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Processo n.º 33/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
 1.O Ministério Público intentou, ao abrigo das disposições conjugadas dos 
 artigos 9.º e seguintes da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (Lei da 
 Nacionalidade), na redacção introduzida pela Lei n.º 25/94, de 19 de Agosto, e 
 
 22.º e seguintes do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (constante do 
 Decreto-Lei n.º 322/82, de 12 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 253/94, 
 de 20 de Outubro), acção com processo especial de oposição à aquisição da 
 nacionalidade portuguesa contra A., cidadão sérvio, melhor identificado nos 
 autos.
 Por decisão de 7 de Junho de 2005, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou 
 procedente a oposição deduzida e, consequentemente, determinou o arquivamento do 
 processo organizado na Conservatória dos Registos Centrais referente à aquisição 
 da nacionalidade portuguesa, nos seguintes termos:
 
 «Face à simplicidade da questão a resolver, tendo em conta o disposto nos art.ºs 
 
 25.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 322/82, de 12 de Agosto, e no art.º 705.º do CPC, 
 proferir-se-á de imediato decisão sumária sobre a mesma.
 I – O Digno Magistrado do MP intentou a presente acção com processo especial de 
 oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa contra A., residente na Av. …, 
 Portimão.
 Alegou, em resumo, que o requerido, cidadão sérvio, tendo casado em 22‑5-2000 
 com a cidadã portuguesa B., veio em 7-4-2004, na Conservatória de Registo Civil 
 de Portimão, a declarar que pretendia adquirir a nacionalidade portuguesa, com 
 base nesse casamento, não tendo, porém, feito prova de factos que demonstrem a 
 sua ligação efectiva à comunidade nacional.
 Requereu que se julgue procedente a oposição à aquisição da nacionalidade 
 deduzida, ordenando-se o arquivamento do processo conducente ao registo pendente 
 na Conservatória dos Registos Centrais.
 Devidamente citado o requerido não deduziu oposição.
 II – Encontra-se apurada a seguinte factualidade:
 A – O requerido nasceu em Balance, Vitina, então República Federal da 
 Jugoslávia, actualmente República da Sérvia e Montenegro, em 25‑9‑61, tendo 
 nacionalidade sérvia (fls. 86-87, 90-91 e 94).
 B – Em 22-5-2000, em Madrid, Espanha, o requerido contraiu casamento com a 
 cidadã portuguesa B., natural de Lagos (fls. 72).
 C – O requerido reside na Av. …, Portimão.
 D – Em 7-4-2004, na Conservatória do Registo Civil de Portimão, o requerido 
 declarou que pretende adquirir a nacionalidade portuguesa, com base naquele 
 casamento (fls. 84), tendo na sequência sido instruído, na Conservatória dos 
 Registos Centrais, o processo n.º 13712/04 (fls. 14).
 E – O requerido não tem antecedentes criminais em Portugal (fls. 103).
 F – Em 23-12-1996 nasceu em Hamburgo C., filho do requerido e de sua mulher B. 
 
 (fls. 106).
 G – O requerido tem conhecimentos de português (fls. 112).
 H – O requerido está integrado no sistema fiscal, de saúde e de segurança social 
 português (fls.25-26, 114-117 e 110).
 III – A nacionalidade portuguesa pode ser adquirida pelo estrangeiro que sendo 
 casado há mais de três anos com nacional português, faça declaração nesse 
 sentido durante a constância do casamento – art.º 3.º, n.º 1, da Lei n.º 37/81, 
 de 3-10, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 25/94, de 19-8.
 Esta forma de aquisição da nacionalidade é determinada por efeito da vontade do 
 interessado, verificado que seja o pressuposto essencial à sua relevância, ou 
 seja o casamento há mais de três anos com cidadão de nacionalidade portuguesa.
 Porém, a declaração de vontade nesse sentido não tem como consequência 
 necessária a aquisição da nacionalidade.
 Conforme decorre do art.º 9.º, al. a), da Lei n.º 37/81, constitui fundamento de 
 oposição a não comprovação pelo interessado da sua ligação efectiva à comunidade 
 nacional. E, segundo o art.º 22.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 322/82, de 12-8 (na 
 redacção introduzida pelo DL n.º 253/94, de 5-10), todo aquele que requeira 
 registo de aquisição da nacionalidade portuguesa deve “comprovar por meio 
 documental, testemunhal ou qualquer outro legalmente admissível a ligação 
 efectiva à comunidade nacional”.
 A redacção originária daquele art.º 9.º – anterior à supra referida alteração – 
 previa como fundamento à oposição “a manifesta inexistência de qualquer ligação 
 efectiva à comunidade nacional”.
 Daqui resulta que o legislador com a alteração em referência pretendeu 
 dificultar aquela aquisição da nacionalidade, impondo ao interessado o ónus da 
 prova da “ligação efectiva à comunidade nacional”, quando anteriormente seria o 
 MP quem tinha que provar que era manifesta a inexistência de qualquer ligação à 
 comunidade nacional. Deste modo, actualmente a oposição procederá se o 
 requerente não tiver feito prova daquela ligação efectiva à comunidade nacional, 
 por tal equivaler à falta de verificação de um pressuposto legalmente exigido 
 para a aquisição de nacionalidade.
 Entendeu o STJ no seu acórdão de 11-6-2002, Colectânea de Jurisprudência, 
 Acórdãos do STJ, ano X, tomo 2, pág. 104, que se trata de uma ligação cujo 
 conteúdo comunga dos valores e participa nos objectivos fundamentais da 
 comunidade nacional, revelando propósito e seriedade no exercício de cidadania 
 portuguesa, de forma interessada, consistente, prática, efectiva, operacional na 
 directa relação cidadão/Estado e Estado/cidadão e entre cidadão do mesmo Estado; 
 o que supõe, no mínimo, que o candidato esteja em condições normais e objectivas 
 de o poder fazer, isto é, de relacionar-se na acepção indicada.
 Tudo implicando um sentido de integração efectiva no tecido nacional, 
 identificável com uma relação de pertença à comunidade, usufruindo de direitos e 
 cumprindo deveres, assumindo preocupações da sociedade portuguesa, enquanto 
 juridicamente organizada em Estado e com objectivos essenciais a cumprir.
 A demonstração daquela ligação extrair-se-á de factores vários, tais como o 
 domicílio em território nacional, o conhecimento da língua portuguesa, a 
 existência de elos de natureza económica, social, cultural, familiar com o 
 território nacional ou com a comunidade portuguesa.
 Ora, ter casado com uma portuguesa, com quem tem um filho, residir em Portugal, 
 ter alguns conhecimentos da língua portuguesa, estar integrado no sistema 
 fiscal, de saúde e de segurança social português, não basta para a verificação 
 da existência da ligação efectiva à comunidade portuguesa a que nos reportamos.
 Assim, os factos apurados são insuficientes para que se possa concluir pela 
 existência da ligação em referência, pelo que a oposição terá necessariamente de 
 proceder.»
 Notificado dessa decisão, o representante do Ministério, ainda que concordando 
 que “outra não poderia ser a decisão face aos factos coligidos no processo 
 especial”, requereu que, pelo mecanismo do artigo 700.º, n.º 3, do Código de 
 Processo Civil, recaísse acórdão “no sentido de alargar a matéria fáctica em 
 instância com as audições requeridas na p.i., com posterior decisão”, pelos 
 seguintes fundamentos:
 
 “Foi proferida decisão.
 A mesma considera-se, também a nosso ver, correcta à luz da matéria de facto 
 alcançada.
 A especificidade do caso, porém, mostra-nos que o requerido ofereceu prova 
 testemunhal, juntando fotocópia dos B.I. dos cidadãos que poderiam fornecer 
 elementos úteis.
 Ocorre que nesta fase da evolução do instituto, quando o processamento se inicia 
 fora dos Registos Centrais, nem sempre a prova oferecida é apreciada (prova 
 testemunhal).
 Daí provém prejuízo para a garantia dos direitos fundamentais do requerido.
 Por isso se ofereceu na P.I. a prova testemunhal cuja audição foi omitida 
 administrativamente.
 Isto à luz do grau de oficiosidade decorrente do próprio conceito da 
 nacionalidade in casu, face à existência de um filho português, manifesta-se 
 como ponderável o princípio da unidade da nacionalidade familiar.
 Daí, 
 a)                                                    concordando-se que outra 
 não poderia ser a decisão face aos factos coligidos no processo especial,
 b)                                                    se requerer, pelo 
 mecanismo do art.º 700.º, n.º 3, do CPC (considerando, aqui, que ao M.º P.º 
 incumbe o dever de agir face ao prejuízo dos direitos fundamentais), recaia 
 acórdão
 c)                                                     no sentido de alargar a 
 matéria fáctica em instância com as audições requeridas na P.I., com posterior 
 decisão.”
 Por acórdão de 20 de Outubro de 2005, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa 
 manter a decisão reclamada nos seus precisos termos. Pode ler-se nesse aresto:
 
 «(…)
 A presente acção de oposição à aquisição de nacionalidade fora intentada pelo MP 
 contra A. considerando que não fora feita a prova, por este, de factos que 
 demonstrassem a sua ligação efectiva à comunidade nacional. Naquela peça 
 processual foi requerido o depoimento do requerido A. e de sua mulher à matéria 
 dos art.ºs 13.º, 15.º e 16.º da P.I. e a inquirição de várias testemunhas sobre 
 a mesma matéria, devendo o requerido indicar a respectiva morada.
 Para facilidade de exposição convém referir o que naqueles artigos da P.I. era 
 alegado: no art.º 13.º da P.I., referia-se qual a jurisprudência que se vem 
 formando no que concerne ao conceito de integração na comunidade nacional; no 
 art.º 15.º dizia-se não se conhecer o verdadeiro grau em que o requerido 
 dominava o português; e no art.º 16.º alegava-se não se conhecer qual o grau da 
 sua integração sociológica, se tinha percepção mínima da origem e percurso 
 histórico da Nação Portuguesa, se se adaptara e adoptara os costumes e tradições 
 das suas gentes, etc.
 O referido A. não contestou.
 Na decisão sumária que foi proferida, ao abrigo dos art.ºs 25.º, n.ºs 1 e 2, do 
 DL n.º 322/82, de 12 de Agosto, e do art.º 705.º do CPC, considerou-se provado:
 
 “A – O requerido nasceu em Balance, Vitina, então República Federal da 
 Jugoslávia, actualmente República da Sérvia e Montenegro, em 25-9-61, tendo 
 nacionalidade sérvia (fls. 86-87, 90-91 e 94).
 B – Em 22-5-2000, em Madrid, Espanha, o requerido contraiu casamento com a 
 cidadã portuguesa B., natural de Lagos (fls. 72).
 C – O requerido reside na Av. …, Portimão.
 D – Em 7-4-2004, na Conservatória do Registo Civil de Portimão, o requerido 
 declarou que pretende adquirir a nacionalidade portuguesa, com base naquele 
 casamento (fls. 84), tendo na sequência sido instruído, na Conservatória dos 
 Registos Centrais, o processo n.º 13712/04 (fls. 14).
 E – O requerido não tem antecedentes criminais em Portugal (fls. 103).
 F – Em 23-12-1996 nasceu em Hamburgo C., filho do requerido e de sua mulher B. 
 
 (fls. 106).
 G – O requerido tem conhecimentos de português (fls. 112).
 H – O requerido está integrado no sistema fiscal, de saúde e de segurança social 
 português (fls.25-26, 114-117 e 110).”
 Entendeu-se, então, que os factos apurados eram insuficientes para que se 
 pudesse concluir pela existência de ligação efectiva do requerido à comunidade 
 nacional o que levou à procedência da pretensão do requerente no processo (o 
 MP).
 
 É jurisprudência corrente que o ónus da prova da ligação efectiva à comunidade 
 nacional incumbe ao requerente da aquisição da nacionalidade (ver, por todos, o 
 acórdão do STJ de 7-6-2005, ao qual se pode aceder em 
 http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, Proc. n.º 05A1550). Tal prova pressupõe uma prévia 
 alegação da factualidade a apurar. A conclusão sobre a existência daquela 
 ligação extrair-se-á de um conjunto de factos concretos que caberá, pois, ao 
 requerido no processo antes de mais alegar e depois provar.
 Tais factos concretos não foram alegados na presente acção: o requerido não 
 contestou e, por isso, não teve oportunidade de os invocar; o MP, também não 
 alegou tais factos – designadamente não o tendo feito nos art.ºs 15.º e 16.º da 
 P.I., acima mencionados (onde, como vimos, referiu o seu desconhecimento de 
 várias aspectos em termos genéricos).
 Como a matéria a apurar com vista a uma conclusão sobre a ligação efectiva do 
 requerido à comunidade nacional teria de ser previamente alegada e essa alegação 
 não teve lugar, não faria qualquer sentido o depoimento das pessoas indicadas na 
 P.I..
 O art.º 25.º do DL n.º 32/82, de 12 de Agosto, prevê que o relator possa 
 determinar a realização de quaisquer diligências de prova “que tenha por 
 indispensáveis”. Ora, no caso dos autos, não existiam diligências de prova 
 indispensáveis a realizar. Sublinhe-se, uma vez mais, que não houve contestação. 
 Acresce que a actividade probatória que se impõe a este Tribunal não é no 
 sentido de averiguar livremente (ou com base nas dúvidas e/ou negações trazidas 
 ao processo pelo requerente) que factos concretos ocorrem ou ocorreram; seria, 
 sim, a de apurar, se determinados factos oportunamente alegados resultariam 
 demonstrados através da prova produzida.
 Não tem, pois, razão de ser o requerimento do MP.
 II – Nestas circunstâncias nada há a aduzir à matéria de facto constante da 
 decisão sumária proferida, decisão essa que se dá por inteiramente reproduzida e 
 que nos seus precisos termos, de facto e de direito, se mantém (tendo-se por 
 desnecessário proceder à cópia da mesma).»
 
 2.Veio, então, o representante do Ministério Público interpor recurso de 
 constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do 
 Tribunal Constitucional), e alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º da mesma Lei, 
 dizendo no seu requerimento de recurso:
 
 «O M.º P.º interpõe para o Tribunal Constitucional recurso do, aliás douto, 
 Acórdão proferido nos autos em referência.
 E fundamenta-o com o seguinte:
 
 1 – Dispõe o art.º 28.° do Regulamento da Nacionalidade que, no omisso, se 
 aplicam designadamente os princípios gerais e comuns do Código de Processo 
 Civil.
 
 2 – Haverá de entender-se tal no que se mostra adaptável ao instituto em causa 
 
 (que contempla também a fase administrativa da Conservatória dos Registos 
 Centrais).
 
 3 – Vigora naquele o princípio do contraditório, válido quer na fase 
 administrativa quer contenciosa judicial.
 
 4 – O Requerido forneceu prova testemunhal, não ouvida.
 
 5 – Proposta a acção, e requerida pelo A../M.º P.º a audição da prova indicada e 
 do próprio Requerido, uma vez findos os articulados (não houve contestação nem 
 resposta) a Mm.ª Juiz decidiu de mérito sem produção daquela prova (como se 
 expôs, indicada pelo Requerido e requerida pelo M.º P.º no âmbito da 
 oficiosidade decorrente do art.º 25.° do dito Regulamento/D.L. n.º 322/82, de 
 
 12.8).
 
 6 – Suscitou então o M.º P.º o prejuízo para a garantia dos direitos 
 fundamentais do Requerido ao denegar-se a audição das testemunhas por ele 
 indicadas,
 
 7 – Invocando-se, aliás, o dever de agir perante a ofensa de tais direitos (e 
 decorrente legitimidade),
 
 8 – Tendo sido proferido o douto Acórdão que
 
 9 – Interpretou o art.º 25.° daquele D.L. n.º 322/82 no sentido de que (uma vez 
 indicada prova testemunhal na fase administrativa registral pelo candidato à 
 nacionalidade e não ouvida) tal preceito não contempla o dever de a ouvir na 
 acção subsequente mesmo que requerida pelo M.º P.º na P.I.,
 
 10 – Interpretação essa que contende com 
 a)                                                    o princípio do 
 contraditório (o candidato, não contestando, ofereceu tal prova);
 b)                                                    e com o acesso ao Direito 
 e tutela jurisdicional efectiva, mediante processo equitativo (art.º 20.°, parte 
 inicial do seu n.º 1, e final do seu n.º 4, da Constituição da República 
 Portuguesa),
 c)                                                    no âmbito da igualdade 
 estabelecida pelo n.º 1 do art.º 15.° da mesma Lei Fundamental,
 d)                                                    de resto com a força 
 jurídica da sua aplicação directa (art.º 18.°, n.º 1, ibidem),
 e)                                                    aliás superável também no 
 entendimento de uma natureza jurisvoluntária que no processo especial em causa 
 deveria ser reconhecida.
 
 11 – Sendo que o M.º P.º, ao apelar na Reclamação da Decisão Singular à não 
 violação dos Direitos Fundamentais pelo não cumprimento da audição no âmbito da 
 oficiosidade assim interpretada no art.º 25.° do Regulamento (v. parte final da 
 P.I.), suscitou tal violação (art.ºs 70.°, n.º 1, b), e 75.°-A, n.ºs 1 e 2, da 
 L.O.F. e P. do T.C.),
 
 12 – Assistindo-lhe a legitimidade p. na alínea a) do n.º 1 do art.º 72.° da 
 mesma Lei.»
 
 3.Por despacho datado de 22 de Novembro de 2005, o recurso não foi admitido. 
 Pode ler-se nesse despacho: 
 
 «Do acórdão proferido a fls. 133-136 veio o MP (a fls. 139-140) interpor recurso 
 para o Tribunal Constitucional.
 Fundamentou-se em aquele acórdão ter interpretado o art.º 25.º do DL n.º 322/82 
 no sentido de que uma vez indicada prova testemunhal pelo candidato à 
 nacionalidade na fase administrativa registral e não ouvida essa prova, aquele 
 preceito não contemplar o dever de a ouvir na acção subsequente (não 
 contestada), mesmo que assim requerido pelo MP na P.I. por este apresentada; 
 considerou que aquela interpretação contende com o princípio do contraditório, 
 com o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, no âmbito da igualdade 
 estabelecida pelo n.º 1 do art.º 15.º da Constituição.
 Baseando-se nos art.ºs 70.º, n.º 1, b), e 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da Lei Orgânica do 
 Tribunal Constitucional, concluiu que o MP na reclamação para a conferência, a 
 fls. 131, ao apelar à não violação dos direitos fundamentais pelo não 
 cumprimento da audição (no âmbito da interpretação por si defendida do art.º 
 
 25.º do DL n.º 322/82) suscitou aquela violação, assistindo-lhe a legitimidade 
 prevista no art.º 72.º, n.º 1, a), da mesma lei.
 
 *
 Efectivamente, a fls. 131 o MP dizendo considerar que lhe incumbe o dever de 
 agir face ao prejuízo dos direitos fundamentais, veio requerer que pelo 
 mecanismo do art.º 700.º, n.º 3, do CPC, recaísse acórdão no sentido de alargar 
 a matéria fáctica em instância com as audições requeridas na P.I., com posterior 
 decisão.
 A pretensão do MP não foi atendida no acórdão proferido a fls. 133-136 em que se 
 entendeu nada haver a aduzir à matéria de facto constante da decisão sumária 
 proferida, decisão essa que nos seus precisos termos se mantinha.
 Vejamos.
 Nos termos do n.º 1, b) do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15-11, cabe recurso 
 para o Tribunal Constitucional das decisões dos Tribunais que apliquem norma 
 cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada no processo.
 Consoante o n.º 2 do art.º 72.º da mesma Lei os recursos previstos nas alíneas 
 b) e f) do n.º 1 do artigo 70.° só podem ser interpostos pela parte que haja 
 suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em 
 termos de este estar obrigado a dela conhecer.
 Ora, afigura-se muito duvidoso que o recorrente tenha suscitado anteriormente, 
 no processo, a questão relativa à constitucionalidade da norma (ou da 
 interpretação da mesma) a que agora se refere, sendo certo que a decisão 
 recorrida não terá “surpreendido” o recorrente (no sentido de ser solução que 
 ele não pudesse perspectivar).
 Refira-se que a questão só é de considerar suscitada durante o processo quando o 
 haja sido de modo processualmente válido perante o tribunal recorrido, o que 
 deve ser entendido num sentido funcional, sendo em princípio momento inidóneo 
 para suscitar a questão da inconstitucionalidade o requerimento de interposição 
 do recurso de inconstitucionalidade. Acresce que “este requisito só é de 
 considerar preenchido quando a parte identifica a norma que repute 
 inconstitucional, menciona a norma ou princípio constitucional que considera 
 violado e justifica, ainda que de forma sumária, a inconstitucionalidade 
 arguida. Não preenche o requisito em causa a afirmação abstracta que uma dada 
 interpretação é inconstitucional, sem ser referida a norma que sofre desse vício 
 ou quando se imputa a inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto 
 administrativo” (Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 4.ª 
 edição, pág. 398).
 Por outro lado, de acordo com o art.º 26.º do DL n.º 322/82, de 12-8, da decisão 
 do Tribunal da Relação que conheça do mérito da causa cabe recurso de apelação 
 para o STJ (aliás, o valor da presente acção excede o da alçada da Relação).
 A decisão proferida pela conferência era, pois, susceptível de recurso ordinário 
 para o STJ (tenhamos em conta o disposto nos art.ºs 705.º e 700.º, n.ºs 3 e 5, 
 do CPC, bem como o art.º 28.º do DL n.º 322/82, de 12-8). Dispõe o n.º 2 do 
 art.º 70.º da Lei n.º 28/82: “Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do 
 número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por 
 a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, 
 salvo os destinados a uniformização de jurisprudência”.
 Assim, consoante o n.º 2 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, os recursos previstos 
 na alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo – em que o recorrente se estriba – apenas 
 cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, o que, como vimos, não é o 
 caso.
 Termos em que, não se admite o recurso para o Tribunal Constitucional interposto 
 pelo MP.»
 Contra este despacho veio o Ministério Público deduzir a presente reclamação, 
 com os seguintes fundamentos:
 
 “I.
 
 1 – Considerou duvidoso o douto despacho que a invocação da violação praticada 
 dos direitos fundamentais formalize a suscitação da questão (in)constitucional. 
 Mas
 
 2 – Esta foi substancialmente suscitada.
 
 3 – Surpreendendo que se tenha por conforme à Lei Fundamental decidir da verdade 
 material sem ouvir a prova indicada para a dar a conhecer (decisão surpresa).
 II.
 
 4 – Por isso o M.ºP.º invocou o dever de agir face à violação dos direitos 
 fundamentais, e
 
 5 – Não (certamente) na qualidade de parte com ganho de causa (como alude o 
 douto acórdão) em recurso para o STJ,
 
 6 – Recorreu para o T.C. na qualidade pressuposta na alínea a) do n.º 1 do art.º 
 
 72.º da LOFTC,
 
 7 – Certo que, como parte vencedora, não tinha legitimidade junto do STJ.»
 
 4.Já no Tribunal Constitucional, o representante do Ministério Público 
 pronunciou‑se no sentido de a reclamação dever improceder, dizendo:
 
 “Independentemente da questão do esgotamento dos recursos ordinários possíveis, 
 verifica-se que efectivamente a entidade reclamante não suscitou, durante o 
 processo e em termos processualmente adequados, qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, susceptível de integrar objecto idóneo do 
 recurso interposto para este Tribunal – tendo, para tal, plena oportunidade, 
 nomeadamente no âmbito da reclamação deduzida nos termos do art.º 700.º, n.º 3, 
 do CPC (fls. 18 dos autos). Tal circunstância determina a improcedência da 
 presente reclamação, por manifesta inverificação dos pressupostos de 
 admissibilidade do recurso.”
 Cumpre apreciar e decidir. 
 II. Fundamentos
 
 5.O recurso de constitucionalidade foi intentado pelo Ministério Público ao 
 abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, visando a presente reclamação da decisão de não admissão do 
 requerimento de apresentação do recurso, não tanto a reapreciação das razões 
 apresentadas para justificar tal não admissão, mas a verificação dos 
 pressupostos que viabilizariam o tipo de recurso interposto, em ordem a 
 averiguar se existiu uma indevida preterição da sua apreciação (cfr. v.g. 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 490/98, 24/99 e 571/99, todos 
 disponíveis em  www.tribunalconstitucional.pt).
 Como se sabe, são requisitos específicos para se poder tomar conhecimento 
 daquele tipo de recurso, além do esgotamento dos recursos ordinários, que se 
 tenha suscitado durante o processo a inconstitucionalidade da norma impugnada no 
 recurso de constitucionalidade e que essa norma tenha sido aplicada na decisão 
 recorrida como ratio decidendi. Este último requisito explica-se, desde logo, 
 pela necessidade, para a decisão do recurso de constitucionalidade poder ter 
 algum efeito útil, de aplicação como ratio decidendi, na decisão recorrida, da 
 norma que o Tribunal Constitucional vai apreciar – se existiu outra ratio 
 decidendi, a decisão do recurso de constitucionalidade não teria a virtualidade 
 de vir a projectar-se na decisão recorrida. 
 Ora, no caso vertente, é manifesto que falha este último requisito quanto à 
 decisão que se impugnou, que é a decisão de 20 de Outubro de 2005, tomada pelo 
 Tribunal da Relação de Lisboa. Segundo o entendimento adoptado pelo tribunal 
 recorrido: 
 
 “(…)
 
 É jurisprudência corrente que o ónus da prova da ligação efectiva à comunidade 
 nacional incumbe ao requerente da aquisição da nacionalidade (…). Tal prova 
 pressupõe uma prévia alegação da factualidade a apurar. A conclusão sobre a 
 existência daquela ligação extrair-se-á de um conjunto de factos concretos que 
 caberá, pois, ao requerido no processo antes de mais alegar e depois provar. 
 Tais factos concretos não foram alegados na presente acção: o requerido não 
 contestou e, por isso, não teve oportunidade de os invocar; o MP, também não 
 alegou tais factos – designadamente não o tendo feito nos art.ºs 15.º e 16.º da 
 P.I., acima mencionados (onde, como vimos, referiu o seu desconhecimento de 
 várias aspectos em termos genéricos).”
 Daqui resulta se não verifica o requisito, indispensável para se poder tomar 
 conhecimento do recurso, consistente na aplicação como ratio decidendi, pela 
 decisão recorrida, da norma impugnada no recurso de constitucionalidade: isto é, 
 o referido artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 322/82, de 12 de Agosto, interpretado 
 no sentido de que uma vez indicada prova testemunhal na fase administrativa 
 registral e não ouvida, tal preceito não contempla o dever de a ouvir na acção 
 subsequente, mesmo que assim requerido pelo Ministério Público na petição 
 inicial. É que a decisão (acima transcrita) do tribunal recorrido baseou-se 
 simplesmente em que os factos concretos que exprimem uma ligação efectiva à 
 comunidade nacional não foram invocados nem pelo requerente da aquisição da 
 nacionalidade nem pelo representante do Ministério Público, circunstância que, 
 aliás, o ora reclamante reconhece quando concorda que “outra não poderia ser a 
 decisão face aos factos coligidos no processo especial.”
 Ora, ao confirmar que “como a matéria a apurar com vista a uma conclusão sobre a 
 ligação efectiva do requerido à comunidade nacional teria de ser previamente 
 alegada e essa alegação não teve lugar, não faria qualquer sentido o depoimento 
 das pessoas indicadas na P.I.”, o tribunal recorrido não se pronunciou, nem 
 expressa, nem implicitamente, sobre a sua competência para determinar a 
 realização de quaisquer diligências de prova, sendo que só esta competência e as 
 condições em que é exercida estão em causa na norma impugnada. Como razão de ser 
 da decisão no sentido de confirmar a decisão sumária proferida, o tribunal 
 recorrido fundamentou-se, apenas, em que não houve a prévia alegação da 
 factualidade a apurar, não estando em causa “apurar se determinados factos 
 oportunamente alegados resultariam demonstrados através da prova produzida.”
 Não tendo, pois, a decisão recorrida feito aplicação da norma do artigo 25.º do 
 Decreto-Lei n.º 322/82, de 12 de Agosto, relativa à competência do relator para 
 determinar a realização de quaisquer diligências que tenha por indispensáveis, 
 que é a única norma impugnada no presente recurso de constitucionalidade, 
 conclui-se que não se poderia dele tomar conhecimento.
 Para além, pois, de não ter sido suscitada durante o processo uma questão de 
 constitucionalidade de modo processualmente adequado (não tendo o recorrente 
 apontado atempadamente, em relação à norma, o porquê da sua incompatibilidade 
 com a Lei Fundamental, numa exigência que é formal, sim, mas essencial para que 
 o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade e 
 para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao 
 reexame, e não a um primeiro julgamento, de tal questão), nem se tratando de 
 hipótese em que o interessado não dispõe de oportunidade processual para 
 levantar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão (no caso, 
 podia e devia tê-la suscitado aquando da reclamação deduzida a fls. 18 dos 
 autos), casos em que lhe deve ser reconhecido o direito ao recurso (cfr. v.g. 
 Acórdãos n.ºs 318/89, 329/95, 521/95, 364/2000 e 374/2000, todos disponíveis em  
 
 www.tribunalconstitucional.pt), a norma que o recorrente impugnou no presente 
 recurso de constitucionalidade não foi de todo aplicada pela decisão recorrida. 
 Esta baseou-se antes em que “a actividade probatória que se impõe a este 
 Tribunal não é no sentido de averiguar livremente (ou com base nas dúvidas e/ou 
 negações trazidas ao processo pelo requerente) que factos concretos ocorrem ou 
 ocorreram”, nada havendo “a aduzir à matéria de facto constante da decisão 
 sumária proferida”.
 Pelo que não poderia tomar-se conhecimento do recurso e – independentemente de 
 qualquer juízo sobre o mérito da decisão de fundo do caso dos autos – a presente 
 reclamação tem de ser indeferida.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação.
 Lisboa, 4 de Abril de 2006
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos