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Processo n.º 652/07
 Plenário
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
          (Conselheira Ana Maria Guerra Martins) 
 
                                                                                  
 
               
 
  
 
  
 
    Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 I – Relatório
 
  
 
                                     1. O Presidente da República requereu, em 11 
 de Junho de 2007, ao abrigo do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição da 
 República Portuguesa (CRP) e dos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, 
 aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela 
 Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), que o Tribunal Constitucional 
 aprecie a conformidade com o disposto no n.º 7 do artigo 231.º, conjugado com 
 os n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 226.º da CRP, da norma constante do artigo 1.º do 
 Decreto n.º 121/X, de 17 de Maio de 2007, da Assembleia da República, que 
 
 “Altera o regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos 
 políticos e altos cargos públicos”, recebido na Presidência da República no dia 
 
 4 de Junho de 2007 para ser promulgado como Lei, “pela circunstância de essa 
 norma legal poder ter regulado indevidamente uma matéria de reserva necessária 
 dos Estatutos Político‑Administrativos das Regiões Autónomas”.
 
                                     O pedido assenta nos seguintes fundamentos:
 
  
 
 “1.º – A disposição normativa constante do artigo 1.º do Decreto enviado para 
 promulgação e que é objecto do presente pedido de fiscalização altera o artigo 
 
 1.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, a qual aprova o regime jurídico de 
 incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos 
 cargos públicos.
 
 2.º – A nova redacção que a norma submetida a apreciação confere à alínea b) do 
 n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 64/93 determina expressamente a extensão do 
 regime legal nela previsto sobre incompatibilidades e impedimentos dos 
 titulares de cargos políticos aos deputados das Assembleias Legislativas das 
 Regiões Autónomas, regime que se cumularia com as regras legais vertentes sobre 
 a mesma matéria que constam dos Estatutos Político‑Administrativos, em especial, 
 com as normas dos artigos 34.º e 35.º do Estatuto da Região Autónoma da Madeira.
 
 3.º – Embora a alínea m) do artigo 164.º da CRP integre na reserva absoluta de 
 competência legislativa da Assembleia da República a regulação por lei comum da 
 matéria do estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, bem 
 como de outros órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e 
 universal, verifica‑se que o n.º 7 do artigo 231.º da CRP determina que o 
 estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas (no 
 qual figura o domínio das incompatibilidades e impedimentos) seja 
 necessariamente definido nos respectivos Estatutos Político‑Administrativos.
 
 4.º – Na medida em que a norma cuja apreciação da constitucionalidade se requer 
 e que reveste a categoria formal de lei comum da Assembleia da República impõe a 
 aplicação do regime da Lei n.º 64/93 aos deputados dos parlamentos regionais, 
 ela mostra‑se susceptível de violar a reserva de Estatuto 
 Político‑Administrativo tal como se encontra definida pelo n.º 7 do artigo 231.º 
 da CRP, já que carece, na sua formação, de uma formalidade essencial do 
 procedimento produtivo da lei estatutária, a qual consiste na reserva de 
 iniciativa dos parlamentos regionais, prevista nos n.ºs 1 e 4 do artigo 226.º da 
 CRP.
 
 5.º – Encontra‑se, deste modo, em causa, não uma apreciação substancial do 
 conteúdo do decreto, mas sim a resolução de uma questão prévia de ordem formal 
 que tange à garantia da integridade da reserva de Estatuto 
 Político‑Administrativo, a qual releva para a defesa de direitos regionais que 
 se projectam na faculdade conferida às Assembleias Legislativas das regiões para 
 participarem qualificadamente na fase de iniciação do procedimento produtivo de 
 uma lei aprovada pelos órgãos de soberania que disponha sobre o estatuto dos 
 deputados regionais.”
 
  
 
                                     Em anexo ao pedido, foi remetido um parecer 
 da Assessoria para os Assuntos Jurídicos e Constitucionais da Casa Civil da 
 Presidência da República.
 
  
 
                                     2. O artigo 1.º do Decreto n.º 121/X, da 
 Assembleia República, dispõe o seguinte:
 
  
 
 “Artigo 1.º
 Alterações à Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto
 O artigo 1.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, alterada pela Lei n.º 39‑B/94, 
 de 27 de Dezembro, pela Lei n.º 28/95, de 18 de Agosto, pela Lei n.º 12/96, de 
 
 18 de Abril, pela Lei n.º 42/96, de 31 de Agosto, e pela Lei n.º 12/98, de 24 de 
 Fevereiro, passa a ter a seguinte redacção:
 
  
 
 «Artigo 1.º
 
 (…)
 
 1 – (…).
 
 2 – (…):
 a) Os Representantes da República nas regiões autónomas;
 b) Os Deputados das Assembleias Legislativas das regiões autónomas;
 c) Anterior alínea b);
 d) Anterior alínea c);
 e) (…);
 f) (…);
 g) (…).»”
 
  
 
                                     O diploma, que foi aprovado “nos termos da 
 alínea c) do artigo 161.º da Constituição” (que atribui competência à 
 Assembleia da República para “fazer leis, salvo as reservadas pela Constituição 
 ao Governo”), contém ainda um artigo 2.º, que dispõe: “A presente lei entra em 
 vigor no dia seguinte ao da sua publicação”.
 
                                     A redacção do artigo 1.º do Decreto‑Lei n.º 
 
 64/93 que se encontra em vigor corresponde à que lhe foi dada pela Lei n.º 
 
 28/95, de 18 de Agosto, e é do seguinte teor:
 
  
 
 «Artigo 1.º
 
 (Âmbito)
 
 1 – A presente lei regula o regime do exercício de funções pelos titulares de 
 
 órgãos de soberania e por titulares de outros cargos políticos.
 
 2 – Para efeitos da presente lei, são considerados titulares de cargos 
 políticos:
 a) Os Ministros da República para as Regiões Autónomas;
 b) Os membros dos Governos Regionais;
 c) O Provedor de Justiça;
 d) O Governador e Secretários Adjuntos de Macau;
 e) O governador e vice‑governador civil;
 f) O presidente e vereador a tempo inteiro das câmaras municipais;
 g) Deputado ao Parlamento Europeu.”
 
  
 
                                     Da comparação dos dois textos legais resulta 
 que as alterações visadas pelo Decreto n.º 121/X se traduzem: (i) na 
 actualização da designação dos Representantes da República nas Regiões 
 Autónomas em conformidade com a revisão constitucional de 2004; (ii) na 
 eliminação da referência aos extintos cargos de Governador e Secretários 
 Adjuntos de Macau; e (iii) na inclusão dos deputados das Assembleias 
 Legislativas das Regiões Autónomas entre o elenco dos titulares dos cargos 
 políticos que ficam sujeitos ao regime de exercício de funções estabelecido pela 
 Lei n.º 64/93 e suas sucessivas alterações.
 
                                     Resulta dos fundamentos do pedido que apenas 
 está em causa esta última alteração.
 
                                     Constitui, assim, objecto do presente pedido 
 a questão da constitucionalidade da norma do artigo 1.º do Decreto n.º 121/X, na 
 parte em que altera a redacção da alínea b) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 
 
 64/93, de 26 de Agosto (na redacção vigente, dada pela Lei n.º 28/95, de 18 de 
 Agosto), incluindo os deputados das Assembleias Legislativas das Regiões 
 Autónomas entre o elenco dos titulares dos cargos políticos que ficam sujeitos 
 ao regime de exercício de funções estabelecido nessa Lei.
 
  
 
                                     3. Notificado nos termos e para os efeitos 
 do artigo 54.º da LTC, o Presidente da Assembleia da República apresentou 
 resposta na qual oferece o merecimento dos autos, remete cópia do recurso de 
 admissão do Projecto de Lei n.º 254/X (BE) apresentado pelo Grupo Parlamentar do 
 PSD, dos Diários da Assembleia da República que contêm matéria a ele referente, 
 e dos trabalhos preparatórios relativos ao Decreto n.º 121/X da Assembleia da 
 República, e esclarece que “a decisão tomada quanto à admissão do Projecto de 
 Lei em questão, ao abrigo da alínea c) do artigo 161.º da Constituição da 
 República Portuguesa e nos termos do n.º 1 do artigo 139.º e da alínea c) do n.º 
 
 1 do artigo 17.º do Regimento da Assembleia da República, radica no entendimento 
 e prática de que a rejeição de iniciativas legislativas apresentadas à 
 Assembleia da República, nos casos estabelecidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 
 
 133.º do já mencionado Regimento, só deverá ter lugar quando ocorra a violação 
 frontal e absoluta do disposto na Constituição da República Portuguesa, ou dos 
 princípios nela consignados”.
 
  
 
                                     4. Apresentado pela primitiva Relatora o 
 memorando previsto no artigo 58.º, n.º 2, da LTC e tendo‑se apurado, uma vez 
 concluída a respectiva discussão, que a solução nele proposta não obtivera 
 vencimento, operou‑se mudança de relator, cumprindo agora formular a decisão, 
 em conformidade com o disposto no artigo 59.º, n.º 3, da LTC.
 
  
 
                                     II – Fundamentação
 
  
 
                                     5. Relativamente ao estatuto dos titulares 
 de órgãos de soberania e de outros cargos políticos (incluindo o respectivo 
 regime de incompatibilidades e impedimentos) e quanto ao órgão 
 constitucionalmente competente para a sua definição, a versão originária da CRP 
 limitava‑se a atribuir à Assembleia da República competência exclusiva para 
 legislar sobre a “remuneração do Presidente da República, dos Deputados, dos 
 membros do Governo e dos juízes dos tribunais superiores” (artigo 167.º, alínea 
 u)), a estipular que os Deputados que fossem funcionários do Estado ou de outras 
 pessoas colectivas públicas não podiam exercer as respectivas funções durante o 
 período de funcionamento efectivo da Assembleia (artigo 157.º, n.º 1) e que os 
 Deputados que fossem nomeados membros do Governo não podiam exercer o mandato 
 até à cessação destas funções (artigo 157.º, n.º 2), e a determinar a perda de 
 mandato dos Deputados que viessem “a ser feridos por alguma das incapacidades ou 
 incompatibilidades previstas na lei” (artigo 163.º, n.º 1, alínea a)).
 
                                     Foi a 1.ª revisão constitucional (Lei 
 Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro) que introduziu nesta matéria três 
 importantes inovações, que, na sua essência, permaneceram até à actualidade.
 
                                     A primeira respeita à consagração – a par da 
 imposição de a lei determinar os crimes de responsabilidade dos titulares dos 
 cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respectivos efeitos, que 
 já constava do n.º 2 do artigo 120.º da versão originária da CRP – do dever de 
 
 “a lei disp[or] sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades a que 
 estão sujeitos os titulares dos cargos políticos, bem como sobre os respectivos 
 direitos, regalias e imunidades” (n.º 2 do artigo 120.º, na versão de 1982). 
 Este preceito foi mantido na versão de 1989, com mera alteração formal da 
 redacção (“A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e 
 incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, bem como sobre os 
 respectivos direitos, regalias e imunidades”), e, com a revisão de 1997, 
 transitou para o artigo 117.º, n.º 2, com o aditamento da referência à previsão 
 das consequências do incumprimento dos deveres, responsabilidades e 
 incompatibilidades, adquirindo a redacção que ainda hoje mantém:
 
  
 
                   “A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e 
 incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, as consequências do 
 respectivo incumprimento, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e 
 imunidades.”
 
  
 
                                     Nunca suscitou dúvidas sérias a inclusão no 
 conceito de “titulares de cargos políticos” dos deputados das assembleias 
 legislativas regionais. Como se referiu no Acórdão n.º 637/95 deste Tribunal 
 
 (publicado no Diário da República, I Série‑A, n.º 296, de 26 de Dezembro de 
 
 1995, p. 8092, e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32.º vol., p. 139, e 
 com texto integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
 
  
 
 “Reconhecendo ser complexa a densificação do conceito de «cargos políticos», 
 Gomes Canotilho e Vital Moreira sustentaram, em comentário a este novo preceito, 
 que tal conceito não podia reconduzir‑se ao de «órgãos de soberania»: por um 
 lado, os titulares destes últimos «abrangem os titulares da função 
 jurisdicional, que parece não devem considerar‑se titulares de cargos 
 políticos; por outro lado, os cargos políticos não se resumem aos órgãos de 
 soberania, visto que do artigo 121.º decorre que os cargos políticos não têm de 
 ser estaduais, podendo ser cargos das regiões autónomas ou do poder local» 
 
 (Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., 2.º vol., Coimbra, 1985, 
 p. 83). Os mesmos constitucionalistas alertavam para o facto de que os titulares 
 de cargos políticos não eram «só aqueles que têm um estatuto 
 constitucionalmente definido de imunidades e prerrogativas; estas só vêm 
 definidas quanto aos titulares de alguns órgãos de soberania, sendo inequívoco 
 que nem só eles são titulares de cargos políticos. A noção que melhor parece 
 corresponder à razão de ser deste preceito constitucional é aquela que 
 considera cargos políticos todos aqueles aos quais estão constitucionalmente 
 confiadas funções políticas (sobretudo as de direcção política)» (ob. cit., 
 ibidem).
 Passou a ser, pois, isento de dúvidas que o Presidente da República, os 
 Deputados à Assembleia da República, os membros do Governo, os conselheiros de 
 Estado, os membros dos governos e das assembleias regionais, os Ministros da 
 República para as Regiões Autónomas e os membros de órgãos de poder local eram 
 qualificados como titulares de cargos políticos. Não havia, assim, que fazer 
 apelo a normas de direito infraconstitucional para preencher esse conceito 
 
 (veja-se, por exemplo, a Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, sobre o controlo da 
 riqueza dos titulares dos cargos políticos).
 Este n.º 2 do artigo 120.º da Constituição consagrou, assim, uma «imposição 
 legiferante» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., 2.º vol., p. 85), no 
 sentido de os órgãos legislativos competentes concretizarem o estatuto dos 
 titulares de cargos políticos, relativamente aos aspectos indicados (deveres, 
 responsabilidades e incompatibilidades, direitos, regalias e imunidades).”
 
  
 
                                     A segunda alteração relevante da revisão 
 constitucional de 1982 consistiu no aditamento do n.º 5 ao artigo 233.º da CRP – 
 
 “O estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas é 
 definido nos respectivos estatutos político‑administrativos” –, disposição que 
 transitou, sem qualquer alteração no seu teor, para o n.º 6 do artigo 231.º pela 
 revisão de 1997 e para o n.º 7 do mesmo preceito pela revisão de 2004.
 
                                     Neste contexto, interessa recordar que a 
 aprovação dos estatutos político‑administrativos das Regiões Autónomas sempre 
 competiu à Assembleia da República (artigo 164.º, alínea b), na versão 
 originária da CRP, que transitou para o artigo 161.º, alínea b), na revisão de 
 
 1997), cabendo às respectivas assembleias legislativas regionais a elaboração 
 não apenas dos projectos iniciais dos estatutos (como já constava do artigo 
 
 228.º, n.º 1, na versão originária da CRP), mas também dos projectos de 
 alterações dos estatutos (n.º 4 do artigo 228.º, aditado na revisão de 1982, e 
 que transitou, com a revisão de 1997, para o n.º 4 do artigo 226.º).
 
                                     A terceira alteração a assinalar introduzida 
 em 1982 consistiu na inserção, no artigo 167.º da CRP, entre as matérias de 
 reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, sob a 
 alínea g), da respeitante ao “estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e 
 do poder local, do Conselho de Estado e do Provedor de Justiça, incluindo o 
 regime das respectivas remunerações”.
 
                                     Na revisão de 1989, a correspondente alínea 
 l) do artigo 167.º passou a referir o “estatuto dos titulares dos órgãos de 
 soberania e do poder local, bem como dos restantes órgãos constitucionais ou 
 eleitos por sufrágio directo e universal”, formulação que transitou, sem 
 alteração de teor, para a alínea m) do artigo 164.º na revisão de 1997.
 
                                     A este propósito, consignou‑se no citado 
 Acórdão n.º 637/95:
 
  
 
                   “[15] – (…)
 No texto saído da primeira revisão constitucional, estabeleceu‑se que integrava 
 a reserva absoluta de competência legislativa do órgão parlamentar da República 
 a edição de legislação sobre «estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e 
 do poder local, do Conselho de Estado e do Provedor da Justiça, incluindo o 
 regime das respectivas remunerações» [artigo 167.º, alínea g)].
 Comentando este preceito, escreviam Gomes Canotilho e Vital Moreira:
 
  
 
 «O âmbito da matéria da alínea g) surge claramente delimitado por referência aos 
 artigos 113.º e 120.º. Trata‑se de definir o regime de responsabilidade dos 
 titulares dos cargos aí mencionados (nomeadamente da responsabilidade 
 criminal), bem como os deveres, responsabilidades e incompatibilidades e, 
 reciprocamente, os direitos, regalias e imunidades, incluindo o regime das 
 remunerações (mas não necessariamente a fixação do seu montante). Curioso é 
 notar a omissão da menção dos titulares dos órgãos das Regiões Autónomas; 
 todavia, o estatuto deles há‑de constar do respectivo estatuto regional (artigo 
 
 233.º, n.º 5), cuja aprovação também pertence em exclusivo à Assembleia da 
 República [cf. artigos 164.º, alínea b), e 228.º].» (ob. cit., 2.ª ed., 2.º 
 vol., p. 193, nota X ao artigo 167.º).
 
  
 Dos trabalhos preparatórios da primeira revisão constitucional pode retirar‑se 
 que os constituintes não pretenderam incluir, na norma que iria passar a constar 
 da alínea g) do artigo 167.º da Constituição, os titulares dos órgãos das 
 Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, por entenderem que tal matéria 
 deveria antes constar dos estatutos político‑administrativos dessas regiões, 
 também eles aprovados pela Assembleia da República, sendo embora a iniciativa 
 desses estatutos exclusivamente do órgão parlamentar regional [vejam‑se as 
 intervenções dos Deputados Amândio de Azevedo e Nunes de Almeida na Comissão 
 Eventual de Revisão Constitucional, in Diário da Assembleia da República, II 
 Série, n.º 39, de 15 de Janeiro de 1982, p. 852‑(65). Passou a figurar no n.º 5 
 do artigo 233.º da Constituição, a partir de 1982 — cf. Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira, ob. cit., 2.º vol., pp. 353-354 e 375‑376].
 
                   (...)
 
                   [16] – Na versão em vigor da Constituição, no texto resultante 
 da segunda revisão constitucional aprovada pela Lei Constitucional n.º 1/89, de 
 
 8 de Julho, o artigo 120.º, n.º 2, manteve praticamente inalterada a anterior 
 redacção, se se descontar uma modificação de redacção num sentido simplificador 
 
 (em vez de se fazer referência aos deveres, responsabilidades e 
 incompatibilidades a que estão sujeitos os titulares de cargos políticos, 
 indica‑se agora os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares 
 de cargos políticos).
 
                   No que toca à alínea g) do artigo 167.º da versão de 1982, a 
 norma dessa alínea passou para a alínea l) do mesmo artigo, havendo‑se suprimido 
 a referência à matéria do regime remuneratório e aditado uma nova parte final:
 
  
 
 «É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as 
 seguintes matérias:
 
 (…)
 l) Estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, bem como dos 
 restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal.»
 
  
 Dos trabalhos preparatórios desta segunda revisão constitucional não se retira 
 que os constituintes hajam visado qualquer finalidade específica de corte com a 
 anterior solução através da supressão da referência ao regime remuneratório dos 
 titulares de cargos políticos. Segundo a explicação do Deputado António 
 Vitorino, a redacção proposta pelo seu Partido pretendia encontrar uma 
 formulação abrangente e de ordem genérica para os titulares de cargos políticos, 
 evitando a anterior referência exemplificativa aos membros do Conselho de 
 Estado e ao Provedor de Justiça. O mesmo Deputado reafirmou que esta alínea não 
 abrangia os titulares dos órgãos do governo das Regiões Autónomas, visto 
 competir a estas a elaboração da proposta do seu próprio estatuto (veja-se o 
 Diário da Assembleia da República, II Série, n.º 98-RC, de 8 de Maio de 1989, p. 
 
 2820; e o mesmo Diário, II Série, n.º 108-RC, de 22 de Maio do mesmo ano, com 
 intervenções dos Deputados António Vitorino, Pedro Roseta, Rui Machete e José 
 Magalhães, este último chamando a atenção para o n.º 5 do artigo 233.º). A 
 eliminação da frase «incluindo o regime das respectivas remunerações» não 
 parece, pois, revestir-se de qualquer relevância interpretativa, pois é 
 manifesto que o regime remuneratório se reconduz aos «direitos e regalias» 
 contemplados no n.º 2 do artigo 120.º [cf. igualmente artigo 168.º, n.º 1, 
 alínea q), da Constituição].
 
 É por isso que Gomes Canotilho e Vital Moreira, ao comentarem esta alínea l) do 
 artigo 167.º da versão em vigor da Constituição, continuam a afirmar que a 
 mesma tem um âmbito «claramente delimitado por referência aos artigos 113.º e 
 
 120.º. Trata-se de definir o regime de responsabilidade dos titulares dos 
 cargos aí mencionados (nomeadamente da responsabilidade criminal), bem como os 
 deveres, responsabilidades e incompatibilidades e, reciprocamente, os direitos, 
 regalias e imunidades, incluindo o regime das remunerações (mas não 
 necessariamente a fixação do seu montante)» (Constituição da República 
 Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 666).
 
                  [17] – Relativamente aos titulares de cargos políticos do 
 governo próprio das Regiões Autónomas, é pacífico que a competência para a 
 fixação do seu regime estatutário não se acha prevista no artigo 167.º da 
 Constituição, não obstante a formulação extremamente abrangente da parte final 
 de nova alínea l) («bem como dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por 
 sufrágio directo e universal»). A evolução do texto constitucional e a análise 
 dos trabalhos preparatórios das duas revisões constitucionais de 1982 e de 1989 
 fundamentam esta afirmação.
 Tal competência cabe à Assembleia da República, é certo, mas a iniciativa 
 legislativa está atribuída em exclusivo às assembleias legislativas regionais – 
 
 é o que resulta dos artigos 164.º, alínea b), 228.º e 233.º, n.º 5, da Lei 
 Fundamental, como acima se referiu.
 Na verdade, o artigo 233.º da Constituição regula a matéria atinente aos órgãos 
 de governo próprio das duas regiões autónomas, esclarecendo que tais órgãos são 
 a assembleia legislativa regional e o governo regional (n.º 1). O n.º 5 deste 
 artigo, por seu turno, estabelece que «o estatuto dos titulares dos órgãos de 
 governo próprio das regiões autónomas é definido nos respectivos estatutos 
 político-administrativos».
 Anotando este n.º 5 do artigo 233.º, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira:
 
  
 
 «O estatuto dos titulares dos órgãos de governo regional (membros da assembleia 
 e membros do governo) deve ser definido, naturalmente, pelo estatuto regional 
 
 (n.º 5), respeitando os princípios constitucionais pertinentes (artigo 120.º), 
 bem como, com as devidas adaptações, os princípios deduzíveis do regime 
 constitucional dos Deputados da Assembleia da República e dos membros do Governo 
 da República. Ao reservar explicitamente para o estatuto regional a definição do 
 estatuto dos titulares dos órgãos regionais, a Constituição não deixa por isso 
 margem para dúvidas de que tal matéria não cabe nem na competência legislativa 
 reservada comum da AR [v. artigo 167.º, alínea l)], nem na competência 
 legislativa regional, através de decreto legislativo regional […]. Mas nada 
 parece impedir que os estatutos – que não podem «delegar» essa matéria para 
 decreto regional – sejam «regulamentados» por diploma regional.» (Constituição, 
 
 3.ª ed., pp. 873‑874; vejam‑se o 2.º vol. da 2.ª ed. desta obra, pp. 375-376, e 
 Jorge Miranda, Funções, Órgãos e Actos do Estado, Lisboa, 1990, pp. 84‑85).”
 
  
 
                                     Como na precedente transcrição do Acórdão 
 n.º 637/95 se refere, a adopção, na revisão de 1989, na alínea l) do artigo 
 
 167.º, de uma fórmula mais ampla do que a da alínea g) do mesmo preceito na 
 versão de 1982, não significou a inclusão, naquela previsão, dos titulares dos 
 
 órgãos de governo próprio das regiões autónomas, designadamente dos deputados 
 das assembleias legislativas regionais. A clara intenção manifestada no debate 
 parlamentar foi a de rejeitar essa inclusão, como resulta inequivocamente das 
 intervenções dos Deputados António Vitorino, Pedro Roseta, Rui Machete 
 
 (Presidente da Comissão) e José Magalhães (Diário da Assembleia da República, II 
 Série‑RC, n.º 108, de 22 de Maio de 1989, pp. 3055‑3056), tendo o primeiro 
 expressamente referido que: “é óbvio e evidente que neste estatuto dos titulares 
 dos órgãos eleitos por sufrágio directo e universal não se inclui o estatuto 
 dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas. No caso das 
 assembleias regionais esses órgãos são eleitos por sufrágio directo e 
 universal, mas isso é matéria que a Constituição atribui especificamente às 
 regiões autónomas”, tendo o Presidente da Comissão salientado tratar‑se de “uma 
 precisão importante, embora ela resulte de interpretação sistemática”, “porque 
 de outro modo seria conflituante”, o que foi corroborado pelo Deputado José 
 Magalhães, que salientou que “o n.º 5 do artigo 233.º reza o seguinte: «O 
 estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas é 
 definido nos respectivos estatutos político‑administrativos»”.
 
                                     A mesma conclusão seria, aliás, imposta pela 
 mera comparação da alínea l) do artigo 167.º, na versão de 1989, com a 
 precedente alínea j) do mesmo preceito (que inseria na reserva absoluta de 
 competência legislativa da Assembleia da República a matéria das “eleições dos 
 titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas e do poder local, 
 bem como dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e 
 universal”). A referência aos titulares dos órgãos de governo próprio das 
 regiões autónomas na alínea j) e a omissão de referência a esses titulares na 
 subsequente alínea l), e a menção em ambas as alíneas dos “restantes órgãos 
 constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal” implica 
 necessariamente, por um lado, que nesta última categoria não cabem aqueles 
 titulares (pois se coubessem seria redundante a sua específica menção na alínea 
 j)), e, por outro lado, que se quis diferenciar o enquadramento constitucional 
 da competência legislativa (sempre absolutamente reservada) da Assembleia da 
 República relativamente aos órgãos de governo próprio das regiões autónomas: a 
 matéria eleitoral no âmbito da competência legislativa “comum” e a matéria do 
 estatuto dos titulares desses órgãos fora dessa competência “comum”, porque 
 inserida na competência “estatutária” (alínea b) do artigo 164.º). Por isso, J. 
 J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, p. 666), anotando a omissão, na alínea l) 
 
 (em contraste com a alínea j)), da menção aos titulares dos órgãos das regiões 
 autónomas, assinalam que “o estatuto deles há‑de constar do respectivo estatuto 
 regional (artigo 233.º, n.º 5), cuja aprovação também pertence em exclusivo à 
 Assembleia da República (cf. artigos 164.º, alínea b), e 228.º)”.
 
                                     Não se tendo verificado, como inicialmente 
 se referiu, alterações relevantes, nas revisões constitucionais posteriores à de 
 
 1989, na formulação das normas correspondentes aos actuais artigos 164.º, alínea 
 m), e 231.º, n.º 7, da CRP, é de reiterar o entendimento, acolhido pela 
 doutrina (cf., por último, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição 
 Portuguesa Anotada, tomo II, Coimbra, 2006, p. 521: “O estatuto dos órgãos das 
 regiões autónomas integra‑se na reserva absoluta da Assembleia, mas não com 
 fundamento na alínea m) [do artigo 164.º], e sim com fundamento na alínea b) do 
 artigo 161.º, pois ele constitui matéria de estatuto político‑administrativo”) 
 e jurisprudência citadas, de que a definição do estatuto dos titulares de 
 
 órgãos de governo próprio das regiões autónomas, designadamente dos deputados 
 das respectivas assembleias legislativas, é da competência da Assembleia da 
 República, não ao abrigo da alínea m) do artigo 164.º, mas a coberto da alínea 
 b) do artigo 161.º, por ser matéria que deve ser definida nos correspondentes 
 estatutos político‑administrativos, e não em “lei comum” da Assembleia da 
 República.
 
                                     Daqui decorre a impossibilidade da afirmação 
 da existência de uma “concorrência de competências” nesta matéria entre “lei 
 comum” e “lei estatutária” da Assembleia da República.
 
  
 
                                     6. Alcançada a precedente conclusão, não se 
 vislumbram razões válidas para não incluir na expressão “estatuto dos titulares 
 dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas” a matéria das 
 incompatibilidades e impedimentos desses titulares.
 
                                     O sentido normal e corrente de estatuto de 
 titular de qualquer órgão engloba a definição quer dos direitos, regalias e 
 imunidades de que beneficiam, quer dos deveres, responsabilidades, 
 incompatibilidades e impedimentos que oneram os respectivos sujeitos. Cabe, 
 assim, neste conceito de “estatuto” a generalidade dos aspectos referidos no n.º 
 
 2 do artigo 117.º da CRP, incluindo as incompatibilidades. Já não caberá a 
 matéria da definição dos crimes de responsabilidade, que está contemplada, não 
 nesse n.º 2, mas no subsequente n.º 3 desse preceito.
 
                                     A circunstância de os estatutos 
 político‑administrativos das Regiões Autónomas terem uma relevante dimensão 
 organizatória não pode fazer esquecer que é a própria Constituição que, ao 
 definir o seu conteúdo obrigatório, determina que, a par da definição dos 
 poderes das Regiões referidos nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 227.º e da 
 enunciação das matérias sobre que incide a autonomia legislativa regional (n.º 1 
 do artigo 228.º), aqueles estatutos definam o estatuto dos titulares dos seus 
 
 órgãos de governo próprio (n.º 7 do artigo 231.º), não se justificando qualquer 
 restrição deste último conceito em termos de dele excluir a matéria das 
 incompatibilidades.
 
                                     Trata‑se, aliás, de questão que já foi 
 objecto de pronúncia por este Tribunal, sempre no sentido de que a definição das 
 incompatibilidades se insere no âmbito do estatuto dos titulares dos órgãos de 
 governo próprio das regiões autónomas.
 
                                     No Acórdão n.º 92/92 (Diário da República, I 
 Série‑A, n.º 82, de 7 de Abril de 1992, p. 1644, e Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 21.º vol., p. 7) – em que o Tribunal Constitucional, também em 
 sede de fiscalização preventiva, se pronunciou, com fundamento em violação das 
 disposições conjugadas dos artigos 164.º, alínea b), 228.º, n.ºs 1 a 4, 229.º, 
 n.º 1, alínea a), e 233.º, n.º 5, da Constituição (correspondentes aos actuais 
 artigos 161.º, alínea b), 226.º, n.ºs 1 e 4, 227.º, n.º 1, alínea a), e 231.º, 
 n.º 7), pela inconstitucionalidade de todas as normas do decreto, aprovado pela 
 Assembleia Legislativa Regional da Madeira, na sessão de 11 de Fevereiro de 
 
 1992, subordinado ao título “Alterações ao Estatuto do Deputado” –, após 
 referências às revisões constitucionais de 1982 e de 1989 que foram retomadas no 
 Acórdão n.º 637/95 e atrás transcritas, entendeu‑se parecer não restarem 
 dúvidas de que:
 
  
 
                   “a) Só a Assembleia da República pode legislar sobre o 
 estatuto (e suas alterações) dos titulares dos órgãos de governo regional – 
 maxime sobre o estatuto dos deputados regionais [cf. os artigos 228.º, n.º 1, e 
 
 233.º, n, º 5, da Constituição];
 
                   b) Esse estatuto – ou seja, o estatuto dos órgãos de governo 
 regional – tem de constar do estatuto político‑administrativo da respectiva 
 região autónoma (cf. artigo 233.º, n.º 5);
 
                   c) O mesmo estatuto há-de versar «sobre os deveres, 
 responsabilidades e incompatibilidades» dos titulares daqueles órgãos, e bem 
 assim «sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades» (cf. artigo 120.º, 
 n.º 2).” (sublinhado acrescentado).
 
  
 
                                     Nenhum dos votos de vencido apostos a este 
 acórdão dissente da afirmação de que a matéria das incompatibilidades integra o 
 estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas que 
 deve constar dos respectivos estatutos político‑administrativos. O voto de 
 vencido do Conselheiro Alves Correia começa por manifestar concordância “com a 
 doutrina geral do acórdão – a de que o diploma apreciado versa, no essencial, 
 sobre matéria que faz parte do estatuto dos titulares dos órgãos de governo 
 próprio das regiões autónomas (cujo conteúdo abrange, nos termos do n.º 2 do 
 artigo 120.º da Constituição, os deveres, responsabilidades e incompatibilidades 
 dos titulares daqueles órgãos, bem como os respectivos direitos, regalias e 
 imunidades), a qual constitui reserva de lei estatutária, – da competência da 
 Assembleia da República (cf. os artigos 164.º, alínea b), 228.º e 233.º, n.º 5, 
 da Constituição)”, apenas divergindo da inclusão na pronúncia de 
 inconstitucionalidade das normas respeitantes ao estatuto remuneratório, por se 
 traduzir em intervenção legislativa complementar do núcleo essencial do 
 estatuto remuneratório dos deputados regionais já definido no Estatuto 
 Político‑Administrativo. Por seu turno, o voto de vencido do Conselheiro António 
 Vitorino (a que se associou, em parte, o Conselheiro Bravo Serra), 
 relativamente às “normas que versam sobre deveres, responsabilidades, 
 incompatibilidades, direitos, regalias e imunidades dos deputados à Assembleia 
 Legislativa Regional, que integram o essencial do conceito de estatuto dos 
 titulares dos cargos políticos tal como ele decorre do artigo 120.º da 
 Constituição”, considerou‑as inconstitucionais, “tal como bem decidiu o Acórdão, 
 também aqui com o meu apoio, porque se reportam ao «núcleo essencial» do 
 estatuto dos deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira (e na medida 
 em que sobre ele disponham), uma vez que nesta dimensão estão abrangidas pela 
 
 «reserva de estatuto», como dispõe o n.º 5 do artigo 233.º da Lei Fundamental”, 
 somente dissentindo do Acórdão nas partes relativas às “normas que constituem 
 mera projecção organizatória das disposições atinentes ao estatuto dos titulares 
 de cargos políticos” e às “normas que estabelecem as remunerações e outros 
 benefícios complementares susceptíveis de serem enquadrados num conceito amplo 
 de «estatuto remuneratório»”, por entender “que a «reserva de estatuto» quanto à 
 
 «definição» do estatutos dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões 
 autónomas abrange apenas o «núcleo essencial» desse estatuto, tal como ele 
 resulta da formulação do artigo 120.º da Constituição, sendo lícita às 
 assembleias legislativas regionais uma intervenção legislativa regulamentar e 
 conformadora desse estatuto fora daquele «núcleo essencial» e em tudo o mais que 
 se prefigure como projecção organizatória das disposições estatutárias por 
 natureza”, reiterando o entendimento expresso, como Deputado, no processo de 
 revisão constitucional de 1989, de que “a competência da alínea l) do artigo 
 
 167.º [actual alínea m) do artigo 164.º] da Constituição não abrange o estatuto 
 dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas: sobre tal 
 matéria a Assembleia da República legisla por força do disposto na alínea b) do 
 artigo 164.º [actual alínea b) do artigo 161.º] da Constituição, podendo as 
 regiões legislar em complemento da formação estatutária naquilo que não integre 
 a matéria reservada ao Estatuto Político-Administrativo”.
 
                                     O entendimento de que a matéria das 
 incompatibilidades integra o estatuto dos titulares dos órgãos de governo 
 próprio das Regiões Autónomas foi reiterado no já citado Acórdão n.º 637/95, 
 onde expressamente se reafirmou:
 
  
 
                   “Com efeito, a Constituição exige que o estatuto desses 
 titulares de órgãos de governo próprio regional [os deputados às Assembleias 
 Legislativas Regionais] se ache definido no estatuto político‑administrativo. 
 Há, pois, uma reserva de lei estatutária na matéria. A definição desse estatuto 
 tem de abranger os deveres, as responsabilidades e incompatibilidades desses 
 titulares, bem como os respectivos direitos, regalias e imunidades.” (sublinhado 
 acrescentado).”
 
  
 
                                     Nestes termos, à conclusão, alcançada no 
 número anterior, de que a definição do estatuto dos titulares de órgãos de 
 governo próprio das regiões autónomas, designadamente dos deputados das 
 respectivas assembleias legislativas, é da competência da Assembleia da 
 República, não ao abrigo da alínea m) do artigo 164.º, mas a coberto da alínea 
 b) do artigo 161.º, por ser matéria que deve ser definida nos correspondentes 
 estatutos político‑administrativos, e não em “lei comum” da Assembleia da 
 República, há que aditar a conclusão, alcançada neste número, de que a matéria 
 das incompatibilidade faz parte integrante do estatuto dos deputados regionais.
 
  
 
                                     7. A aprovação do Decreto n.º 121/X, como 
 resulta do respectivo processo legislativo, embora não se apresentando 
 formalmente como uma alteração dos estatutos político‑administrativos das 
 Regiões Autónomas, visa introduzir modificações no estatuto dos deputados 
 regionais, designadamente no capítulo das incompatibilidades e impedimentos, 
 tendo especificamente como alvo a situação dos deputados da Assembleia 
 Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
 
                                     A iniciativa legislativa em causa teve na 
 sua origem o Projecto de Lei n.º 254/XI [“Altera a Lei n.º 64/93, de 26 de 
 Agosto (Estabelece o Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos 
 Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos)”], apresentado por 
 Deputados do Bloco de Esquerda (Diário da Assembleia da República (DAR), X 
 Legislatura, 1.ª Sessão Legislativa, II Série‑A, n.º 109, de 13 de Maio de 2006, 
 pp. 12‑15), e o Projecto de Lei n.º 366/X (“Determina a equiparação entre os 
 Deputados à Assembleia da República e os deputados às Assembleia Legislativas 
 das Regiões Autónomas em matéria de incompatibilidades e impedimentos”), 
 apresentado por Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português 
 
 (DAR citado, II Série‑A, n.º 52, de 9 de Março de 2007, pp. 13‑14).
 
                                     O Projecto de Lei n.º 254/X, considerando 
 injustificada a não consideração dos deputados das Assembleia Legislativas 
 Regionais dos Açores e da Madeira como titulares de cargos políticos para 
 efeitos da aplicação do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 64/93, e 
 constatando que a questão não é satisfatoriamente resolvida pelos respectivos 
 Estatutos Político‑Administrativos (no dos Açores “não é abordada a questão das 
 incompatibilidades e impedimentos dos Deputados, embora a prática política tenha 
 garantido sempre a consonância com a lei”; e no da Madeira “as 
 incompatibilidades e impedimentos previstos ficam aquém dos estipulados pelo 
 regime que se pretende geral e a prática política é aberta e violentamente 
 contraditória com a definida pela lei”), propunha as alterações à Lei n.º 64/93 
 que vieram a ser acolhidas no Decreto n.º 121/X.
 
                                     O Projecto de Lei n.º 366/X, considerando 
 igualmente não se justificar a existência de disparidade de estatutos entre os 
 Deputados à Assembleia da República e os deputados às Assembleias Legislativas 
 das Regiões Autónomas em matéria de incompatibilidades e impedimentos, 
 entendendo que “existe um regime idêntico aplicável aos Deputados à Assembleia 
 da República e aos Deputados da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos 
 Açores”, mas que “existe uma diferenciação de estatuto dos Deputados à 
 Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, que é mais permissivo em 
 matéria de incompatibilidades e impedimentos”, não sendo aplicáveis a estes 
 deputados “os princípios da transparência e de não acumulação indevida de 
 funções públicas com funções privadas que possam comprometer a independência no 
 exercício do mandato”, propunha, como solução legislativa, a adopção pela 
 Assembleia da República de uma lei que concretizasse esses princípios em todo o 
 território nacional, contendo um artigo único, do seguinte teor: “O Estatuto dos 
 Deputados às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas é equiparado ao 
 Estatuto dos Deputados à Assembleia da República no que se refere aos direitos, 
 regalias, incompatibilidades, impedimentos e imunidades consagrados 
 constitucionalmente”.
 
                                     Pelo Grupo Parlamentar do PSD foram 
 interpostos recursos contra a admissão dos referidos Projectos de Lei, com 
 fundamento em inconstitucionalidade, “por violação do disposto nos artigos 
 
 226.º, n.º 1, 227.º, n.º 1, alínea e), e 231.º, n.º 7, da Constituição da 
 República Portuguesa, já que ofende a reserva de iniciativa legislativa das 
 assembleias legislativas das regiões autónomas em matéria estatutária”, recursos 
 que, na sequência de pareceres desfavoráveis da Comissão de Assuntos 
 Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (o parecer sobre a 
 admissibilidade do Projecto de Lei n.º 254/X foi publicado no DAR, II Série‑A, 
 n.º 112, de 18 de Maio de 2006, pp. 6‑9), foram indeferidos pelo Plenário da 
 Assembleia da República (DAR, I Série, n.º 125, de 19 de Maio de 2006, pp. 
 
 5748‑5754 e 5781, e n.º 63, de 23 de Março de 2007, pp. 27‑34). O referido 
 parecer considera que a matéria versada pelo Projecto de Lei n.º 254/X está 
 abrangida não apenas pela reserva absoluta de competência legislativa da 
 Assembleia da República prevista na alínea m) do artigo 164.º da CRP, entendendo 
 que as assembleias legislativas regionais se incluem entre os órgãos 
 constitucionais previstos nessa alínea (n.ºs 20 a 22 do parecer), mas também 
 
 “pela reserva exclusiva de iniciativa legislativa da Assembleia da República, 
 sendo matéria conexa com a eleição dos Deputados, mas que não se pode entender 
 que caiba no âmbito do artigo 226.º da Constituição da República Portuguesa”, 
 uma vez que “não se está a alterar os estatutos político‑administrativos das 
 regiões autónomas, mas tão‑só pretende o partido proponente um alteração à lei 
 que estabelece o regime jurídico das incompatibilidades e impedimentos dos 
 titulares de cargos políticos e altos cargos públicos” (n.º 27 do parecer).
 
                                     Sobre os Projectos de Lei recaiu o Parecer 
 da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, de 
 
 11 de Abril de 2007 (DAR, II Série‑A, n.º 65, de 12 de Abril de 2007, pp. 13‑15) 
 e pareceres desfavoráveis da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos 
 Açores (DAR, II Série‑A, n.º 65, de 12 de Abril de 2007, pp. 16‑18), do Governo 
 Regional dos Açores (DAR, II Série‑A, n.º 131, de 22 de Julho de 2006, pp. 
 
 19‑20, e n.º 61, de 30 de Março de 2007, pp. 16‑17, republicado no DAR, II 
 Série‑A, n.º 63, de 5 de Abril de 2007, p. 7), da Assembleia Legislativa da 
 Região Autónoma da Madeira (DAR, II Série‑A, n.º 59, de 24 de Março de 2007, pp. 
 
 4‑6) e do Governo Regional da Madeira (DAR, II Série‑A, n.º 63, de 5 de Abril de 
 
 2007, p. 7), após o que foram discutidos e aprovados na generalidade (DAR, I 
 Série, n.º 70, de 12 de Abril de 2007, pp. 5‑30).
 
                                     Após discussão e votação na especialidade na 
 referida Comissão (cf. relatório no DAR, II Série‑A, n.º 80, de 18 de Maio de 
 
 2007, pp. 14‑16), foi, em votação final global, aprovado o texto proposto pela 
 Comissão (DAR, I Série, n.º 84, de 18 de Maio de 2007, p. 39), que se viria a 
 transformar no Decreto n.º 121/X, ora em apreço.
 
                                     Com a aprovação da norma questionada no 
 presente processo passam os deputados das Assembleias Legislativas das Regiões 
 Autónomas a ficar sujeitos ao regime de exercício de funções estabelecido na Lei 
 n.º 64/93 (alterada pelas Leis n.ºs 39‑B/94, 28/95, 12/96, 42/96 e 12/98, atrás 
 referidas, e, por último, pelo Decreto‑Lei n.º 71/2007, de 27 de Março, cujo 
 artigo 42.º, n.º 1, alínea b), revogou as alíneas a) e b) do artigo 3.º e os 
 n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 64/93), o que implica que:
 
                                     1) as respectivas funções são exercidas em 
 regime de exclusividade, sendo a titularidade do cargo incompatível com 
 quaisquer outras funções profissionais remuneradas ou não, bem como com a 
 integração em corpos sociais de quaisquer pessoas colectivas de fins lucrativos, 
 com excepção das funções ou actividades derivadas do cargo e as que são 
 exercidas por inerência – artigo 4.º da Lei n.º 64/93, alterado pelas Leis n.ºs 
 
 28/95 (artigo 1.º) e 12/98 (artigo 1.º, n.º 2);
 
                                     2) não podem exercer, pelo período de três 
 anos contado da data da cessação das respectivas funções, cargos em empresas 
 privadas que prossigam actividades no sector por eles directamente tutelado, 
 desde que, no período do respectivo mandato, tenham sido objecto de operações de 
 privatização ou tenham beneficiado de incentivos financeiros ou de sistemas de 
 incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual, exceptuando‑se o 
 regresso à empresa ou actividade exercida à data da investidura no cargo – 
 artigo 5.º da Lei n.º 64/93, alterado pela Lei n.º 28/95 (artigo 1.º);
 
                                     3) as empresas cujo capital seja por eles 
 detido numa percentagem superior a 10% ficam impedidas de participar em 
 concursos de fornecimento de bens ou serviços, no exercício de actividade de 
 comércio ou indústria, em contratos com o Estado e demais pessoas colectivas 
 públicas, ficando sujeitas ao mesmo regime as empresas de cujo capital, em igual 
 percentagem, sejam titulares os seus cônjuges, não separados de pessoas e bens, 
 os seus ascendentes e descendentes em qualquer grau, e os colaterais até ao 2.º 
 grau, bem como aqueles que com eles viviam nas condições do artigo 2020.º do 
 Código Civil, e as empresas em cujo capital detenham, directa ou 
 indirectamente, por si ou conjuntamente com os referidos familiares, uma 
 participação não inferior a 10% – artigo 8.º da Lei n.º 64/93, alterado pela Lei 
 n.º 28/95 (artigo 1.º);
 
                                     4) estão impedidos de servir de árbitro ou 
 de perito, a título gratuito ou remunerado, em qualquer processo em que seja 
 parte o Estado e demais pessoas colectivas públicas, impedimento que se mantém 
 até ao termo do prazo de um ano após a respectiva cessação de funções – artigo 
 
 9.º da Lei n.º 64/93;
 
                                     5) os deputados regionais que, nos últimos 
 três anos anteriores à data da investidura no cargo, tenham detido, nos termos 
 do artigo 8.º, a percentagem de capital em empresas nele referidas ou tenham 
 integrado corpos sociais de quaisquer pessoas colectivas de fins lucrativos 
 
 (excepto se esta participação nos corpos sociais tiver ocorrido por designação 
 do Estado ou de outra pessoa colectiva pública) não podem intervir: a) em 
 concursos de fornecimento de bens ou serviços ao Estado e demais pessoas 
 colectivas públicas aos quais aquelas empresas e pessoas colectivas sejam 
 candidatos; b) em contratos do Estado e demais pessoas colectivas públicas com 
 elas celebrados; c) em quaisquer outros procedimentos administrativos, em que 
 aquelas empresas e pessoas colectivas intervenham, susceptíveis de gerar dúvidas 
 sobre a isenção ou rectidão da conduta dos referidos titulares, designadamente 
 nos de concessão ou modificação de autorizações ou licenças, de actos de 
 expropriação, de concessão de benefícios de conteúdo patrimonial e de doação de 
 bens – artigo 9.º‑A da Lei n.º 64/93, aditado pela Lei n.º 42/96 (artigo 1.º).
 
                                     Por seu turno, o Estatuto 
 Político‑Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), na versão 
 resultante da revisão operada pela Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto, considera:
 
                                     1) incompatível com o exercício do mandato 
 de deputado à Assembleia Legislativa Regional o desempenho dos cargos 
 seguintes: a) Presidente da República, membro do Governo e Ministro [hoje, 
 Representante] da República; b) Membro do Tribunal Constitucional, do Supremo 
 Tribunal de Justiça, do Tribunal de Contas e do Conselho Superior da 
 Magistratura e Provedor de Justiça; c) Deputado ao Parlamento Europeu; d) 
 Deputado à Assembleia da República; e) membro dos demais órgãos de governo 
 próprio das Regiões Autónomas; f) embaixador não oriundo da carreira 
 diplomática; g) governador e vice‑governador civil; h) presidente e vereador a 
 tempo inteiro das câmaras municipais; i) funcionário do Estado, da Região ou de 
 outras pessoas colectivas de direito público, com excepção do exercício 
 gratuito de funções docentes, de actividade de investigação e outras similares 
 como tal reconhecidas caso a caso pela Assembleia Legislativa Regional; j) 
 membro da Comissão Nacional de Eleições; l) membro dos gabinetes ministeriais 
 ou legalmente equiparados; m) funcionário de organização internacional ou de 
 Estado estrangeiro; n) Presidente e Vice-Presidente do Conselho Económico e 
 Social; o) membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social (substituída 
 pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social – Lei n.º 53/2005, de 8 de 
 Novembro); p) membro dos conselhos de administração das empresas públicas; q) 
 membro dos conselhos de administração das empresas de capitais públicos 
 maioritariamente participadas pelo Estado ou pela Região; e r) membro dos 
 conselhos de administração de institutos públicos autónomos – artigo 34.º, n.ºs 
 
 1 e 3;
 
                                     2) incompatível com a função de deputado 
 regional: a) a substituição interina do Ministro [hoje, Representante] da 
 República; b) o exercício do cargo de delegado do Governo Regional no Porto 
 Santo; e c) o exercício do cargo de director regional no Governo Regional – 
 artigo 34.º, n.º 2;
 
                                     3) que os deputados regionais carecem de 
 autorização da Assembleia Legislativa Regional para serem jurados, árbitros, 
 peritos ou testemunhas, e é‑lhes vedado exercer o mandato judicial como autores 
 nas acções cíveis contra o Estado e contra a Região; servir de peritos ou 
 
 árbitros a título remunerado em qualquer processo em que sejam parte o Estado, a 
 Região e demais pessoas colectivas de direito público (salvo deliberação em 
 contrário da Assembleia Legislativa Regional, fundada em razão de interesse 
 público); integrar a administração de sociedades concessionárias de serviços 
 públicos; e figurar ou de qualquer forma participar em actos de publicidade 
 comercial – artigo 35.º, n.ºs 1, 3 e 4.
 
                                     Relativamente ao Estatuto 
 Político‑Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA), na versão 
 resultante da revisão operada pela Lei n.º 61/98, de 27 de Agosto, e 
 contrariamente ao que por vezes foi referido no debate parlamentar que conduziu 
 
 à aprovação do Decreto n.º 121/X ora em apreciação, não existe qualquer norma de 
 equiparação do regime de incompatibilidades e impedimentos dos respectivos 
 deputados ao regime dos Deputados à Assembleia da República. Na verdade, o 
 artigo 24.º desse Estatuto só equipara o estatuto dos deputados à Assembleia 
 Legislativa Regional ao Estatuto dos Deputados à Assembleia da República “no que 
 se refere aos direitos, regalias e imunidades consagrados constitucionalmente”, 
 o que não abrange as incompatibilidades e impedimentos. Quanto a estas, o artigo 
 
 29.º limita‑se a referir que “Sem prejuízo de outras incompatibilidades 
 previstas na lei, os Deputados que desempenharem cargos de titulares ou de 
 membros dos órgãos de soberania ou de outro órgão de governo próprio da Região 
 Autónoma não poderão exercer o seu mandato até à cessação dessas funções.”
 
                                     A remissão para as “outras 
 incompatibilidades previstas na lei” é susceptível de ser interpretada como 
 dirigida, nomeadamente, ao Decreto Legislativo Regional n.º 19/90‑A, de 20 de 
 Novembro (rectificado no Diário da República, I Série, 5.º Suplemento ao n.º 
 
 300, de 31 de Dezembro de 1990, p. 5288‑(23)), que fixou um regime específico de 
 incompatibilidades e impedimentos dos deputados à Assembleia Legislativa da 
 Região Autónoma dos Açores, e nos termos do qual (independentemente da questão 
 da sua inconstitucionalidade, face ao princípio da reserva de estatuto, como, a 
 respeito do precedente Decreto Legislativo Regional n.º 13/88/A, de 6 de Abril, 
 advertiam Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva, Estatuto Político da Região 
 Administrativa dos Açores Anotado, Lisboa, 1997, p. 80):
 
                                     1) considera incompatível o exercício dos 
 cargos de deputado regional e de: a) Presidente da República, membro do Governo 
 e Ministro [hoje, Representante] da República; b) membro do Tribunal 
 Constitucional, do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal de Contas e do 
 Conselho Superior da Magistratura e Provedor de Justiça; c) Deputado ao 
 Parlamento Europeu; d) Deputado à Assembleia da República; e) membro dos demais 
 
 órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas; f) embaixador não oriundo da 
 carreira diplomática; g) governador e vice‑governador civil; h) presidente e 
 vereador a tempo inteiro das câmaras municipais; i) funcionário do Estado, da 
 Região ou de outras pessoas colectivas de direito público (com excepção dos 
 deputados não afectos permanentemente, nos dias em que se verifique a situação 
 de não afectação, e do exercício gratuito de funções docentes no ensino 
 superior, de actividade de investigação e outras similares como tais 
 reconhecidas caso a caso pela Assembleia Legislativa Regional); j) membro da 
 Comissão Nacional de Eleições; l) membro dos gabinetes ministeriais ou 
 legalmente equiparados; m) funcionário de organização internacional ou de 
 Estado estrangeiro; n) Presidente e Vice‑Presidente do Conselho Económico e 
 Social; o) membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social (substituída pela 
 Entidade Reguladora para a Comunicação Social – Lei n.º 53/2005, de 8 de 
 Novembro); e p) membro dos conselhos de gestão das empresas públicas, das 
 empresas de capitais públicos maioritariamente participadas pelo Estado e pela 
 Região e de institutos públicos autónomos – artigo 22.º;
 
                                     2) veda aos deputados da Assembleia 
 Legislativa Regional: a) exercer o mandato judicial como autores nas acções 
 civis contra o Estado e contra a Região; b) servir de perito ou árbitro a título 
 remunerado em qualquer processo em que sejam parte o Estado, a Região e demais 
 pessoas colectivas de direito público (salvo deliberação em contrário da 
 Assembleia Legislativa Regional, fundada em razão de interesse público); c) 
 integrar a administração de sociedades concessionárias de serviços públicos; d) 
 no exercício de actividade de comércio ou indústria, participar em concursos 
 públicos de fornecimento de bens e serviços, bem como em contratos com o Estado, 
 
 à Região ou a outras pessoas colectivas de direito público; e e) figurar ou de 
 qualquer forma participar em actos de publicidade comercial – artigo 23.º.
 
                                     Como resulta da comparação entre o regime de 
 exercício de actividade dos titulares de cargos políticos constante da Lei n.º 
 
 64/93, com as alterações das Leis n.ºs 28/95, 42/96 e 12/98, e o regime de 
 incompatibilidade e impedimentos dos deputados regionais constante do EPARAM e 
 do EPARAA, este complementado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 19/90‑A, a 
 aprovação do Decreto n.º 121/X representa materialmente uma nova regulação 
 deste último regime, o que, pelas razões atrás expostas, implicava que essa 
 intervenção legislativa da Assembleia da República fosse feita no uso da 
 competência político‑legislativa de aprovação dos estatutos 
 político‑administrativos das regiões autónomas (artigo 161.º, alínea b), da 
 CRP), e não ao abrigo da competência legislativa “comum” (artigo 164.º, alínea 
 m), da CRP).
 
                                     Como resultou do debate parlamentar relativo 
 ao diploma ora em apreço, o aspecto mais relevante da intentada intervenção 
 legislativa respeita ao alargamento dos impedimentos dos deputados regionais da 
 Madeira, neste aspecto circunscritos à integração da “administração de 
 sociedades concessionárias de serviços públicos” (artigo 35.º, n.º 3, alínea d), 
 do EPARAM), aos impedimentos previstos nos artigos 5.º e 8.º da Lei n.º 64/93, 
 na redacção da Lei n.º 28/95, e 9.º‑A daquela Lei, aditado pela Lei n.º 42/96, 
 atrás descritos.
 
                                     Alargamento que foi justificado pela 
 conveniência de equiparação entre o regime de incompatibilidades e impedimentos 
 dos deputados regionais e o dos Deputados à Assembleia da República. Este último 
 consta do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de Março, alterado pelas 
 Leis n.ºs 24/95, de 18 de Agosto, 55/98, de 18 de Agosto, 8/99, de 10 de 
 Fevereiro, 45/99, de 16 de Junho, 3/2001, de 23 de Fevereiro, 24/2003, de 4 de 
 Julho, 52‑A/2005, de 10 de Outubro, e 44/2006 e 45/2006, de 25 de Agosto), que, 
 na redacção actualmente vigente (ignorando‑se, por isso, as alterações 
 introduzidas pelas duas últimas Leis citadas, que só entrarão em vigor no 1.º 
 dia da próxima legislatura), consagra actualmente, em matéria de 
 incompatibilidades e imunidades:
 
                                     1) serem incompatíveis com o exercício do 
 mandato de Deputado à Assembleia da República os seguintes cargos ou funções: a) 
 Presidente da República, membro do Governo e Ministro [hoje, Representante] da 
 República; b) membro do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal de 
 Justiça, do Tribunal de Contas, do Conselho Superior da Magistratura, do 
 Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, Procurador‑Geral da 
 República e Provedor de Justiça; c) Deputado ao Parlamento Europeu; d) membro 
 dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas; e) embaixador não oriundo 
 da carreira diplomática; f) governador e vice‑governador civil; g) presidente e 
 vereador a tempo inteiro ou em regime de meio tempo das câmaras municipais; h) 
 funcionário do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas (exceptuado o 
 exercício gratuito de funções docentes no ensino superior, de actividade de 
 investigação e outras de relevante interesse social similares como tais 
 reconhecidas caso a caso pela Comissão de Ética da Assembleia da República); i) 
 membro da Comissão Nacional de Eleições; j) membro dos gabinetes ministeriais 
 ou legalmente equiparados; l) funcionário de organização internacional ou de 
 Estado estrangeiro; m) Presidente e Vice‑Presidente do Conselho Económico e 
 Social; n) membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social (substituída 
 pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social – Lei n.º 53/2005, de 8 de 
 Novembro); e o) membro dos conselhos de gestão das empresas públicas, das 
 empresas de capitais públicos ou maioritariamente participadas pelo Estado e de 
 instituto público autónomo – artigo 20.º, n.ºs 1 e 2;
 
                                     2) a necessidade de autorização da 
 Assembleia para serem jurados, peritos ou testemunhas ou para servirem de 
 
 árbitros em processos de que seja parte o Estado ou qualquer outra pessoa 
 colectiva de direito público – artigo 21.º, n.ºs 1 e 2;
 
                                     3) a possibilidade de exercerem outras 
 actividades, com ressalva:
 
                                     – para a generalidade dos Deputados (sem 
 prejuízo do disposto nos regimes de incompatibilidades e impedimentos previstos 
 em lei especial, designadamente para o exercício de cargos ou actividades 
 profissionais): a) da titularidade de membro de órgão de pessoa colectiva 
 pública e, bem assim, de órgão de sociedades de capitais maioritária ou 
 exclusivamente públicos ou de concessionários de serviços públicos, com 
 excepção de órgão consultivo, científico ou pedagógico ou que se integre na 
 administração institucional autónoma; b) do serviço como perito ou árbitro a 
 título remunerado em qualquer processo em que sejam parte o Estado e demais 
 pessoas colectivas de direito público; e c) dos cargos de nomeação 
 governamental, cuja aceitação não seja autorizada pela comissão parlamentar 
 competente em matéria de incompatibilidades e impedimentos – artigo 21.º, n.º 
 
 5;
 
                                     – para os Deputados, em regime de acumulação 
 
 (sem prejuízo do disposto em lei especial): a) de, no exercício de actividades 
 de comércio ou indústria, directa ou indirectamente, com o cônjuge não separado 
 de pessoas e bens, por si ou entidade em que detenha participação relevante e 
 designadamente superior a 10% do capital social, celebrarem contratos com o 
 Estado e outras pessoas colectivas de direito público, participar em concursos 
 de fornecimento de bens, de serviços, empreitadas ou concessões, abertos pelo 
 Estado e demais pessoas colectivas de direito público, e, bem assim, por 
 sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos ou por 
 concessionários de serviços públicos; b) do exercício do mandato judicial como 
 autores nas acções cíveis, em qualquer foro, contra o Estado; c) do patrocínio 
 de Estados estrangeiros; d) de beneficiarem, pessoal e indevidamente, de actos 
 ou tomarem parte em contratos em cujo processo de formação intervenham órgãos 
 ou serviços colocados sob sua directa influência; e e) de figurarem ou de 
 qualquer forma participarem em actos de publicidade comercial – artigo 21.º, 
 n.º 6.
 
                                     Para além da não integral coincidência entre 
 a lista de cargos incompatíveis constante do artigo 20.º, n.º 1, do Estatuto dos 
 Deputados, do artigo 22.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 19/90‑A e 
 do artigo 34.º, n.º 1, do EPARAM, importa salientar, até porque se trata de 
 aspecto de que resulta a adopção de um regime mais gravoso para os deputados 
 regionais, que da aprovação do Decreto n.º 121/X resultaria, por aplicação do 
 artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 64/93, que todos eles passariam a exercer as 
 respectivas funções em regime de exclusividade, sem quaisquer excepções, 
 enquanto para os Deputados à Assembleia da República, o n.º 3 do artigo 21.º do 
 respectivo Estatuto estabelece a regra da possibilidade do exercício de outras 
 actividades, com excepção das enumeradas nos subsequentes n.ºs 5 e 6.
 
  
 
                                     8. Demonstrado que a definição do estatuto 
 dos titulares de órgãos de governo próprio das regiões autónomas, designadamente 
 dos deputados das respectivas assembleias legislativas, é da competência da 
 Assembleia da República, não ao abrigo da alínea m) do artigo 164.º, mas a 
 coberto da alínea b) do artigo 161.º, por ser matéria que deve ser definida nos 
 correspondentes estatutos político‑administrativos, e não em “lei comum” da 
 Assembleia da República (supra, n.º 5); que a matéria das incompatibilidade e 
 impedimentos faz parte integrante do estatuto dos deputados regionais (supra, 
 n.º 6); e que a norma ora em causa representa materialmente uma alteração ao 
 regime das incompatibilidades e impedimentos dos deputados regionais (supra, n.º 
 
 7), a sua conformidade constitucional dependia do respeito pelo procedimento 
 legislativo próprio da alteração dos estatutos regionais, designadamente da 
 apresentação do correspondente projecto pelas assembleias legislativas regionais 
 
 (n.ºs 1 e 4 do artigo 226.º da CRP), que, no caso, manifestamente não ocorreu, 
 uma vez que a medida legislativa em causa teve na origem duas iniciativas de 
 Deputados à Assembleia da República (Projectos de Lei n.ºs 254/X e 366/X).
 
                                     A solução constitucional de reservar em 
 exclusivo às assembleia legislativas regionais o poder de elaborar os projectos 
 quer dos estatutos político‑administrativos iniciais, quer das suas alterações 
 
 (“momento impulsivo”), embora reservando à Assembleia da República o “momento 
 deliberativo”, adequa‑se à concepção da “função estatutária” como sendo “a 
 actividade regional mais importante, já que é dela que se deriva a vida das 
 próprias entidades político‑territoriais” (Mortati), mas sem se tratar de um 
 verdadeiro “poder constituinte”, pois as Regiões são “entes constituídos” que 
 
 “encontram o fundamento da sua existência e dos seus poderes não num acto de 
 vontade autónomo e originário, mas numa atribuição conferida pelo poder 
 constituinte” (E. Gizzi), constituindo “o direito à elaboração dos estatutos e o 
 direito à alteração dos estatutos (…) uma dimensão nuclear da autonomia 
 regional” (J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da 
 Constituição, 7.ª edição, Coimbra, 2003, pp. 774‑775). Esta autonomia regional 
 
 – que “visa a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento 
 económico‑social e a promoção e defesa dos interesses regionais, bem como o 
 reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os 
 portugueses” (artigo 225.º, n.º 2, da CRP), sendo, assim, uma “autonomia forte 
 mas integrada e solidária”, “postula, naturalmente, a propósito do momento mais 
 importante ou de fronteira da autonomia – como é o da definição estatutária do 
 respectivo «regime» –, um princípio de «cooperação dos órgãos de soberania e dos 
 
 órgãos regionais» que é, diga‑se em abono da verdade, a sintomática designação 
 do artigo 229.º”, como referem Francisco Lucas Pires e Paulo Castro Rangel 
 
 (“Autonomia e Soberania (Os poderes de conformação da Assembleia da República 
 na aprovação dos projectos de estatutos das Regiões Autónomas)”, em Juris et De 
 Jure – Nos vinte anos da Faculdade de Direito da Universidade Católica 
 Portuguesa – Porto, Porto, 1998, pp. 411‑434, em especial pp. 422‑423), que 
 prosseguem: “É no quadro deste «espírito constitucional» que julgamos dever 
 interpretar‑se a colaboração entre a Assembleia Legislativa Regional, titular do 
 monopólio de iniciativa em matéria de estatuto (artigo 226.º), e a Assembleia da 
 República, órgão competente para a aprovação do mesmo (artigo 161.º, alínea b), 
 e artigo 226.º). O modelo da Constituição da República Portuguesa é, por 
 conseguinte, o modelo de um procedimento concertado – em linguagem de direito 
 comunitário não se lhe poderia decerto chamar «procedimento de codecisão», mas 
 poder‑se‑ia nomeá‑lo, sem forçar, como «procedimento de cooperação». O que se 
 pretende, numa palavra, é que cada órgão actue, pelo menos, numa medida 
 
 «suportável», «aceitável», «sustentável» para o outro.”
 
                                     Não se pode, contudo, ignorar – e o caso ora 
 em apreço tem sido precisamente apontado como um exemplo desse risco – que a 
 competência exclusiva das assembleias legislativas regionais para a iniciativa 
 de alterações aos estatutos político‑administrativos pode originar situações de 
 
 “rigidez estatutária”, colocando‑se a questão de “como superar a «inércia 
 regional»”, sobretudo em hipóteses em que a manutenção do estatuto existente se 
 mostre susceptível de ser acusada de desconformidade com normas ou princípios 
 constitucionais, designadamente supervenientes. A essa questão responde J. J. 
 Gomes Canotilho (obra citada, p. 778) que a única via para modificar o status 
 quo estatutário é “a via da revisão constitucional com a eventual consagração do 
 poder de a Assembleia da República se substituir aos «parlamentos regionais» 
 quanto à própria iniciativa de alterações aos estatutos”. Foi, no fundo, este o 
 caminho que foi seguido na revisão constitucional de 2004 perante o risco de 
 inércia das assembleias regionais quanto à iniciativa da alteração, 
 constitucionalmente imposta por essa revisão, do respectivo regime eleitoral: 
 através de uma disposição transitória (artigo 47.º da Lei Constitucional n.º 
 
 1/2004, de 24 de Julho), que limitou temporalmente (seis meses subsequentes às 
 primeiras eleições regionais realizadas após a entrada em vigor dessa Lei 
 Constitucional) a reserva da iniciativa legislativa em matéria de leis 
 eleitorais para as Assembleias Legislativas, prevista no n.º 1 do artigo 226.º 
 e na alínea e) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP, assumindo a Assembleia da 
 República poder de legislar nessa matéria uma vez ultrapassado aquele prazo, 
 mesmo na falta de iniciativa regional.
 
                                     No contexto em que foi aprovado o Decreto 
 n.º 121/X, ora em apreço, o reconhecimento da inconstitucionalidade do 
 procedimento legislativo adoptado surge, assim, como imperioso.
 
  
 
                                     9. Esta conclusão não se mostra susceptível 
 de ser ultrapassada pelo apelo, de acordo com o princípio da unidade da 
 Constituição, a outras normas ou princípios constitucionais.
 
  
 
                                     9.1. Desde logo, se do artigo 117.º, n.º 2, 
 da CRP resulta claramente uma imposição legiferante no sentido de serem 
 legalmente estabelecidos os direitos, responsabilidades e incompatibilidades 
 dos titulares de cargos políticos, as consequências do respectivo incumprimento, 
 e os respectivos direitos, regalias e imunidades, já do mesmo não decorre a 
 imposição de esse tratamento ser uniforme, quer formal, quer substancialmente. 
 Isto é: não é constitucionalmente imposto que o regime dessas matérias conste de 
 um único diploma (tal é, aliás, constitucionalmente afastado pela imposição de o 
 estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas 
 constar de cada um dos respectivos estatutos político‑administrativos, diplomas 
 estes que obviamente não podem conter os estatutos dos restantes titulares de 
 cargos políticos), nem que esse regime seja materialmente uniforme para todos 
 estes titulares. As incompatibilidades do Presidente da República serão 
 naturalmente diferentes das dos membros do Governo, dos Deputados à Assembleia 
 da República, dos Conselheiros de Estado, dos autarcas, etc.
 
                                     E mesmo entre os Deputados à Assembleia da 
 República, por um lado, e os deputados às assembleias legislativas das Regiões 
 Autónoma, a Constituição não impõe – embora se possa entender que também não 
 impede – uma total equiparação de regime, designadamente em matéria de 
 incompatibilidades e impedimentos. Dependerá da liberdade de conformação da 
 Assembleia da República e da ponderação a que proceda quanto ao peso relativo 
 dos diversos factores em presença – designadamente, a diferente natureza dos 
 
 órgãos em causa (a Assembleia da República é um órgão de soberania e as 
 assembleias legislativas regionais não o são), a alegada menor área de 
 recrutamento de deputados regionais qualificados ou a menor duração dos 
 trabalhos parlamentares regionais – a opção entre um regime de total 
 uniformidade ou mais ou menos diferenciado. Aliás, nos últimos tempos, a 
 Assembleia da República foi directamente confrontada com tal questão, tendo, por 
 duas vezes, optado pela não consagração da unificação do regime de 
 incompatibilidades e impedimentos dos Deputados nacionais e regionais.
 
                                     Fê‑lo, primeiro, aquando da aprovação da 
 revisão do EPARAM operada pela Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto. Constando da 
 Proposta de Lei n.º 234/VII apresentada pela Assembleia Legislativa Regional da 
 Madeira (DAR, II Série‑A, n.º 34, de 4 de Fevereiro de 1999, pp. 903‑925), 
 disposições (artigos 36.º e 37.º) relativas a incompatibilidades e impedimentos 
 
 (o que afastava eventual impedimento ao poder de intervenção da Assembleia da 
 República nessa matéria – sobre o poder de rejeição e alteração das propostas de 
 alterações dos estatutos, cf. as posições doutrinárias divergentes de J. J. 
 Gomes Canotilho, obra citada, pp. 775‑777; J. J. Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra 
 
 1993, p. 847, anotação III ao artigo 228.º; Jorge Miranda, “Estatutos das 
 Regiões Autónomas”, em Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. IV, 
 Lisboa, 1991, pp. 265‑268, republicado em Estudos de Direito Regional, Lisboa, 
 
 1997, pp. 797‑802, e Manual de Direito Constitucional, Tomo III – Estrutura 
 Constitucional do Estado, 5.ª edição, Coimbra, 2004, p. 306, nota 1; Carlos 
 Blanco de Morais, A Autonomia Legislativa Regional, Lisboa, 1993, pp. 214‑217; 
 Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva, obra citada, pp. 20‑27; José Luís Pereira 
 Coutinho, A Lei Regional e o Sistema das Fontes, polic., Lisboa, 1988, pp. 
 
 206‑208; e Francisco Lucas Pires e Paulo Rangel, estudo citado), com conteúdo 
 claramente diferenciado das já então existentes quanto aos Deputados à 
 Assembleia da República, foram aquelas disposições aprovadas (tal como, aliás, 
 toda a Proposta) por unanimidade (DAR, I Série, n.º 101, de 2 de Julho de 1999, 
 p. 3687).
 
                                     Mais recentemente, no âmbito da revisão 
 constitucional de 2004, constando do Projecto de Revisão Constitucional n.º 
 
 4/IX, apresentado pelo PCP (DAR, II Série‑A, n.º 14, de 21 de Novembro de 2003, 
 pp. 564‑(24) a 565‑(35)), uma proposta de aditamento ao artigo 231.º da CRP de 
 um n.º 7, do seguinte teor “O regime de incompatibilidades e impedimentos dos 
 membros das Assembleias Legislativas Regionais e dos Governos Regionais são 
 equiparados respectivamente aos dos Deputados à Assembleia da República e dos 
 membros do Governo”, veio esta proposta a ser rejeitada, com 185 votos contra 
 
 (93 PSD, 76 PS, 13 CDS‑PP e 3 BE), 13 votos a favor (8 PCP, 2 Os Verdes, 1 PSD, 
 
 1 PS e 1 CDS‑PP) e 2 abstenções (1 PSD e 1 PS) – DAR, I Série, n.º 79, de 24 de 
 Abril de 2004, p. 4333).
 
  
 
                                     9.2. Por outro lado, não parece possível 
 diferenciar, dentro do regime de incompatibilidades e impedimentos dos 
 deputados regionais, uma dimensão regional e uma dimensão nacional consoante a 
 causa da incompatibilidade ou do impedimento seja o exercício de cargos ou 
 actividades de âmbito regional ou nacional, respectivamente. Mesmo quando a 
 
 “causa” seja “nacional” (por exemplo: o exercício de funções como Deputado à 
 Assembleia da República ou o patrocínio de acções contra o Estado), do que, no 
 caso, se trata é sempre de determinar uma restrição ao mandato de deputado 
 regional, o que constitui, como se viu, matéria necessariamente estatutária, por 
 imposição constitucional.
 
                                     Não é, assim, salvo o devido respeito, 
 sustentável, designadamente por apelo ao princípio da unidade do Estado, a 
 existência de uma “concorrência de competências” entre “lei comum” da Assembleia 
 da República (que trataria das incompatibilidades e impedimentos dos deputados 
 regionais por causas “nacionais”) e “lei estatutária” da mesma Assembleia (que 
 trataria das incompatibilidades e impedimentos dos deputados regionais por 
 causas “regionais”), sendo, aliás, certo que a motivação central da iniciativa 
 legislativa em causa (impedir a intervenção dos deputados regionais da Madeira 
 em assuntos em que sejam interessadas empresas regionais a que estejam ligados) 
 respeita fundamentalmente à pretensa “dimensão regional” do regime de 
 incompatibilidades e impedimentos.
 
  
 
                                     9.3. Por último, qualquer que seja o juízo 
 que possa merecer o mérito da situação jurídica actualmente existente, o que 
 surge como insustentável é que dele se pretenda extrair justificação para o 
 desrespeito das claras normas constitucionais que reservam à iniciativa das 
 assembleias legislativas regionais a proposta de alteração dos respectivos 
 Estatutos Político‑Administrativos, designadamente na parte relativa ao 
 estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, que 
 integra o conteúdo necessário daqueles Estatutos.
 
  
 
  
 
                                     III – Decisão
 
  
 
                                     10. Em face do exposto, o Tribunal 
 Constitucional decide pronunciar‑se pela inconstitucionalidade, por violação 
 das disposições conjugadas dos artigos 231.º, n.º 7, e 226.º, n.ºs 1 e 4, da 
 Constituição da República Portuguesa, da norma constante do artigo 1.º do 
 Decreto n.º 121/X, de 17 de Maio de 2007, da Assembleia da República, que 
 
 “Altera o regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos 
 políticos e altos cargos públicos”, na parte em que altera a redacção da alínea 
 b) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto (na redacção 
 vigente, dada pela Lei n.º 28/95, de 18 de Agosto), incluindo os Deputados das 
 Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas entre o elenco dos titulares dos 
 cargos políticos que ficam sujeitos ao regime de exercício de funções 
 estabelecido nessa Lei.
 Lisboa, 3 de Julho de 2007.
 Mário José de Araújo Torres
 Vítor Manuel Gonçalves Gomes
 Carlos Alberto Fernandes Cadilha
 Benjamim Silva Rodrigues
 João Cura Mariano
 José Manuel Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Maria Lúcia Amaral (Acompanhando toda a fundamentação, mas aditando a ela o 
 seguinte elemento “substancial”: sendo as Assembleias Legislativas Regionais 
 verdadeiros Parlamentos (órgãos representativos da Região) as normas relativas 
 ao estatuto dos seus Deputados integram, no quadro da Constituição, o núcleo 
 essencial dos respectivos Estatutos Político‑Administrativos)
 Ana Maria Guerra Martins (Vencida, conforme declaração de voto junta)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 I. Votei vencida por considerar que a fundamentação do acórdão assenta, 
 essencialmente, em razões históricas (cfr. nºs 5 e 6), sendo que uma leitura 
 contextualizada e teleológica da letra dos artigos 226º, nºs 1, 2, e 4, e 231º, 
 nº 7, CRP conjugados com o artigo 117º, nº 2, CRP e com os princípios 
 constitucionais da unidade do Estado, do Estado de Direito democrático e da 
 igualdade conduz à não inconstitucionalidade do preceito em apreço. Isto porque 
 nem todo o regime legal, ou dito de outro modo, nem todo o universo de normas, 
 relativo às incompatibilidades e impedimentos dos Deputados das Assembleias 
 Legislativas das Regiões Autónomas, faz parte do “estatuto dos titulares dos 
 
 órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas” e, como tal, não integra a 
 reserva necessária de Estatuto Político-Administrativo das Regiões Autónomas. 
 Quer dizer, nem todo o regime de incompatibilidades e de impedimentos daqueles 
 titulares reclama a exclusividade e a consequente exclusão de regulação por acto 
 legislativo diverso do Estatuto Político-Administrativo.
 
  
 II. Com efeito, o artigo 117º, nº 2, da CRP, ao consagrar uma imposição 
 legiferante, que deve ser cumprida pelo legislador ordinário, emanando, 
 obrigatoriamente, uma ou várias leis destinadas a concretizarem, para o que 
 neste caso releva, a matéria das “incompatibilidades dos titulares de cargos 
 políticos”, deve concretizá-la de forma global e coerente, tendo em conta os 
 princípios constitucionais relevantes para o efeito (neste sentido, Gomes 
 Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., 
 Coimbra, 1993, p. 544). 
 Dessa imposição legiferante decorrem, a meu ver, três consequências: em primeiro 
 lugar, a existência de regimes legais parcelares e fragmentados é admissível, 
 mas apenas se eles forem compatíveis entre si, não forem contraditórios e 
 assegurarem a plenitude, ou seja, abrangerem todas as situações que devem ser 
 reguladas; em segundo lugar, o cumprimento global e coerente da mencionada 
 imposição legiferante implica que a existência de regimes jurídicos distintos 
 para titulares de cargos políticos funcionalmente assimiláveis, do ponto de 
 vista constitucional, não possa contrariar princípios constitucionais 
 fundamentais, como sejam, por exemplo, o princípio da unidade do Estado, o 
 princípio do Estado de Direito democrático e o princípio da igualdade perante a 
 lei. Por último, o cumprimento da imposição legiferante do artigo 117º, nº 2, 
 CRP, no que diz respeito às Regiões Autónomas, não pode ficar na total 
 dependência da iniciativa legislativa regional, uma vez que há aspectos do 
 regime de incompatibilidades e impedimentos, que supõem a criação de um regime 
 idêntico e uniforme para todo o território nacional, por não se verificarem 
 quaisquer especificidades ou particularidades regionais que justifiquem um 
 regime especial regional. Como tal, esses aspectos, ainda que constem do 
 Estatuto político-administrativo, não ficam excluídos do âmbito de aplicação da 
 lei nacional.  
 
  
 III. Este entendimento sai reforçado se pensarmos que o princípio do Estado de 
 Direito democrático impõe a independência dos Deputados, no exercício do seu 
 mandato, face a qualquer poder, público ou privado, a imparcialidade e a 
 transparência, bem como a igualdade dos titulares dos cargos políticos, tratando 
 igualmente o que é essencialmente idêntico e diferentemente o que é desigual. A 
 Constituição opõe-se, portanto, a que titulares de funções equivalentes sejam 
 objecto de um regime de incompatibilidades e impedimentos diferenciado, mais 
 favorável e até privilegiado, como é o caso dos Deputados da Assembleia Regional 
 da Madeira, como ficou demonstrado no acórdão e se dá aqui por reproduzido. A 
 igualdade, neste caso, só se conseguirá atingir através de uma lei de âmbito 
 nacional e de aplicação uniforme. 
 Naturalmente que estes princípios, assim como os valores que lhe estão 
 subjacentes, não se circunscrevem às parcelas do território nacional que não se 
 encontram sujeitas a um regime autonómico regional. Pelo contrário, em 
 obediência ao princípio da unidade do Estado são extensivos a todo o território 
 nacional e, como tal, reclamam um tratamento nacional da questão das 
 incompatibilidades e impedimentos dos titulares de órgãos políticos. A autonomia 
 regional não pode fundar discriminações entre os cidadãos nacionais, titulares 
 de cargos políticos, no tocante ao gozo de direitos e imposições, de carácter 
 público, sem que as especificidades regionais o justifiquem, como acontece 
 actualmente. 
 Em suma, para assegurar o cumprimento dos princípios da unidade do Estado, do 
 Estado de Direito democrático e da igualdade, a imposição legiferante, constante 
 do artigo 117º, nº 2, CRP, em matéria de incompatibilidades e impedimentos dos 
 titulares dos órgãos políticos, não pode deixar de incluir os titulares dos 
 
 órgãos próprios de governo regional, e só conseguirá ser cumprida através de 
 legislação de âmbito nacional. 
 
  
 IV. Deve notar-se ainda que o regime diferenciado em matéria de 
 incompatibilidades e impedimentos dos Deputados da Assembleia Legislativa da 
 Madeira, constante do Estatuto político-administrativo da Madeira, não se 
 justifica por nenhum dos critérios enunciados no artigo 225º CRP como 
 fundamentadores da autonomia regional. Ora, se não se verificam nenhumas 
 especificidades que justifiquem a inclusão de uma determinada incompatibilidade 
 no Estatuto da Região, ela deve ser objecto de um tratamento de âmbito nacional. 
 Como já se disse, a criação de regimes parcelares e fragmentados susceptíveis de 
 criar distorções e situações de privilégio viola, sem dúvida, a imposição 
 legiferante do artigo 117º, nº 2, CRP.         
 
  
 V. Do exposto resulta que o artigo 231º, nº 7, da CRP deve ser interpretado no 
 sentido de que somente a parte do estatuto dos titulares dos órgãos de governo 
 próprio das Regiões Autónomas, que não reclama um tratamento de âmbito nacional, 
 deve ser definida nos Estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas. 
 Ou seja, apenas as especialidades do estatuto fazem parte da reserva estatutária 
 regional e, como tal, a competência da Assembleia da República deve ser 
 exercida, mediante iniciativa legislativa da Região Autónoma. Por outras 
 palavras, a iniciativa legislativa da região autónoma, neste domínio, apenas 
 opera relativamente às especialidades, particularidades, especificidades do 
 estatuto e não em relação a todo o regime jurídico. 
 
  
 VI. No caso em apreço, considero que a extensão do regime legal de 
 incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos 
 cargos públicos aos Deputados das Assembleias Legislativas das Regiões 
 Autónomas, pelas razões expostas, não está subtraída à iniciativa da Assembleia 
 da República. 
 A tese vencedora, ou seja, a inclusão de todo o universo de normas relativo às 
 incompatibilidades e impedimentos dos titulares dos órgãos de governo regional 
 no “estatuto” a que se refere o artigo 231º, nº 7, CRP, conduz à cristalização 
 do regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos Deputados da Região 
 Autónoma da Madeira, como se demonstra, aliás, pela retirada da Proposta de Lei 
 n.º 3/X/1ª (de alteração do Estatuto Político-Administrativo) apresentada pela 
 Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira na Mesa da Assembleia da 
 República, em 15 de Abril de 2004, quando se apercebeu de que alguns grupos 
 parlamentares na Assembleia da República pretendiam introduzir mudanças 
 significativas no regime de incompatibilidades e impedimentos dos membros 
 daquela Assembleia Legislativa, que visavam a aproximação daquele regime 
 especial regional ao regime geral de âmbito nacional. 
 Na minha óptica, a tese vencedora, ao colocar toda a matéria das 
 incompatibilidades e impedimentos, em exclusividade, na iniciativa legislativa 
 das Assembleias Legislativas Regionais, leva a que a inércia destas configure a 
 impossibilidade formal de alteração das actuais situações de privilégio, não 
 justificado e, portanto, proibido pela Constituição, dos Deputados da Assembleia 
 Legislativa da Região Autónoma da Madeira, em comparação com todos os outros 
 titulares de cargos políticos, como se tem vindo a verificar. Conduz, portanto, 
 ao paradoxo de colocar o impulso de alteração dos Estatutos relativamente a esta 
 matéria nas mãos daqueles a quem a situação de privilégio aproveita, o que, 
 repete-se, contraria os mais elementares princípios do Estado de Direito 
 democrático e da igualdade perante a lei consignados na Constituição.
 
   Lisboa, 3 de Julho de 2007
 
   Ana Maria Guerra Martins