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Processo nº 177/06
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 
             Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
  
 A – Relatório
 
  
 
  
 
             1 – A. reclama, ao abrigo do disposto no n.º 4 do art. 76.º da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua versão actual (LTC), do acórdão do Tribunal 
 da Relação de Coimbra, de 6 de Julho de 2005, que não admitiu o recurso 
 interposto pelo ora reclamante para o Tribunal Constitucional do acórdão do 
 mesmo Tribunal da Relação, de 26 de Janeiro de 2005, que decidiu rejeitar, por 
 manifesta improcedência, o recurso interposto pelo arguido da sentença que o 
 condenou como autor de um crime de injúrias, p. e p. pelos artigos 181.º, 184.º 
 e 132.º, n.º 1, alínea j), do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à razão 
 diária de 6 euros, e no pagamento ao ofendido e assistente da quantia de 750 
 Euros.
 
  
 
             2 – O despacho reclamado tem o seguinte teor:
 
  
 
 «Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência há que decidir:
 A admissibilidade dos recursos para o Tribunal Constitucional tem dois 
 pressupostos essenciais: que a inconstitucionalidade da norma seja suscitada 
 durante o processo pelo próprio recorrente e que tal norma tenha sido utilizada 
 na decisão impugnada como seu suporte normativo. (art. 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional Lei 28/82 de 15/11-LTC)
 Por outro lado, segundo estabelece o art. 76º, n.º 1 do referido diploma legal, 
 compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão 
 do respectivo recurso, sendo que um dos motivos de indeferimento consiste no 
 facto de a decisão impugnada o não admitir.
 Ora, consabido que o recorrente fundamenta o recurso interposto, como já dito 
 ficou, na violação do dever específico de fundamentação (Com efeito, se 
 porventura assim se não viesse a entender, e viesse a ser feita uma 
 interpretação da norma do art. 374º-2 do CPP no sentido de que, apesar de a 
 douta sentença recorrida se resumir quanto à fundamentação da decisão proferida 
 sobre a matéria de facto, às expressões vagas, tabelares e lacunosas constantes 
 do ponto «III Motivação» dessa mesma sentença, a M.mª Juiz do tribunal a quo 
 procedeu de acordo com o imperativo legal de indicação e exame crítico das 
 provas que serviram para formar a convicção do Tribunal (previsto no art. 374º-2 
 do CPP), então uma tal interpretação seria claramente inconstitucional, por 
 violação do disposto na norma do art. 205º-1 da Constituição da República 
 Portuguesa - fls. 336), é evidente não ser admissível o recurso interposto».
 
  
 
  
 
  
 
             3 – Fundamentando a sua reclamação, o reclamante desenvolve o 
 seguinte discurso:
 
  
 
 «Entenderam os Mm.ºs Juízes Desembargadores que o requerimento de interposição 
 de recurso formulado pelo ora reclamante não cumpria a formulação elencada no 
 artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
 
  
 Independentemente da discussão que caberia a propósito da problemática suscitada 
 
 - uma vez que o reclamante está certo de que, efectivamente, deu cabal 
 cumprimento à procedimentalidade taxada na lei - está-se em crer que a decisão 
 proferida peca por draconiana.
 
  
 Na verdade, afigura-se demasiado drástica a rejeição do recurso, única e 
 simplesmente fundada numa eventual preterição de uma formalidade, ainda que 
 dotada de espessura e relevância.
 
  
 Com efeito, o reclamante é dos que crê que a justiça substantiva terá de assumir 
 um inequívoco primado face à mera adjectividade. Isto é, sem que se faça uma 
 qualquer apologia de uma espécie de anomia processual 'sem rei nem roque' - se a 
 expressão não é descabida - sempre se entende que o mero ornato formal sempre 
 haverá de perder importância face à boa aplicação da Justiça.
 
  
 Ora, na presente hipótese a objecção do reclamante - além de um juízo de 
 adequação genérico que qualquer jurista não hesitará em subscrever, segundo se 
 pensa - ancora num inequívoco lastro legal.
 
  
 Efectivamente o n.º 5 do art. 75º-A da LTC especifica que se o requerimento de 
 interposição de recurso não contiver os requisitos elencados nos normativos 
 pertinentes deverá o juiz convidar o recorrente a aperfeiçoar o respectivo - e 
 incompleto - esforço.
 
  
 Ou seja, esta imposição legal - na hipótese de ser certeira a posição plasmada 
 no douto Acórdão que é objecto da presente reclamação - foi inapelavelmente 
 preterida, na medida em que o recurso foi rejeitado sem se conceder ao 
 reclamante o uso do aludido mecanismo.
 
  
 Termos em que se requer, face à argumentação expendida, se digne V. Exª admitir 
 o recurso interposto, ou, se assim não entender, convidar o requerente a 
 reformular a sua pretensão como o faculta a norma contida no n.º 5 do artigo 
 
 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional».
 
  
 
  
 
             4 – Respondendo à reclamação, diz o Procurador-Geral Adjunto, no 
 Tribunal Constitucional:
 
  
 
 «Ao Tribunal Constitucional não compete apreciar se, num caso concreto, certa 
 sentença, proferida nos autos, está adequadamente fundamentada, mas apenas 
 valorar se o critério normativo, aplicado pela Relação na interpretação do dever 
 de fundamentação, colide com o princípio constitucional invocado pelo 
 recorrente.
 Ora, na situação dos autos, é evidente que a Relação não acolheu o critério 
 normativo especificado pelo recorrente – e segundo o qual o dito dever de 
 fundamentação se basta “com a mera menção destituída de qualquer exame critico, 
 
 à prova produzida na audiência de discussão e julgamento”. Como decorre do 
 acórdão recorrido a Relação considerou não bastar tal mera indicação de meios 
 probatórios, sendo essencial a “razão de ciência do impacto probatório” na 
 formação da convicção do julgador.
 Não se verificam, pois, os pressupostos do recurso interposto, o que conduz à 
 improcedência da presente reclamação».
 
  
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             
 
             5 – O objecto do recurso de fiscalização concreta de 
 constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da 
 Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, disposição esta que 
 se limita a reproduzir o comando constitucional, corporiza-se na questão de 
 
 (in)constitucionalidade da(s) norma(s) de que a decisão recorrida haja feito 
 efectiva aplicação ou tenha constituído o fundamento normativo do aí decidido. 
 
             Trata-se de um pressuposto específico do recurso de 
 constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e 
 incidental) do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra 
 desenhado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da 
 constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da 
 natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. Cardoso da Costa, 
 
 «A jurisdição constitucional em Portugal», in Estudos em homenagem ao Professor 
 Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, I, 
 
 1984, pp. 210 e ss., e, entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no 
 Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no 
 mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de 
 pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 
 
 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o 
 Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 
 
 2000).
 
             Neste domínio da fiscalização concreta de constitucionalidade, 
 importa, ainda, acentuar que a intervenção do Tribunal Constitucional se limita 
 ao reexame ou reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que o tribunal 
 a quo apreciou ou devesse ter apreciado. 
 
             Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade há-de 
 poder, efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida, implicando a sua 
 reforma, no caso de o recurso obter provimento. 
 
             Tal só é possível quando a norma cuja constitucionalidade o Tribunal 
 Constitucional aprecie haja constituído a ratio decidendi da decisão recorrida, 
 ou seja, o fundamento normativo do aí decidido.
 
  
 
             6 – Ora, no caso dos autos, constata-se que o acórdão pretendido 
 recorrer não acolheu o critério normativo recortado pelo recorrente como objecto 
 do recurso de constitucionalidade, no seu requerimento de interposição de 
 recurso, segundo o qual o dever de fundamentação da decisão se basta “com a mera 
 menção, destituída de qualquer exame crítico, à prova produzida em audiência de 
 julgamento”.
 
  
 
             A respeito do conteúdo do dever de fundamentação consagrado no art. 
 
 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o acórdão recorrido discorreu do 
 seguinte jeito, na parte essencial, aqui a relevar:
 
  
 
 “Assim, de acordo com o art. o 374.º do CPP, a sentença para além de 
 identificação das partes, deve conter um relatório, o qual visa a reconstituição 
 da situação de facto a julgar, com indicação sumária das posições assumidas pela 
 acusação e pela defesa, sendo que relativamente à posição assumida pela acusação 
 a lei se satisfaz com a mera indicação da infracção ou infracções imputadas, ao 
 que se segue a fundamentação, que visa dar a conhecer os factos provados e os 
 não provados, bem como os motivos de facto e de direito que fundamentam a 
 decisão fáctica (devendo indicar-se as provas que serviram para formar a 
 convicção do tribunal, com exame crítico das mesmas), ao que se segue a decisão 
 de direito na qual se subsumem os factos apurados ao direito aplicável, 
 terminando com a indicação expressa da decisão condenatória ou absolutória.
 A lei impõe, pois, que o tribunal não só dê a conhecer os factos provados e não 
 provados, para o que os deve enumerar, mas também que explicite expressamente o 
 porquê da opção (decisão) tomada, o que se alcança mediante a indicação e exame 
 crítico das provas que serviram de base para formar a sua convicção.
 Trata-se de imposições que visam, por um lado, a total transparência da decisão, 
 por forma a que os seus destinatários (aqui se incluindo a própria 
 colectividade) possam apreender e compreender claramente os juízos de valoração 
 e de apreciação por parte do julgador e, por outro lado, possibilitar ao 
 tribunal superior a fiscalização e o controlo da actividade decisória, o que 
 constituiu direito elementar dos participantes processuais, fiscalização e 
 controlo que se concretiza através do recurso.
 Ora, a imposição de motivação (explicitação) da decisão de facto, a qual se 
 concretiza através do exame crítico das provas, traduz-se no dever do julgador 
 expressamente consignar os elementos probatórios que em razão das regras da 
 experiência ou de critérios lógicos (art. 127.º do CPP) constituem o substracto 
 racional que conduziu a que a sua convicção se formasse em determinado sentido e 
 valorasse de determinada forma os meios de prova apresentados e produzidos no 
 decurso do contraditório. 
 Só assim a decisão é susceptível de apreensão, permitindo aos seus destinatários 
 compreender os juízos de valoração e de apreciação da prova, possibilitando, 
 concomitantemente, ao tribunal de recurso uma efectiva actividade de 
 fiscalização e de controlo sobre a forma como o tribunal de 1ª instância valorou 
 e apreciou a prova produzida, designadamente para efeitos do n.º 2 do art. 410.º 
 do CPP.
 Deste modo, ao tribunal não basta indicar as provas a partir das quais formou a 
 sua convicção, tendo também de fundamentar a decisão de facto que assumiu, para 
 o que deverá expor os motivos que o levaram a considerar aquelas provas como 
 idóneas e relevantes, eventualmente em detrimento de outras, bem como de expor 
 os critérios utilizados na apreciação daquelas e o substrato racional que 
 conduziu á convicção concretamente formada.
 Afigura-se-nos estarem todos de acordo e nunca é demais sublinhar, que a 
 obrigatoriedade de indicação na sentença das provas que serviram para formar a 
 convicção do tribunal, estabelecida no art. 374.º, n.º 2, do CPP, se destina não 
 só a permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso a verificação de 
 que na sentença se seguiu um critério lógico e racional na apreciação da prova, 
 não sendo portanto uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou 
 notoriamente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova, 
 mas também assegurar a inexistência de violação do princípio da 
 inadmissibilidade da proibição da prova.
 Assim não impunha, nem impõe o referido normativo, após a alteração da Lei 
 
 59/98, que se indique o conteúdo dos depoimentos, os meios de prova em relação a 
 cada um dos factos que o tribunal tenha considerado provado ou não provado, nem 
 a indicação das razões pelas quais se considera como verdadeiros determinados 
 depoimentos ou declarações.
 O texto actual introduzido pela referida Lei exprime mais vincadamente 
 pensamento legislativo e reforçou a sua inicial e verdadeira intenção dissipando 
 dúvidas, divergências jurisprudenciais e pacificando os espíritos.
 Se bem que não fossem necessárias estas indicações, o certo é que para cumprir a 
 exigência imposta (com indicação das provas que serviram para formar convicção 
 do Tribunal), nunca é demais sublinhar, não basta uma mera indicação sem mais, 
 da identificação das testemunhas ou declarantes ouvidos ou dos documentos que 
 serviram de apoio, é necessário descrever a razão de ciência do impacto 
 probatório na convicção do julgador, expor os motivos que o levaram a considerar 
 aquelas provas como idóneas e relevantes, eventualmente em detrimento de outras, 
 bem como expor os critérios utilizados na apreciação daquelas e o substrato 
 racional que conduziu à convicção concretamente formada. 
 Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são, nem os factos provados 
 
 (thema decidendum), nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos 
 que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o 
 substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em 
 determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova 
 apresentados em audiência.
 
 É evidente que nos casos ou situações em que tenha havido lugar a documentação 
 da prova produzida no contraditório ou em que do processo constem todos os 
 elementos de prova que serviram de base à decisão proferido sobre a matéria de 
 facto, a obrigação de motivação que vimos a aludir não assume a mesma 
 importância nem implica o mesmo cuidado e rigor na sua observação.
 Com efeito, visando aquela imposição legal a transparência da decisão e a 
 possibilidade de fiscalização e de controle da mesma pela instância superior, 
 certo é que constando do processo todas as provas que serviram de base à decisão 
 e a fundamentação, esbate-se significativamente a exigência de motivação da 
 decisão de facto, posto que a fiscalização e o controlo a efectuar far-se-ão 
 através de decisão de facto, posto que a fiscalização e o controlo a efectuar 
 far-se-ão através da sindicação da prova e não da motivação da decisão”.
 
  
 
          Decorre, pois, claramente do acórdão pretendido recorrer que a Relação 
 considerou que “ao tribunal não basta indicar as provas a partir das quais 
 formou a           sua convicção, tendo também de fundamentar a decisão de facto 
 que assumiu, para o que deverá expor os motivos que o levaram a considerar 
 aquelas provas como idóneas e relevantes, eventualmente em detrimento de outras, 
 bem como de expor os critérios utilizados na apreciação daquelas e o substrato 
 racional que conduziu á convicção concretamente formada” e que “não basta uma 
 mera indicação sem mais, da identificação das testemunhas ou declarantes ouvidos 
 ou dos documentos que serviram de apoio, é necessário descrever a razão de 
 ciência do impacto probatório na convicção do julgador, expor os motivos que o 
 levaram a considerar aquelas provas como idóneas e relevantes, eventualmente em 
 detrimento de outras, bem como expor os critérios utilizados na apreciação 
 daquelas e o substrato racional que conduziu à convicção concretamente formada”. 
 
 
 
  
 
             Assim sendo, constata-se que não ter constituído a norma cuja 
 constitucionalidade se pretende sindicar ratio decidendi da decisão pretendida 
 recorrer, pelo que falece o referido pressuposto específico do recurso de 
 constitucionalidade.
 
             De anotar é ainda que não compete ao Tribunal Constitucional 
 proceder ao controlo de mérito que a decisão recorrida fez do critério normativo 
 que enunciou, de modo a averiguar se, no caso concreto, a sentença se deveria 
 ter por adequadamente fundamentada, em face de tal critério. A correcção do 
 juízo subsuntivo, materializado pela correspondência da materialidade apurada 
 com o critério normativo elegido, cabe apenas nos poderes dos tribunais de 
 instância.
 
  
 
             Deste modo, a reclamação deve improceder.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
             7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide indeferir a reclamação e condenar o reclamante nas custas do processo, 
 fixando a taxa de justiça em 20 UCs.
 Lisboa, 23 de Março de 2006
 Benjamim Rodrigues
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura ramos