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Processo n.º 476/07
 
 1.ª Secção                                                                      
 Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
 
  
 Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 I – Relatório
 
 1. A., Recorrido nos autos em apreço, em que é Recorrente o Ministério Público, 
 foi condenado, na 7.ª Vara Criminal de Lisboa, a uma pena única de 4 anos e 9 
 meses de prisão pela prática de vários crimes de furto simples e qualificado, na 
 forma tentada e consumada, de falsidade de declarações, de violação de domicílio 
 e de receptação dolosa. Desta decisão, foi interposto recurso para o Tribunal da 
 Relação de Lisboa. Em vista ao processo, o Exmo. Magistrado do Ministério 
 Público junto daquela Relação, pronunciou-se, no que releva para a apreciação da 
 questão de constitucionalidade dos autos, pela declaração de nulidade parcial do 
 acórdão recorrido nos termos que se transcrevem:
 
 “(…) No que diz respeito, porém, ao crime de receptação dolosa por que foi 
 condenado o arguido — factos de 25 de Julho de 2003 —, sempre temos por oportuno 
 dizer desde já o seguinte: 
 a) — O arguido vinha acusado, nesta parte, da autoria material de um crime de 
 furto qualificado, na forma consumada, p. e p. nos termos dos arts. 203°, n.° 1 
 e 204°, n.° 2, al. e) do Código Penal; 
 b) — No decurso da respectiva audiência, o Tribunal de julgamento convolou a 
 acusação daquele crime para o de receptação, p. e p. pelo art. 231.°. n.° 1 do 
 CP; 
 c) — Tal convolação implica, porém, uma alteração substancial de factos, só 
 podendo ter lugar mediante a convocação do formalismo a que se refere o art. 
 
 359º do CPP; 
 d) — O Tribunal considerou, todavia, estar-se apenas perante alteração da 
 qualificação jurídica — e portanto em presença de mera alteração não substancial 
 
 —, observando por isso, apenas, o disposto no art. 358.° do mesmo compêndio 
 normativo (fls. 1122); 
 e) — Ora, e tendo em conta a dimensão normativa dos preceitos legais ao caso 
 convocáveis decorrente do Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 226/03, 
 publicado no DR, II Série, de 18 de Agosto de 2004, afigura-se-nos verificada, 
 nesta parte, a nulidade a que se refere o art. 379º, n.° 1, alínea b) do CPP. 
 f) — Tal nulidade é de conhecimento oficioso. Com efeito, a redacção deste art. 
 
 379º, até à revisão introduzida pela Lei n.° 59/98, de 25 de Agosto, só continha 
 o que actualmente consta das alíneas a) e b) do n.° 1. 
 Com base nessa redacção e no disposto nos arts. 119.° e 120°, o Supremo Tribunal 
 de Justiça (STJ) firmou, em 6-05-92, um ‘Assento’ (DR 180/92 Série 1-A de 
 
 6-8-92) em que considerava que a nulidade da alínea a) não era de conhecimento 
 oficioso. 
 Isso resultava da circunstância de o referido normativo não prever como nulidade 
 insanável (ao contrário do que sucedia com os arts. 321,° nº1 e 330.° nº1), de a 
 mesma não constar do elenco das nulidades previstas no art. 119.° e do disposto 
 no n.° 1 do art. 120º, todos do CPP. 
 Aquela disposição, porém, foi alterada em 1998. 
 Essa alteração não constava da Proposta de Lei n.° 157/VIl, tendo sido 
 introduzida na AR, na discussão na especialidade, e então aprovada por 
 unanimidade. 
 Essa proposta introduziu a nova alínea c) e o n.° 2. 
 Ora, deste novo número consta que ‘as nulidades da sentença devem ser arguidas 
 ou conhecidas em recurso’. 
 Esta alternativa só pode querer significar que as nulidades podem ser conhecidas 
 sem terem sido arguidas, o que as reconduz ao regime das nulidades insanáveis, 
 sendo, portanto, de conhecimento oficioso. 
 Afigura-se-nos por isso que o mencionado ‘Assento’ caducou. 
 Termos em que, e neste segmento, cremos ser de declarar a nulidade, pelo menos 
 parcial, do Acórdão recorrido.”
 
 2. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Março de 2007, foi 
 negado provimento ao recurso interposto e mantida a decisão recorrida na 
 
 íntegra. Relativamente à nulidade suscitada supra, acordou aquela Relação que:
 
 “(…) Por sua vez o MP junto deste Tribunal da Relação de Lisboa vem defender que 
 tal convolação implica uma alteração substancial de factos que só poderia ter 
 lugar mediante a convocação do formalismo a que se refere o art. 359 do CPP. No 
 entanto, o Tribunal ‘a quo’ considerou estar-se apenas perante alteração da 
 qualificação jurídica - e portanto em presença de mera alteração no substancial 
 
 - observando por isso apenas o disposto no art. 358 do mesmo diploma legal. 
 Assim sendo, estaria verificada nesta parte a nulidade a que se refere o art. 
 
 379 n° 1 alínea b) do CPP que é de conhecimento oficioso. 
 Ora, compulsados os autos verifica-se, conforme consta da acta da audiência a 
 fls 1122, que o Mmo Juiz Presidente do Tribunal Colectivo aplicando o disposto 
 no art. 358 n° 3 do CPP comunicou a ponderação pelo Tribunal Colectivo, quanto à 
 conduta verificada em 25 de Julho de 2003, do crime de receptação p. e p. pelo 
 art. 231 n° 1 do CP, tendo sido dada a palavra à digna Magistrada do MP e ao 
 ilustre mandatário do arguido que prescindiram ambos de quaisquer prazos e de 
 efectivar novas alegações no tendo levantado qualquer objecção a tal despacho 
 judicial. 
 Assim, a questão a resolver é se houve violação do disposto no art. 359 do CPP 
 com a consequente nulidade do acórdão. 
 Isto é, se essa violação do art. 359 do CPP viola o princípio do contraditório e 
 as garantia de defesa do arguido. 
 Na verdade, o processo penal de estrutura acusatória exige uma necessária 
 correlação entre a acusação e a decisão. 
 A definição do ‘thema decidendum’ na acusação é uma consequência da estrutura 
 acusatória do processo. 
 Para assegurar a plenitude da defesa, definido o objecto do processo na 
 acusação, o tribunal não deveria, como regra, poder tomar em conta quaisquer 
 outros factos ou circunstâncias que pudessem prejudicar a defesa antes 
 estruturada. 
 Sucede, porém, que por razões de economia processual, mas também no próprio 
 interesse do arguido, a lei admite geralmente que o tribunal atenda a factos ou 
 circunstâncias que não foram objecto de acusação, desde que daí não resulte 
 insuportavelmente afectada a defesa, enquanto o núcleo essencial da acusação se 
 mantém o mesmo. 
 Exige, porém, a lei penal que o agente tenha consciência da ilicitude do facto, 
 pelo que pode ser necessário que conheça a norma incriminadora. 
 Por isso se entende que o tribunal não tem a liberdade de qualificação jurídica 
 dos factos descritos na acusação. 
 
 É a indicação da norma incriminadora que dá aos factos naturais o seu sentido de 
 desvalor jurídico-penal. 
 Mas o certo é que a referência à norma violada, traduz apenas o sentido do 
 desvalor do comportamento imputado ao arguido. Revela o interesse tutelado e os 
 limites em que o bem jurídico é tutelado pelo direito penal e o que a lei penal 
 exige é o conhecimento da protecção penal desse interesse e dos termos em que é 
 protegido, e do desvalor jurídico do comportamento objecto da acusação. 
 A norma indicada na acusação dá o critério da valoração, revela ao acusado que é 
 em função do desvalor penal que aquela norma traduz que é requerido o seu 
 julgamento. 
 Enquanto a variação do tipo incriminador não implicar alteração do critério 
 essencial de valoração do interesse o arguido não fica defraudado no direito de 
 defesa. 
 De todo o modo, as meras alterações de qualificação jurídica têm assento 
 processual no art. 358 n° 3 do CPP. 
 Já o art. 359 do mesmo Código contempla a alteração dos factos em razão do 
 acrescentamento ou amputação de um elemento do facto que implique que o facto 
 novo resultante da alteração constitui um outro tipo legal de crime, a 
 descoberta de um outro evento, ou a violação de uma outra norma incriminadora e 
 ainda a descoberta de uma nova circunstância que agrave a pena aplicável ou a 
 descoberta de um crime inteiramente distinto. 
 Se se tratasse in casu de mera alteração de qualificação jurídica, sem 
 implicação alguma na descrição fáctica da acusação, o caso caberia, sem dúvida, 
 na previsão do art. 358 n° 3 do CPP. 
 Porém, a não ter havido alguma modificação nos factos descritos seria impossível 
 a convolação do crime de furto qualificado para o de receptação. É que 
 tratando-se, embora, nos dois casos, de crimes contra o património, o certo é 
 que os crimes em causa são bastante diferentes na sua configuração típica 
 objectiva e subjectiva, mormente naquela. 
 Daí que, no rigor das coisas, a alteração verificada importando a alteração de 
 um ou mais factos descritos na acusação, capazes de fazerem integrar a conduta 
 acusada em crime distinto do acusado se imponha como ‘alteração substancial dos 
 factos’, tal como emerge da definição do art. 1 alínea f) do CPP. 
 Donde, dever o caso ter merecido a convocação do formalismo do art. 359 do CPP, 
 tal como defende o Exmo. Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal da 
 Relação de Lisboa, pois, rigorosamente, não se tratou, como se viu já, dos 
 próprios factos acusados, donde não constava, designadamente, que o arguido 
 tivesse obtido a posse do computador sem ser por subtracção, bem como o 
 correspondente elemento subjectivo. 
 Mas fica-se por aqui a concordância com o Exmo. Procurador Geral Adjunto. 
 As regras dos arts. 358 e 359 do CPP, emanação directa do art. 32 nº 5 da 
 Constituição, destinam-se a garantir eficazmente o exercício do contraditório e 
 do direito de defesa em geral. 
 Daí que, submetida a situação emergente ao juízo do interessado, estando o MP e 
 o assistente se o houver de acordo, a lei se baste com o consentimento dele para 
 prosseguir com o objecto da acusação alterado na presunção de que, então, 
 exercido o contraditório ou tendo-lhe sido dada a oportunidade para o fazer, não 
 há prejuízo relevante para o exercício do direito de defesa. 
 Ora, no caso, como se vê do despacho referido, o tribunal recorrido informou o 
 arguido da alteração de facto e de direito já que o alertou para que a prova 
 produzida em audiência eventualmente distinta dos factos da acusação poderia 
 apontar para eventual convolação para o crime de receptação, ao invés do acusado 
 crime de furto qualificado. 
 Logo, remetendo substancialmente o caso para a previsão do art. 359 n° 2 do CPP 
 ficando garantido o exercício do contraditório e do direito de defesa. 
 Acontece que o arguido e o MP nada opuseram ali ao que foi transmitido pelo 
 tribunal. 
 Assim, embora tacitamente, deram o seu consentimento a que o julgamento 
 prosseguisse, agora já com a informação da alteração do objecto do processo 
 recebida e interiorizada remetendo o caso para a previsão do art. 359 nº 2 do 
 CPP precludindo a possibilidade de mais tarde, mormente em sede de recurso, 
 virem a atacar a decisão de prosseguir o julgamento, a qual só foi tomada porque 
 o arguido e o MP silenciaram qualquer oposição à comunicação que lhe foi feita. 
 Tanto assim que como resulta claro do disposto, quer do art. 359 nº 3, quer do 
 n° 1 do artigo antecedente, o requerimento para adequado exercício do direito de 
 defesa proporcionado pela comunicação da alteração do objecto processual em 
 causa, nomeadamente para concessão de prazo suplementar para o efeito, ou de 
 oposição à alteração comunicada tem de ser imediata. 
 
 É certo que o tribunal recorrido ter-se-á equivocado quanto à correcta 
 qualificação da alteração que teve por ‘não substancial’. 
 Mas o arguido e o MP foram postos ao corrente da essência da alteração que 
 expressamente os advertia para a eventualidade de a prova produzida em audiência 
 apontar para a prática de um crime de receptação p. e p. pelo art. 231º n° 1 do 
 CP, o que necessariamente implicava alteração dos factos correspondentes logo 
 conferindo-lhes todos os dados para ali se pronunciarem e decidirem a actuação 
 que melhor se conformasse com o exercício dos seus aludidos direitos. 
 Portanto, o falado erro de perspectiva do tribunal a quo em nada afectou tais 
 direitos de contradição e defesa, já que, em qualquer dos casos, isto é, fosse 
 na previsão do art. 358º, fosse na do art. 359º, tal exercício nunca poderia 
 ultrapassar a oposição à comunicação ou o mero requerimento para pedir prazo 
 suplementar para o efeito. 
 E, neste contexto, tal erro de perspectiva não terá passado de mera 
 irregularidade a ser arguida no acto, nos termos do art. 123º do CPP, o que no 
 aconteceu. 
 Conclui-se, assim, que não tendo sido violado nem o direito do exercício do 
 contraditório nem o de defesa em geral, não padece o acórdão recorrido da 
 nulidade que a propósito o Exmo. Procurador Geral Adjunto lhe assaca podendo 
 ver-se neste sentido o Acórdão do STJ de 20 de Fevereiro de 2003, publicado na 
 CJ, Acórdãos do STJ, tomo I, págs 206 a 210.”
 
 3. Vem então o presente recurso de constitucionalidade, interposto pelo 
 Ministério Público deste Acórdão, ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, n.º 5 
 da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea g) e 72.º, n.º 3 da Lei do Tribunal 
 Constitucional (L.T.C.), nos seguintes termos:
 
 “O Agente do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado do douto 
 Acórdão de 14 de Março de 2007, proferido nos autos supra referenciados, e 
 limitado apenas ao segmento do decidido que, não obstante ter qualificado a 
 convolação de factos, operada em sede de julgamento, do crime de furto 
 qualificado, do art. 204.°, n.° 2, alínea e) do CP, para o crime de receptação, 
 do art. 231.°, n.° 1 do mesmo Código, como configuradora de uma alteração 
 substancial dos factos descritos na acusação, subsumível ao regime do n.° 1 do 
 art. 359.° do CPP, ainda assim considerou poder ser havido como acordo com a 
 continuação do julgamento pelos factos novos a que alude o n.° 2 daquele art. 
 
 359.°, apesar de estes terem sido comunicados ao arguido como importando apenas 
 uma alteração não substancial da acusação, se o mesmo arguido, de imediato, nada 
 tiver dito ou requerido a este respeito, assim interpretando, pois, o seu 
 silêncio como de consentimento tácito, dimensão normativa que foi julgada 
 inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 463/04, publicado 
 no D.R., II Série, de 12-08-2004; por estar legitimidade [sic] — cfr. art.°s 
 
 75.° e 72.° da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro — vem interpor recurso, 
 obrigatório, para o Tribunal Constitucional, nos termos das disposições 
 conjugadas dos art.°s 70.°, n.° 1, alínea g), 75.° - A, n.°s 1 e 3, e 72.°, n.° 
 
 1, alínea a) e n.° 3 da referida Lei n.° 28/82, de 15/11, e 280.°, n.° 5 da 
 Constituição da República.”
 
 4. O recurso foi admitido por despacho do Exmo. Desembargador Relator proferido 
 a fls. 1267.
 Em sede de alegações, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal 
 Constitucional, pronunciou-se no sentido do provimento do presente recurso.
 Não foram apresentadas alegações pelo Recorrido.
 Em 20 de Junho de 2007 foi proferido pelo Relator o seguinte despacho:
 
 “Notifique-se o Exmo. Magistrado do Ministério Público para, querendo, se 
 pronunciar sobre o eventual não conhecimento do recurso, já que o mesmo foi 
 interposto ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 1 do art. 70.º da L.T.C. e 
 poder resultar que o preceito legal da legislação processual penal aplicável à 
 situação em apreço não será o mesmo que foi aplicado no apontado Ac. n.º 
 
 463/2004, publicado no Diário da República, II Série, de 12.8.2004.”
 Notificado para o efeito, nada foi dito pelo Ministério Público.
 Cumpre apreciar.
 II – Fundamentos
 
 4. Vem o presente recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea g) 
 da Lei do Tribunal Constitucional nos termos da qual cabe recurso das decisões 
 dos tribunais que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional pelo 
 Tribunal Constitucional.
 Para que se possa conhecer do objecto de tais recursos é necessário que se 
 verifique, em concreto, a total identidade entre a norma ou a interpretação 
 normativa questionada nos autos e a que foi objecto de pronúncia anterior no 
 sentido da respectiva inconstitucionalidade. Assim, a falta de preenchimento 
 deste pressuposto processual implica a impossibilidade de conhecimento do 
 recurso interposto ao abrigo da citada alínea g).
 O Recorrente invoca como fundamento do presente recurso o Acórdão n.º 463/04, 
 publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Agosto de 2004, o qual 
 julgou inconstitucional, “por violação do artigo 32º, nºs 1 e 5, da Constituição 
 da República Portuguesa, a norma constante do art.º 359º do Código de Processo 
 Penal quando interpretada no sentido de, em situação em que o tribunal de 
 julgamento comunica ao arguido estar-se perante uma alteração não substancial 
 dos factos descritos na acusação, quando a situação é de alteração substancial 
 da acusação, pode o silêncio do arguido ser havido como acordo com a continuação 
 do julgamento.”
 
 5. No presente recurso, no entanto, não se vislumbra a necessária identidade na 
 dimensão normativa aplicada. 
 No referido Acórdão n.º 463/04 verificou-se uma alteração dos factos, comunicada 
 ao arguido na primeira instância como alteração não substancial, nos termos do 
 artigo 358.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, a qual, em sede de 
 recurso, veio a ser julgada como alteração substancial, subsumível, portanto, ao 
 regime previsto no artigo 359.º do mesmo Código.
 
  Nos autos em apreço, no entanto, o tribunal de julgamento comunicou ao arguido 
 não uma alteração não substancial dos factos mas uma alteração da qualificação 
 jurídica, aplicando, em consonância com o artigo 358.º, n.º 3, o regime 
 estabelecido no n.º 1 do mesmo corpo normativo para as situações de alteração 
 não substancial dos facto. 
 Veio depois a Relação entender que se estava perante uma situação de alteração 
 substancial dos factos e que se devia ter aplicado o correspondente regime, 
 previsto no artigo 359.º – considerou, no entanto, que foram respeitadas as 
 garantias do arguido no que concerne ao seu direito de defesa na medida em que, 
 tendo o mesmo sido advertido para uma alteração da qualificação jurídica, e 
 assistindo-lhe a possibilidade de, a requerimento, lhe poder ser concedido tempo 
 para preparação da defesa, nos termos do artigo 358.º, n.º 1, por remissão do 
 n.º 3,  aquele nada disse, podendo então o seu silêncio ser interpretado como 
 assentimento tácito à continuação da audiência de julgamento.
 
 6. Apesar de o regime jurídico aplicável à alteração não substancial dos factos 
 se aplicar igualmente às situações de alteração da qualificação jurídica, o 
 certo é que não pode, sem mais, haver-se como transponível o juízo de 
 inconstitucionalidade formulado no Acórdão 463/04. 
 Na verdade, enquanto que aquele diz respeito a uma situação em que o tribunal de 
 julgamento comunicou ao arguido uma alteração não substancial dos factos 
 descritos na acusação, que veio a ser julgada como alteração substancial pelo 
 tribunal de recurso, no caso sub judicio foi comunicada ao arguido uma alteração 
 da qualificação jurídica, a qual, mercê da referida remissão operada pelo n.º 3 
 do artigo 358.º, segue o mesmo regime da alteração não substancial dos factos.
 Não obstante a coincidência, entre ambas as figuras, no que ao respectivo regime 
 jurídico diz respeito, o certo é que se trata de realidades distintas – enquanto 
 que a primeira se reporta a uma situação de configuração jurídica diversa dada 
 pelo tribunal à apreciação dos factos constantes da acusação ou da pronúncia, a 
 segunda versa uma efectiva alteração da materialidade fáctica.
 Não existindo, assim, identidade entre as dimensões normativas aplicadas, não 
 poderá o Tribunal, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos do 
 presente recurso de constitucionalidade, tomar conhecimento do objecto do mesmo.
 III – Decisão
 Face ao exposto, decide o Tribunal Constitucional não tomar conhecimento do 
 presente recurso de constitucionalidade.
 Sem custas.
 Lisboa, 10 de Julho 2007
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira – com declaração de voto junto.
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Ao contrário da tese que fez vencimento, penso, com o devido respeito, que no 
 presente caso a norma impugnada, isto é, aquela que a Relação de Lisboa adoptou 
 no acórdão recorrido, tirado em 14 de Março – e que não é exactamente a mesma 
 que foi adoptada pelo Tribunal de 1ª Instância –, tem dimensão normativa 
 idêntica à da norma que foi objecto do Acórdão n.º 463/04 deste Tribunal, tal 
 como invoca o Ministério Público recorrente.
 Por isso, julgaria a norma constante do artigo 359º do Código de Processo Penal 
 
 –'quando interpretada no sentido de, em situação em que o tribunal de julgamento 
 comunica ao arguido estar-se perante uma alteração não substancial dos factos 
 descritos na acusação, quando a situação é de alteração substancial da acusação, 
 pode o silêncio do arguido ser havido como acordo com a continuação do 
 julgamento' –inconstitucional por ofensa ao artigo 32º nºs 1 e 5 da 
 Constituição, assim concedendo provimento ao recurso interposto.
 
  
 
     Carlos Pamplona de Oliveira