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Processo n.º 142/06
 
 2ª Secção
 Relator – Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1.Por sentença do Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto, de 9 de Junho de 
 
 2005, foi julgada procedente a acção especial para cumprimento de obrigações 
 pecuniárias emergentes de contrato interposta por A., S.A. contra  B., Ld.ª, em 
 consequência se condenando a demandada a pagar à demandante a quantia de 977,66 
 
 € (novecentos e setenta e sete euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida de 
 juros de mora, à taxa legal, desde 2 de Agosto de 2004 até efectivo e integral 
 pagamento, sobre a quantia de 732,76 € (setecentos e trinta e dois euros e 
 setenta e seis cêntimos). Para tal, o Tribunal de Pequena Instância Cível do 
 Porto afirmou, no que para a presente reclamação releva:
 
 “[...]
 Cabe, em primeiro lugar, decidir se tem ou não fundamento a excepção de 
 prescrição invocada pela Ré.
 Ora, conforme tem sido a posição até hoje inabalável deste tribunal, no sentido 
 de a prescrição prevista no n.º 1 do art.º 10.º da Lei 23/96, de 26 de Julho, 
 ter natureza presuntiva, correndo paralelamente à mesma a prescrição quinquenal 
 prevista no art.º 310.º, alínea g) do C. Civil, posição esta sustentada pelo 
 Professor Meneses Cordeiro no estudo: “Da Prescrição de Pagamento dos 
 Denominados Serviços Públicos Essenciais”, temos de concluir que tendo a Autora 
 enviado à Ré as facturas em causa nos autos logo após a prestação dos 
 respectivos serviços, ou seja, durante o prazo de seis meses previsto no aludido 
 art.º 10.º da Lei nº 23/96, considera-se que o direito de exigir o pagamento foi 
 tempestivamente exercido pela Autora, não se verificando, por isso, a prescrição 
 presuntiva invocada pela Ré.”
 
 2.Notificada do teor da referida sentença, B., Ld.ª veio, «nos termos da alínea 
 a) do n.º 1 do artigo 669.º do Código de Processo Civil, requerer aclaração da 
 sentença proferida no p.p. dia 9 de Junho, quanto à não aplicação, no caso 
 concreto, da Lei n.º 23/96 de 26.07, porquanto é vasta e pacífica a 
 Jurisprudência, em que em casos semelhantes “…o Mm.º Juiz considerou que se está 
 perante uma prescrição extintiva, de curto prazo e, por isso, julgou-a 
 procedente e absolveu a ré do pedido” (cfr. Ac. do STA e Ac. do Tribunal da 
 Relação do Porto) (Docs. 1 e 2) pelo que, caso seja entendimento desse Tribunal, 
 não aplicar ao caso a Lei respectiva, i. e., a Lei n.º 23/96, estaríamos perante 
 uma inconstitucionalidade, por violação de Lei, prevista no artigo 20.º da 
 Constituição da República».
 
 3.Do despacho de fls. 102, que indeferiu a referida aclaração da sentença com 
 fundamento em que a “sentença proferida nos presentes autos em 09/Junho/2005 não 
 padece de qualquer obscuridade ou ambiguidade quanto à não aplicação do 
 estatuído na Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, em matéria de prescrição”, interpôs 
 a ora reclamante recurso para o Tribunal Constitucional, “ao abrigo do artigo 
 
 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, (LTC) […] porquanto pretende ver 
 apreciada a inconstitucionalidade material, existente nos autos, por erro na 
 interpretação na aplicação da Lei n.º 23/96, de 26.07.”
 
 4.Não obstante ter sido proferido despacho de convite de aperfeiçoamento do 
 requerimento de recurso de constitucionalidade – ao qual a ora reclamante 
 respondeu dizendo que “é ao abrigo do n.º 1, alínea c), do artigo 70.º da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro, que vem interpor recurso da sentença, não aclarada 
 
 […] porquanto pretende ver apreciada, a inconstitucionalidade material, 
 existente nos autos, por erro na interpretação na aplicação de Lei n.º 23/96, de 
 
 26.07. (Cfr. Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 18.05.2004 – Processo n.º 
 
 04221829) ” –, o recurso não foi admitido no Tribunal de Pequena Instância Cível 
 do Porto, por despacho notificado à ora reclamante em 16 de Dezembro de 2005, 
 com o seguinte teor:
 
 “ […]
 Analisada a decisão recorrida, entendemos que na mesma não foi recusada a 
 aplicação da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, com fundamento na sua ilegalidade, 
 pelo que não é admissível recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da 
 alínea c) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
 Indefere-se, por isso, o requerimento de interposição de recurso.”
 
 5.Vem agora a recorrente reclamar deste despacho para o Tribunal Constitucional, 
 ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional, 
 essencialmente nos seguintes termos:
 
 «[…]
 
 5.º - A decisão de rejeição do recurso, pelo tribunal ad quo, assenta na 
 consideração de que “não foi recusada a aplicação da Lei n.º 23/96, de 26 de 
 Julho, com fundamento na sua ilegalidade”. Mas,
 
 6.º - Por não ter sido aclarado o que na sentença não ficou claro para a ora 
 Reclamante, não é exigível a esta prevê-lo! E assim,
 
 7.º - Por tal motivo, ficar impedida de interpor recurso para esse Venerando 
 Tribunal.
 Em conclusão: 
 Pretende-se ver apreciada, a inconstitucionalidade material, existente nos 
 autos, seja por erro na interpretação da aplicação da Lei, i. e., a não 
 aplicação in casu da Lei n.º 23/96, de 26.07 (Cfr. Ac. do Tribunal da Relação do 
 Porto de 18.05.2004 – Processo n.º 04221829) ou “recusada a aplicação da Lei n.º 
 
 23/96 de 26 de Julho, com fundamento na sua ilegalidade”.»
 
 6.Já no Tribunal Constitucional, o Ministério Público pronunciou-se no sentido 
 da manifesta falta de fundamento da reclamação, dizendo:
 
 «A presente reclamação carece ostensivamente de fundamento sério, já que não se 
 mostra delineada qualquer questão de «ilegalidade» por violação de “lei com 
 valor reforçado” que possa integrar objecto idóneo do tipo de recurso interposto 
 pelo reclamante.»
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 7.Pode adiantar-se desde já que a presente reclamação não pode ser deferida, 
 desde logo, por serem patentes as insuficiências do requerimento de recurso. 
 Com efeito, a recorrente tentou interpor recurso de constitucionalidade ao 
 abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, 
 sem, porém, identificar no respectivo requerimento qualquer norma, ou dimensão 
 normativa, constante de acto legislativo, que pretendesse ver apreciada na sua 
 conformidade com lei de valor reforçado.
 Recorde-se que no direito constitucional português vigente, apenas as normas são 
 objecto de fiscalização de constitucionalidade concentrada em via de recurso, 
 com exclusão dos actos de outra natureza, designadamente, das decisões judiciais 
 em si mesmas consideradas.
 Ora, consultando os fundamentos da presente reclamação verifica-se que não é 
 nela suscitada qualquer questão relativa à recusa de aplicação de norma 
 constante de acto legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de 
 lei de valor reforçado (alínea c) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional). A reclamante apenas faz referência à violação da Constituição 
 por parte da decisão do Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto, em si 
 mesma, a qual, segundo afirma, recusou a aplicação da Lei n.º 23/96, de 26 de 
 Julho.
 Não podia, porém, pretender a apreciação, pelo Tribunal Constitucional, no 
 recurso que quis interpor, da decisão – do acto de aplicação do direito – em si 
 mesma, mas antes, e apenas, de norma(s) cuja aplicação tivesse sido recusada. 
 Aliás, o Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto aplicou a norma do n.º 1 
 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, como resulta da leitura da 
 seguinte parte da respectiva fundamentação: 
 
 “[…] temos de concluir que tendo a Autora enviado à Ré as facturas em causa nos 
 autos logo após a prestação dos respectivos serviços, ou seja, durante o prazo 
 de seis meses previsto no aludido art.º 10.º da Lei n.º 23/96, considera-se que 
 o direito de exigir o pagamento foi tempestivamente exercido pela Autora, não se 
 verificando, por isso, a prescrição presuntiva invocada pela Ré.”
 Donde, apenas poderia eventualmente relevar um recurso de constitucionalidade 
 interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional: recurso de decisões dos tribunais que “apliquem norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.” Porém, durante o 
 processo, o que a reclamante fez foi apenas referir-se à inconstitucionalidade 
 da actuação ou da decisão judicial, como se pode ver pelo que escreveu no 
 próprio requerimento de aclaração de sentença: 
 
 “[…] pelo que, caso seja entendimento desse Tribunal, não aplicar ao caso a Lei 
 respectiva, i. e., a Lei n.º 23/96, estaríamos perante uma 
 inconstitucionalidade, por violação de Lei, prevista no artigo 20.º da 
 Constituição da República.”
 Pelo que, não se verificando os requisitos indispensáveis para se tomar 
 conhecimento do recurso – requisitos clara e inquestionavelmente resultantes da 
 Lei do Tribunal Constitucional e que têm sido precisados e aplicados numa 
 jurisprudência constante e sedimentada, de mais de duas décadas –, a presente 
 reclamação tem também de ser indeferida.
 III Decisão
 Pelo fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar 
 a reclamante em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
 
                                                       Lisboa, 23 de Março de 
 
 2006
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos