado), direitos esses, porventura também 
 constitucionalmente consagrados, como sucede, aliás, com o direito de 
 propriedade privada, elencado no título constitucional correspondente aos 
 direitos económicos, sociais e culturais.
 
                   Escreveu‑se a este propósito no acórdão recorrido, que «o 
 facto de a Constituição reconhecer a todos o direito à habitação não implica que 
 os proprietários de casas tenham de entregá‑las a quem as não tem e muito menos 
 que o tenham de fazer para todo o sempre, como se os seus verdadeiros donos 
 fossem os respectivos arrendatários e seus sucessores (…)».
 
                   Na verdade, não existe qualquer exigência constitucional 
 impondo à lei ordinária o dever de consagrar uma transmissão sucessiva e 
 ilimitada da posição jurídica de arrendatário mortis causa, sendo manifesto que 
 a norma do artigo 65.º da Constituição não obriga a semelhante entendimento, 
 mesmo quando se entenda que o direito à habitação deve prevalecer sobre o 
 direito de uso e disposição da propriedade privada.
 A isto acresce que a solução consagrada na norma sob controvérsia garante um 
 quadro de transmissão do arrendamento no qual se contempla e protege 
 suficientemente a dimensão social mais premente do direito à habitação, 
 acautelando os interesses do cônjuge sobrevivo e dos parentes ou afins na linha 
 recta do de cujus, os quais, aliás, beneficiam, em certos casos, do regime de 
 rendas subsidiadas instituído pela Lei n.º 46/85.
 Há‑de dizer-se que, neste domínio de particular sensibilidade social, uma 
 dialéctica fundada nos interesses conflituantes que aqui se colocam (os do 
 inquilino e do direito à habitação e os do senhorio e do direito de uso e 
 disposição da propriedade privada), pode conduzir a opções de política 
 legislativa diversas daquela que hoje se contêm na norma do artigo 1111.º do 
 Código Civil. Simplesmente, deve reconhecer‑se que a solução vigente poderá 
 sofrer contestação neste domínio mas não já seguramente por vício de violação do 
 artigo 65.º da Constituição.”
 
  
 
                                     No Acórdão n.º 131/92 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 21.º vol., p. 505), que não julgou inconstitucionais as normas 
 dos artigos 1096.º, n.º 1, alínea a), primeira parte, 1097.º e 1098.º do Código 
 Civil, respeitantes à denúncia do contrato de arrendamento para habitação pelo 
 senhorio, ponderou‑se (no mesmo sentido, cf. o Acórdão n.º 151/92, obra e vol. 
 citados, p. 647):
 
  
 
                   “O «direito à habitação», ou seja, o direito a ter uma morada 
 condigna, como direito fundamental de natureza social, situado no Capítulo II 
 
 (direitos e deveres sociais) do Título III (direitos e deveres económicos, 
 sociais e culturais) da Constituição, é um direito a prestações. Ele implica 
 determinadas acções ou prestações do Estado, as quais, como já foi salientado, 
 são indicadas nos n.ºs 2 a 4 do artigo 65.º da Constituição (cf. J. J. Gomes 
 Canotilho, Direito Constitucional, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, 1991, pp. 
 
 680‑682). Está‑se perante um direito cujo conteúdo não pode ser determinado ao 
 nível das opções constitucionais, antes pressupõe uma tarefa de concretização e 
 de mediação do legislador ordinário, e cuja efectividade está dependente da 
 chamada «reserva do possível» (Vorbehalt des Möglichen), em termos políticos, 
 económicos e sociais [cf. J. J. Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e 
 Vinculação do Legislador, Coimbra, Coimbra Editora, 1982, p. 365, e Tomemos a 
 Sério os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, Separata do Número Especial 
 do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – Estudos em 
 Homenagem ao Prof. Doutor António de Arruda Ferrer Correia – 1984, Coimbra, 
 
 1989, p. 26; J. C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição 
 Portuguesa de 1976 (reimpressão), Coimbra, Almedina, 1987, pp. 199 ss. e 343 
 ss.].
 
                   O direito à habitação, como um direito social que é, quer seja 
 entendido como um direito a uma prestação não vinculada, recondutível a uma mera 
 pretensão jurídica (cf. J. C. Vieira de Andrade, ob. cit., pp. 205 e 209) ou, 
 antes, como um autêntico direito subjectivo inerente ao espaço existencial do 
 cidadão (cf. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, cit., p. 680), não 
 confere a este um direito imediato a uma prestação efectiva, já que não é 
 directamente aplicável, nem exequível por si mesmo.
 
                   O direito à habitação tem, assim, o Estado – e, igualmente, as 
 regiões autónomas e os municípios – como único sujeito passivo – e nunca, ao 
 menos em princípio, os proprietários de habitações ou os senhorios. Além disso, 
 ele só surge depois de uma interpositio do legislador, destinada a concretizar o 
 seu conteúdo, o que significa que o cidadão só poderá exigir o seu cumprimento, 
 nas condições e nos termos definidos pela lei. Em suma: o direito fundamental à 
 habitação, considerando a sua natureza, não é susceptível de conferir por si 
 mesmo ao arrendatário um direito, jurisdicionalmente exercitável, de impedir que 
 o senhorio denuncie o contrato de arrendamento quando necessitar do prédio para 
 sua habitação.
 
                   Estas considerações são suficientes para demonstrar que a 
 norma da primeira parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 1096.º, bem como as dos 
 artigos 1097.º e 1098.º, todos do Código Civil, nunca poderão infringir o 
 disposto no artigo 65.º da Constituição.”
 
  
 
                                     Mais recentemente, no Acórdão n.º 143/2007 
 
 (Diário da República, II Série, n.º 69, de 9 de Abril de 2007, p. 8992), que não 
 julgou inconstitucional, face aos artigos 13.º e 65.º da CRP, a norma extraída, 
 por interpretação conjugada, dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 85.º do RAU, segundo a 
 qual se o cônjuge do arrendatário pré‑defunto, encabeçado na posição contratual 
 de arrendatário por força do disposto no artigo 85.º, n.º 1, alínea a), do mesmo 
 RAU, voltar a casar, a posição contratual que adquiriu não se transmite, por sua 
 morte, a este novo cônjuge, foi reafirmada a orientação jurisprudencial 
 constante do Tribunal Constitucional sobre a matéria.
 
                                     Entende‑se, assim, não ser 
 constitucionalmente imposta uma ilimitada (re)transmissão do arrendamento por 
 morte do arrendatário, designadamente quando, como no presente caso ocorre, se 
 trata já de uma segunda transmissão, e quando o sacrifício da posição do 
 candidato à transmissão do arrendamento é compensado através de uma indemnização 
 que não pode deixar de considerar‑se adequada, correspondendo a dez anos do 
 valor da renda por ele contraproposta e que, por isso, se deve presumir 
 tratar‑se da renda por ele tida por justa.
 
                                     Por outro lado, a eventual limitação quanto 
 ao valor da renda a contrapropor pelo transmissário de menores recursos, em 
 contraste com transmissários com superior capacidade económica, não é idónea a 
 justificar a negação do direito do proprietário do prédio a proceder à denúncia 
 do contrato através do pagamento da indemnização legalmente fixada, devendo a 
 solução para a apontada situação de carência ser propiciada pelo Estado, através 
 de adequadas políticas sociais. Neste contexto, carece de fundamento a imputação 
 
 à solução legislativa questionada de violação dos artigos 13.º e 18.º, n.º 2, da 
 CRP.
 
                                     Não se mostra, assim, constitucionalmente 
 inaceitável o regime que dimana dos artigos 89.º‑A e 89.º‑B do RAU, na sua 
 directa estatuição, nem na dimensão em que foram aplicados na decisão recorrida, 
 dimensão esta que, aliás, atentos os termos em que a recorrente a formula, é 
 susceptível de ser considerada como destituída de carácter normativo, por 
 indissociavelmente ligada às especificidades do caso concreto.
 
  
 
                                     3. Decisão
 
                                    Em face do exposto, acordam em:
 
                                     a) Não conhecer do objecto do recurso na 
 parte relativa à questão de inconstitucionalidade imputada ao artigo 104.º do 
 Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 321‑B/90, de 15 de 
 Outubro;
 
                                     b) Não julgar inconstitucionais as normas 
 dos artigos 89.º‑A e 89.º‑B do mesmo Regime, aditados pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 278/93, de 10 de Agosto; e, consequentemente,
 
                                     c) Negar provimento ao recurso, confirmando 
 o acórdão recorrido, na parte impugnada.
 
                                     Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de 
 justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 11 de Julho de 2007.
 Mário José de Araújo Torres 
 Benjamim Silva Rodrigues
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos