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Processo n.º 176/06
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Gil Galvão
 
  
 Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I - Relatório
 
  
 
 1. Por decisão da 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca de Sintra, de 15 
 de Julho de 2004, foi o ora recorrente, A., condenado, como autor material de 
 dois crimes de corrupção activa e de um crime previsto e punido pelo artigo 
 
 115º, com referência aos artigos 1º, 3º, nº 1, 4º, nº 1, al. g), todos do 
 Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, em cúmulo jurídico, na pena única de 
 quatro anos e seis meses de prisão.
 
  
 
 2. Inconformado com esta decisão o arguido recorreu para o Tribunal da Relação 
 de Lisboa, tendo, a terminar a respectiva motivação e para o que agora importa, 
 formulado as seguintes conclusões:
 
 “[...] LXIII As escutas telefónicas são nulas nos termos do art.º 189° do CPP, 
 pois o Ministério Publico teve acesso ao conteúdo das gravações realizadas antes 
 do Juiz de Instrução (Cfr.: informações e despachos de fls. 33, 34, 39, 41, 58, 
 
 59, 76, 79, 80, 87 a 89, 162, 249, 316 e 319), pois decorre dos artigos 187° a 
 
 189° do CPP que o controle judicial de intercepções telefónicas, só pode ser 
 levado a cabo por um juiz e dentro dos estritos limites da letra da lei, o que 
 implica que às intercepções telefónicas só tenham acesso aquelas pessoas que, 
 por força dos termos em que se desenvolve a investigação, não poderiam deixar de 
 tomar conhecimento das mesmas para que sejam objecto de prova no âmbito do 
 processo em curso;
 LXIV Admitindo interpretação diversa do disposto nos artigos 187º a 189º 
 permitir-se-ia que fossem ouvidas pelo Ministério Publico escutas que não havia 
 necessidade de incluir no processo e o objectivo do controle judicial - a 
 protecção da reserva da intimidade da vida privada, que só pode ser derrogado em 
 determinados casos muito limitados e mediante controle judicial - seria 
 irreversivelmente defraudado, do que decorreria uma violação do disposto no 
 art.º 32, nº 8 da Constituição da Republica Portuguesa.
 LXV Portanto, no caso sub judice, verificou-se uma violação do disposto no art.º 
 
 188° do CPP e no art.º 32, n.º 8 da CRP.
 LXVI O controle e selecção das escutas telefónicas foi, na realidade, realizado 
 pela Polícia Judiciária e não pelo Juiz de Instrução Criminal pois nas 
 transcrições encontram-se diversas anotações de quem transcreveu as mesmas que 
 revelam que não coube à Juíza a selecção das escutas; destaques e anotações de 
 quem transcreveu as conversas, susceptíveis de influenciar a convicção de quem 
 lê as transcrições e muitas escutas telefónicas encontram-se incompletas;
 LXVII Pelo que foi violado o disposto no artigo 188° do CPP e tais transcrições 
 são nulas nos termos do art.º 126, n.º 3 e do art.º 199 do CPP.
 LXVIII Do facto de as escutas serem seleccionadas por outrem que não o Juiz de 
 Instrução Criminal competente decorre uma violação do disposto nos artigos 32, 
 n.º 8, 18, n.º 2 e 34, n.º 4 da Constituição da Republica Portuguesa, porquanto 
 a lei portuguesa estabelece o sistema da autorização e controlo judicial e de 
 limitação das escutas telefónicas, pressupondo um efectivo acompanhamento e 
 controlo da escuta pelo juiz que a tiver ordenado com o objectivo de reduzir ao 
 mínimo essencial a lesão de um direito fundamental - o direito à reserva da vida 
 privada - o qual só pode ser objecto de limitação nos estritos limites da lei 
 penal.
 LXIX A maior parte das escutas não foram efectivamente ouvidas pela Juíza de 
 Instrução Criminal competente, porquanto:
 LXX Face ao decurso de tempo entre os momentos em que foram entregues os 
 suportes audio à Mma. Juíza de Instrução e o momento em que foi proferido 
 despacho a autorizar a sua transcrição, é impossível que estes tenham sido 
 previamente ouvidos pela Juíza competente devido ao volume de horas de gravação 
 em causa;
 LXXI Entre as sessões que supostamente terão sido ouvidas pela Meritíssima Juíza 
 e cuja transcrição terá sido ordenada pela mesma, encontram-se diversas 
 conversas com advogados bem como súmulas do seu conteúdo, o que denota a 
 circunstância de não terem sido objecto de prévio controle judicial;
 LXXII Encontram-se nos autos diversas referências a suportes áudio que não 
 continham qualquer gravação;
 LXXIII. Constam dos autos relatórios que, no lugar das transcrições, referem que 
 as mesmas não tinham, afinal, interesse para os autos.
 LXXIV O art. 188° n.° 3 conjugado com o n.° 1 determina que o Juiz deve ouvir as 
 fitas magnéticas pois só assim as poderá seleccionar e mandar transcrever. De 
 tal omissão nos casos acima descritos resulta a inexistência de controlo 
 jurisdicional das escutas, o que acarreta a nulidade absoluta das mesmas por 
 constituir método proibido de prova em flagrante violação do art. 32° n.° 6 da 
 C.R.P .
 LXXV Portanto, todas as escutas telefónicas supra mencionadas foram realizadas 
 com violação do disposto nas seguintes disposições legais:
 
 - art.º. 188° n.° 1 do C.P.P . porque o Juiz não ouviu as gravações, nem as 
 seleccionou, antes se limitou a ordenar a junção das transcrições que lhe foram 
 trazidas pelo OPC;
 
 - art.º. 269° nº 1 al. c) e d), 187°, 17°, 188° nº 3 e 101° nº 2 e 3 todos do 
 CPP porque o OPC invade competências estritamente judiciais;
 
 - art. 99° do C.P.P. porque uma diligência de AUDIÇÃO e SELECÇÃO de escutas 
 telefónicas efectuadas por um Juiz devem ser reduzidas a AUTO, e
 
 - artº. 18° nº 2, 32° n.° 8 e 34 ° n.° 4 todos da CRP .
 LXXVI Tendo sido tudo praticamente efectuado pelo Órgão de Polícia Criminal e 
 não pelo Juiz, houve violação das regras de competência exclusiva do Tribunal- 
 artigos 269° n.° 1 al. c) e d), 187°, 17°, 188° n° 3 e 101 ° n.° 2 e 3 - o que 
 constitui nulidade insanável nos termos do art° 119° al. e) do C.P.P.
 LXXVII As escutas telefónicas de conversas com advogados são nulas nos termos do 
 art.º 189 do CPP por violação do disposto no art.º 187, n.º 3 do CPP.
 LXXVIII As escutas telefónicas que deram origem às transcrições constantes do 
 Ap. VII-A foram ordenadas no âmbito do processo 1095/00.2TASNT (Cfr.: fls. 33 a 
 
 35 e 925), mas quando o arguido requereu o acesso aos documentos que haviam 
 autorizado aquelas escutas para aferir da sua legalidade, foi este acesso vedado 
 ao arguido pelo tribunal a quo, pelo que não poderia o tribunal valorar aquele 
 meio de prova e, ao fazê-lo, violou o disposto no art. 32, n.º 8 da CRP e 
 aquelas escutas constituem método proibido de prova nos termos do art.º 125 e 
 
 126, n.º 3 do CPP.
 LXXIX Decorreu demasiado tempo entre o momento em que as escutas foram 
 realizadas e aquele em que foram presentes à Mma. Juíza de Instrução Criminal, 
 para que os autos de intercepção e as fitas gravadas foram imediatamente levados 
 ao conhecimento do Juiz que ordenou as operações em conformidade com o disposto 
 no art.º 188° no1 do CPP , porquanto:
 LXXX Em 8 de Março de 2002 tiveram início as intercepções telefónicas aos 
 telemóveis com os números [...], pertencentes aos arguidos (Cfr. fls. 30 a 32), 
 que foram objecto de controle judicial em 22 de Março relativamente a 
 intercepções que tiveram lugar até ao dia 21 de Março (Cfr. fls. 39 e 41); em 12 
 de Abril, relativamente a escutas realizadas até ao dia 5 de Abril (Cfr. fls. 56 
 e 59) e depois disso, só houve lugar a novo controle das escutas daqueles alvos 
 em 10 de Maio, relativamente a escutas realizadas até 6 de Maio (Cfr. fls. 76 e 
 
 80).
 LXXXI As escutas extraídas do processo 1095/002T ASNT foram remetidas para este 
 processo em termos que revelam que as mesmas não tiveram controle judicial por 
 mais de 1 ano (Cfr.: Ap. VII-A; fls. 35 e 925).
 LXXXII Portanto, ao valorar como meio de prova as escutas telefónicas supra 
 mencionadas, o tribunal recorrido interpretou de forma manifestamente errada as 
 normas dos artigos 125.º e 126.º, 188.º e 189.º, todas do Código de Processo 
 Penal, que assim se mostram violadas, por admitir como válido meio de prova 
 proibido e porque da violação do disposto no art° 188°, decorre a nulidade 
 daquelas escutas nos termos do art.º 189° do CPP (…)”.
 
  
 
 3. Este recurso foi indeferido por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 
 
 28 de Junho de 2005, com, para o que agora importa, a seguinte fundamentação:
 
 “Das alegadas nulidades das escutas telefónicas.
 O Recorrente desenvolve a tese de que as escutas telefónicas são nulas pelo 
 facto de o Ministério Público ter tomado conhecimento prévio do conteúdo das 
 mesmas, antes do Juiz de Instrução, tendo promovido a sua transcrição em 
 conformidade com o sugerido pela Polícia Judiciária.
 Vejamos.
 Nos termos do art.º 26.º da Constituição da República Portuguesa “A lei 
 estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva ou contrária à 
 dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias que caem no 
 
 âmbito da reserva da vida privada”.
 
 É proibida toda a ingerência de autoridades públicas na correspondência, nas 
 telecomunicações e nos demais meios de comunicação, exceptuados os casos 
 previstos na lei em matéria de processo criminal - art.º, n.º 4 34° da CRP.
 Ora, um dos casos de ingerência das autoridades nas telecomunicações e meios de 
 comunicação exceptuados na lei em matéria de processo criminal tem assento nos 
 arts.º 187° a 190° CPP .
 Face a tais disposições pode ser autorizada a intercepção e gravação de conversa 
 telefónica se relativa a crime punível com pena de prisão superior, no seu 
 máximo, a três anos, havendo razões para crer que a diligência se revelará de 
 grande interesse para descoberta da verdade, impondo o princípio da 
 proporcionalidade que a mesma seja levada a cabo apenas no mínimo indispensável 
 
 á realização do interesse que a justifica.
 A salvaguarda do direito à privacidade impõe que as operações materiais de 
 intercepção, gravação e transcrição de conversas telefónicas sejam directa e 
 proximamente controladas pelo Juiz de Instrução.
 Não sendo porém necessário para cumprimento do disposto nos arts.º 187.º e 188.º 
 do CPP., que as escutas realizadas sejam apresentadas ao Juiz imediatamente após 
 cada intercepção, mas sim, de forma a que este acompanhe efectivamente o 
 processo da intercepção, selecção e transcrição e determine a junção ao processo 
 face à utilidade da mesma.
 No caso em análise o Recorrente não questiona a admissibilidade e necessidade 
 das intercepções levadas a efeito no decurso da investigação mas suscita a 
 respectiva nulidade porque, em seu entender, o Ministério Público tomou 
 conhecimento prévio do conteúdo das mesmas, antes do Juiz de Instrução, e o 
 controle e selecção das escutas telefónicas foi realizado pela Polícia 
 Judiciária e não pelo Juiz de Instrução Criminal que se terá limitado a ordenar 
 a junção das transcrições que lhe foram trazidas pelo OPC.
 Nos termos do art.º 267.º do CPP., o Ministério Público pratica os actos e 
 assegura os meios de prova necessários à realização das finalidades referidas no 
 art.º 262.º, n.º l, com as restrições constantes dos artigos seguintes.
 
 É certo que o Juiz de Instrução tendo competência exclusiva para, no decurso do 
 inquérito, ordenar ou autorizar intercepções, gravações ou registo de 
 conversações, nos termos dos artigos 187.º e 190.º - art.º 269.º, n.º1, al. c) - 
 conhece em primeiro lugar o conteúdo das intercepções telefónicas, mas uma vez 
 efectuado o controle, selecção e transcrição das mesmas e a respectiva junção, o 
 Ministério Público dirigindo o inquérito tem competência funcional para tomar 
 conhecimento de todos os actos praticados e de todas as informações coligidas no 
 decurso desta fase processual.
 O Recorrente não provou que o Juiz não ouviu as gravações, nem as seleccionou, 
 antes se limitou a ordenar a junção das transcrições que lhe foram trazidas pelo 
 OPC, o Ministério Público teve conhecimento antes do juiz das gravações.
 Acresce que, no mais invocado no que respeita às transcrições de escutas 
 realizadas no processo, as que serviram para formar a convicção do Tribunal 
 foram realizadas de acordo com o formalismo legal e nesta medida não pode 
 proceder a argumentação do Recorrente.
 Igualmente não tem razão quando afirma que as escutas telefónicas que deram 
 origem às transcrições constantes do Ap. VII-A foram ordenadas no âmbito do 
 processo 1095/00.2TASNT (Cfr.: fls. 33 a 35 e 925), mas quando o arguido 
 requereu o acesso aos documentos que haviam autorizado aquelas escutas para 
 aferir da sua legalidade, foi este acesso vedado ao arguido pelo tribunal a quo, 
 pelo que não poderia o tribunal valorar aquele meio de prova, porquanto também 
 estas transcrições foram realizadas de acordo com o formalismo legal. Pelo que, 
 bem andou o Tribunal 'a quo' ao valorar como meio de prova as escutas 
 telefónicas supra mencionadas.
 Não foram violadas quaisquer disposições legais designadamente os artigos 
 invocados - 188° nº 1, 269° nº 1 al. c) e d), 187°,17°,188° nº 3 e 101° nº 2 e 
 
 3, 189.º,99°, 125 e 126, n.º 3 todos do CPP e 18° n.º 2, 32° nº 8 e 34° nº 4 
 todos da CRP.[...]”
 
  
 
 4. Desta decisão foi interposto, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do 
 artigo 70º da LTC, recurso para o Tribunal Constitucional, através do seguinte 
 requerimento:
 
 “[...] O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do 
 artigo 10° da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pois na decisão recorrida faz-se 
 a interpretação e aplicação de normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada 
 durante o processo, bem como o acórdão recorrido viola princípios 
 constitucionais.
 O recorrente pretende que seja declarada a inconstitucionalidade da 
 interpretação feita no acórdão da primeira instância e mantida em sede de 
 recurso da norma constante no artigo 188° n.° 1 do Código de Processo Penal no 
 sentido de que as escutas obtidas não terão de ser imediatamente apresentadas ao 
 juiz de instrução após cada intercepção, podendo assim ser facultadas em 
 primeiro lugar ao Ministério Público que delas toma conhecimento prévio, isto 
 por violação dos artigos 26°, 32° n.° 8 e 34° n.° 4 da Constituição da República 
 Portuguesa.
 O recorrente pretende que seja declarada a inconstitucionalidade da 
 interpretação .feita no acórdão da primeira instância e mantida em sede de 
 recurso das normas constantes dos artigos 188° no1, 269°, n.° 1, alíneas c) e 
 d), 187°, 17°, 188° n.° 3, 101° nos 2 e 3, 189°, 99°, 125° e 126 n.° 3 todos do 
 Código de Processo Penal, no sentido de que lhe pode ser negado o acesso ao 
 controle da validade das escutas recolhidas noutro processo mas que foram usadas 
 naquele que veio a dar causa à sua condenação, por violação dos artigos 18° n.° 
 
 2, 32° n.° 8 3 34° n.° 4 da Constituição da República Portuguesa.
 O recorrente pretende ainda que seja declarada a inconstitucionalidade da 
 interpretação feita no acórdão da primeira instância e mantida em sede de 
 recurso do artigo 374° nº 1 do Código Penal, no sentido de que pode ser aplicada 
 uma pena na medida em que o foi, por violação dos princípios da 
 proporcionalidade e da proibição do excesso, princípios estes de natureza 
 supra-constitucional.
 O recorrente suscitou as questões de inconstitucionalidade no decurso do 
 processo.”
 
  
 
 5. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao 
 abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, 
 na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão 
 sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na 
 parte ora relevante, o seu teor:
 
 “[...] Importa, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do objecto do 
 recurso, uma vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal 
 Constitucional (cfr., art. 76º, nº 3, da LTC). Na verdade, o recurso previsto na 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe, 
 designadamente, que o recorrente tenha suscitado, de modo processualmente 
 adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, a 
 inconstitucionalidade da norma jurídica - ou da exacta interpretação normativa - 
 que pretende ver apreciada; e que o tribunal, não obstante, tenha aplicado no 
 julgamento do caso, como ratio decidendi, essa mesma norma ou interpretação 
 normativa. Há, por isso, que começar por averiguar se, em relação às questões 
 identificadas pelo recorrente no respectivo requerimento de interposição, peça 
 processual que delimita o respectivo objecto, estão reunidos estes pressupostos 
 de admissibilidade do recurso. Vejamos.
 
 6. Naquele requerimento começa o recorrente por afirmar que pretende ver 
 
 “declarada a inconstitucionalidade da interpretação [...] da norma constante do 
 artigo 188º nº 1 do Código de Processo Penal no sentido de que as escutas não 
 terão de ser imediatamente apresentadas ao juiz de instrução após cada 
 intercepção, podendo assim ser facultadas em primeiro lugar ao Ministério 
 Público que delas toma conhecimento prévio”, por alegada violação dos artigos 
 
 26º, 32º, nº 8 e 34º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa. Assim, num 
 primeiro momento, há que indagar se a questão de constitucionalidade, nos 
 exactos termos em que vem formulada no requerimento de interposição do recurso e 
 que imediatamente supra transcrevemos, foi adequadamente suscitada perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida e, num segundo momento, se o artigo 
 
 188º, nº 1, do Código de Processo Penal foi efectivamente aplicado, como ratio 
 decidendi, nesse exacto sentido normativo.
 
 6.1. Quanto à primeira questão e como este Tribunal tem afirmado repetidamente, 
 nada obsta a que seja questionada apenas uma certa interpretação ou dimensão 
 normativa de um determinado preceito. Porém, nesses casos, o recorrente tem o 
 
 ónus de indicar, de modo claro e perceptível, perante o tribunal que proferiu a 
 decisão recorrida, a exacta dimensão normativa do preceito que entende não dever 
 ser aplicada por ser incompatível com a Constituição. Como se disse, entre 
 muitos outros, no Acórdão nº 269/94 (Diário da República, II Série, de 18 de 
 Junho de 1994), impõe-se que “ao suscitar-se a inconstitucionalidade de uma 
 norma, se identifique a mesma com precisão e clareza”, já que “suscitar a 
 inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal 
 perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de 
 constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que - 
 como já se disse - tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a 
 norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma), que (no entender 
 de quem suscita essa questão) viola a Constituição”. Sendo certo que, como 
 recentemente se reiterou no acórdão n.º 21/2006 (disponível em 
 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), “identificar uma 
 interpretação normativa é, no mínimo, indicar com precisão o sentido dado à 
 norma, para que o Tribunal, se vier a julgar inconstitucional essa mesma norma - 
 entendida nesse preciso sentido -, possa enunciar, na decisão que proferir, de 
 modo que todos os operadores jurídicos disso fiquem cientes, qual a 
 interpretação que não pode ser adoptada, por ser incompatível com a 
 Constituição”.
 Ora, compulsados os autos, verifica-se que o recorrente, nas alegações do 
 recurso que apresentou perante o Tribunal da Relação de Lisboa, que proferiu a 
 decisão recorrida, não confrontou aquele Tribunal, ao menos do modo claro e 
 perceptível que vem sendo exigido por este Tribunal, com a exacta questão de 
 constitucionalidade normativa que agora pretende ver apreciada, o que, por si só 
 
 é suficiente para determinar a impossibilidade de conhecimento do objecto do 
 recurso, quanto a esta parte.
 Na verdade, das cento e vinte e oito conclusões com que terminou a sua alegação 
 de recurso perante o Tribunal da Relação de Lisboa, apenas três (conclusões 
 LXIII a LXV) têm alguma relação com a questão de constitucionalidade que o 
 recorrente agora pretende ver apreciada, uma vez que as demais conclusões em que 
 se referem alegadas violações da Constituição relacionadas com preceitos do 
 Código de Processo Penal relativos às escutas telefónicas, respeitam a outras 
 interpretações que não estão em causa no presente recurso. Mas, ainda em relação 
 
 àquelas, é legítimo concluir que, ou não está sequer colocada uma questão de 
 constitucionalidade normativa ou, como já se explicitou supra, não o está nos 
 termos claros e perceptíveis que é exigível. Com efeito, a violação de normas 
 constitucionais referida nas conclusões LXIII a LXV visa apenas corroborar a 
 tese de que as escutas são nulas. Acresce que o recorrente, em tais conclusões, 
 insiste em afirmar que o próprio preceito de direito infraconstitucional cuja 
 constitucionalidade pretende ver apreciada – o artigo 188º, nº 1 do Código de 
 Processo Penal -, terá sido ele mesmo violado. Ora, como se afirmou, 
 nomeadamente, nos Acórdãos n.ºs 489/2004 e 710/2004 e, mais recentemente, no 
 Acórdão n.º 128/2005 (todos disponíveis na página Internet do Tribunal, em 
 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), “se se utiliza uma 
 argumentação consubstanciada em vincar que foi violado um dado preceito legal 
 ordinário e, simultaneamente, violadas normas ou princípios constitucionais, 
 tem-se por certo que a questão de desarmonia constitucional é imputada à decisão 
 judicial, enquanto subsunção dos factos ao direito, e não ao ordenamento 
 jurídico infra-constitucional que se tem por violado com essa decisão, pois que 
 se posta como contraditório sustentar-se que há violação desse ordenamento e 
 
 [que] este é desconforme com o Diploma Básico. Efectivamente, se um preceito da 
 lei ordinária é inconstitucional, não deverão os tribunais acatá-lo, pelo que 
 esgrimir com a violação desse preceito, representa uma óptica de acordo com a 
 qual ele se mostra consonante com a Constituição. Isto é, se se sustenta que 
 determinada postura é, simultaneamente, violadora de preceitos do ordenamento 
 jurídico infra-constitucional e de normas constitucionais só se pode concluir 
 que se está a questionar a própria decisão judicial e não a constitucionalidade 
 dos preceitos ordinários.” Mas, nesse caso, é jurisprudência pacífica e 
 sucessivamente reiterada que, não estando em causa uma dimensão normativa do 
 preceito legal aplicado na decisão, mas sim a própria decisão em si mesma 
 considerada, não há lugar ao recurso de fiscalização concreta de 
 constitucionalidade vigente em Portugal. Assim resulta do disposto no artigo 
 
 280º da Constituição e no artigo 70º da Lei n.º 28/82, e assim tem sido afirmado 
 pelo Tribunal Constitucional em inúmeras ocasiões. Na verdade, ainda que se 
 entenda que, suscitada uma concreta questão de inconstitucionalidade da decisão 
 judicial recorrida, não poderão as instâncias deixar de se pronunciar sobre tal 
 matéria, o facto é que uma tal suscitação, por não se tratar da suscitação de 
 uma questão de inconstitucionalidade normativa, não abre via de recurso para o 
 Tribunal Constitucional.
 Assim sendo, seja porque se entende que não foi colocada uma questão de 
 constitucionalidade normativa, seja porque se conclui que não foi suscitada de 
 modo processualmente adequado a exacta questão de constitucionalidade da 
 interpretação normativa em causa, não pode o Tribunal conhecer do recurso nesta 
 parte.
 
 6.2. Mas ainda que se admitisse, neste ponto, que tivesse sido adequadamente 
 suscitada pelo recorrente perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida a 
 exacta questão de constitucionalidade normativa que agora pretende ver 
 apreciada, a verdade é que resulta do acórdão recorrido que o mesmo não 
 interpretou o artigo 188º, nº 1, do Código de Processo Penal no exacto sentido 
 indicado pelo recorrente; isto é, em termos de admitir que as gravações possam 
 
 “ser facultadas em primeiro lugar ao Ministério Público que delas toma 
 conhecimento prévio”. Com efeito, pode ler-se a determinado passo daquela 
 decisão: “É certo que o juiz de instrução tendo competência exclusiva para, no 
 decurso do inquérito, ordenar ou autorizar intercepções, gravações ou registo de 
 conversações, nos termos dos artigos 187º e 190º - art. 269º, nº 1, al. c) – 
 conhece em primeiro lugar o conteúdo das intercepções telefónicas, mas uma vez 
 efectuado o controle, selecção e transcrição das mesmas e a respectiva junção, o 
 Ministério Público dirigindo o inquérito tem competência funcional para tomar 
 conhecimento de todos os actos praticados e de todas as informações coligidas na 
 fase processual. O recorrente não provou que [...] o Ministério Público teve 
 conhecimento antes do juiz das gravações”. (Negritos aditados).
 Ora, assim sendo, não tendo a decisão recorrida aplicado, como ratio decidendi, 
 o preceito em causa na exacta dimensão normativa indicada pelo recorrente no 
 requerimento de interposição do recurso, nunca poderia este Tribunal, também por 
 esta razão, só por si igualmente suficiente, conhecer do recurso nesta parte.
 
 7. Pretende ainda o recorrente ver “declarada a inconstitucionalidade da 
 interpretação feita no acórdão da primeira instância e mantida em sede de 
 recurso das normas constantes nos artigos 188º, nº 1, 269º, nº 1, alíneas c) e 
 d), 187º, 17º, 188º, nº 3, 101º, nºs 2 e 3 189º, 99º, 125º e 126º, nº 3, todos 
 do Código de Processo Penal, no sentido de que lhes pode ser negado o acesso ao 
 controle da validade das escutas recolhidas noutro processo mas que foram usadas 
 naquele que veio a dar causa à sua condenação”, por alegada violação dos artigos 
 
 18º, nº 2, 32º nº 8 e 34º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
 Esta questão de constitucionalidade não foi, contudo, suscitada pelo recorrente 
 de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida. Com efeito, na conclusão LXXVIII, em que o recorrente se refere a 
 esta matéria, alega o mesmo que “As escutas telefónicas que deram origem às 
 transcrições constantes do Ap. VII-A foram ordenadas no âmbito do processo 
 
 1095/00.2TASNT (Cfr.: fls. 33 a 35 e 925), mas quando o arguido requereu o 
 acesso aos documentos que haviam autorizado aquelas escutas para aferir da sua 
 legalidade, foi este acesso vedado ao arguido pelo tribunal a quo, pelo que não 
 poderia o tribunal valorar aquele meio de prova e, ao fazê-lo, violou o disposto 
 no art. 32, n.º 8 da CRP e aquelas escutas constituem método proibido de prova 
 nos termos do art.º 125 e 126, n.º 3 do CPP”. (Negrito aditado). Ora, como 
 facilmente se conclui da transcrição feita, não está aí adequadamente colocada 
 qualquer questão de constitucionalidade normativa mas, quando muito, uma questão 
 de inconstitucionalidade imputável à própria decisão recorrida. Mas, sendo 
 assim, como supra já se escreveu, não está aberta a via de recurso para este 
 Tribunal. Esta conclusão é ainda reforçada pelo facto de, também nesta parte, se 
 verificar que o recorrente insiste em que os próprios preceitos de direito 
 infraconstitucional cuja constitucionalidade pretende ver apreciada – os artigos 
 
 125º, 126º, 188º e 189º do Código de Processo Penal -, terão sido eles mesmos 
 violados (cfr., designadamente, a conclusão LXXXII), pelo que as considerações 
 formuladas em 6.1., valem aqui por inteiro, não podendo o Tribunal, por este 
 motivo, conhecer do recurso também nesta parte.
 Aliás, igualmente neste ponto não pode afirmar-se que o acórdão recorrido tenha 
 interpretado preceitos do Código de Processo Penal, designadamente os indicados 
 pelo recorrente “no sentido de que lhe pode ser negado o acesso ao controle da 
 validade das escutas recolhidas noutro processo mas que foram usadas naquele que 
 veio a dar causa à sua condenação”, o que, do mesmo modo, inviabilizaria o 
 conhecimento desta parte do recurso. Com efeito, sobre esta questão, a decisão 
 recorrida limita-se a afirmar que o recorrente “não tem razão quando afirma que 
 as escutas telefónicas que deram origem às transcrições constantes do Ap. VII-A 
 foram ordenadas no âmbito do processo [...], mas quando o arguido requereu o 
 acesso aos documentos que haviam autorizado aquelas escutas para aferir da sua 
 legalidade, foi este acesso vedado ao arguido pelo tribunal a quo, pelo que não 
 poderia o tribunal valorar aquele meio de prova, porquanto também estas 
 transcrições foram realizadas de acordo com o formalismo legal”, não sendo 
 legítimo concluir que terá efectuado a interpretação questionada.
 
 8. Finalmente, refere o recorrente pretender “ver declarada a 
 inconstitucionalidade da interpretação feita no acórdão da primeira instância e 
 mantida em sede de recurso do artigo 374º nº 1 do Código Penal, no sentido de 
 que pode ser aplicada uma pena na medida em que o foi”, por alegada violação 
 
 “dos princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso, princípios estes 
 de natureza supra-constitucional”.
 
 É, porém, manifesto que também aqui se não pode conhecer do objecto do recurso. 
 Não só porque nem sequer vem colocada pelo recorrente, no próprio requerimento 
 de interposição do recurso, uma verdadeira questão de constitucionalidade 
 normativa, uma vez que o que, nesta parte, o recorrente pretende é que o 
 Tribunal Constitucional sindique a concreta pena que lhe foi aplicada pelas 
 instâncias, o que, manifestamente, extravasa as competências deste Tribunal, mas 
 também porque nunca o recorrente colocou, nas 128 conclusões da alegação de 
 recurso apresentada perante o Tribunal da Relação de Lisboa, qualquer questão de 
 constitucionalidade normativa reportada ao artigo 374º do Código Penal, por 
 alegada violação dos princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso, 
 limitando-se a repetir aí, concretamente na conclusão CVI, que “a pena que lhe 
 foi aplicada viola o princípio da proporcionalidade”. Ora, tal modo de proceder, 
 como já se disse, não consubstancia a colocação de qualquer questão de 
 constitucionalidade normativa mas, quando muito, da inconstitucionalidade da 
 própria decisão recorrida, e, por isso, não abre a via de recurso para o 
 Tribunal Constitucional.
 
 9. Em face do exposto, torna-se evidente que não pode conhecer-se do recurso que 
 o recorrente pretendeu interpor, por manifesta falta dos seus pressupostos 
 legais de admissibilidade.[...]”
 
  
 
 6. É desta decisão que vem interposta, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º 
 
 3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que o reclamante conclui 
 deste modo:
 
 “a) Vem a presente reclamação interposta de decisão sumária na qual se entendeu, 
 para sustentar a não tomada de conhecimento do recurso interposto pelo 
 recorrente, que o arguido não indicou, de modo claro e perceptível, perante o 
 Tribunal que proferiu a decisão recorrida, a exacta dimensão normativa do 
 preceito que entende não dever ser aplicada por ser incompatível com a 
 Constituição.
 b) Pois “não confrontou aquele Tribunal, ao menos do modo claro e perceptível 
 que vem sendo exigido por este Tribunal, com a exacta questão de 
 constitucionalidade que vem sendo exigido por este Tribunal, com a exacta 
 questão de constitucionalidade normativa que agora pretende ver apreciada, o 
 que, por si só, é suficiente para determinar a impossibilidade de conhecimento 
 do objecto do recurso quanto a esta parte.”
 c) Porquanto “nas cento e vinte e oito conclusões (...) apenas três (conclusões 
 LXIII a LXV) têm alguma relação com a questão de constitucionalidade que o 
 recorrente agora pretende ver apreciada, uma vez que as demais conclusões em que 
 se referem alegadas violações da constituição relacionadas com preceitos do 
 Código de Processo Penal respeitam a outras interpretações que não estão em 
 causa no presente recurso. Mas ainda em relação àquelas, é legitimo concluir 
 que, ou não está sequer colocada uma questão de constitucionalidade normativa 
 ou, como já se explicitou supra, não o está nos termos claros e perceptíveis que 
 
 é exigível.”
 d) E mais se afirma que “Com efeito, a violação de normas constitucionais 
 referidas nas conclusões LXIII a LXV visa apenas corroborar a tese de que as 
 escutas são nulas.”
 e) Concluindo-se naquela decisão sumária que não foi suscitada uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, por não ter sido posta em causa uma decisão 
 normativa da lei aplicada, mas sim uma decisão judicial.
 f) E que o arguido viu a apreciação do seu recurso recusada “seja porque se 
 entende que não foi colocada uma questão normativa, seja porque se conclui que 
 não foi suscitada de modo processualmente adequado a exacta questão de 
 constitucionalidade da interpretação normativa em causa.”
 g) Sucede porém que, ao contrário do que vem afirmado naquela decisão, a questão 
 normativa foi formulada de modo perceptível mesmo ao nível das conclusões que 
 apresentou perante o Tribunal da Relação de Lisboa,
 h) Das quais resulta claramente que o problema em causa é a violação 
 irreversível do direito à reserva da intimidade da vida privada, tutelado pela 
 norma constitucional mencionada, que ocorre quando o Ministério Publico toma 
 conhecimento das escutas telefónicas efectuadas antes do Juiz de Instrução 
 Criminal,
 i) Pelo que o entendimento postulado na decisão do tribunal da Relação de Lisboa 
 segundo o qual o Ministério Publico poderia tomar conhecimento, como tomou, do 
 teor as escutas realizadas antes do Juiz de Instrução Criminal é 
 inconstitucional por violação do disposto nos artigos 32, n.º 8, 18, n.º 2 e 34, 
 nº 4 da Constituição da Republica Portuguesa, porquanto a lei portuguesa 
 estabelece o sistema da autorização e controlo judicial e de limitação das 
 escutas telefónicas, pressupondo um efectivo acompanhamento e controlo da escuta 
 pelo juiz que a tiver ordenado com o objectivo de reduzir ao mínimo essencial a 
 lesão de um direito fundamental - o direito à reserva da vida privada - o qual 
 só pode ser objecto de limitação nos estritos limites da lei penal ou de 
 processo penal.
 j) Mas ainda que a questão não fosse perceptível ao nível das conclusões de 
 Recurso, no que não se concede, sempre o seriam indiscutivelmente ao nível da 
 respectiva motivação, onde a inconstitucionalidade subjacente a este 
 entendimento se encontra detalhadamente explicitada.
 k) Pelo que não poderia a questão deixar de ser considerada uma vez que o 
 Tribunal Constitucional considerou já inconstitucionais – por violação do 
 disposto no artigo 32° n.º 1 da Constituição – os artigos 412º n.º 1 e 420º n.º 
 
 1 do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido da falta de 
 concisão das conclusões da motivação levar à rejeição liminar do recurso 
 interposto pelo arguido, sem a formulação de convite ao aperfeiçoamento dessas 
 conclusões (cfr., nesse sentido, os Acórdãos n.º 193/97; 43/99, Diário da 
 República, II série, de 26 de Março de 1999; e 417/99).
 l) Por outro lado, que também noutros arrestos se tem decidido que o Tribunal 
 Constitucional não pode postular uma interpretação normativa assente numa 
 rigidez formal que prejudica de modo desproporcional as garantias 
 constitucionais consagradas para o processo penal, entre as quais não poderá 
 deixar de se considerar o direito ao recurso.
 m) E é precisamente essa a questão que se coloca face à decisão sumária 
 proferida no presente processo, pois nos termos do artigo 32°, n.º 1, da 
 Constituição, no âmbito do processo penal assegura ao arguido todas as garantias 
 de defesa, incluindo o direito ao recurso 
 n) E a concretização legal de tais garantias constitucionais de modo efectivo 
 está submetida ao regime previsto para os direitos, liberdades e garantias, no 
 artigo 18° da Constituição, incluindo, designadamente, o respeito pelo princípio 
 da proporcionalidade no que tange às suas limitações.
 o) Ou seja, por força do disposto no art.º 18° da CRP, não pode o direito ao 
 recurso, previsto na CRP, sofrer limitações, em particular de natureza formal, 
 que condicionem de forma desproporcionada o direito ao recurso do arguido.
 p) Esta consequência imediata não pode deixar de ser considerada como limitação 
 desproporcionada das garantias de defesa, e em particular do direito ao recurso, 
 do arguido em processo penal, consagradas no artigo 32°, n.º 1, da Constituição, 
 violando-se pois o disposto nesta disposição, bem como no art.º 18° da Lei 
 Fundamental.
 q) E não cabe, perante tal afectação das garantias de defesa previstas no artigo 
 
 32°, n.º 1, da Constituição, argumentar com a celeridade processual ou qualquer 
 outra questão de conveniência processual, pois para além de tais objectivos não 
 serem incompatíveis com a concessão ao recorrente de oportunidade para suprir a 
 deficiência detectada,
 r) Não é admissível que a sua invocação seja suficiente para fundar soluções 
 normativas que, como a presente, afectam desproporcionadamente as garantias de 
 defesa do recorrente, na dimensão do direito ao recurso garantido pelo artigo 
 
 32°, n.º 1, da Constituição.
 s) Entendimento diverso constitui igualmente uma violação do princípio da tutela 
 jurisdicional efectiva ínsito no disposto nos números 4 e 5 do artigo 20° da 
 Constituição.
 t) Quanto à perceptibilidade da questão de conformidade com a constituição 
 suscitada, sublinhe-se que tanto é perceptível a formulação da questão de 
 constitucionalidade perante o Tribunal da Relação de Lisboa, que o dito Tribunal 
 sobre ela se pronunciou, tendo referido, designadamente, que “Não foram violadas 
 quaisquer disposições legais designadamente os artigos invocados (...) 18°, n ° 
 
 2, 32°, n.° 8 e 34°, n.° 4 todos da CRP.”
 u) No que tange ao entendimento vertido no Acórdão 21/06 deste Tribunal 
 transcrito na decisão sumária de que ora se reclama cumpre esclarecer que o 
 mesmo versa sobre circunstâncias completamente diferentes daquelas ocorrem no 
 caso vertente, porquanto esta decisão refere-se a uma formulação apresentada 
 perante o próprio Tribunal Constitucional, e não perante um tribunal a quo como 
 
 é o caso da formulação sub judice - aquela que foi apresentada perante o 
 Tribunal da Relação de Lisboa - e numa fase como é a de recurso para o Tribunal 
 da Relação de Lisboa, a forma como é suscitada a questão de constitucionalidade 
 deverá ser decerto bastante menos exigente, sob pena de constituir um ónus 
 desproporcional que atenta contra as garantias de defesa do arguido;
 v) Acresce que, no caso deste Acórdão n.° 21/06, o recurso interposto foi 
 recusado depois de ter sido feito um convite ao aperfeiçoamento das conclusões 
 onde especificamente lhe foi solicitado que especificasse “os requisitos 
 exigidos pelos artigos 70° n.° 1 e 75°- A- n. ° 1, da Lei 28/82,” e além disso, 
 reporta-se a uma questão em sede de processo civil e não no âmbito do processo 
 penal, onde como decorre claramente da Jurisprudência deste Tribunal, o 
 tratamento das exigências formais por confronto com o direito de defesa do 
 recorrente é diferente consoante estejamos no âmbito do Processo Penal ou de 
 qualquer outro.
 
 w) A prevalência da relevância e dignidade constitucional dos valores a tutelar 
 no âmbito do Processo Penal sobre quaisquer outros que militem a favor da 
 preclusão do direito ao recurso por preterição de determinadas formalidades, é 
 um imperativo do direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado nos números 
 
 4 e 5 do art.º 20° da Constituição, e do próprio direito ao recurso, cujas 
 limitações estão sujeitas a um princípio de proporcionalidade, como ressalta da 
 Jurisprudência (vide, entre outros o Acórdãos n.° 66/01 e o Acórdão n.º 284/00).
 x) No presente processo, aquando da apresentação do Recurso perante o Tribunal 
 da Relação de Lisboa, foi o recorrente convidado a reformular as suas 
 conclusões, mas de forma genérica e sem qualquer indicação dos aspectos do art.º 
 
 412° do CPP com os quais haveria desconformidade na motivação apresentada e sem 
 que tenha sido expressa ou implicitamente convidado a reformular as questões de 
 constitucionalidade suscitadas.
 
 y) E não se diga que a intenção do arguido de suscitar a questão de 
 constitucionalidade não era clara, porquanto, como se demonstrou, não poderia o 
 Tribunal da Relação de Lisboa pronunciar-se sobre ela, como fez, se não tivesse 
 a noção de que o arguido pretendia suscitá-la.
 z) Mas, no limite, se a questão suscitada não fosse clara ao nível das 
 conclusões, no que não se concede, foi a mesma detalhadamente formulada na 
 motivação de recurso e, não menos relevante se afigura o facto de, na própria 
 decisão sumária, essa intenção não ser posta em causa, pois aí se invoca, 
 apenas, a inadequação da sua formulação.
 aa) Como decorre claramente da Jurisprudência supra mencionada, ainda que se 
 considerassem insuficientes ou mal formuladas aquelas conclusões, não deveria a 
 apreciação do recurso para o Tribunal Constitucional subsequentemente 
 apresentado ser recusada com tal fundamento, porquanto tal entendimento 
 traduzir-se-ia na exigência de uma acentuada dificuldade imposta ao arguido, 
 desproporcionada face à finalidade disciplinadora do processo que se encontra na 
 base da exigência de formulação de conclusões de recurso no âmbito do processo 
 penal;
 bb) Pelo que seria desconforme com a justiça e equidade que devem marcar o 
 processo, em particular o processo penal, como vertente do direito de acesso aos 
 tribunais, violando-se o disposto nos artigos 20°, nºs 4 e 5 da CRP que 
 consagram o princípio da tutela jurisdicional efectiva e constituiria uma 
 diminuição desproporcionada do direito ao recurso do arguido, com o que se 
 encontrariam violados os artigos 32° e 18° da CRP .
 cc) Sublinhe-se, aliás, a especial relevância que estes princípios assumem no 
 
 âmbito do processo penal, e que determinaram uma diferença marcante entre o 
 tratamento dado à questão neste processo e nos restantes,
 dd) Pelo que, como acima se referiu, também por este motivo, a aplicação da 
 ratio do Acórdão 21/06 deste Tribunal ao caso vertente se revela absolutamente 
 inadequada, pois o tratamento jurisprudencial que vem sendo dado à questão das 
 formalidades processuais por confronto com os valores ou direitos em jogo é 
 completamente diferente em processo penal ou em qualquer outro.
 ee) Por outro lado, vem o Juiz Relator deste tribunal que proferiu a decisão 
 alegar que a interpretação do art.º 188°, n.º 1 do CPP feita pelo Tribunal 
 recorrido não coincide com aquela que foi indicada pelo arguido, por se ler na 
 sua decisão “É certo que o Juiz de Instrução, tendo competência exclusiva para, 
 no decurso do inquérito, ordenar ou autorizar intercepções, gravações ou registo 
 de conversações, nos termos dos artigos 187° e 190° - art. ° 269, n. ° 1, al. c) 
 
 - conhece em primeiro lugar o conteúdo das intercepções telefónicas, mas uma vez 
 efectuado o controle, selecção e transcrição das mesmas e a respectiva junção, o 
 Ministério Público dirigindo o Inquérito tem competência funcional para tomar 
 conhecimento de todos os actos praticados e de todas as informações coligidas na 
 fase processual. O recorrente não provou que (...) o Ministério Público teve 
 conhecimento antes do Juiz das gravações,” enquanto o arguido teria indicado que 
 seria inconstitucional a interpretação segundo a qual as gravações possam “ser 
 facultadas em primeiro lugar ao Ministério Público, que delas toma conhecimento 
 prévio”,
 ff) Conhecimento prévio este que, como decorre da parte respectiva recurso 
 apresentado perante a Relação de Lisboa que na presente Reclamação se 
 transcreve, seria um conhecimento anterior ao controle e selecção das mesmas 
 pelo Juiz de Instrução Criminal no processo.
 gg) E não se diga que o Tribunal Constitucional não tem de conhecer da questão 
 porque isto não resulta inequivocamente das conclusões apresentadas, quer por 
 não ser verdade, quer por ter aplicação aqui o que acima se expendeu quanto à 
 possibilidade de se condicionar o direito ao recurso para o Tribunal 
 Constitucional em função da formulação das conclusões do recurso para o Tribunal 
 da Relação de Lisboa.
 hh) Ou seja, o entendimento do disposto no art.º 70, n.º 1, al. b) da Lei do 
 Tribunal Constitucional segundo o qual o Tribunal Constitucional não teria de se 
 pronunciar sobre uma questão por a questão de constitucionalidade não ter sido 
 correctamente formulada perante o tribunal da Relação de Lisboa nas respectivas 
 conclusões constitui um ónus incomportável e desproporcional para o arguido e, 
 como tal, consubstancia uma violação do direito ao recurso previsto no art.º 32° 
 da CRP, por não se respeitar a exigência de proporcionalidade das suas 
 limitações que decorre do art.º 18° da CRP, e, consequentemente, do princípio da 
 tutela jurisdicional efectiva ínsito no disposto nos números 4 e 5 do art.º 20° 
 da CRP,
 ii) Acresce que, embora se encontre redigida de forma diferente, a dimensão 
 normativa do artigo cuja inconstitucionalidade é suscitada pelo arguido é a 
 mesma que aquela que resulta do Acórdão da Relação de Lisboa;
 jj) Sucede porém que, tendo tomado conhecimento da questão, veio o Tribunal da 
 Relação de Lisboa estribar-se numa alegada falta de prova de que o Ministério 
 Público tomara conhecimento das escutas antes do Juiz de Instrução, evitando 
 deste modo uma pronúncia inequívoca sobre a questão suscitada.
 kk) Não se pode admitir que o tribunal se furte a uma apreciação da questão 
 suscitada com a afirmação lacónica de que “o recorrente não provou que (...) o 
 Ministério Público teve conhecimento antes do Juiz das gravações” quando no seu 
 recurso o arguido indica os despachos do Ministério Público e do Juiz de 
 Instrução Criminal dos quais decorre essa evidência.
 ll) Ora, não olvidando que a circunstância de as gravações terem sido conhecidas 
 previamente pelo Ministério Público constitui um facto, no âmbito da apreciação 
 de legalidade que se impõe no processo penal, não poderá deixar de se atender à 
 sua natureza processual e, como tal encontrar-se neles uma dimensão como matéria 
 de direito que deverá prevalecer sobre a sua susceptibilidade de ser qualificado 
 como facto,
 mm) Pois o que releva aqui para efeitos de apreciação de legalidade 
 constitucional são as consequências jurídicas daqueles factos e estes não 
 carecem de prova pois, como resulta do que acima foi exposto, eles resultam 
 manifestamente dos autos,
 nn) Independentemente de existir ou não qualquer deficiência de formulação da 
 questão suscitada, é indiscutível face ao que consta dos autos que o Ministério 
 Publico tomou conhecimento do teor das escutas antes do Juiz de Instrução 
 Criminal, sendo certo que, relativamente a estas circunstâncias, perante o 
 Tribunal da Relação de Lisboa, o arguido suscitou claramente a 
 inconstitucionalidade da interpretação do Tribunal, como acima se demonstrou.
 oo) E, como decorre da Jurisprudência deste Tribunal, se na sequência do Acórdão 
 do Tribunal da Relação de Lisboa a questão não foi devidamente formulada perante 
 o Tribunal Constitucional, deveria haver lugar, por parte do Exmo. Sr. Juiz 
 Relator, não a uma recusa de apreciação do recurso nos termos em que ocorreu, 
 mas a um convite ao aperfeiçoamento das respectivas conclusões.
 pp) No ponto 7 da decisão de que ora se reclama, refere-se que não foi suscitada 
 processualmente a “inconstitucionalidade da interpretação feita no Acórdão da 
 primeira instância e mantida em sede de recurso, das normas constantes dos 
 artigos 188, n.º 1, 269°, nº 1, alíneas c) e d), 187°, 17°, 188°, n.º 3, 101°, 
 n° 2 e 3, 189°, 99°, 125°, 126°, n.º 3, todos do Código de Processo Penal, no 
 sentido de que lhes pode ser negado o acesso ao controle e validade das escutas 
 recolhidas noutro processo mas que foram usadas naquele que veio a dar causa à 
 sua condenação,” por violação dos artigos 18°, n.º 2, 32°, n.º 2 e 34°, n.º 4 da 
 CRP, porquanto, nas suas conclusões de recurso, escreveu o arguido, na conclusão 
 LXXVIII: “As escutas telefónicas que deram origem às transcrições constantes do 
 Ap. VII-A foram ordenadas no âmbito do processo 1095/00.2TASNT (Cfr.: fls. 33 a 
 
 35 e 925), mas quando o arguido requereu o acesso aos documentos que haviam 
 autorizado aquelas escutas para aferir da sua legalidade, foi este acesso vedado 
 ao arguido pelo tribunal a quo, pelo que não poderia o tribunal valorar aquele 
 meio de prova e, ao fazê-lo, Violou o disposto no art.º 32, n.º 8 da CRP e 
 aquelas escutas constituem método proibido de prova nos termos do art.º 125 e 
 
 126, n.º3 do CPP. “
 qq) Concluindo com base nesta que não estaria aqui em causa uma questão de 
 constitucionalidade normativa, mas “quanto muito uma questão de 
 inconstitucionalidade imputável à própria decisão”, pelo que não estaria aberta 
 a via de recurso para este Tribunal.
 rr) Contudo, daquela formulação sumariada em conclusões perante o Tribunal da 
 Relação de Lisboa, resulta claramente que o juízo de inconstitucionalidade em 
 questão recai sobre a interpretação das normas processuais penais mencionadas 
 segundo a qual não se considera insusceptível de valoração como prova uma escuta 
 telefónica relativamente à qual o arguido não teve oportunidade nem condições de 
 aferir da sua legalidade.
 ss) Acresce que, ainda que se entendesse que era esta a questão colocada ao 
 nível das conclusões, no que não se concede e por mera cautela de patrocínio se 
 pondera, decerto não se poderá afirmar o mesmo face ao teor da motivação de 
 recurso.
 tt) Acresce que, de novo, vem a decisão de que ora se reclama estribar-se numa 
 afirmação do tribunal a quo para afirmar que a interpretação do tribunal foi 
 diferente daquela cuja inconstitucionalidade se suscitou sem que daí advenha 
 qualquer sentido, senão vejamos:
 uu) Diz-se naquele Acórdão, em relação ao arguido, que “Não tem razão quando 
 afirma que as escutas telefónicas que deram origem às transcrições constantes do 
 Ap. VII-A foram ordenadas no âmbito do processo [...], mas quando o arguido 
 requereu o acesso aos documentos que haviam autorizado aquelas escutas para 
 aferir da sua legalidade foi este vedado ao arguido pelo tribunal a quo, pelo 
 que não poderia o tribunal valorar aquele meio de prova porquanto também estas 
 transcrições foram realizadas com o formalismo legal.”
 vv) Ora, embora venha o Tribunal dizer que o arguido não tem razão ao afirmar 
 que não pôde sindicar a legalidade daquelas escutas, ao indicar o motivo, alega 
 de forma lacónica “porquanto estas transcrições foram realizadas com o 
 formalismo legal”, sem responder sequer à questão da possibilidade de o arguido 
 aferir aquela legalidade,
 
 ww) O que se afigura uma afirmação ilógica, relativamente à qual não se poder 
 retirar outro entendimento que não seja o de que o Tribunal subscreve a posição 
 tomada na primeira instância relativamente àquelas escutas telefónicas e, como 
 tal, também este Tribunal entende que, não obstante a evidência plasmada nos 
 autos de que as escutas provenientes de outro processo que foram utilizadas 
 neste se encontram desacompanhadas de documentação dos actos que as precederam 
 por forma a permitir ao arguido controlar a legalidade das mesmas, estas escutas 
 telefónicas podem ser valoradas como meio de prova,
 xx) Não obstante a situação de indefesa que destas circunstâncias decorre para o 
 arguido.
 
 yy) Consideram-se aplicáveis em relação a este ponto da decisão de que ora se 
 reclama o que acima se expendeu relativamente ao imperativo de valoração da 
 substância sobre a forma em processo penal, designadamente no que tange à 
 insusceptibilidade de desconsideração do teor da motivação de recurso por 
 confronto com as conclusões do mesmo, usando estas ultimas como factor de 
 exclusão de aspectos alegados na motivação e bem assim da inconstitucionalidade 
 da recusa de conhecimento de um recurso, quer pelo Tribunal da Relação de 
 Lisboa, quer pelo Tribunal Constitucional, por inobservância de formalidades, em 
 particular quando não haja, sequer, um convite ao aperfeiçoamento do mesmo por 
 parte do Tribunal competente,
 zz) Ocorrendo em tais circunstâncias uma limitação do direito ao recurso 
 consagrado no art.º 32° da CRP com violação do princípio da proporcionalidade 
 que deve encontrar-se subjacente a essa mesma limitação nos termos do art.º 18° 
 da CRP, e deste modo uma violação do próprio art.º 32° da CRP, bem como do 
 disposto nos números 4 e 5 do art.º 20° da Constituição relativamente à tutela 
 jurisdicional efectiva deste direito, ínsito no direito à defesa do arguido”.
 
  
 
 7. Notificado para responder à presente reclamação, disse o Ministério Público:
 
 “1 – A presente reclamação – deduzida de forma prolixa pelo reclamante, sem 
 atentar adequadamente na natureza normativa da fiscalização da 
 constitucionalidade cometida ao Tribunal Constitucional e nos ónus que, segundo 
 jurisprudência uniforme e reiterada, incidem sobre o recorrente, no recurso 
 tipificado na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 – é manifestamente 
 improcedente.
 
 2 – Na verdade, as razões aduzidas em nada abalam os fundamentos da decisão 
 reclamada, no que toca à inverificação dos pressupostos do recurso interposto.
 
 3 – Resultando a argumentação do reclamante, em larga medida, do facto de 
 confundir os planos da suscitação de uma questão de constitucionalidade 
 normativa e da mera imputação às decisões proferidas no decurso do processo de 
 inconstitucionalidade, por violação simultânea de normas processuais penais e 
 constitucionais.
 
 4 – E sendo inquestionável – fase à análise objectiva das conclusões da 
 motivação do recurso interposto para a Relação (que delimitam irremediavelmente 
 o elenco de questões postas à apreciação de tal Tribunal) – que não foi 
 suscitada, em termos processualmente adequados, uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, idónea para suportar o recurso interposto para 
 este Tribunal Constitucional.
 
 5 – Como é evidente e incontroverso, não pode o arguido – necessariamente 
 representado no processo por defensor – imputar às consequências decorrentes do 
 deficiente ou negligente cumprimento dos ónus que justificadamente incidem sobre 
 si a violação de qualquer preceito constitucional, já que era perfeitamente 
 razoável e adequado delinear perante a Relação as questões de 
 constitucionalidade normativa que pretendesse fazer submeter a eventual 
 apreciação do Tribunal Constitucional – não se vendo onde se poderá situar a 
 
 “acentuada dificuldade” na suscitação de tal matéria.
 
 6 – E sendo perfeitamente absurda a pretensão de ver deferido, nesta fase do 
 processo, o aperfeiçoamento de conclusões apresentadas em recurso interposto e 
 motivado para a Relação”.
 
  
 
  
 III – Fundamentação
 
  
 
 8. No requerimento de interposição do recurso afirmava o recorrente pretender 
 ver apreciada a inconstitucionalidade: a) “da norma constante no artigo 188° n.° 
 
 1 do Código de Processo Penal no sentido de que as escutas obtidas não terão de 
 ser imediatamente apresentadas ao juiz de instrução após cada intercepção, 
 podendo assim ser facultadas em primeiro lugar ao Ministério Público que delas 
 toma conhecimento prévio”; b) “da interpretação feita no acórdão da primeira 
 instância e mantida em sede de recurso das normas constantes dos artigos 188° 
 n.º1, 269°, n.° 1, alíneas c) e d), 187°, 17°, 188° n.° 3, 101° nos 2 e 3, 189°, 
 
 99°, 125° e 126 n.° 3 todos do Código de Processo Penal, no sentido de que lhe 
 pode ser negado o acesso ao controle da validade das escutas recolhidas noutro 
 processo mas que foram usadas naquele que veio a dar causa à sua condenação”; e 
 c) “da interpretação feita no acórdão da primeira instância e mantida em sede de 
 recurso do artigo 374° nº 1 do Código Penal, no sentido de que pode ser aplicada 
 uma pena na medida em que o foi”.
 
  
 Na decisão sumária reclamada considerou-se que não estavam reunidos os 
 pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso previsto na alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, invocada pelo 
 recorrente como fundamento do mesmo, em relação a nenhuma das três questões de 
 constitucionalidade acima identificadas.
 
  
 Com a presente reclamação de cinquenta e cinco páginas, cujas cinquenta e duas 
 conclusões já transcrevemos integralmente, o reclamante vem contestar que assim 
 seja, mas apenas no que se refere às duas primeiras questões de 
 constitucionalidade que pretendia ver apreciadas, supra identificadas pelas 
 alíneas a) e b), nada dizendo sobre a parte da decisão sumária em que se 
 concluiu pela impossibilidade de conhecer da questão de constitucionalidade que 
 o recorrente imputava ao artigo 374º do Código Penal, identificada na alínea c), 
 pelo que, nesta parte, se conformou com aquela decisão, que, assim, se tornou 
 definitiva. Nestes termos, a presente reclamação tem apenas por objecto a 
 reapreciação da decisão sumária na parte em que nela se decidiu pela 
 impossibilidade de conhecer do objecto do recurso na parte em que o recorrente 
 pretendia ver apreciadas as questões supra identificadas nas alíneas a) e b).
 
  
 Delimitado, nestes termos, o objecto da presente reclamação, vejamos se assiste 
 razão ao reclamante.
 
  
 
 9. Para concluir pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso a 
 decisão reclamada funda-se, em relação a cada uma das duas questões de 
 constitucionalidade imediatamente supra identificadas, num duplo fundamento 
 alternativo: i) nem o recorrente teria suscitado de modo processualmente 
 adequado e perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, como exige 
 expressamente o artigo 72º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional, nenhuma das 
 questões de constitucionalidade que pretendia ver apreciadas; ii) nem a decisão 
 recorrida teria efectivamente aplicado, como ratio decidendi, os preceitos 
 indicados pelo recorrente no exacto sentido normativo cuja constitucionalidade 
 vem por ele questionada. O reclamante vem contestar que assim seja.
 
  
 
 10. Alega o reclamante, em primeiro lugar, que ao contrário do que se conclui na 
 decisão reclamada, suscitou adequadamente perante o Tribunal da Relação de 
 Lisboa as questões de constitucionalidade normativa que pretendia ver 
 apreciadas. Vejamos.
 
  
 
 10.1. Segundo afirma tê-lo-ia feito, desde logo, nas próprias conclusões da 
 alegação do recurso que apresentou perante aquele Tribunal. Concretamente, no 
 que se refere à primeira das questões suscitadas, nas conclusões LXIII a LXVIII 
 e, no que se refere à segunda, na conclusão LXXVIII, que supra já transcrevemos.
 
  
 Mas, como se demonstrou já na decisão sumária reclamada, em termos que merecem a 
 nossa inteira concordância, pelo que agora se reiteram, não tem razão. 
 Recordemos agora apenas as conclusões LXIV, LXV, LXVIII e LXXVIII, que o 
 reclamante sublinha na sua reclamação, parecendo querer sugerir que teria sido 
 aí que as questões teriam sido adequadamente suscitadas:
 
 “LXIV Admitindo interpretação diversa do disposto nos artigos 187º a 189º 
 permitir-se-ia que fossem ouvidas pelo Ministério Publico escutas que não havia 
 necessidade de incluir no processo e o objectivo do controle judicial - a 
 protecção da reserva da intimidade da vida privada, que só pode ser derrogado em 
 determinados casos muito limitados e mediante controle judicial - seria 
 irreversivelmente defraudado, do que decorreria uma violação do disposto no 
 art.º 32, nº 8 da Constituição da Republica Portuguesa.
 LXV Portanto, no caso sub judice, verificou-se uma violação do disposto no art.º 
 
 188° do CPP e no art.º 32, n.º 8 da CRP.
 
 […]
 LXVIII Do facto de as escutas serem seleccionadas por outrem que não o Juiz de 
 Instrução Criminal competente decorre uma violação do disposto nos artigos 32, 
 n.º 8, 18, n.º 2 e 34, n.º 4 da Constituição da Republica Portuguesa, porquanto 
 a lei portuguesa estabelece o sistema da autorização e controlo judicial e de 
 limitação das escutas telefónicas, pressupondo um efectivo acompanhamento e 
 controlo da escuta pelo juiz que a tiver ordenado com o objectivo de reduzir ao 
 mínimo essencial a lesão de um direito fundamental - o direito à reserva da vida 
 privada - o qual só pode ser objecto de limitação nos estritos limites da lei 
 penal.
 
 […]
 LXXVIII. As escutas telefónicas que deram origem às transcrições constantes do 
 Ap. VII-A foram ordenadas no âmbito do processo 1095/00.2TASNT (Cfr.: fls. 33 a 
 
 35 e 925), mas quando o arguido requereu o acesso aos documentos que haviam 
 autorizado aquelas escutas para aferir da sua legalidade, foi este acesso vedado 
 ao arguido pelo tribunal a quo, pelo que não poderia o tribunal valorar aquele 
 meio de prova e, ao fazê-lo, violou o disposto no art. 32, n.º 8 da CRP e 
 aquelas escutas constituem método proibido de prova nos termos do art.º 125 e 
 
 126, n.º 3 do CPP”.
 
  
 Como pode ver-se, na primeira (conclusão LXIV) limita-se o recorrente a referir 
 uma “interpretação diversa dos artigos 187º a 189º”, que, aliás, nunca explicita 
 exactamente qual seja. Na segunda (conclusão LXV), limita-se a acrescentar que 
 
 “no caso sub judice [se] verificou[] uma violação do disposto no art.º 188° do 
 CPP e no art.º 32, n.º 8 da CRP”, o que não só nada esclarece sobre a 
 interpretação normativa do artigo 188º que estaria em causa, como, ao insistir 
 em que o próprio preceito de direito infraconstitucional cuja 
 constitucionalidade pretende ver apreciada - o artigo 188º, nº 1 do Código de 
 Processo Penal -, terá sido ele mesmo violado, permite a conclusão, a que 
 correctamente se chegou na decisão sumária reclamada, de que “a questão de 
 desarmonia constitucional é imputada à decisão judicial, enquanto subsunção dos 
 factos ao direito, e não ao ordenamento jurídico infra-constitucional que se tem 
 por violado com essa decisão”, em suma, à conclusão de que “se está a questionar 
 a própria decisão judicial e não a constitucionalidade dos preceitos 
 ordinários”. Esta conclusão é, ainda reforçada pelas conclusões LXVIII e 
 LXXVIII, onde, no primeiro caso, a “violação do disposto nos artigos 32º, nº 8, 
 
 18º, nº 2 e 34º, nº 4 da Constituição” é imputada ao “facto de as escutas serem 
 seleccionadas por outrem que não o Juiz de Instrução Criminal competente” e, no 
 segundo caso, a violação do artigo 32º, nº 8 da Constituição é imputada ao facto 
 de “o tribunal valorar aquele meio de prova”.
 
  
 Improcede, assim, a alegação do reclamante quanto a este ponto.
 
  
 
 10.2. Alega agora o reclamante [conclusões k) e oo)], que se o Tribunal 
 Constitucional entende que as conclusões não eram concisas, deveria ter 
 convidado o recorrente a reformulá-las. Ora, não só é manifestamente absurdo 
 pretender ver deferido, nesta fase do processo, o aperfeiçoamento de conclusões 
 apresentadas em recurso interposto e motivado para a Relação, como, a verdade, é 
 que o recorrente até foi, naquele momento processual, convidado a isso mesmo, 
 tendo, então, reduzido as duzentas e conclusões constantes da versão original 
 para as cento e vinte e oito posteriormente apresentadas. O problema 
 manifestamente não está, portanto, na falta do convite para o aperfeiçoamento 
 das conclusões, mas na constatação de que, mesmo depois da correcção feita, o 
 recorrente continuou a não ser capaz de formular com clareza uma questão de 
 constitucionalidade normativa em termos de permitir o recurso para este 
 tribunal.
 
  
 
 10.3. Alega ainda o reclamante que o Tribunal Constitucional, a entender que as 
 questões não estão suficientemente formuladas nas conclusões da alegação do 
 recurso, deveria ter recorrido à própria motivação, onde, na sua perspectiva 
 teria adequadamente suscitado as questões de constitucionalidade normativa que 
 pretende ver apreciadas. Também neste ponto, porém, não tem razão. Com efeito, 
 compulsados os autos, verifica-se que as questões surgem ali colocadas em termos 
 substancialmente idênticos àqueles em que surgem nas conclusões, padecendo, por 
 isso, dos mesmos vícios que já se apontaram a estas. 
 
  
 
 10.4. Alega, por outro lado, o agora reclamante, que o “o Tribunal 
 Constitucional não pode postular uma interpretação normativa assente numa 
 rigidez formal que prejudica de modo desproporcional as garantias 
 constitucionais consagradas para o processo penal, entre as quais não poderá 
 deixar de se considerar o direito ao recurso”. Mais uma vez, porém, não tem 
 razão. Na verdade, estando o arguido representado por profissional do foro, 
 constituído mandatário, não podem as consequências decorrentes do deficiente 
 cumprimento dos ónus que sobre si incidem ser imputadas a uma hipotética 
 
 “rigidez formal” ou a uma suposta violação de qualquer preceito constitucional. 
 Ao invés, sendo perfeitamente possível, com um mínimo de diligência, suscitar, 
 de modo processualmente adequado, perante o Tribunal da Relação de Lisboa, as 
 questões de constitucionalidade normativa que pretendesse fazer submeter a 
 eventual apreciação em recurso pelo Tribunal Constitucional e não se 
 vislumbrando onde se poderá situar a “acentuada dificuldade” para o fazer, o 
 facto de este Tribunal estar impedido de conhecer do recurso resulta, única e 
 exclusivamente, da forma como, pelo recorrente, não foi dado cumprimento aos 
 
 ónus que sobre ele razoavelmente impendem.
 
  
 
 11. O que se deixa dito basta para que, como se concluiu na decisão reclamada, 
 se não possa efectivamente conhecer do objecto do recurso e, consequentemente, 
 para que a presente reclamação tenha que improceder.
 
  
 
 12. Uma outra razão, porém, concorre igualmente para que assim se conclua. É 
 que, como se demonstrou também já na decisão reclamada, em termos que, por 
 merecerem a nossa inteira concordância agora se reiteram, resulta efectivamente 
 da decisão recorrida que a mesma não interpretou os preceitos do Código de 
 Processo Penal referidos pelo recorrente no seu requerimento de interposição de 
 recurso para este Tribunal e na presente reclamação, no exacto sentido que ele 
 pretendia ver confrontado com a Constituição.
 
  
 Isso é evidente em relação à primeira das questões de constitucionalidade que 
 vem suscitada, em que a decisão afirma expressamente que “o recorrente não 
 provou que (…) o Ministério Público teve conhecimento antes do juiz das 
 gravações”; mas pode também afirmar-se em relação à segunda, onde, como então se 
 disse, nada permite concluir, antes pelo contrário, que na aplicação do direito 
 a decisão recorrida tenha partido do pressuposto factual de que ao arguido tenha 
 sido “negado o acesso ao controle da validade das escutas recolhidas noutro 
 processo mas que foram usadas naquele que veio a dar causa à sua condenação”.
 
  
 Assim sendo, não tendo a decisão recorrida aplicado os preceitos em causa nas 
 exactas dimensões normativas indicadas pelo recorrente no requerimento de 
 interposição do recurso, também por esta razão, só por si igualmente suficiente, 
 dele se não pode conhecer.
 
  
 
 13. Em face do exposto, improcedem todas as alegações do reclamante, pelo que, 
 pelas razões já constantes da decisão reclamada, que mantêm inteira validade e 
 em nada são infirmadas pela presente reclamação, é efectivamente de não conhecer 
 das questões objecto do recurso, relativamente às quais foi apresentada esta 
 reclamação.
 
  
 
  
 III – Decisão
 
  
 Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, 
 confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do 
 recurso.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 23 de Março de 2006
 Gil Galvão
 Bravo Serra
 Artur Maurício