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Processo n.º 960/06
 
 2º Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
 1.A. interpôs recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, com a redacção introduzida pela Lei n.º 13-A/98, de 26 
 de Fevereiro (Lei do Tribunal Constitucional), do acórdão da Relação do Porto de 
 
 7 de Junho de 2006, que não se pronunciou no sentido da “inconstitucionalidade 
 da interpretação dada ao art.º 24.º (n.º 1, al. d) ou b)) do C. de Processo 
 Penal no sentido de permitir a conexão de processos que obste, em fase 
 processual subsequente à dedução da acusação, à escolha de um arguido, advogado, 
 como defensor de outro arguido, através de procuração previamente junta aos 
 autos, por violação das garantias de defesa do arguido em processo penal e do 
 direito de escolha do defensor, previstos no art.º 32.º, n.ºs 1 e 3, da 
 Constituição da República Portuguesa”. Esse acórdão revogou o despacho do 
 Tribunal Judicial da Comarca de Espinho de 14 de Junho de 2005, “no segmento em 
 que afirmou o juízo de inconstitucionalidade que se acabou de não acolher e, 
 consequentemente, naquele outro que determinou a cessação da conexão dos 
 processos, com o respectivo consectário (nulidade da acusação, na parte 
 respeitante à arguida A.), e o não conhecimento «das demais irregularidades 
 suscitadas pelos arguidos» (conhecimento que, agora, na medida do ajustado, é 
 necessário).”
 A recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a 
 inconstitucionalidade “do artigo 24.º do Código de Processo Penal quando 
 interpretado no sentido de permitir a conexão de processos que obste, em fase 
 processual subsequente à dedução da acusação, à escolha de um Arguido, advogado, 
 como defensor de outro Arguido, através de procuração previamente junta aos 
 autos, por violação das garantias de defesa do Arguido em Processo Penal e do 
 direito de escolha do defensor (n.ºs 1 e 3 do artigo 32.º da CRP).”
 A recorrente apresentou alegações, nas quais sustenta e conclui o seguinte:
 
 “I – Decidiu o Meritíssimo Juiz do Tribunal Judicial de Espinho (Processo de 
 Inquérito) “Declarar, no entanto, nos termos do artigo 204.º da CRP, 
 inconstitucional esse art. 24.° do CPP, quando interpretado no sentido de 
 permitir a conexão de processos que obste, em fase processual subsequente à 
 dedução de acusação, à escolha de um arguido advogado, como defensor de outro 
 arguido, através de procuração junta aos autos, por violação das garantias de 
 defesa do arguido em processo penal e do direito de escolha do defensor (art. 
 
 32.°, n.ºs 1 e 3, da CRP) (vd. Despacho de 14.6.2005 a fls. 145) 
 II – Perante recurso do Ministério Público o Acórdão do Venerando Tribunal da 
 Relação do Porto deu provimento ao recurso, não declarando “a 
 inconstitucionalidade do art. 24.º, n.º 1, als. d) ou b) do C. Processo Penal”, 
 no sentido exposto em “1”, revogando o despacho quanto ao juízo de 
 inconstitucionalidade, e a decisão que determinava a cessação da conexão dos 
 processos. 
 III – Foram, no essencial, fundamentos do acórdão a consideração de que “se um 
 arguido não pode ser defensor de si mesmo, também o não pode ser de outro 
 arguido” posto que as normas processuais demarcam o estatuto processual do 
 arguido e defensor considerando a cessação da conexão de processos concluiu o 
 Acórdão no sentido de que as garantias de defesa “... em tese, não são (ou podem 
 ser) realizadas com segurança bastante, quando alguém confere mandato judicial a 
 advogado que se indiciou ter participado na prática criminosa que se imputa 
 
 àquele”, concluindo que as normas estatutárias demonstram esse aspecto, 
 referindo-se ao Estatuto da Ordem dos Advogados Concluiu-se por considerar que 
 existe uma compressão do direito contido no art. 32.º, n.º 3, mas positiva 
 considerando as garantias de defesa. “... não a imposição de qualquer defensor, 
 mas a exclusão de um determinado .. sob pena de as normas constitucionais, desta 
 natureza, se verem ... esvaziadas de conteúdo” 
 IV – Discordando com o sentido da decisão, muito respeitosamente. defende a 
 recorrente que na presente causa se questiona não a cessação da conexão no 
 sentido dos seus efeitos, mas a validade de decisão da conexão, quando esta põe 
 em causa o direito de escolha do defensor, sabendo-se que o mandato foi anterior 
 ao conhecimento dos factos a que se referia o inquérito.
 V – Entende-se, neste caso, na modesta opinião da Recorrente, que existindo um 
 preceito constitucional que lhe garante o direito à escolha de um defensor, não 
 lhe pode este ser coarctado por norma inferior que provoque a conflitualização 
 desse direito.
 VI – Considerando-se no Acórdão que as garantias de defesa “não são (ou podem 
 ser) realizadas com segurança bastante, estando em causa defensor e arguida 
 indiciados no mesmo crime” não se esclarece, no modesto entender da arguida, que 
 o que está em causa é a sua subjectividade, e, neste sentido, as suas decisões 
 podem revelar-se positivas ou negativas, “condicionando” dessa forma as suas 
 garantias de defesa.
 VII – Nomeadamente, não sendo a justiça gratuita, (sendo certo que a recorrente 
 não tem direito ao apoio judiciário), logo na decisão de escolha do seu defensor 
 considera o factor económico que naturalmente interagem com a realização das 
 garantias de defesa.
 VIII – É certo que se pode pôr em causa “o agir desapaixonado”, mas pode 
 ganhar-se noutras vertentes, certeza absoluta de bom empenho, maior conhecimento 
 da situação real, quer na vertente física, quer das motivações, economia 
 financeira, etc., por outro lado, não se pensa que exista conflito com as normas 
 estatutárias da Ordem dos Advogados, pois em Processo Civil o advogado pode 
 representar-se a si próprio e ao cônjuge. sendo certo que, virtualmente, pelo 
 menos, existem (ou podem existir) conflitos de interesses.
 IX – O que está em causa é saber-se se é possível decidir-se pela conexão de 
 processos, no caso em que um dos arguidos é defensor do outro, desconhecendo-se 
 
 à data da constituição do mandato, que mandante e mandatário eram, ou viriam a 
 ser indiciados pela prática de factos idênticos. 
 X – A arguida logo no seu Requerimento de fls. 126 considerou ofendidos os 
 preceitos constitucionais [dos arts.] 32.º, n.º 3, e 18.º.
 XI – É que, entende-se com modéstia, e a devida reverência por outras 
 interpretações, que ao negar-se o direito à escolha de defensor, no caso de 
 arguidos, no mesmo processo em que um é defensor de outro, por livre escolha, 
 está-se a comprimir o direito de defesa, não estando em causa se essa compressão 
 
 é positiva ou negativa (entende-se que as decisões subjectivas poderão ser 
 positivas ou negativas reveladas no agir e não postuláveis “a anteriori” – claro 
 que no campo da subjectividade que constitucionalmente se deixa ao livre 
 arbítrio do interessado), mas, refere-se, que não é esta a situação. arguido e 
 defensor, embora indiciados pela mesma situação, eram sujeitos de inquéritos 
 autónomos, deixando de existir conflitos entre as normas que definem o estatuto 
 do arguido e do defensor. 
 XII – Aliás, as garantias de defesa, sendo constitucionalmente garantidas, com 
 toda a carga de subjectividade inerente, não são apanágio exclusivo do nosso 
 direito, mas antes um princípio fundamentante do Estado de Direito, que, nesse 
 seu modo de ser, se preocupa, naturalmente, com essas garantias. 
 XIII – Razão porque vem consagrado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem 
 
 (vd. art. 6.º, n.º 3, al. c)), onde se consideram como mínimo o direito de 
 
 “Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e. 
 se não tiver meios para remunerar um defensor, ...”, considerando-se como os 
 direitos mínimos garantidos aos acusados, ora se são mínimos, como admitir uma 
 compressão destes? 
 XIV – A carga de subjectividade que se quer garantir a qualquer cidadão, quando 
 acusado, não pode, não deve ser impedida, sob pena de se interferir na livre 
 capacidade do acusado definir a sua estratégia de defesa perante urna acusação 
 que lhe é feita.
 XV – Entende-se, com muita modéstia, e, respeitando mais sabidas opiniões, que 
 preceitos como este contêm uma carga, além de jurídica, eminentemente política. 
 O Estado, ou melhor, a comunidade no seu sentido de soberania, enquanto 
 organização de super-estrutura vocacionada para a gestão e direcção dos 
 interesses nacionais, ou internacionais, procura garantir que o seu agir seja 
 questionável, precisamente por ser um Estado de direito, que não se permite que 
 resvale para um Estado Totalitário, por exemplo. Tal concepção não se compagina 
 com o cerceamento da subjectividade nas garantias de defesa do acusado. 
 XVI – É claro que limitar o direito à defesa, no caso de arguido e defensor, 
 também arguido no mesmo processo, impedindo a nomeação de defensor arguido, não 
 põe por si em causa o Estado de Direito, até porque estão garantidas outras 
 modalidades, mas o que é certo é que é ferida a subjectividade que se quer 
 deixar livre, entendendo-se que estes preceitos pretendem garantir essa mesma 
 subjectividade sem possibilidade de interferência do Estado.
 Nestes termos decidindo V. Ex.ªs Venerandos Conselheiros do Tribunal 
 Constitucional em declarar inconstitucional o art. 24.º do CPP, quando 
 interpretado no sentido de permitir a conexão de processos que obste, em fase 
 processual subsequente e anterior à dedução de acusação, à escolha de um arguido 
 advogado, como defensor de outro arguido, através de procuração junta aos autos, 
 por violação das garantias de defesa do arguido em processo penal e do direito 
 de escolha do defensor (art. 32.º/1 e 2 da CRP), farão inteira JUSTIÇA.”
 O Ministério Público contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso e 
 concluindo nos termos seguintes:
 
 “1 – Não é inconstitucional a norma do artigo 24.º do Código de Processo Penal, 
 interpretada no sentido de permitir a conexão de processos que obste, em fase 
 ulterior e prévia à dedução de acusação, à escolha de um arguido advogado, como 
 defensor de outro arguido, através de procuração junta aos autos.
 
 2 – Termos em que não deverá proceder o presente recurso.”
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 2.O presente recurso foi interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), 
 da Lei do Tribunal Constitucional, visando a apreciação da conformidade com a 
 Constituição da República Portuguesa do artigo 24.º do Código de Processo Penal, 
 numa certa interpretação (“quando interpretado no sentido de permitir a conexão 
 de processos que obste, em fase processual subsequente à dedução da acusação, à 
 escolha de um Arguido, advogado, como defensor de outro Arguido, através de 
 procuração previamente junta aos autos”), adoptada pelo acórdão do Tribunal da 
 Relação do Porto recorrido.
 Dispõe esse artigo 24.º do Código de Processo Penal, com a epígrafe “Casos de 
 conexão”:
 
 «1 - Há conexão de processos quando: 
 a) O mesmo agente tiver cometido vários crimes através da mesma acção ou 
 omissão; 
 b) O mesmo agente tiver cometido vários crimes, na mesma ocasião ou lugar, sendo 
 uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os 
 outros; 
 c) O mesmo crime tiver sido cometido por vários agentes em comparticipação; 
 d) Vários agentes tiverem cometido diversos crimes em comparticipação, na mesma 
 ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a 
 continuar ou a ocultar os outros; ou
 
  e) Vários agentes tiverem cometido diversos crimes reciprocamente na mesma 
 ocasião ou lugar. 
 
 2 - A conexão só opera relativamente aos processos que se encontrarem 
 simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento.»
 Segundo a recorrente, “[…] o que está em causa não é a cessação da conexão no 
 sentido dos seus efeitos, mas a consideração de que não deveria ter sido 
 ordenada a conexão dos processos, pois tenderiam a conflituar com o direito de 
 escolha de defensor”; e que, “existindo um preceito constitucional que lhe 
 garante o direito à escolha de um defensor, não lhe pode este ser coarctado por 
 norma inferior que provoque a conflitualização desse direito” (pontos 9 e 10 das 
 alegações de recurso).
 No acórdão recorrido disse-se a fl. 92 dos autos:
 
 “[…]
 Mas não será, então, que as coisas se modificam com a separação dos processos, 
 decorrente da cessação da conexão?
 Não vemos que assim seja.
 
 É que não podemos esquecer, desde logo, que os arguidos continuam a ser, em 
 relação a uma mesma prática criminosa (cuja configuração em termos de substância 
 
 é a dos círculos concêntricos, sem que se nos depare, nela, qualquer sentido 
 centrífugo; dito de outro modo, a forma do crime, em relação aos arguidos, 
 permanece rigorosamente igual), os mesmos, somente divergindo, então, uma certa 
 perspectiva formal, qual seja a da inexistência de uma unidade processual.
 Mas mesmo nesta hipótese, a realidade não é totalmente cortada (veja-se o 
 impedimento e seu específico recorte constante do art.º 133.º, n.ºs 1, al. a), e 
 
 2, do C. de Processo Penal).
 Depois, e agora na perspectiva das garantias de defesa de que aquela prescrição, 
 como se disse, é emanação, certamente que se não pode questionar que as mesmas, 
 
 à partida, e em tese, não são (ou podem ser) realizadas, com segurança bastante, 
 quando alguém confere mandato judicial a advogado que se indiciou ter 
 participado na prática criminosa que se imputa àquele.
 E de tal maneira as coisas assim são que não deixamos de ver este aspecto como 
 que demonstrado por normas estatutárias, que, se bem vemos, não aconselhava 
 
 (impunha, mesmo, que em circunstâncias tais o segundo não se disponibilizasse 
 para que o primeiro lhe conferisse mandato judicial), sendo elas as que regem os 
 impedimentos (art. 78.º, n.º 1), a independência (art. 84.º), os deveres para 
 com a comunidade (art. 85.º, n.º 1), os princípios gerais nas relações com os 
 clientes (art. 92.º, n.º 2), e os conflitos de interesses (art. 94.º, n.º 1, 
 este e aqueles do Estatuto da Ordem dos Advogados).
 
 […].”
 Vê-se, pois, que o Tribunal a quo adoptou o sentido impugnado pela recorrente, 
 não só devido à decisão de permitir a conexão de processos, nos termos do 
 disposto no artigo 24.º do Código de Processo Penal, mas pelo que considerou ser 
 uma afectação das garantias de defesa resultante de um arguido conferir “mandato 
 judicial a advogado que se indiciou ter participado na prática criminosa que se 
 imputa àquele”. Quer dizer, é a circunstância de os arguidos (representado e 
 representante) o serem em relação a uma mesma prática criminosa que, nos termos 
 da decisão recorrida, obsta, em fase processual subsequente à dedução da 
 acusação, também em virtude do disposto no artigo 133.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, 
 do Código de Processo Penal, à escolha de um arguido, advogado, como defensor de 
 outro arguido, através de procuração previamente junta aos autos.
 Nestes termos, a questão em causa consiste, então, em apurar se a dimensão 
 normativa questionada afecta, em termos inconstitucionais, o direito do arguido 
 de escolher defensor e de ser por ele assistido em todos os actos do processo, 
 que constitui umas das vertentes das garantias de defesa do arguido 
 constitucionalmente reconhecidas, nos termos do n.ºs 1 e 3 do artigo 32.º da 
 Constituição.
 
 3.O Tribunal Constitucional não se pronunciou ainda sobre a questão de 
 constitucionalidade referida. Todavia, já teve ocasião de se pronunciar sobre o 
 problema de saber se são inconstitucionais normas que limitam a escolha do 
 defensor, a propósito da possibilidade de o arguido que seja advogado pretender, 
 nesta última qualidade, assumir a sua própria defesa. Fê-lo através do Acórdão 
 n.º 578/2001 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 51.º volume, 
 págs. 655 e segs. e disponível em www.tribunalconstitucional.pt), que não julgou 
 inconstitucionais as normas constantes dos artigos 61.º, 62.º e 64.º do Código 
 de Processo Penal, que vedam a auto-defesa do arguido, mesmo que advogado. 
 Disse-se então, entre o mais:
 
 «[…]
 
 5. Significará isto que os direitos fundamentais consistentes no asseguramento 
 da totalidade das garantias de defesa em processo penal e na liberdade de 
 escolha de defensor por parte do arguido impõem que este (naquele tipo de 
 processo), ao menos sendo advogado, se o desejar, possa defender-se a si mesmo?
 A esta questão responde o Tribunal negativamente.
 Efectivamente, a tese do recorrente só seria de aceitar se se partisse de uma 
 posição de harmonia com a qual, sendo o arguido um advogado (regularmente 
 inscrito na respectiva Ordem), a sua «auto-representação» no processo criminal 
 contra si instaurado representasse, de modo objectivo, um melhor meio de se 
 alcançar a sua defesa e se a lei processual penal não reconhecesse ao arguido um 
 conjunto de direitos processuais estatuídos, verbi gratia, no art.º 61.º n.º 1, 
 e 63.º, n.º 2, quanto a este último avultando o de poder, pelo mesmo arguido, 
 ser retirada eficácia a actos processuais praticados pelo seu defensor em seu 
 nome, se assim o declarar antes da decisão a tomar sobre tal acto.
 E é justamente dessa posição que se não pode partir.
 Não se nega que, na óptica (naturalmente subjectiva) do recorrente, este possa 
 entender que a sua defesa em processo criminal seria melhor conseguida se fosse 
 prosseguida pelo próprio na qualidade de «advogado de si mesmo», do que se fosse 
 confiada a um outro advogado.
 Só que, como este Tribunal já teve oportunidade de salientar (cfr. citado 
 Acórdão n.º 252/97), “«há respeitáveis interesses do próprio interessado, a 
 apontar para a intervenção do advogado, mormente no processo penal», sendo certo 
 que, «mesmo no caso de licenciados em Direito, com reconhecida categoria 
 técnico-jurídica, a sua representação em tribunal através de advogado, em vez da 
 auto-representação, tem a inegável vantagem de permitir que a defesa dos seus 
 interesses seja feita de modo desapaixonada» , ou, como se disse no Acórdão n.º 
 
 497/89 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14.º volume, pp. 227 
 a 247), “mesmo relativamente aos licenciados em Direito (enquanto parte) se pode 
 afirmar, com Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil, p. 85), 
 que «às partes faltaria a serenidade desinteressada (fundamento psicológico) 
 
 [...] que se fazem mister à boa condução do pleito»”.
 A opção legislativa decorrente da interpretação normativa em causa, que exige 
 que o arguido, mesmo que advogado, seja defendido por um advogado que não ele, 
 não se vê que seja contraditada pela Constituição.
 O agir desapaixonado torna-se, desta arte e de modo objectivo, uma garantia mais 
 acrescida no processo criminal, o que só poderá redundar numa mais valia para as 
 garantias que devem ser prosseguidas pelo mesmo processo, sendo certo que, como 
 se viu acima, ao se não poder silenciar a corte de outros direitos consagrados 
 ao arguido pela lei adjectiva criminal, isso redunda na conclusão de que se não 
 descortina uma diminuição constitucionalmente censurável das garantias que o 
 processo criminal deve assegurar.
 De outro lado, como resulta da transcrição do acima citado comentador da 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o preceituado na alínea c) do n.º 3 do 
 art.º 6.º não impede os Estados aderentes de imporem, por via legislativa, a 
 obrigação da representação dos arguidos por intermédio de advogado.
 Sequentemente, não se vislumbra que a interpretação normativa em causa seja 
 colidente com qualquer preceito ou princípio constante da lei Fundamental.»
 
 4.Ora, é incontestável que se não pode confundir a proibição de auto-defesa com 
 a limitação de escolha de um advogado que se vem a indiciar, posteriormente ao 
 mandato, ter também participado na prática criminosa que se imputa ao arguido, e 
 que, por isso, é constituído arguido. Mas isso não significa que as 
 considerações transcritas não possam também ter aplicabilidade neste último 
 caso, quando está em causa a posição de advogado que posteriormente vem a ocupar 
 a posição de co‑arguido no mesmo processo.
 Com efeito, e como se assinalou, o “desinteresse” ou independência do advogado 
 em relação à questão a decidir no processo penal podem ser considerados – desde 
 logo, pelo legislador – como exigências do efectivo direito de defesa, e 
 constituem para o advogado simultaneamente um direito e um dever. Hoje, o dever 
 de independência, que se encontrava estabelecido no artigo 76.º, n.º 2, do 
 antigo Estatuto da Ordem dos Advogados, além de constar de norma própria, tem 
 uma formulação mais ampla do que a anterior, afirmando-se no artigo 84.º do 
 actual Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de 
 Janeiro de 2005, que o advogado, “no exercício da profissão, mantém sempre em 
 quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer 
 pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de 
 influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional 
 no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros”. 
 Justamente por isso, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed. Coimbra, Coimbra Ed., 2007, p. 
 
 520), não deixam de notar que, “do ponto de vista institucional, [o defensor] é 
 uma parte no processo e um «órgão independente da justiça», o que aponta para 
 uma posição jurídica materialmente independente, quer perante o tribunal quer 
 perante o constituinte”.
 As reflexões da recorrente, no sentido de que “o que está em causa é a sua 
 subjectividade, e, neste sentido, as suas decisões podem revelar-se positivas ou 
 negativas, «condicionando» dessa forma as suas garantias de defesa” (conclusão 
 VI das alegações de recurso), colocadas apenas no plano subjectivo do arguido, 
 não logram infirmar a circunstância de a independência do defensor relativamente 
 ao arguido ser condição de salvaguarda da credibilidade da defesa (neste 
 sentido, Karl-Heinz Gössel, «A posição do defensor no processo penal de um 
 Estado de Direito», BFD, vol. LIX, pp. 275 e 283). A circunstância de o advogado 
 ser co-arguido no mesmo processo pode, com efeito, ter repercussões negativas na 
 sua própria estratégia de defesa. E, na perspectiva do apuramento da verdade 
 material, o facto de o defensor ser igualmente arguido no mesmo processo pode 
 também influir sobre a defesa, mesmo que não esteja já delineado no caso 
 concreto um claro conflito de “estratégias” de defesa entre os dois arguidos (um 
 dos quais é defensor do outro). Assim, o defensor co-arguido no mesmo processo 
 pode, por exemplo, vir a sentir-se tentado a esconder ou destruir elementos 
 probatórios ou outros, ou, simplesmente, a acentuar ou diminuir aspectos 
 relevantes para a sua defesa, mas que podem contender também com o interesse do 
 arguido.
 A independência do defensor constitui um imprescindível ponto de referência na 
 estratégia de defesa do arguido (a opção por determinadas provas em vez de 
 outras, o sublinhar de certos aspectos e não de outros, etc.), e pode influir 
 também sobre o resultado do processo na perspectiva do apuramento da verdade 
 material, não estando, pois, vinculada apenas a um fundamento subjectivo, 
 inteiramente disponível ou prescindível pelo arguido, mas constituindo também 
 uma exigência objectiva desse interveniente no processo. Compreende-se, por 
 isso, que o legislador exclua a possibilidade de pessoas com ligação tão forte 
 com o tema do processo que são igualmente arguidas, e que podem assim vir a ser 
 igualmente condenadas pelos factos discutidos no processo penal, assumirem, ou 
 manterem, o papel de defensor dos seus co-arguidos.
 
 5.Invoca ainda a recorrente que “não sendo a justiça gratuita, (sendo certo que 
 a recorrente não tem direito ao apoio judiciário), logo na decisão de escolha do 
 seu defensor considera o factor económico que naturalmente interagem com a 
 realização das garantias de defesa” (sic, conclusão VII das alegações de 
 recurso).
 Este argumento não é, porém, procedente no sentido da inconstitucionalidade, não 
 sendo o interesse na gratuitidade, ou na obtenção de uma defesa menos 
 dispendiosa, aquele que é prosseguido com o direito de escolha do defensor pelo 
 arguido.
 Com efeito, não só é a própria a Constituição da República, ao garantir o acesso 
 ao direito e aos tribunais, que proíbe a denegação de justiça por insuficiência 
 de meios económicos, como os  requisitos exigidos para o recurso ao instituto do 
 apoio judiciário não se afiguram excessivos.
 No caso concreto, apesar de a recorrente não beneficiar de apoio judiciário, 
 nenhum indício existe, aliás, de que a limitação decorrente da dimensão 
 normativa em apreciação – devida à qualidade de co-arguido do defensor escolhido 
 
 – importa uma inadmissível dificuldade na prossecução da defesa dos interesses 
 do arguido em processo penal, pela escolha de outro defensor, que não seja 
 arguido (ou, muito menos, de que a constituição como arguido do defensor nomeado 
 tenha sido de algum modo pré‑ordenada à sua exclusão do papel de defensor, numa 
 actuação que seria claramente “patológica” do titular da acção penal, e que – 
 repete-se – nada indicia).
 Por outro lado, a circunstância de, como alega a recorrente, o Estatuto da Ordem 
 dos Advogados consagrar a regra geral segundo a qual os inscritos podem advogar 
 em causa própria e representar os seus cônjuges, o mesmo sucedendo no tocante às 
 normas processuais civis, não implica que se venha a concluir que, não sucedendo 
 isso especificamente para o domínio processual penal, se verifica só por isso a 
 violação do princípio constitucional da igualdade. De facto, como este Tribunal 
 teve já ocasião de afirmar (v. Acórdão n.º 325/96, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), são diversos os interesses prosseguidos e 
 defendidos num e noutro daqueles processos e a defesa deles não tem de ser 
 prosseguida em termos idênticos, contendendo o processo criminal, as mais das 
 vezes, com a defesa de direitos fundamentais de maior relevância directa e 
 expressamente consagrados até na denominada “Constituição penal e processual 
 penal”. No processo penal, é característica essencial o distanciamento pessoal 
 da questão e a pureza de entendimento essencial quer à defesa do arguido quer à 
 descoberta da verdade. E compreende-se, assim, que se exija ao defensor uma 
 posição que dificilmente daria tão seguras garantias de independência se não 
 houvesse dissociação pessoal entre o representante, por um lado, e o co-arguido 
 no mesmo processo, por outro.
 Pelo que se encontra justificação para a solução plasmada na dimensão normativa 
 em causa nos presentes autos, a qual se não mostra, do ponto de vista de 
 
 “constrição” de um mais amplo direito de escolha de advogado, como desprovida de 
 razoabilidade ou justeza.
 Concluindo-se, assim, que a dimensão normativa impugnada, tal como foi 
 interpretada e aplicada pelo Tribunal a quo, não é incompatível nem com as 
 garantias de defesa do arguido nem com o direito à escolha de defensor, há que 
 negar provimento ao presente recurso.
 III. Decisão
 Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:
 a)           Não julgar inconstitucional o artigo 24.º do Código de Processo 
 Penal, interpretado no sentido de permitir a conexão de processos que obste, em 
 fase processual subsequente à dedução da acusação, à escolha de um arguido, 
 advogado, como defensor de outro arguido, através de procuração previamente 
 junta aos autos;
 b)           Consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão 
 recorrida, no que à questão de constitucionalidade respeita;
 c)            Condenar a recorrente em custas, fixando em 20 (vinte) unidades de 
 conta a taxa de justiça.
 
  
 
  
 Lisboa, 14 de  Março de 2007
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos