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Processo n.º 203/08 
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
 
 
 ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
            
 I
 Relatório
 
             No processo-crime que correu termos na 8.ª Vara Criminal de Lisboa 
 foi, em 28 de Setembro de 2007, proferido o seguinte despacho a declarar 
 extinto, por prescrição, o procedimento criminal instaurado contra A. pela 
 prática de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º n.º 1 do Código Penal:
 
  
 O Ministério Público deduziu acusação contra A. imputando‑lhe a prática de um 
 crime de roubo, p. e p. pelos art. 210.°, n.º 1 do Código Penal, em vigor na 
 altura da acusação. 
 Contudo, os factos por que o arguido foi acusado foram praticados a 14 de Maio 
 de 1995, quando ainda vigorava, portanto, a versão original do Código Penal (de 
 
 1982). 
 Nenhum despacho foi notificado ao arguido (nem a acusação nem o despacho que a 
 recebeu), sendo que este foi declarado contumaz. 
 No entanto, face ao regime estabelecido no momento da prática dos factos (Código 
 Penal de 1982), e de acordo com os fundamentos expressos no Acórdão do Tribunal 
 Constitucional n.° 110/2007, proferido no processo n.° 788/2006, publicado no DR 
 II série, n.° 56, de 20 de Março de 2007, não é de aceitar que tal declaração de 
 contumácia tenha como efeito a suspensão do prazo de prescrição do procedimento 
 criminal, considerando que a suspensão dos ulteriores termos do processo 
 determinada no art. 336.° do Código de Processo Penal não pode equivaler a uma 
 suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal sem violação do 
 princípio da legalidade ínsito no disposto no art. 29.°, n.ºs 1 e 3, da 
 Constituição da República Portuguesa. 
 Ou seja, de acordo com o regime jurídico em vigor na altura da prática dos 
 factos, não se verificou qualquer causa de suspensão ou interrupção do prazo de 
 prescrição do procedimento criminal, designadamente por via da declaração da 
 contumácia. 
 Ora o disposto no art. 2.°, n.°4, do Código Penal (em qualquer das suas versões) 
 estabelece que quando as disposições penais vigentes no momento a prática do 
 facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre 
 aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente. 
 Não pode verificar-se a aplicação de partes mais favoráveis dos diplomas; estes 
 são aplicados na sua globalidade, em respeito da citada norma, em qualquer das 
 suas versões, verificando-se as consequências da sua aplicação. 
 De acordo com o disposto no art. 306.°, n.° 1, do Código Penal de 1982, a 
 moldura abstracta da pena correspondente aos factos praticados pelo arguido 
 varia entre1 e 8 anos. 
 Segundo o mesmo Código a esta incriminação correspondia, portanto, no máximo, um 
 prazo de prescrição do procedimento criminal de 10 anos, pois o limite máximo da 
 pena abstractamente aplicável a este crime não ultrapassa os 10 anos de prisão 
 
 (art. 117.°, n.°1, b), do Código Penal). 
 Desde Maio de 1995 até à presente data já decorreram mais de 10 anos sem que se 
 verificasse qualquer causa de interrupção ou de suspensão do prazo de prescrição 
 procedimento criminal. 
 Resultando a prescrição quanto aos crimes por que o arguido está acusado pela 
 aplicação da lei vigente na data da prática dos factos é essa a lei que se 
 mostra concretamente mais favorável ao arguido, pelo que se vai determinar a 
 extinção do procedimento criminal. 
 Em face do exposto, declaro extinto o procedimento criminal.
 
  
 
             Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso desse despacho, 
 após o trânsito do mesmo, ao abrigo do disposto no artigo 446.º n.º 1 do Código 
 de Processo Penal, na versão dada pela Lei 47/2008, de 29 de Agosto.
 
             Por despacho de 8 de Fevereiro de 2008 o juiz da 8.ª Vara Criminal 
 não admitiu o recurso, assim recusando a aplicação do disposto no artigo 446.º 
 n.º 1 do Código de Processo Penal, na sua redacção actual, na medida em que 
 permite a interposição de recurso de decisão já transitada em julgado, por 
 violação do princípio constitucional de respeito pelo caso julgado, ínsito nos 
 artigos 2.º, 111.º, n.º 1, 205.º, n.º 2 e 282.º, n.º 3 da Constituição da 
 República Portuguesa.
 
             
 
 É dessa decisão que o Ministério Público recorre para este Tribunal, ao abrigo 
 do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC) – Lei n.º 28/82, de 15 
 de Novembro, alterada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
 
  
 
             O Ministério Público recorrente concluiu a sua alegação nos 
 seguintes termos:
 
  
 
 1. Atenta a função instrumental reconhecida ao recurso de constitucionalidade, o 
 Tribunal Constitucional só deve conhecer das questões de constitucionalidade 
 normativa quando a decisão a proferir possa influir utilmente no julgamento de 
 questão de mérito discutido no processo. 
 
 2. Esta reporta-se à prescrição do procedimento criminal que foi decidida no 
 processo em termos coincidentes à que resulta do Acórdão nº 183/2008 do Plenário 
 do Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, e que já não poderá 
 sofrer alteração. 
 
 3. Não deverá, assim, conhecer-se do objecto do recurso. 
 
 4. A entender-se, diferentemente, não deverá ser confirmado o juízo formulado na 
 decisão recorrida, que recusou a aplicação da norma do artigo 446º, nº 1 do 
 Código de Processo Penal, com fundamento em inconstitucionalidade.
 
  
 
             Não houve contra-alegação, cabendo agora decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentação
 No Acórdão n.º 322/08 deste Tribunal – que tratou de caso idêntico – foi 
 decidido não conhecer do recurso então em análise, tal como agora requer o 
 Ministério Público na sua alegação.
 Não havendo razões para decidir diferentemente, e porque, na verdade, o presente 
 caso em nada difere do referido, aplica-se agora a jurisprudência adoptada no 
 referido Acórdão (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), para cujos 
 fundamentos, que abaixo se transcrevem,  integralmente se remete:
 
  
 
 '(...)
 
  3.  É deste último despacho, que desaplicou o n.º 1 do artigo 446.º do Código 
 de Processo Penal com fundamento em inconstitucionalidade, que vem interposto o 
 presente recurso. Se este viesse a ser provido, o tribunal a quo deveria 
 reformar o despacho recorrido e, se outra causa a tanto não obstasse, admitir o 
 recurso obrigatório que o Ministério Público interpôs do despacho anteriormente 
 proferido contra a jurisprudência fixada pelo assento n.º 10/2000, ao abrigo do 
 artigo 466.º do Código de Processo Penal. 
 
      Sucede que, entretanto, foi proferido o acórdão n.º 183/2008, publicado no 
 Diário da República, I Série, de 22 de Abril de 2008, em que o Tribunal 
 Constitucional declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, 
 por violação do disposto no artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição, da norma 
 extraída das disposições conjugadas do artigo 119.º, n.º 1, alínea a), do Código 
 Penal e do artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ambos na redacção 
 originária, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento 
 criminal se suspende com a declaração de contumácia.
 
      Consequentemente, respeitando os efeitos da declaração de 
 inconstitucionalidade com força obrigatória geral, o Supremo Tribunal de Justiça 
 sempre teria de confirmar o despacho de 8 de Outubro de 2007 no aspecto que 
 motivava o recurso, isto é, na parte em que ele divergira da anterior 
 jurisprudência fixada e não considerara o prazo de prescrição suspenso pela 
 declaração de contumácia.
 
  
 
      Aliás, já após a prolação do acórdão n.º 183/2008 do Tribunal 
 Constitucional, mas antes da respectiva publicação, por acórdão de 9 de Abril de 
 
 2008, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj, o Supremo Tribunal de Justiça 
 inverteu a sua anterior jurisprudência fixando o entendimento de que no domínio 
 da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, nas 
 suas versões originárias, a declaração de contumácia não constituía causa de 
 suspensão da prescrição do procedimento criminal. 
 
      Deste modo, qualquer que fosse o sentido da decisão do Tribunal 
 Constitucional quanto à norma do artigo 446.º do Código de Processo Penal que é 
 objecto do presente recurso, a solução da questão de fundo relativa aos efeitos 
 da declaração de contumácia no prazo de prescrição do procedimento criminal 
 permaneceria intocável. 
 Assim, tendo o conhecimento da questão de constitucionalidade que no presente 
 recurso se coloca perdido utilidade para a decisão da causa em que, em último 
 termo, se enxerta, não deve dele conhecer-se (…)”.
 
  
 III
 Decisão
 Em face do exposto, o Tribunal decide não conhecer do recurso por inutilidade 
 superveniente. Sem custas.
 Lisboa, 25 de Setembro de 2008
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão
 José Borges Soeiro
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos