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Processo  nº 515/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 A – Relatório
 
  
 
    1 – O Ministério Público na Comarca de Viana do Castelo recorre para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, n.º 1, alínea 
 a), da Constituição da República Portuguesa (CRP), 70.º, n.º 1, alínea a), 72.º, 
 n.º 3 e 75.º‑A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, da 
 sentença do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do 
 Castelo, de 8 de Maio de 2006, que recusou, com base na sua 
 inconstitucionalidade orgânica, a aplicação da norma contida no art. 141.º do 
 Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 44/05, de 23 de 
 Fevereiro, na dimensão segundo a qual não é permitida a aplicação jurisdicional 
 da suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir às contra-ordenações 
 muito graves previstas no Código da Estrada.
 
  
 
    2 – A decisão recorrida julgou parcialmente procedente, suspendendo a sanção 
 acessória de inibição de conduzir por um ano, a impugnação judicial deduzida 
 pelo ora recorrido contra a decisão da autoridade administrativa, de 29 de Junho 
 de 2005, que lhe aplicou a sanção acessória, especialmente atenuada, de 30 dias 
 de inibição de conduzir pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelos 
 art.ºs 60.º, n.º 1, e 65.º, alínea a), do Regulamento de Sinalização do 
 Trânsito, e art.ºs 146.º, alínea o), 139.º, 137.º, 140.º e 141.º do Código da 
 Estrada, por, no local e circunstâncias de tempo e com o veículo nela 
 precisados, haver pisado e transposto a linha longitudinal contínua, M1, 
 separadora de sentidos de trânsito.
 
    3 – No que importa à melhor compreensão do caso, discorreu a sentença 
 recorrida do seguinte jeito:
 
  
 
 «Importa, assim, apreciar da justeza da sanção imposta. 
 O que referir quanto à sanção acessória de inibição de conduzir estabelece o 
 art. 138º, nº 1, do Código da Estrada, na redacção anterior à entrada em vigor 
 do DL nº 44/2005, de 23 de Fevereiro, aplicável ao caso: 
 
 “As contra-ordenações graves e muito graves são sancionadas com coima e com 
 sanção acessória”. 
 Verificada, pois, a prática da infracção, a aplicação da sanção acessória é 
 consequência que se impõe, apenas podendo haver lugar à sua atenuação especial 
 ou suspensa na sua execução. 
 A atenuação especial da sanção acessória mostra-se regulada pelo art. 140º do 
 C.E. e quanto a esta importa referir que se afigura, em abstracto, susceptível 
 de aplicação ao presente caso considerando os seus pressupostos legais e a 
 factualidade provada. Esta só é susceptível de ser aplicada para as 
 contra-ordenações muito graves. 
 Tal suspensão está sujeita à verificação dos pressupostos de que a lei penal 
 geral faz depender a suspensão da execução da pena (art. 141º, nº 1, do Código 
 da Estrada) e desde que se encontre paga a coima, sendo que a mesma só é 
 susceptível de ser aplicada às contra-ordenações graves. 
 Tais pressupostos assentam na conclusão de que, atendendo à personalidade do 
 agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior aos factos 
 e às circunstâncias destes, a simples censura do facto e a ameaça da execução 
 realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. art. 
 
 50º, nº 1, do Código Penal). 
 Ora, no caso, verifica-se que o arguido praticou, efectivamente, a infracção 
 pela qual foi autuado e que a mesma é classificada como contra-ordenação muito 
 grave. 
 Por outro lado, o recorrente não praticou, nos últimos cinco anos, qualquer 
 contra-ordenação grave ou muito grave ou facto sancionado com proibição ou 
 inibição de conduzir e a coima mostra-se paga. 
 Além disso, estamos perante uma típica infracção de perigo abstracto em que o 
 bem jurídico tutelado é a segurança rodoviária em geral e não a de cada condutor 
 em particular, não se exige, para a sua verificação, a prova de que se criou 
 algum perigo para os demais utentes da via, enquanto resultado 
 espacio-temporalmente cindido da conduta. Nem sequer se exigirá a prova da 
 perigosidade objectiva da conduta em si mesma considerada, caso em que 
 estaríamos já perante uma infracção de perigo abstracto-concreto. 
 Na verdade, relativamente à infracção sob exame, o perigo para a circulação 
 rodoviária funciona apenas como fundamento pré-legal da sua previsão, não 
 integrando qualquer elemento da sua tipicidade objectiva. 
 O arguido requer que lhe seja relevada a sanção aplicada. 
 Considerando que se mostram reunidos os pressupostos que à luz da lei anterior 
 levariam este tribunal a aplicar a suspensão da execução da sanção acessória, 
 designadamente por o arguido não ter antecedentes estradais, importa analisar a 
 constitucionalidade da nova redacção dada ao artigo 141º, nº 1, do CE. 
 A norma em causa foi aditada ao regime inicial do DL 114/94, de 3-5, pelo DL 
 
 44/05, de 23-02. 
 Assim sendo, e tendo em conta o tipo de diploma legal – Decreto-Lei – 
 verifica-se que a sua proveniência orgânica é o Governo.
 Nos termos do art. 165º, nº 1 c) da CRP vigente – Reserva relativa de 
 competência legislativa – 1 – É da exclusiva competência da Assembleia da 
 República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: 
 
 (...) d) Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos 
 actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo; (...) 2- As 
 leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e 
 a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada. 3- As autorizações 
 legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez, sem prejuízo da sua 
 execução parcelada. 4- As autorizações caducam com a demissão do Governo a que 
 tiverem sido concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução da 
 Assembleia da República. 5- As autorizações concedidas ao Governo na lei do 
 Orçamento observam o disposto no presente artigo e, quando incidam sobre matéria 
 fiscal, só caducam no termo do ano económico a que respeitam. 
 Tal significa que o Governo, para poder legislar sobre tais matérias, porque da 
 reserva relativa da AR, tem que se ver munido da respectiva autorização 
 legislativa e observar a mesma nos seus estritos preceitos e limitações, tais 
 quais aquelas que genericamente o próprio corpo do artigo da CRP fixa. 
 Com inobservância dessas regras cai-se no âmbito da inconstitucionalidade 
 orgânica. 
 O DL 44/05, de 23-02, surgiu por via da LAL 54/04, de 4.11. 
 Essa LAL permitia ao Governo criar o corpo do art. 141? 
 A resposta é negativa. 
 De facto da referida LAL não consta qualquer referência que permita sustentar a 
 actuação do Governo a afastar a aplicação da suspensão da sanção acessória de 
 inibição de conduzir às contra-ordenações muito graves. Daquela resulta, na 
 parte que interessa ao caso em análise, que: 
 
 “m) A previsão de atenuação especial e de suspensão da execução da sanção 
 acessória de inibição de conduzir condicionadas ao prévio pagamento da coima e 
 ao facto de o infractor não ter praticado outras infracções no período fixado;
 n) A consagração do princípio de que a suspensão da execução da sanção acessória 
 possa ser condicionada, além da prestação de caução de boa conduta, à frequência 
 de acções de formação ou ao cumprimento de deveres específicos previstos em 
 legislação própria;” 
 Verifica-se, deste modo uma violação do objecto. 
 Padecerá, assim a referida norma de inconstitucionalidade orgânica. 
 Nos termos do art. 204º da CRP vigente – Apreciação da inconstitucionalidade – 
 Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que 
 infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados. 
 Face à constatada violação da CRP, por inconstitucionalidade orgânica, de que 
 padece a norma do art. 141º do DL 114/94, de 3-5, pelo DL 44/05, de 23-02, está 
 o Tribunal impedido de a aplicar na parte que exclui a sua aplicação às 
 contra-ordenações muito graves. 
 A determinação da medida e do regime de execução da sanção faz-se em função da 
 gravidade da contra-ordenação e da culpa, tendo ainda em conta os antecedentes 
 do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou aos seus regulamentos. 
 
 
 Quanto à fixação do montante da coima, seu pagamento em prestações e fixação da 
 caução de boa conduta, além das circunstâncias acima referidas deve ainda ser 
 tida em conta a situação económica do infractor, quando for conhecida. 
 Finalmente, e quando a contra-ordenação for praticada no exercício da condução, 
 além dos critérios já referidos, deve atender-se, como circunstância agravante, 
 aos especiais deveres de cuidado que recaem sobre o condutor, designadamente 
 quando este conduza veículos de socorro ou de serviço urgente, de transporte 
 colectivo de crianças, táxis, pesados de passageiros ou de mercadorias, ou de 
 transporte de mercadorias perigosas (art. 139º do Código da Estrada). 
 
 *
 IV – Decisão 
 Nestes termos e por tudo o exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso 
 e, em consequência: 
 
 - condenamos o arguido A. na sanção acessória de inibição de conduzir pelo 
 período de 30 dias, suspensa pelo período de um ano».
 
  
 
    4 – Alegando, neste Tribunal Constitucional, o Procurador-Geral Adjunto 
 concluiu o seu discurso, dizendo:
 
  
 
    “1 – Por não se reportar a matéria atinente ao regime geral de punição dos 
 actos ilícitos de mera ordenação social, a que alude o artigo 165.º, n.º 1, 
 alínea c) da Constituição, a norma do artigo 141.º do Código da Estrada, na 
 redacção do Decreto-Lei n.º 44/05, de 23 de Fevereiro, ao não prever a suspensão 
 da execução de sanção acessória de inibição de conduzir nas contra-ordenações 
 muito graves, não é organicamente inconstitucional.
 
    2 – Termos em que deverá proceder o presente recurso”.
 
  
 
    5 – O recorrido contra-alegou defendendo o julgado e abonando-se na sua linha 
 argumentativa.
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
    6.1 – O artigo 141.º do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 
 
 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte cuja aplicação foi recusada pela sentença 
 recorrida (n.º 1), dispõe do seguinte jeito:
 
  
 Artigo 141.º
 Suspensão da execução da sanção acessória
 
  
 
    1 – Pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a 
 contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei 
 penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se 
 encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes:
 
    2 – (…);
 
    3 – (…);
 
    4 – (…);
 
    5 – (…);
 
    6 – (…).
 
  
 
    A decisão recorrida interpretou este preceito no sentido de a suspensão da 
 execução da sanção acessória de inibição de conduzir poder ser decretada apenas 
 quando estiverem em causa contra-ordenações graves, excluindo, dessa 
 possibilidade de suspensão, a inibição de conduzir aplicada por 
 contra-ordenações muito graves.
 
    Para recusar a aplicação do preceito, a mesma sentença abonou-se no 
 entendimento de que este padecia de inconstitucionalidade orgânica, por a 
 competência para regular a matéria caber à Assembleia da República, nos termos 
 do art. 165.º, n.º 1, alínea d), da Constituição da República Portuguesa (CRP), 
 e a sua edição, por banda do Governo, extravasar o sentido da lei de autorização 
 legislativa ao abrigo da qual foi editado o referido Decreto-Lei n.º 44/2005, ou 
 seja, da Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro.
 
    Vejamos se esta tese é de acolher.
 
  
 
    6.2 – Dispõe o art. 165.º, n.º 1, da CRP que “é da exclusiva competência da 
 Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização 
 ao Governo:
 
    a) …
 
    b) …
 
    c) …
 
    d) Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos 
 ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo;
 
    …».
 
    Como resulta do preceito constitucional, a reserva relativa da Assembleia da 
 República queda-se pela matéria da definição do regime geral de punição dos 
 actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo.
 
    Desta sorte, a primeira tarefa a encetar é a de saber se a alteração que o 
 preceito introduziu, na interpretação acolhida pela decisão recorrida e, na 
 parte que aqui releva (qual seja, a da exclusão da providência relativamente às 
 contra-ordenações muito graves), relativamente ao regime imediatamente anterior 
 vigente se inclui ou não no âmbito do “regime geral de punição dos actos 
 ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo”.
 
    Na verdade, no regime imediatamente anterior, emergente do Decreto-Lei n.º 
 
 2/98, de 3 de Janeiro e editado sob invocação da autorização concedida pela Lei 
 n.º 97/97, de 23 de Agosto, poderia ser suspensa a execução da sanção de 
 inibição de conduzir, prevista como sanção acessória para as contra-ordenações 
 graves e muito graves (art. 139.º, n.º 1 do Código da Estrada – CE – , 
 repetindo, porém, a norma vinda do art. 141.º, n.º 1 do novo CE, editado pelo 
 Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, no uso da autorização legislativa 
 concedida pela Lei n.º 63/93, de 21 de Agosto), no caso de se verificarem os 
 pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das 
 penas.
 
    Anote-se que, na versão saída do Decreto-Lei n.º 44/2005, a suspensão da 
 execução da sanção acessória de inibição de conduzir ficou dependente, ainda, do 
 pagamento da coima correspondente à contra-ordenação grave.
 
  
 
    6.3 – O regime geral das contra-ordenações consta do Decreto-Lei n.º 433/82 
 de 27 de Outubro, editado no uso da autorização legislativa constante da Lei n.º 
 
 24/82, de 23 de Agosto, com as alterações posteriormente introduzidas pelos 
 Decretos-Leis nºs 356/89, de 17 de Outubro e 244/95, de 14 de Setembro, 
 igualmente no uso de autorizações legislativas, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 
 de Dezembro.
 
    No artigo 21.º desse regime prevê-se a possibilidade de a lei determinar as 
 sanções acessórias nele apontadas, em função da gravidade da infracção e da 
 culpa do agente, contando-se entre elas [alínea g)] a “suspensão de 
 autorizações, licenças e alvarás”, em cuja categoria se insere a licença de 
 condução a que respeita a inibição.
 
    Todavia, nem nesse preceito nem em outro local do mesmo regime, nada, 
 expressamente, se diz quanto à possibilidade da lei prever a suspensão da 
 execução da sanção acessória. 
 
    A única conclusão que, relativamente a tal matéria, o preceito permite 
 adiantar é a de que não veda a outro legislador que preveja a possibilidade de 
 suspensão da execução da sanção acessória. 
 
    Se o regime geral consente a esse legislador que estabeleça a aplicação das 
 sanções acessórias previstas no preceito, há-de entender-se caber nessa sua 
 competência a possibilidade de poder prever a suspensão da sua execução, pois 
 este é um aspecto muito menos gravoso do que a opção legislativa da previsão de 
 aplicação das sanções acessórias.
 
    Deste modo, tais circunstâncias só poderão ser entendidas como correspondendo 
 
 à concepção do legislador desse regime geral de que o instituto de suspensão da 
 execução de medida de medidas acessórias não integra esse regime geral.
 
    É certo que o artigo 32.º do regime geral contém uma norma prescritora do 
 direito subsidiário aplicável, “em tudo o que não for contrário à presente lei” 
 e “no que respeita à fixação do regime substantivo das contra-ordenações”, 
 remetendo para “as normas do Código Penal” e que este diploma substantivo prevê 
 o instituto de suspensão da execução da pena de prisão. 
 
    Mas este preceito tem o carácter de norma de remissão genérica, não podendo 
 sustentar, sem quaisquer reservas, o entendimento de que as normas 
 subsidiariamente aplicáveis do Código Penal constituam, igualmente, normas 
 integrantes do regime geral das contra-ordenações. Na verdade, a natureza de 
 norma integrante do regime geral poderá ver-se cingida, apenas, ao aspecto da 
 prescrição de qual é o regime subsidiário aplicável, estando a determinação da 
 existência de caso omisso e do direito subsidiário concretamente aplicável fora 
 do sentido da norma. 
 
    Por outro lado, estando, no Código Penal, o instituto da suspensão previsto 
 apenas para as penas de prisão aplicadas em medida não superior a 3 anos, não 
 poderá falar-se na existência de caso paralelo que deva ser regulado por 
 aplicação do regime subsidiário.
 
  
 
    6.4 – Diz-se no Acórdão n.º 436/2000, publicado no Diário da República II 
 Série, de 17 de Novembro:
 
  
 
    «A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem […] perfilhado este 
 entendimento: ao Governo compete, concorrentemente com a Assembleia da 
 República, definir, alterar e eliminar contra-ordenações e, bem assim, modificar 
 a sua punição, enquanto constitui matéria reservada do Parlamento, integrando o 
 regime geral do ilícito de mera ordenação, a definição da natureza do ilícito 
 contra-ordenacional, a definição do tipo de sanções aplicáveis às 
 contra-ordenações e a fixação dos respectivos limites e das linhas gerais da 
 tramitação processual a seguir para a aplicação concreta de tais sanções, como, 
 por exemplo, se decidiu nos acórdãos nºs. 56/84 e 74/95, publicados no Diário da 
 República, I Série, de 9 de Agosto de 1984 e II Série, de 12 de Junho de 1995, 
 bem como no acórdão nº 472/97, ainda inédito».
 
  
 
    Tal entendimento foi, igualmente, acolhido pela jurisprudência posterior 
 
 (cf., entre outros, os Acórdãos nºs 461/2000 e 236/2003, publicados, 
 respectivamente, no referido jornal oficial, de 29 de Novembro de 2000 e 24 de 
 Julho de 2003), assumindo-se aqui o mesmo, novamente.
 
    Sendo assim, há-de convir-se caber na competência concorrente da Assembleia 
 da República e do Governo a previsão de existência de sanções acessórias, dentre 
 as dos tipos previstos no n.º 1 do art. 21.º do regime geral das 
 contra-ordenações, bem como da possibilidade de suspensão da sua execução. E se 
 assim for quanto à opção legislativa do estabelecimento da possibilidade de 
 aplicação de sanções acessórias e da suspensão da sua execução, não poderia 
 deixar de ser diferente quando a opção legislativa seja de eliminação, 
 modificação ou estabelecimento de condições de execução, desde que se quedassem 
 dentro do regime geral.
 
    Teríamos, portanto, de concluir que o legislador do Decreto-Lei n.º 44/2005, 
 ao excluir, através da alteração introduzida no art. 141.º, n.º 1, do C.E., da 
 possibilidade de suspensão de execução as sanções acessórias de inibição de 
 conduzir aplicadas pela prática de infracções muito graves, não estaria a 
 invadir a reserva de competência da Assembleia da República, mas no exercício de 
 uma competência concorrente.
 
    Consequentemente, a norma em causa não padece de inconstitucionalidade 
 orgânica.
 
    6.5 – Mas, mesmo para quem não acompanhe estas razões, outras existem que 
 levam a afastar a conclusão a que aportou a decisão recorrida.
 
    É que, ao contrário do que aí se entendeu, mesmo admitindo-se que a matéria 
 em causa pudesse ser havida como integrante do regime geral das 
 contra-ordenações, sempre haverá de considerar-se que o legislador do 
 Decreto-Lei n.º 44/2005 não extravasou da autorização legislativa no uso da qual 
 foi editado. 
 
    Como dele se verifica, o diploma em causa foi decretado “no uso da 
 autorização legislativa concedida pela Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, e nos 
 termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 198.º da Constituição”, ou seja, no 
 exercício de competência em matéria não reservada à Assembleia da República e no 
 uso de competência em matéria de reserva relativa da Assembleia, mediante 
 autorização desta. 
 
    Ora, o art. 1.º da Lei n.º 53/2004 autorizou o Governo “a proceder à revisão 
 do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, com as 
 alterações introduzidas pelos Decretos-Leis nºs 2/98, de 3 de Janeiro, e 
 
 265-A/2001, de 28 de Setembro, e pela Lei n.º 20/2002, de 21 de Agosto, e ainda 
 a criar um regime especial de processo para as contra-ordenações emergentes de 
 infracções ao Código da Estrada, seus regulamentos e legislação complementar”.
 
    E no art. 2.º, definindo-se o sentido dessa autorização, dispõe-se que esta 
 
 “é concedida para permitir a criação de um regime jurídico em matéria rodoviária 
 em conformidade com os objectivos definidos no Plano Nacional de Prevenção 
 Rodoviária, com as normas constantes de instrumentos internacionais a que 
 Portugal se encontra vinculado e com as recomendações das organizações 
 internacionais especializadas com vista a proporcionar índices elevados de 
 segurança rodoviária para os utentes”.
 
    Por seu lado, ao precisar a extensão, o art. 3.º da mesma Lei prescreve que a 
 autorização contempla, entre outras matérias: “a qualificação como 
 contra-ordenações de todas as infracções rodoviárias e a aplicação do regime 
 contra-ordenacional previsto no Código da Estrada a todas elas” [alínea g)]; “a 
 determinação da medida e regime de execução das sanções tendo em conta os 
 antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou seus 
 regulamentos” [alínea j)]; “a previsão de atenuação especial e de suspensão da 
 execução da sanção acessória de inibição de conduzir condicionadas ao prévio 
 pagamento da coima e ao facto de o infractor não ter praticado outras infracções 
 no período fixado” [alínea m)]; “a consagração do princípio de que a suspensão 
 da execução da sanção acessória possa ser condicionada, além da prestação de boa 
 conduta, à frequência de acções de formação ou ao cumprimento de deveres 
 específicos previstos em legislação própria” [alínea n)]; e “a alteração dos 
 limites mínimo e máximo da caução de boa conduta, para, respectivamente, 500 e 
 
 5000 Euros” [alínea o)].
 
    Não desconhecia o legislador parlamentar, ao definir, pelo modo descrito, o 
 sentido e a extensão da autorização legislativa, que a inibição de conduzir 
 estava prevista, no regime então vigente do novo CE, saído da alteração feita 
 pelo Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro à versão originária (emitido no uso 
 da autorização concedida pela Lei n.º 97/97, de 23 de Agosto), como sanção 
 acessória de que eram passíveis as contra-ordenações graves e muito graves (art. 
 
 139.º), e que esse mesmo regime previa a possibilidade de “ser suspensa a 
 execução da sanção de inibição de conduzir no caso de se verificarem os 
 pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das 
 penas”.
 
    Não obstante isso, o legislador parlamentar autorizou o Governo a proceder à 
 revisão do CE, nos termos amplos acima transcritos, sem o subordinar, na 
 definição do âmbito da extensão da autorização, concernente à matéria em causa, 
 
 à observância de outros limites que não sejam os, nele, expressamente 
 contemplados.
 
    Dispondo o legislador parlamentar que a autorização concedida, com o sentido 
 de “proporcionar elevados índices de segurança rodoviária para os utentes”, 
 contempla, maxime, “a determinação da medida e regime de execução das sanções 
 tendo em conta os antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal 
 infringido ou seus regulamentos”, sem recortar quaisquer limitações pelo 
 estabelecido anteriormente, há que concluir que a autorização possibilita a 
 determinação, como se fora originariamente, das sanções principais e acessórias 
 e do regime da sua execução, nesta se tendo de incluir a possibilidade de 
 suspensão ou de não suspensão da inibição de conduzir prevista como sanção 
 acessória para as contra-ordenações graves e muito graves (art. 138.º C.E.), 
 tanto mais que a opção legislativa tomada, pelo legislador autorizado, se 
 afigura adequada àquele sentido da autorização.
 
    Na verdade, independentemente de a suspensão de execução de uma pena poder 
 ser vista, não como uma forma funcionalizada à sua execução, mas antes como uma 
 pena de substituição em sentido próprio (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal 
 Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 337 e segs. e Leal 
 Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 1.º vol., p. 639), o efeito 
 jurídico-prático que a suspensão da inibição de conduzir importa é a 
 possibilidade de não cumprimento da sanção aplicada e isso tem que ver com a 
 definição do “regime da sua execução”.
 
    Ora, o legislador da norma questionada estava autorizado a definir esse 
 regime sem respeito ou subordinação pelas regras vindas do passado.
 
    Temos, assim, de concluir que o Governo não excedeu a autorização concedida 
 na Lei n.º 53/2004 quando editou, pela mão do Decreto-Lei n.º 44/2005, a norma 
 aqui em causa.
 
    O recurso merece, pois, provimento:
 
  
 C – Decisão
 
  
 
    7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não 
 julgar organicamente inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artigo 141.º 
 do Código da Estrada, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de 
 Fevereiro; conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma da decisão 
 recorrida de harmonia com o precedente juízo de não inconstitucionalidade.
 Lisboa, 16.11.2006
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos