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Processo n.º 769/05
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
  
 
  
 
         Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
 1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC):
 
  
 
 “1. A., melhor identificado nos autos, interpôs recurso para o Tribunal 
 Constitucional do despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que 
 indeferiu a reclamação apresentada contra o despacho do Desembargador-relator no 
 Tribunal da Relação de Coimbra, que não admitiu o recurso que o arguido 
 pretendeu interpor para o Supremo do acórdão da Relação que julgou improcedente 
 a arguição da nulidade da notificação do anterior acórdão da mesma Relação.
 
  
 
           Pretende o recorrente que:
 
  
 
 «Seja declarada a inconstitucionalidade da norma contida na alínea c) do número 
 
 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na interpretação acolhida no 
 douto despacho do Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator do Supremo 
 Tribunal de Justiça [queria dizer na Relação] e no douto despacho do 
 Excelentíssimo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, segundo a qual tal 
 norma do Código Processual Penal pode originar um afastamento da garantia do 
 direito ao recurso no caso objecto dos presentes autos, em que se indefere a 
 admissão, com base nessa interpretação, de um recurso sobre decisão proferida 
 pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra em 1ª instância (que julgou 
 inverificada a nulidade, arguida pelo Recorrente, da notificação de Acórdão 
 desse Venerando Tribunal da Relação), a qual resulta recorrível, nos termos da 
 alínea a) do artigo 432.º do Código de Processo Penal, porque a mesma não pôs 
 termo à causa, por violação das garantias de defesa dos arguidos, da estrutura 
 acusatória do processo criminal e do direito não recurso, como imposto pelo 
 artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente nos seus 
 números 1 e 5.»
 
  
 Através do requerimento de fls.234, veio o recorrente esclarecer que:
 
  
 A.         «Quanto ao recurso do douto despacho do Excelentíssimo Senhor 
 Desembargador do Tribunal da Relação de Coimbra, que a inconstitucionalidade do 
 artigo 400 n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal foi suscitada na 
 reclamação para o Excelentíssimo Senhor Juiz Conselheiro Presidente do Supremo 
 Tribunal de Justiça.
 B.          Quanto ao recurso do douto despacho do Excelentíssimo Senhor Juiz 
 Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que não pôde suscitar a 
 questão da inconstitucionalidade em peça anterior a tal douta decisão, por ter 
 sido colhido de surpresa, pela interpretação normativa ali feita.
 C.          Mais esclarece, que os doutos recursos acima referidos foram 
 interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 
 
 15 de Novembro.»
 
  
 
  
 
 2. De acordo com o requerimento de interposição de recurso, complementado com o 
 requerimento de fls. 234, pretende o arguido recorrer para o Tribunal 
 Constitucional, simultaneamente, do despacho do Desembargador-relator no 
 Tribunal da Relação de Coimbra, que não admitiu o recurso do acórdão da mesma 
 Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, e do despacho do Presidente do 
 Supremo, que indeferiu a reclamação apresentada contra aquele despacho de não 
 admissão do recurso.
 Ora, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade com fundamento na 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), só 
 pode ser interposto de decisão que já não admita recurso ordinário, sendo 
 equiparadas a recursos ordinários as reclamações para os presidentes dos 
 tribunais superiores, nos casos de não admissão ou retenção de recurso (cf. n.ºs 
 
 2 a 4 do artigo 70.º da LTC).
 No caso dos autos, a questão que se pretende ver apreciada diz respeito à 
 admissibilidade do recurso do acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, que foi decidida em última instância pelo despacho do Presidente do 
 Supremo, o qual, não sendo passível de recurso ordinário constitui a única 
 decisão recorrível para efeitos de recurso de constitucionalidade.
 Deste modo, não é admissível o recurso do despacho do Desembargador-relator na 
 Relação de 9 de Dezembro de 2004.
 
 3. Contudo, também não pode tomar-se conhecimento do objecto do recurso quanto 
 ao despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, sendo caso de proferir 
 decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei nº 28/82, de 15 de 
 Novembro, por não ocorrerem os pressupostos de admissibilidade do tipo de 
 recurso em causa.
 
 4. Com interesse para a decisão importa reter as seguintes ocorrências 
 processuais:
 a)Por acórdão de 30 de Junho de 2004, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu:
 
 “-Julgar improcedente o recurso relativamente às invocadas nulidades de 
 julgamento, omissão de pronúncia sobre questão suscitada em audiência e falta de 
 exame da prova documental/pericial para que a decisão remete; - Julgar 
 procedente o recurso no que toca à falta de tomada de posição sobre a matéria da 
 contestação e insuficiência de fundamentação da decisão da matéria de facto, 
 anulando o douto acórdão recorrido (não o julgamento) e determinando a 
 elaboração de novo acórdão, pelos mesmos juízes, tomando posição sobre os factos 
 relevantes descritos na contestação, estabelecendo os que considera provados e 
 não provados e procedendo à análise crítica da prova produzida, no que concerne 
 aos pressupostos fácticos dos crimes, designadamente o nexo de causalidade 
 adequada entre a actuação do arguido e os actos de disposição que determinaram o 
 prejuízo de terceiros, por forma a permitir estabelecer o percurso lógico da 
 decisão no que toca a tais pressupostos; - Ficar prejudicado, em face da decisão 
 anterior, o conhecimento das questões relativas à decisão de mérito.”
 
  
 b) O arguido pediu a aclaração e reforma deste aresto e arguiu a nulidade por 
 não ter sido pessoalmente notificado desta decisão.
 c) Por acórdão de 27 de Outubro de 2004, o Tribunal da Relação de Coimbra 
 decidiu: “indeferir quer a arguição de nulidade, quer o requerimento em que se 
 pede que se declare que o prazo de interposição do recurso se inicia no dia 
 
 12.07.2004, quer os pedidos de aclaração”.
 d) Inconformado o arguido interpôs recurso do primeiro aresto (o acórdão de 30 
 de Junho de 2004) para o Tribunal Constitucional e do acórdão de 27 de Outubro 
 para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos constantes de fls. 204 e 205.
 e) Por despacho do Desembargador Relator, de 9 de Dezembro de 2004, não foi 
 admitido nenhum dos recursos, com os seguintes fundamentos:
 
  
 
 «Recorre o arguido A. para o STJ da decisão que, num momento posterior à 
 prolação do acórdão sobre o recurso de mérito, julgou improcedente a arguição de 
 nulidade da notificação do referido acórdão (fls. 161 e segs.).
 Nos termos do art. 400º, n.º 1, al. c) do C.P.P. não admitem recurso as decisões 
 do T. da Relação que não põem termo à causa.
 Invoca o recorrente o disposto no art. 432º, al. a) do C.P.P.
 No entanto, a decisão em causa não foi proferida em nenhum dos casos em que o 
 Tribunal da Relação decide em 1ª instância, como ali se prevê. Pelo contrário, 
 trata-se de despacho proferido no âmbito do recurso em que a Relação decidiu em 
 
 2ª instância – tendo declarado nulo o acórdão da 1ª instância, para ali ser 
 proferido um outro que colmate os vícios que lhe foram apontados.
 Aliás não faria sentido admitir-se o recurso da questão incidental surgida ou 
 criada no recurso e já não na decisão de mérito – equivalia a fazer entrar pela 
 janela o que não cabe na porta.
 Assim, não admitindo recurso para o STJ o despacho em causa, vai o mesmo 
 rejeitado, não se admitindo.
 Na mesma peça recorre ainda o mesmo arguido para o Tribunal Constitucional.
 Sucede que no requerimento em que arguiu a nulidade (v. fls. 6116 a parte 
 correspondente) não invocou qualquer inconstitucionalidade. Ou que entendimento 
 diferente daquele que enuncia redundasse em inconstitucionalidade.
 Assim, não tendo a falada inconstitucionalidade sido invocada em tempo útil para 
 que o Tribunal recorrido dela pudesse ter conhecido, face ao disposto no art. 
 
 70º, n.º 1, al. b) da Lei do T. Constitucional (Lei 28/82, de 15.11) e do art.º 
 
 76.º, n.º 2 da mesma Lei, não se admite o recurso interposto para o T. 
 Constitucional.»
 f) Por requerimento de fls. 213 pediu o arguido que sobre a decisão de não 
 admissão do recurso para o Tribunal Constitucional recaísse acórdão, constando 
 de fls. 210 cópia do despacho do relator, de 9 de Março de 2005, a julgar inútil 
 a apresentação dos autos à conferência por, entretanto, “na respectiva 
 reclamação” ter sido proferido despacho a admitir o recurso.
 g) Quanto à decisão de não admissão do recurso para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, veio o arguido deduzir reclamação para o Presidente daquele Supremo 
 Tribunal, pugnando pela admissibilidade do recurso, nos seguintes termos:
 
 «Na verdade, e conforme oportunamente expôs na própria Motivação de Recurso, 
 entende o Recorrente, ora Reclamante, que este recurso é admissível, uma vez que 
 se limitará a uma douta decisão que o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra 
 não proferiu em recurso.
 Com efeito, o Recorrente, ora Reclamante – exactamente para que dúvidas não se 
 viesse a colocar sobre isso – limitou expressamente o recurso à questão da 
 nulidade da notificação do douto Acórdão que decidiu o primeiro recurso antes 
 referido (aquele que havia sido interposto da decisão do Tribunal da Figueira da 
 Foz).
 Ou seja: o Recorrente, ora Reclamante, havia expressamente limitado o recurso a 
 um acto (a notificação) e a uma decisão em que aquele Venerando Tribunal agiu 
 
 (actuou e decidiu) verdadeiramente em primeira instância.
 E, assim sendo, parece ao Recorrente, ora Reclamante, que não deve considerar-se 
 aplicável ao caso o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 400º do Código de 
 Processo Penal.
 E parece também que outra interpretação dessa norma – nomeadamente, no sentido 
 de considerar “acórdãos proferidos em recurso” todas as decisões proferidas 
 pelas relações no âmbito de processos de recurso, ainda que digam respeito a 
 actos próprios das relações, como o são as notificações que estes tribunais 
 fazem das decisões que proferem, ainda que em sede de algum processo de recurso 
 
 – faz enfermá-la de inconstitucionalidade por violação direito ao recurso 
 consagrado pelo n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.»
 h) Por decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Junho de 
 
 2005, foi indeferida a reclamação, com os seguintes fundamentos:
 
 «Na hipótese em análise, está em causa um acórdão do Tribunal da Relação de 
 Coimbra que julgou inverificada a nulidade da notificação do acórdão por ela 
 proferido, arguida pelo ora reclamante.
 O acórdão de que pretende recorrer o arguido foi proferido em 1ª instância pela 
 Relação, por ter sido aí que pela primeira vez foi apreciada esse questão.
 Porém, o acórdão sobre que recaiu a arguição de nulidade por falta de 
 notificação pessoal do arguido proferido, em recurso, pela Relação, não pôs 
 termo à causa, pois o processo continua a correr os seus termos, atento o novo 
 acórdão que a 1ª instância irá proferir.
 E, respeitando a invocação da nulidade processual a um acórdão irrecorrível, não 
 pode ser recorrível, por identidade de razão, a decisão que a apreciou.
 Esta situação cai assim também na previsão da alínea c) do n.º 1 do art.º 400.º 
 do CPP, não sendo admissível o recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.
 Quanto à alegação de que o art.º 400.º, n.º 1 alínea c) é inconstitucional por 
 violação do art.º 32.º da CRP, refere-se que esta norma apesar de garantir o 
 direito ao recurso em processo criminal, não o impõem em todos os casos.
 Segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, “…o princípio 
 constitucional das garantias de defesa apenas impõe ao legislador que consagre a 
 faculdade de os arguidos recorrerem das sentenças condenatórias, e bem assim o 
 direito de recorrerem de quaisquer actos judiciais que, no decurso do processo, 
 tenham como efeito a privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros 
 dos seus direitos fundamentais”- Acórdão do T.C. n.º 209/90, de 10-06-90, BMJ, 
 
 398, p. 152.
 Ora, não é desse tipo a decisão que se pretende seja apreciada por este S.T.J., 
 uma vez que se reporta a um problema de nulidade processual.»
 
  
 
 5. Não está em causa no presente recurso a questão da recorribilidade do acórdão 
 da Relação, de 30 de Junho de 2004, que decidiu o recurso da decisão da 1ª 
 instância, mas, tão só a admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de 
 Justiça do acórdão da Relação (no caso o acórdão de 27 de Outubro de 2004) que 
 indeferiu a arguição da nulidade da notificação daquele primeiro aresto.
 Como resulta da síntese acima efectuada, entendeu-se no despacho do 
 Desembargador-relator não ser aplicável ao caso o disposto no artigo 432.º, 
 alínea a), do Código de Processo Penal, porque, contrariamente ao invocado pelo 
 recorrente, o acórdão não tinha sido proferido em nenhum dos casos em que o 
 Tribunal da Relação decide em 1ª instância, e, não sendo admissível recurso do 
 acórdão que conheceu de “mérito”, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 
 
 400.º do Código de Processo Penal, por, no caso, não ter posto termo à causa, 
 também não era recorrível o acórdão que decidiu a questão incidental criada em 
 sede de recurso. Em suma, entendeu-se ser aplicável ao acórdão que decidiu o 
 incidente o mesmo regime de admissibilidade do recurso do acórdão principal.
 Na reclamação apresentada para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o 
 reclamante sustentou não ser aplicável o disposto na alínea c) do n.º 1 do 
 artigo 400.º do Código de Processo, tendo invocado que, «outra interpretação 
 dessa norma – nomeadamente, no sentido de considerar “acórdãos proferidos em 
 recurso” todas as decisões proferidas pelas relações no âmbito de processos de 
 recurso, ainda que digam respeito a actos próprios das relações, como o são as 
 notificações que estes tribunais fazem das decisões que proferem, ainda que em 
 sede de algum processo de recurso – faz enfermá-la de inconstitucionalidade por 
 violação direito ao recurso consagrado pelo n.º 1 do artigo 32º da Constituição 
 da República Portuguesa».
 Ora, a questão que o recorrente suscitou na reclamação não coincide com aquela 
 que no requerimento de interposição constitui o objecto do recurso. É que, 
 enquanto ali o que se questiona é a interpretação normativa que conduz à 
 qualificação do acórdão recorrido como “proferido em sede de recurso” para 
 efeitos de aplicação da norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de 
 Processo Civil, aqui, o que se discute é a aplicação ao caso concreto desta 
 norma e não a da alínea a) do artigo 432.º do mesmo código, como é o 
 entendimento do recorrente.
 Acresce, que a questão da aplicação ao caso de uma ou de outra das normas em 
 causa não é uma questão de constitucionalidade normativa, antes configura uma 
 forma de impugnação da decisão judicial em si mesma considerada e dos seus 
 fundamentos, a qual, como se sabe, não pode ser objecto do recurso de 
 constitucionalidade.
 
 6. Mas, mesmo que se entendesse que a questão agora colocada se reconduziria à 
 interpretação normativa especificada na reclamação, ou seja, à interpretação da 
 alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, no sentido de 
 considerar “acórdãos proferidos em recurso” todas as decisões proferidas pelas 
 relações no âmbito de processos de recurso, ainda que digam respeito a actos 
 próprios das relações, como o são as notificações que estes tribunais fazem das 
 decisões que proferem, ainda que em sede de algum processo de recurso”, então, 
 não poderia tomar-se conhecimento do recurso porquanto o despacho recorrido não 
 aplicou a norma com semelhante interpretação.
 Na verdade, o fundamento da aplicação da norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 
 
 400.º do Código de Processo Penal, não se baseou no entendimento de que o 
 acórdão em causa foi proferido em “sede de recurso” – pois perfilhou-se o 
 entendimento de que o acórdão da Relação, “que julgou inverificada a nulidade da 
 notificação do acórdão por ela proferido” e de que o arguido pretende recorrer, 
 
 “foi proferido em 1ª instância pela Relação, por ter sido aí que pela primeira 
 vez foi apreciada essa questão” –, mas sim na consideração de que não sendo 
 recorrível o acórdão (principal), por não ter posto termo à causa, também não 
 era recorrível, por idêntica razão, a decisão que apreciou a nulidade da 
 notificação.
 
 7. Porém, caso houvesse de ser apreciada a questão da não admissibilidade do 
 recurso do acórdão que decidiu da nulidade da notificação do primeiro aresto da 
 Relação, tal como o despacho recorrido aplicou a norma da alínea c) do n.º 1 do 
 artigo 400.º do Código de Processo Penal, ou seja, com o sentido de que sendo 
 irrecorrível o primeiro aresto, por não por termo ao processo, também, por 
 idêntica razão, não era recorrível o acórdão que decidiu a nulidade processual 
 imputada ao primeiro, a mesma seria manifestamente improcedente.
 Na óptica do recorrente a interpretação que conduziu à decisão de não 
 admissibilidade do recurso viola as garantias de defesa do arguido, a estrutura 
 acusatória do processo criminal e do direito ao recurso, impostos no artigo 
 
 32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição.
 Sendo descabida a convocação para o caso a convocação do “princípio do 
 acusatório”, importa analisar se com tal interpretação foram ou não violados os 
 direitos de defesa do arguido e, em especial, do direito ao recurso.
 O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a constitucionalidade da norma 
 em apreço, tendo concluído pela sua não desconformidade com a Constituição, 
 designadamente do direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1 (Cfr. 
 acórdão n.º 44/2005, publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Janeiro 
 de 2005).
 Porém, importa reter que a situação apreciada no acórdão 44/2005 é diferente da 
 dos presentes autos, pois, enquanto ali se discutia a irrecorribilidade do 
 acórdão da Relação que se pronunciou em sede de recurso sobre a decisão da 1ª 
 instância, aqui, a decisão recorrida, embora proferida em sede de recurso do 
 acórdão da 1ª instância, pronuncia-se pela 1ª vez sobre questão que foi 
 suscitada na Relação.
 A Constituição da República Portuguesa não estabelece em nenhuma das suas 
 normas a garantia da existência de um duplo grau de jurisdição para todos os 
 processos das diferentes espécies, mas importa, todavia, averiguar em que medida 
 a existência de um duplo grau de jurisdição poderá eventualmente decorrer de 
 preceitos constitucionais como os que se reportam às garantias de defesa, ao 
 direito de acesso ao direito e à tutela judiciária efectiva.
 Não pode deixar de se referir que a jurisprudência do Tribunal Constitucional 
 tem tratado destas matérias, estando sedimentados os seus pontos essenciais.
 Conforme se referiu, entre outros no acórdão n.º 189/2001 (publicado in Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, 50.º vol., pág. 285):
 
 «… a jurisprudência do Tribunal tem perspectivado a problemática do direito ao 
 recurso em termos substancialmente diversos relativamente ao direito penal, por 
 um lado, e aos outros ramos do direito, pois sempre se entendeu que a 
 consideração constitucional das garantias de defesa implicava um tratamento 
 específico desta matéria no processo penal. A consagração, após a Revisão de 
 
 1997, no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, do direito ao recurso mostra que o 
 legislador constitucional reconheceu como merecedor de tutela constitucional 
 expressa o princípio do duplo grau de jurisdição no domínio do processo penal, 
 sem dúvida, por se entender que o direito ao recurso integra o núcleo essencial 
 das garantias de defesa.
 Porém, mesmo aqui e face a este específico fundamento da garantia do segundo 
 grau de jurisdição no âmbito penal, não pode decorrer desse fundamento que os 
 sujeitos processuais tenham o direito de impugnar todo e qualquer acto do juiz 
 nas diversas fases processuais: a garantia do duplo grau existe quanto às 
 decisões penais condenatórias e também quanto às respeitantes à situação do 
 arguido face à privação ou restrição da liberdade ou a quaisquer outros 
 direitos fundamentais (veja‑se, neste sentido, o Acórdão n.º 265/94, in Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, 27.º vol., pág. 751 e seguintes).
 Embora o direito de recurso conste hoje expressamente do texto constitucional, 
 o recurso continua a ser uma tradução das garantias de defesa consagradas no 
 n.º 1 do artigo 32.º (O processo criminal assegura todas as garantias de 
 defesa, incluindo o recurso). Daí que o Tribunal Constitucional não só tenha 
 vindo a considerar como conformes à Constituição determinadas normas 
 processuais penais que denegam a possibilidade de o arguido recorrer de 
 determinados despachos ou decisões proferidas na pendência do processo (v. g., 
 quer de despachos interlocutórios, quer de outras decisões, Acórdãos n.ºs 
 
 118/90, 259/88 e 353/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 15.º, pág. 
 
 397, vol. 12.º, pág. 735, e vol. 19.º, pág. 563, respectivamente, e Acórdão n.º 
 
 30/2001, sobre a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronuncie o 
 arguido pelos factos constantes da acusação particular quando o Ministério 
 Público acompanhe tal acusação, ainda inédito), como também tenha já entendido 
 que, mesmo quanto às decisões condenatórias, não tem que estar necessariamente 
 assegurado um triplo grau de jurisdição, assim se garantindo a todos os 
 arguidos a possibilidade de apreciação da condenação pelo STJ (veja‑se, neste 
 sentido, o Acórdão n.º 209/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16.º 
 vol., pág. 553).
 Uma tal limitação da possibilidade de recorrer tem em vista impedir que a 
 instância superior da ordem judiciária accionada fique avassalada com questões 
 de diminuta repercussão e que já foram apreciadas em duas instâncias. Esta 
 limitação à recorribilidade das decisões penais condenatórias tem, assim, um 
 fundamento razoável.»
 Ora, no caso dos autos, não tendo a decisão recorrida posto termo ao processo e 
 não estando em causa uma decisão condenatória nem respeitante à situação do 
 arguido face à privação ou restrição da liberdade ou a quaisquer outros 
 direitos fundamentais, a interpretação da norma em causa não viola os direitos 
 de defesa do arguido nem o direito ao recurso constitucionalmente consagrados.
 
 É certo que o Tribunal Constitucional também já teve o ensejo de pronunciar 
 sobre questões interpretativas que conduziram à aplicação da norma da alínea c) 
 do n.º1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, tendo concluído pela 
 inconstitucionalidade dessas interpretações (cfr. os acórdãos n.ºs 597/2000 e 
 
 686/2004, publicados no Diário da República, II Série, de 25 de Janeiro de 2001 
 e de 18 de Janeiro de 2005).
 Porém, os fundamentos que conduziram ao julgamento de inconstitucionalidade 
 proferido nestes arestos não são convocáveis para os presentes autos.
 Na verdade, no acórdão n.º 597/2000 estava em causa o recurso de um aresto da 
 Relação sobre questões de direito processual penal, e a fundamentação que 
 funcionou como ratio decidendi assentou na arbitrariedade da distinção, como 
 fundamento de irrecorribilidade, entre questões processuais e substantivas, o 
 que não ocorre nos presentes autos.
 Quanto ao segundo acórdão – o acórdão n.º 686/2004 – versava sobre uma situação 
 particular em que, constituindo o pronunciamento judicial do qual se pretendia 
 recorrer uma decisão, tomada pela primeira vez no processo, do próprio Tribunal 
 da Relação (a classificação do processo como de «excepcional complexidade», com 
 o consequente alargamento dos prazos de prisão preventiva, cfr. artigo 215.º, 
 n.º 3 do CPP), só o recurso para um tribunal de hierarquia superior, garantiria 
 efectivamente o direito a um duplo grau de jurisdição. Ora, não é uma decisão 
 deste tipo que está em causa nestes autos. 
 
 8. Em face do exposto, decide-se, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei nº 
 
 28/82, de 15 de Novembro, não tomar conhecimento do objecto do recurso.
 Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 unidades de 
 conta, sem prejuízo do apoio judiciário.”
 
  
 
  
 
 2. O recorrente reclamou para a conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 
 
 78.º‑A da LTC, realçando os seguintes aspectos da sua discordância com a decisão 
 sumária:
 
  
 
 “Em primeiro lugar, como referido pela Mma. Juiz Conselheira Relatora, o direito 
 ao recurso assume uma importância vital no âmbito do procedimento criminal, pelo 
 que, quando perante duas normas, como as contidas na alínea a) do artigo 432º e 
 na alínea c) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, a dar-se 
 prevalência na aplicação de uma ou outra, dar-se-á sempre àquela que garanta os 
 direitos fundamentais do Arguido, e não à que os diminui, desprotegendo-o.
 Depois, se bem que o direito ao recurso apareça de alguma forma limitado com “um 
 fundamento razoável”, ou seja, com vista a “impedir que a instância superior da 
 ordem judiciária accionada fica avassalada com questões de diminuta repercussão 
 
 (…)”, deverá sempre atender-se ao caso concreto em análise. E neste caso, 
 estamos mesmo perante uma dupla violação do direito ao recurso 
 constitucionalmente consagrado, já que, não só não é admitido recurso da decisão 
 que indeferiu a nulidade arguida por uma outra decisão não ter sido notificada 
 pessoalmente ao Arguido, tolhendo, encolhendo, diminuindo quase 
 irremediavelmente a sua oportunidade de sobre ela se pronunciar, como também não 
 
 é admitido recurso (desta feita, para o Tribunal Constitucional) da decisão 
 proferida pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
 E isto resultará não só grave por si, como também contradiz a referida Mma. Juiz 
 Conselheira Relatora na sua análise constante da decisão sumária reclamada, ou 
 seja que “a interpretação da norma em causa não viola os direitos de defesa do 
 arguido nem o direito ao recurso constitucionalmente consagrado”, já que, 
 conforme o acima referido, viola, clara e duplamente, os direitos de defesa do 
 arguido e o direito ao recurso constitucionalmente consagrados.”
 
  
 
                  O Ministério Público responde à reclamação nos termos 
 seguintes:
 
 “1- Afigura-se que efectivamente o recorrente não terá conseguido delinear, em 
 termos processualmente adequados, a questão de constitucionalidade normativa a 
 que pretendeu reportar o recurso interposto para este Tribunal Constitucional.
 
 2- Na verdade, a questão que se pode suscitar quanto à interpretação normativa 
 da alínea c) do n.º 1 do artigo 400º consubstancia-se nos seguintes termos: será 
 conforme aos princípios constitucionais das garantias de defesa e da igualdade o 
 entendimento segundo a qual são insusceptíveis de recurso os acórdãos 
 interlocutórios, proferidos pelas relações, em primeiro grau de jurisdição, 
 durante a tramitação de recurso ordinário perante elas pendente, só pelo facto 
 de ser insusceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o acórdão 
 final que aprecia a decisão recorrida, proferida em 1ª instância?
 
 3- O que está em causa não é, pois, a mera questão do enquadramento 
 jurídico‑processual de tal problemática nas normas dos artigos 400º, n.º 1, 
 alínea c) ou na alínea a) do artigo 432º do Código de Processo Penal – matéria 
 atinente à interpretação e aplicação do direito ordinário –, nem  determinar se 
 tal acórdão foi proferido pela Relação “em primeira instância” ou “em sede de 
 recurso” (sendo, aliás, evidente que tal alternativa expressa um equívoco: o 
 dito acórdão enquadra-se na tramitação de um recurso pendente perante a Relação 
 
 – e não numa causa que perante ela decorra, excepcionalmente, em primeira 
 instância – apenas se verificando que – pelo facto de a decisão final do recurso 
 não ser susceptível de impugnação autónoma, ficará precludido o recurso da 
 decisão interlocutória, apesar de sobre ela não ter incidido o duplo grau de 
 jurisdição).
 
 4- Era esta a questão de constitucionalidade que o recorrente deveria ter 
 equacionado no âmbito da reclamação que deduziu perante o Presidente do Supremo 
 Tribunal de Justiça, sendo manifesto que, ao contrário do que se refere a fls. 
 
 234, a decisão proferida em tal reclamação não se configura manifestamente como 
 decisão-surpresa” que, pelo seu carácter insólito e imprevisível, dispensasse o 
 recorrente do ónus de adequada e tempestiva suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade normativa.”
 
  
 
  
 
 3. O reclamante nada diz que seja directamente dirigido a rebater os fundamentos 
 da decisão reclamada quanto às razões para o não conhecimento do objecto do 
 recurso.
 Não custaria admitir, nas circunstâncias do caso concreto em que no tribunal a 
 quo se formulou convite a completar o requerimento de interposição do recurso, 
 ao abrigo do n.º 5 do artigo 75.º- A da LTC, convidando-se a fazer outras 
 indicações sem que esta deficiência na indicação da norma fosse também 
 assinalada, que a questão de constitucionalidade que se pretendia submeter à 
 apreciação do Tribunal era aquela que na reclamação se suscitou quanto à alínea 
 c) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal. Já mais duvidoso seria 
 que pudesse ultrapassar-se o facto de não existir coincidência entre esse 
 sentido normativo (são irrecorríveis todos os acórdãos proferidos pelas relações 
 no âmbito de processos de recurso, ainda que digam respeito a actos próprios das 
 relações, como o são as notificações que estes tribunais fazem das decisões que 
 proferem ) e aquele que operou como ratio decidendi (são irrecorríveis as 
 decisões que recaiam sobre incidentes relativos à notificação de acórdãos, 
 proferidos em recurso, que  não ponham  termo à causa).  O critério normativo de 
 decisão não foi o de que são irrecorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça 
 todas e quaisquer decisões proferidas pelas relações durante a tramitação de 
 recurso ordinário perante elas pendente, só pelo facto de ser irrecorrível o 
 acórdão final que recaia sobre esse recurso ordinário. Decisivo, e elemento 
 essencial do critério normativo, foi que a questão incidental objecto de decisão 
 agora considerada irrecorrível respeita à validade de acto relativo a esse outro 
 acórdão final, ele próprio irrecorrível por não pôr termo à causa.
 
  
 De todo o modo, mesmo para quem entenda possível ultrapassar este obstáculo de 
 ordem formal – designadamente, por considerar que se trata, afinal, de proceder 
 a uma mera redução daquele outro sentido com que a constitucionalidade da alínea 
 c) do n.º 1 do artigo 400.º CPP foi questionada, susceptível de ser alcançada 
 mediante a delimitação do objecto do recurso sem preterir o ónus da sua 
 definição inicial por parte do recorrente – a questão de constitucionalidade é 
 manifestamente infundada pelas razões referidas no n.º 7 da decisão sumária, que 
 correspondem à jurisprudência do Tribunal na matéria do duplo grau de 
 jurisdição, designadamente quanto à garantia de recurso pelo n.º 1 do artigo 
 
 32.º da Constituição, que se reitera. Importa lembrar, porque estamos num 
 recurso de fiscalização concreta, que se trata de não admitir recurso para o 
 Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão que recai sobre uma arguição de 
 nulidade que consistiria em não ter sido pessoalmente notificado ao arguido, 
 tendo-o sido ao seu mandatário constituído, um acórdão de que, em último termo, 
 resulta a anulação do julgamento de primeira instância. Aliás, na reclamação, o 
 recorrente limita-se, embora valorizando argumentos de ordem constitucional, a 
 procurar demonstrar que a situação deveria ser enquadrada na alínea a) do artigo 
 
 432.º e não na alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, 
 que é matéria atinente à interpretação e aplicação do direito ordinário, 
 excluída da competência do Tribunal Constitucional. 
 
  
 
  
 
                  4. Decisão
 
  
 
                  Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o 
 recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 
 
 Lisboa, 22 de Setembro de 2006
 Vítor Gomes
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Artur Maurício