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Processo 987/08
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
 
 Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional 
 
 
 I – RELATÓRIO
 
 
 
 1. Nos presentes autos em que são recorrentes A. e B. e recorridos o Ministério 
 Público, C. e outros e D., foi interposto recurso de acórdão proferido, em 
 conferência, pela Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em 12 de 
 Novembro de 2008 (fls. 5535 a 5551).
 
  
 
 2. Por despacho da Relatora ficou assim definido o objecto do recurso:
 
  
 
 «A norma extraída da conjugação dos artigos 322º, 343º, n.º 1, e 345º, todos do 
 Código de Processo Penal, mas apenas no sentido de que «ao arguido assistiria o 
 direito a ser ouvido mas nunca a interromper uma qualquer testemunha e nem por 
 isso o seu direito de contraditório fica prejudicado pois que, findo o 
 depoimento, o juiz presidente constatada a utilidade da sua audição, se esta for 
 manifestada por aquele ou mais e essencialmente pelo seu defensor, pode e deve 
 confrontá-lo com tal versão» (fls. 5545). 
 
  
 
 3. Na sequência deste despacho, o recorrente produziu alegações, das quais 
 constam as seguintes conclusões:
 
  
 
  
 
 «1º Os arguidos apresentaram recurso sobre matéria de facto para o Tribunal da 
 Relação de Évora, e invocaram a violação da Constituição da República Portuguesa 
 por parte do Tribunal da Comarca, nomeadamente o artigo 32º da C.R.P. por 
 interpretação indevida dos artigos 343º nº1, 322º, 345º, 343º, nº2 do C.P.P., 
 por violação do direito à defesa. 
 
  
 
 2º. Para esse efeito, os arguidos enumeraram passagens de tentativas de 
 intervenção do arguido A, umas vezes invocando a necessidade de falar com o seu 
 advogado, para preparar a defesa, uma vez que não tivera oportunidade de o fazer 
 antes, outras vezes para usar da palavra, durante o interrogatório de uma 
 testemunha. 
 
  
 
 3º. Em todas as tentativas levadas a efeito pelo arguido, a juiz presidente 
 nunca lhe concedeu a palavra, não se ficando a saber se a sua intervenção era ou 
 não pertinente. 
 
  
 
 4º O Tribunal da Relação, considerou acertada a decisão do tribunal colectivo 
 dizendo que, não tendo o arguido prestado declarações o Tribunal não conhecia a 
 sua versão dos factos, só conhecia a versão vertida na sua contestação, portanto 
 não podia saber se havia qualquer relevância. 
 
  
 
 5º O Tribunal da Relação cita o artigo 343º nº 2 do C.P.P. que diz que “ se o 
 arguido se dispuser a prestar declarações, o [tribunal] ouve-o em tudo quanto 
 disser, nos limites assinalados no numero anterior, sem manifestar qualquer 
 opinião ou tecer quaisquer comentários de onde possa inferir-se num juízo sobre 
 a culpabilidade» 
 
  
 
 6º. Durante as declarações prestadas pelos arguidos no final da audiência, e que 
 se encontra transcrito supra, o tribunal revelou claramente que já havia tomado 
 uma decisão sobre a condenação dos arguidos, manifestando desinteresse pelas 
 respostas efectuadas pelos arguidos às perguntas da juiz presidente. 
 
  
 
 7º. Tendo sido negado provimento ao recurso, os arguidos recorreram com os 
 mesmos fundamentos com que o fizeram para o Tribunal da Relação, tendo o acórdão 
 do Supremo Tribunal de Justiça dito que “ao arguido assistiria o direito a ser 
 ouvido mas nunca a interromper uma qualquer testemunha e nem por isso o seu 
 direito de contraditório fica prejudicado pois que, findo o depoimento, o juiz 
 presidente constata a utilidade da sua audição, se esta for manifestada por 
 aquele ou mais e essencialmente pelo sue defensor, pode e deve confrontá-lo com 
 tal versão”.
 
  
 
 8º. E a propósito da interpretação dos artigos 343º e 345º do C.P.P., o Supremo 
 Tribunal de Justiça disse que “ ainda não figura o direito do arguido a 
 interromper qualquer testemunha ao ser inquirida em julgamento”. 
 
  
 
 9º. Conforme resulta das intervenções transcritas, efectuadas pelo arguido, o 
 que este procurou sempre foi usar da palavra, sem nunca se ter sabido qual o 
 objectivo, e qual a sua versão dos factos, porque sempre foi disso impedido pelo 
 tribunal. 
 
  
 Nestes termos, os arguidos não puderam exercer o direito ao contraditório; não 
 tiveram no seu mandatário oficioso qualquer intervenção no sentido de exercer o 
 direito ao contraditório, mostrando-se assim, e pelas razões evocadas nas 
 conclusões, que tanto o Tribunal da Relação de Évora como o Supremo Tribunal de 
 Justiça interpretaram mal os artigos 322º, 343º e 345º todos do C.PP., porque o 
 fizeram no sentido de que o arguido não pode usar da palavra porque não se 
 conhecia a sua versão dos factos ou porque não foi violado o direito ao 
 contraditório, apesar de não ter sido permitido usar da palavra, pelo que a 
 interpretação destes artigos no sentido em que o foram, é inconstitucional, por 
 violação do direito à defesa consagrado no artigo 32º da C.R.P.» (fls. 5582 a 
 
 5583)
 
  
 
 4. Por sua vez, notificado daquelas alegações, o Ministério Público formulou as 
 seguintes contra-alegações: 
 
  
 
 «1. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada.
 
  
 
 1.1. Inconformado com o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, os arguidos 
 A. e B. interpuseram o presente recurso de constitucionalidade circunscrito à 
 apreciação da conformidade à lei fundamental da norma do artigo 343º nº1, 
 conjugada com a dos artigos 322º e 345º, todos do Código do Processo Penal, nos 
 termos que constam do respectivo requerimento de interpretação. 
 
 1.2. A fls. 5567, pela Exmª Sra. Conselheira Relatora foi fixada a interpretação 
 normativa a apreciar, extraída da conjugação dos citados artigos, efectivamente 
 aplicada na decisão recorrida, no sentido apenas (ao contrário do pretendido 
 pelos recorrentes) de que “ao arguido assistiria o direito a ser ouvido mas 
 nunca a interromper uma qualquer testemunha e nem por isso o seu direito de 
 contraditório fica prejudicado pois que, findo o depoimento, o juiz presidente 
 constatada a utilidade da sua audição, se esta for manifestada por aquele ou 
 mais e essencialmente pelo seu defensor, pode e deve confrontá-lo com tal 
 versão”.
 Ora, parece ser manifesto que esta interpretação normativa não colide com 
 quaisquer direitos de defesa dos arguidos, constitucionalmente consagrados, 
 designadamente os estabelecidos no artigo 32º nºs 1 e 5 da Lei Fundamental.
 Com efeito, os direitos do arguido em processo penal, designadamente o 
 contraditório, não passam pela interrupção, a qualquer preço, de depoimentos ou 
 declarações que estejam a ser produzidas em audiência, em ordem a apurar a 
 verdade material.
 Desde que seja assegurado ao arguido a possibilidade de pôr em causa, 
 questionando e “contraditando”, os depoimentos prestados, o que, no caso em 
 apreço, não resulta minimamente beliscado na interpretação normativa seguida 
 pela decisão recorrida, não há que falar em violação do princípio do 
 contraditório.
 
 1.3 O exercício do contraditório não decorre da consagração de um hipotético 
 direito concedido ao arguido de interromper depoimentos que estão a ser 
 prestados, quando fica assegurado ao arguido a possibilidade de, findo este, 
 poder sobre ele tomar posição, pessoalmente ou através do defensor.
 Quando não seja posta em causa, como não foi, a obtenção da verdade, nenhuma 
 interrupção de depoimento deve ser permitida, o que só excepcionalmente deve ser 
 admitido quando esta via da interrupção se revelar como único e inexorável meio 
 daquela verdade ser atingida – cfr. Nota 1 ao artigo 343º, fls.845, do 
 
 “Comentário do Código do Processo Penal à luz da Constituição da República e da 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, de Paulo Pinto de Albuquerque.
 
 1.4 O princípio do contraditório, segundo a Constituição Portuguesa Anotada – 
 Tomo I, pag.360, de Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Traduz-se na estruturação da 
 audiência de julgamento e dos actos instrutórios que a lei determinar em termos 
 de um debate ou discussão entre a acusação e a defesa. Acusação e defesa são 
 chamadas a deduzir as suas razões de facto e de direito, oferecer provas, a 
 controlar as provas contra si oferecidas e a discretear sobre o valor e 
 resultado probatórios de uma e outras.”
 E segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, pag.522, anotação XII, vol. I – 4ª 
 edição revista, da “Constituição da República Anotada”, o princípio do 
 contraditório consiste numa sua dimensão específica, no “ direito do arguido de 
 intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, 
 depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos traduzidos ao processo 
 
 (…).”
 Assim considerado, há que constatar que a decisão recorrida não interpretou nem 
 aplicou as normas em causa, em violação do princípio do contraditório, como 
 também, aliás, não o fez, ofendendo qualquer outro direito ou garantia do 
 arguido em processo penal.
 
  
 
 2. Conclusão
 
  
 Nesta conformidade e face ao exposto, conclui-se:
 
  
 
 1.                          Não é inconstitucional uma interpretação da norma 
 extraída da conjugação dos artigos 322º, 343º, nº1 e 345º, todos do Código de 
 Processo Penal, no sentido de que ao arguido assistiria o direito a ser ouvido 
 mas nunca a interromper uma qualquer testemunha e nem por isso o seu direito ao 
 contraditório fica prejudicado pois que, findo o depoimento, o juiz presidente 
 constatada a utilidade da sua audição, se esta for manifestada por aquele ou 
 mais e essencialmente pelo seu defensor, pode e deve confrontá-lo com tal 
 versão.
 
  
 
 2. Termos em que não deverá proceder o presente recurso.» (fls. 5614 a 5617)
 
  
 
             5. Igualmente notificados das alegações, os recorridos C. e outros e 
 D. proferiram as seguintes contra-alegações:
 
  
 
 «De forma algo caótica, seja permitido dizer-se, os arguidos vêm pretender que 
 nos autos não p[u]deram exercer o direito ao contraditório, sustentando-se em 
 transcrições parcelares que fazem de passos da audiência. 
 O douto despacho de fls. esclarece que o que está em causa é a interpretação 
 normativa feita da conjugação dos art°s. 322°. 343°, nº. 1 e 345° do C.P.P. no 
 sentido de que ao arguido assiste o direito a ser ouvido mas não a interromper 
 uma qualquer testemunha. 
 Ora, é patente que esta interpretação é absolutamente conforme com a 
 Constituição, não ofendendo o direito ao contraditório ou qualquer outro dos que 
 são outorgados aos arguidos. 
 E de tal modo que se não justifica um debate profundo sobre a questão, 
 nomeadamente trazendo à colação citações doutrinais ou jurisprudenciais. 
 Na verdade, é obvio que o exercício de qualquer direito no decurso da audiência 
 está sujeito a regras ordenatórias da audiência de modo a que, p. ex., os 
 intervenientes não falem todos ao mesmo tempo de tal maneira que ninguém se 
 entenda, que as sucessivas intervenções decorram sem interrupções que possam 
 prejudicar o seu conteúdo e expontaneidade. 
 A observância das regras respeitantes à disciplina da audiência e direcção dos 
 trabalhos compete ao Presidente do Tribunal (art°. 322°, nº. 1 do CPP), sendo 
 que a generalidade delas decorre da experiência e bom senso não podendo estar 
 exaustivamente expressas. 
 De qualquer modo, no que se refere à inquirição das testemunhas, a própria lei 
 prescreve (art°. 348°, nº 4 do CPP) que primeiro são inquiridos por quem as 
 indicou e só depois sujeitas a contra-interrogatório, o qual consubstancia o 
 exercício do contraditório. 
 Assim, quando no art°. 343°, nº. 1 do CPP se dispõe que o arguido tem direito a 
 prestar declarações em qualquer momento da audiência, tal não é em direito 
 absoluto no sentido de terem de ser interrompidos os actos então em curso, 
 quaisquer que sejam e independentemente de como estejam a decorrer, mas sim um 
 direito a observar no quadro da necessária disciplina da audiência. Acresce que 
 as declarações do arguido são um meio de prova e não pertinentes ao exercício do 
 direito do contraditório, ao menos directo, em relação aos actos em curso, 
 nomeadamente, depoimentos testemunhais. 
 O exercício (directo) do contraditório não cabe sequer ao arguido pessoalmente 
 mas sim ao seu advogado/defensor cuja assistência é, mesmo, obrigatória (art°s. 
 
 64°, nº. 1, alínea b) e art°. 63°, nº. 1 do CPP). 
 Não caberá, assim, dizer mais para demonstrar que a interpretação dos art°s. 
 
 322°, 343°, nº. 1 e 345º do CPP conjugados não podia ser outra que não a que lhe 
 foi dada pelas Instâncias e que essa interpretação é inteiramente compatível com 
 o direito ao contraditório — e à defesa em geral — que assiste aos arguidos. 
 Tal interpretação foi, no caso concreto, estritamente observada pelo que é 
 conclusão errónea a de que “os arguidos não puderam exercer o direito ao 
 contraditório”. 
 
  
 Conclusão única: 
 
  
 
 - A interpretação dada e observada durante a audiência dos autos às disposições 
 conjugadas dos art°s. 322°, 343°, nº. 1 e 345° do Código de Processo Penal não 
 viola qualquer preceito Constitucional, mormente o art°. 32° da CRP. 
 
  
 Termos em que o doutamente decidido pelas Instâncias deve manter-se nos seus 
 exactos termos.» (fls. 5618 a 5620).
 
  
 Assim sendo, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 6. Antes de mais, deve notar-se que a dimensão normativa em apreço nos presentes 
 corresponde à que foi identificada no requerimento de interposição de recurso e 
 depois precisada no despacho proferido pela Relatora a fls. 5567, segundo o qual 
 
 «ao arguido assistiria o direito a ser ouvido mas nunca a interromper uma 
 qualquer testemunha e nem por isso o seu direito de contraditório fica 
 prejudicado pois que, findo o depoimento, o juiz presidente constatada a 
 utilidade da sua audição, se esta for manifestada por aquele ou mais e 
 essencialmente pelo seu defensor, pode e deve confrontá-lo com tal versão».
 
  
 Os preceitos legais dos quais foi extraída esta interpretação normativa constam 
 do Código de Processo Penal e são os seguintes:
 
  
 
  
 
 “Artigo 322º
 Disciplina da audiência e direcção dos trabalhos
 
 1 – A disciplina da audiência e a direcção dos trabalhos competem ao presidente. 
 
 É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 85.º.
 
 (…)
 
  
 Artigo 343º
 Declarações do arguido
 
 1 – O presidente informa o arguido de que tem direito a prestar declarações em 
 qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objecto do processo, 
 sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo.
 
             (…)
 
  
 Artigo 345º
 Perguntas sobre os factos
 
 1 – Se o arguido se dispuser a prestar declarações, cada um dos juízes e dos 
 jurados pode fazer-lhe perguntas sobre os factos que lhe sejam imputados e 
 solicitar-lhe esclarecimentos sobre as declarações prestadas. O arguido pode, 
 espontaneamente ou a recomendação do defensor, recusar a resposta a algumas ou a 
 todas as perguntas, sem que isso o possa desfavorecer.”
 
  
 
             Argumentam os recorrentes que a interpretação normativa supra 
 identificada atenta contra as suas garantias de defesa, constitucionalmente 
 consagrada (artigo 32º, n.ºs 1 e 5, da CRP), e, em particular, contra o 
 princípio do contraditório. 
 
  
 Nas suas alegações de recurso os recorrentes tecem uma série de considerações 
 quanto à conduta do Juiz-Presidente do Tribunal Criminal de 1ª instância, no 
 exercício dos seus poderes de direcção da audiência de julgamento, das quais 
 este Tribunal não conhecerá – nem podia fazê-lo – por não ter sido dotado de 
 tais poderes pelo legislador constituinte. Com efeito, nos termos do n.º 1 do 
 artigo 277º e do artigo 280º da Constituição da República, o Tribunal 
 Constitucional apenas centra a sua apreciação jurisdicional em questões de 
 inconstitucionalidade normativa. 
 Assim sendo, de ora em diante, apenas se curará de sindicar a conformidade da 
 interpretação normativa aplicada com as normas e princípios constitucionais. 
 
  
 
             7. A questão sub judice, ainda que de particular relevância, 
 afigura-se relativamente simples. Trata-se de saber se é admissível que um 
 preceito legal (artigo 343º, n.º 1, do CPP) que determina que o arguido “tem 
 direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas 
 se refiram ao objecto do processo”, seja interpretado no sentido de que cabe ao 
 juiz determinar qual o momento oportuno para que tal direito seja exercido, de 
 modo a que não fique prejudicada a clareza do depoimento em curso de uma 
 testemunha. Segundo os recorrentes, tal interpretação normativa seria contrária 
 
 à Lei Fundamental, por restringir de forma inadmissível o princípio do 
 contraditório e os direitos de defesa dos arguidos (artigo 32º, n.ºs 1 e 5, da 
 CRP).
 
  
 
             É de realçar que mal se compreende em que medida é que o princípio 
 do contraditório fica em risco pela interpretação normativa em causa, uma vez 
 que a decisão recorrida afirma peremptoriamente o direito dos arguidos a serem 
 ouvidos, ainda que apenas quando findo o depoimento da testemunha. Diga-se, 
 aliás, que a continuidade do depoimento da testemunha permite aquilatar da 
 veracidade dos factos comunicados por aquela ao Tribunal, evitando a colocação 
 de qualquer pressão psicológica exterior sobre a mesma e permitindo ao julgador 
 melhor aferir da fiabilidade do depoimento (em defesa da continuidade dos 
 depoimentos em processo penal, ver Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário ao 
 Código do Processo Penal à luz da Constituição e da Convenção Europeia dos 
 Direitos do Homem”, 2007, p. 845).
 
  
 
             Ora, conforme unanimemente notado pela doutrina (por todos, ver 
 Jorge Miranda / Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, p. 360; 
 J.J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, “Constituição da República Anotada”, Vol. 
 I, pp. 522 e 523) e pela jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional, 
 a garantia constitucional do direito ao contraditório visa assegurar que o 
 arguido não possa ser julgado e condenado sem que possa ter tido oportunidade de 
 se pronunciar sobre a plenitude da prova carreada para os autos e produzida em 
 audiência de julgamento. De modo particularmente ilustrativo, veja-se o Acórdão 
 n.º 70/08, de 31 de Janeiro (disponível in www.tribunalconstitucional.pt):
 
  
 
 “Uma das componentes específicas das garantias de defesa, aliás, também 
 expressamente reconhecida na Lei Fundamental, é o princípio do contraditório 
 
 (artigo 32º, n.º 5).
 
  
 
  
 Este princípio abrange, como esclarecem Gomes Canotilho/Vital Moreira, (a) o 
 dever e direito de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da defesa) 
 em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão; (b) o 
 direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser 
 afectados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efectiva no 
 desenvolvimento do processo; (c) em particular, o direito do arguido de intervir 
 no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos 
 ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que 
 impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo; (d) a 
 proibição de ser condenado por crime diferente do da acusação, sem o arguido ter 
 podido contraditar os respectivos fundamentos (ob. cit., pág. 523).” (com 
 sublinhado nosso)
 
  
 
             Desta jurisprudência decorre que o direito ao contraditório 
 pressupõe, precisamente, que o arguido possa pronunciar-se sobre os depoimentos 
 produzidos em audiência de julgamento por qualquer testemunha, só assim ficando 
 garantido que aquele dispõe da “última palavra” a propósito da prova contra si 
 produzida.
 
  
 
             Não se vislumbra que a decisão recorrida tenha interpretado os 
 artigos 322º, 343º, n.º 1 e 345º do Código de Processo Penal, de modo a privar 
 os recorrentes do direito ao contraditório. Sucedeu apenas que, compatibilizando 
 o direito dos arguidos a serem ouvidos com a necessidade de assegurar a boa 
 condução do julgamento e a continuidade do depoimento de uma testemunha, o 
 Juiz-Presidente do Tribunal Criminal de 1ª instância limitou-se a interpretar o 
 n.º 1 do artigo 343º do CPP, de modo a que os arguidos apenas pudessem usar da 
 palavra findo o depoimento em curso de uma das testemunhas.
 
  
 
             Em suma, a interpretação normativa reputada de inconstitucional não 
 priva os arguidos do seu direito fundamental ao contraditório (artigo 32º, n.º 1 
 e 5, da CRP), pois aqueles podem pronunciar-se sobre o teor dos depoimentos 
 prestados por testemunhas logo que findos esses mesmos depoimentos ou, em 
 limite, no momento da prestação das últimas declarações pelos arguidos (artigo 
 
 361º, do CPP).
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao presente recurso.
 
  
 Custas devidas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC´s, nos 
 termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 
  
 Lisboa,  12 de Março de 2009
 Ana Maria Guerra Martins
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão