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Processo nº 591/07
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é 
 recorrente A., Lda. e são recorridos o Município de Câmara de Lobos e B., S.A., 
 foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no 
 artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele tribunal de 14 de Dezembro de 
 
 2006.
 Em 20 de Junho de 2007, foi proferida decisão sumária, pela qual o Tribunal 
 decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da LTC, não tomar 
 conhecimento do objecto do recurso.
 Foi utilizada a seguinte fundamentação:
 
  
 
 «A recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da 
 alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC: recurso que cabe de decisões dos 
 tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada 
 durante o processo, devendo tal suscitação ter ocorrido de modo processualmente 
 adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este 
 estar obrigado a dela conhecer (artigo 72º, nº 2, da mesma lei). Do que decorre 
 que, pese embora a recorrente indique, em cumprimento do disposto na parte final 
 do nº 2 do artigo 75º-A da LTC, o recurso para o Tribunal Central Administrativo 
 Sul e o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, apenas as alegações 
 produzidas no primeiro podem ser consideradas.
 Foi, de facto, o Tribunal Central Administrativo Sul que proferiu a decisão 
 recorrida, cabendo agora ao Tribunal Constitucional averiguar se perante este 
 tribunal foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa 
 reportada ao artigo 653º do Código de Processo Civil, pois que está em causa um 
 dos pressupostos do recurso interposto.
 A recorrente define como objecto do recurso, no requerimento de interposição do 
 mesmo, a norma constante do artigo 653°, n°s. 2 e 4, do Código de Processo 
 Civil, quando interpretada e aplicada no sentido de que cumpre suficientemente o 
 disposto no art. 653°, nº 2, do CPC, no que à fundamentação da decisão proferida 
 quanto à matéria de facto e no que ao exame crítico das provas diz respeito, a 
 menção de que foram considerados os documentos juntos aos autos; quando 
 interpretada e aplicada no sentido de que não padece de deficiência, nos termos 
 do art. 653°, nº 4, do CPC, a decisão proferida quanto à matéria de facto 
 quando, nos seus próprios expressos termos, respeite apenas aos factos que 
 considere “relevantes”, tendo sido absolutamente desconsiderados determinados 
 factos alegados; e, ainda, quando interpretada e aplicada no sentido de que não 
 padece de deficiência e obscuridade, nos termos do art. 653°, n° 4, do CPC, a 
 decisão proferida quanto à matéria de facto quando integre resposta que se 
 limite a dar por reproduzidos determinados documentos, sem a indicação dos 
 factos pelos mesmos eventualmente provados.
 Independentemente da questão de saber se, através desta formulação, a recorrente 
 observa integralmente um dos ónus previstos no nº 1 do artigo 75º-A da LTC – o 
 
 ónus de indicar a norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal 
 Constitucional aprecie – o certo é que, durante o processo, não foi suscitada 
 qualquer questão de inconstitucionalidade normativa reportada àquele artigo do 
 Código de Processo Civil.
 Durante o processo, o que a recorrente censurou foi a decisão recorrida, quanto 
 
 à matéria de facto, requerendo a sua anulação, por dela não constar, em seu 
 entender, qualquer exame crítico à prova apresentada, violando assim o disposto 
 no artigo 653º, nº 2, do Código de Processo Civil, por padecer de deficiência, 
 nos termos do disposto no artigo 653º, nº 4, do Código de Processo Civil, por 
 respeitar apenas aos factos que o tribunal a quo considerou relevantes, e ainda 
 por padecer de deficiência e obscuridade, nos termos do disposto no artigo 653º, 
 nº 4, do Código de Processo Civil, por se ter limitado a dar por reproduzidos 
 determinados documentos (cf. supra, ponto 2. do Relatório – pontos 12., 20., 
 
 29., 31., 35., 40., 41., 43., 44. e 45. da parte ali reproduzida da peça 
 processual em causa).
 A alegação feita pela recorrente, nas alegações e conclusões do recurso para o 
 Tribunal Central Administrativo Sul, segundo a qual “interpretação divergente a 
 este respeito” viola a Constituição (respectivamente, pontos 32., 42. e 46. e 
 alíneas j), q) e s)), não corresponde à suscitação de qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa. Lida a peça processual, verifica-se que não se 
 identifica ali qualquer norma (ou qualquer interpretação normativa) da qual se 
 pudesse divergir, com fundamento num juízo de inconstitucionalidade. Da leitura 
 de tal peça só pode concluir-se que a recorrente diverge, isso sim, do modo como 
 o tribunal procedeu à fixação da matéria de facto. 
 Não tendo sido previamente suscitada, durante o processo, uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, não pode conhecer-se do objecto do recurso, o 
 que justifica a prolação da presente decisão (artigos 70º, nº 1, alínea b), e 
 
 78º-A, nº 1, da LTC)».
 
  
 
  
 
 2. Desta decisão reclama agora a recorrente para a conferência, ao abrigo do 
 disposto no nº 3 do artigo 78º-A da LTC, nos seguintes termos:
 
  
 
 «(…) 5. Quanto ao caso vertente, verifica-se antes de mais que as questões que 
 integram o objecto do Recurso para esse Tribunal Constitucional, como referido 
 na alínea d) do respectivo requerimento de interposição, foram colocadas desde 
 logo no Recurso apresentado da Decisão proferida pelo T.A.F. do Funchal para o 
 T.C.A. Sul, logo, no sentido apontado pelo supra-citado Acórdão, antes da 
 decisão desse Tribunal de Segunda Instância, e, como tal, “durante o processo” 
 para efeitos do disposto no art. 70º, nº 1 da L.T.C.
 
 6. Concretizando, e para além dos demais fundamentos apresentados no referido 
 Recurso para o T.C.A. Sul, foi aí alegado pela ora Reclamante, quanto à primeira 
 questão de constitucionalidade individualizada na alínea b) do requerimento de 
 interposição de Recurso para o Tribunal Constitucional, o seguinte:
 
 «12. Verifica-se, em primeiro lugar, não ter sido dado o devido cumprimento ao 
 disposto no art. 653°, n° 2, do CPC, desde logo no que ao exame crítico das 
 provas diz respeito, vício este que desde já e para todos os efeitos 
 expressamente se invoca.
 
 13. Com efeito, dispõe o art. 653° do CPC, sob a epígrafe “Julgamento da matéria 
 de facto”, no respectivo n° 2, que “ [...] a decisão proferida declarará quais 
 os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, 
 analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram 
 decisivos para a convicção do julgador”.
 
 14. Reitera-se a expressão legal: “... analisando criticamente as provas..
 
 15. A exigência aí constante implica a necessidade de identificação quer da 
 matéria de facto provada quer da matéria de facto não provada, em ambos os casos 
 expressamente fundamentada.
 
 16. Na verdade, “a decisão sobre a matéria de facto não pode confinar-se [...j à 
 mera declaração de quais os factos que o tribunal julga provados e quais os 
 factos que o tribunal julga não provados” (Abílio Neto, in Código de Processo 
 Civil Anotado, 2003, Ediforum, nota 3 ao referido normativo).
 
 17. Mais ainda: “De acordo com a doutrina maioritária (v.g., Miguel Teixeira de 
 Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, pág. 348; F. Ferreira Pinto, 
 Lições de Direito Processual Civil, 1997, pág. 440; Miguel Corte-Real, O Dever 
 de Fundamentação da Decisão Judicial dada sobre Matéria de Facto, em Vida 
 Judiciária, nº 24, Abril de 99, págs. 22 e ss.; contra, Rui Rangel, A Prova e a 
 Gravação da Audiência no Direito Processual Civil, 1998, pág. 59), o n° 2 deste 
 art. 653° não se contenta com a fundamentação dos factos positivos, mas exige, 
 de igual modo, que os factos não provados sejam devida e criteriosamente 
 fundamentados, através da apreciação crítica das provas propostas pelas partes, 
 de molde a evidenciar a razão ou razões que levam o Tribunal a concluir não 
 serem as mesmas suficientes para infirmarem conclusão diversa da de considerar 
 tais factos como não provados, fundamentação esta que a generosidade dos Juízes 
 omite, o que tanto mais grave e injustificado quanto é certo que a sorte das 
 acções assenta, não raro decisivamente, nos factos negativos, por aplicação das 
 regras do ónus da prova. A sindicabilidade da decisão sobre matéria de facto é 
 incompatível com a desnecessidade da fundamentação das respostas de “não 
 provado”, como é consabido e sentido por todos os intervenientes processuais.”
 
 18. A necessidade de identificação da matéria de facto provada e da matéria de 
 facto não provada, bem como da respectiva fundamentação, nos termos do referido 
 normativo do CPC, tem sido considerada conforme à CRP, concretamente ao 
 respectivo (e actual) art. 205°, n° 1, correspondente ao anterior art. 208°, n° 
 
 1, por diversos Acórdãos do Tribunal Constitucional, e designadamente do Ac. n° 
 
 56/97, de 03/01/97, segundo o qual, e para o que aqui mais importa: “O mandado 
 constitucional de fundamentação das decisões dos tribunais é um mandado aberto a 
 uma actuação constitutiva do legislador. Deixa claro que é o legislador a 
 determinar os termos mas também os casos em que tem lugar a fundamentação. O 
 legislador, porém, não é livre do sentido global da Constituição e, desde logo, 
 não é livre dos limites materiais que sempre se põem ao cumprimento das 
 imposições legiferantes. Não pode esvaziar o sentido útil daquele mandado de 
 fundamentação, desde logo, decisivamente, no sentido de isentar a decisão em 
 causa de uma fundamentação.
 
 19. E o que se diz do legislador ordinário por maioria de razão se dirá do 
 intérprete da Lei.
 
 20. Ora, da Decisão recorrida não consta qualquer exame crítico à prova 
 apresentada.
 
 21. A título meramente exemplificativo, refira-se o seguinte:
 
 […]
 
 29. Para além deste exemplo concreto, parece-nos claro que a menção genérica no 
 sentido de que o Tribunal considerou os “documentos juntos aos autos, como acima 
 referidos”, sendo esta referência feita às respostas dadas quanto à matéria de 
 facto, algumas acompanhadas da remissão para o respectivo documento, se afigura 
 totalmente insuficiente em termos de cumprimento do preceituado no art. 653°, n° 
 
 2, do CPC.
 
 30. De modo que, em suma, a respeito da decisão quanto à matéria de facto, não 
 se mostrando minimamente esclarecidos quais os respectivos fundamentos, pelo 
 exame crítico da prova que se lhe impunha fazer, a mesma se torna neste aspecto 
 insindicável, isto é, na medida em que irremediavelmente prejudicada fica a 
 efectiva compreensão da respectiva justiça ou não.
 
 31. Nesta sequência, verifica-se que a Douta Decisão ora recorrida violou o 
 disposto no art. 653°, n° 2, do CPC, implicando a respectiva anulação,
 
 32. Sendo que interpretação divergente a este respeito viola por sua vez o 
 disposto nos seguintes normativos e princípios constitucionais: 2° (princípio do 
 Estado de Direito), 13° (princípio da igualdade), 20º, em particular o n° 4 
 
 (princípio da equidade do processo), e art. 205°, n° 1 (princípio da 
 fundamentação das decisões dos tribunais).»
 
  
 
 7. Como resulta de forma expressa do trecho citado das Alegações no Recurso 
 apresentado para o T.C.A. Sul, o ora Reclamante invocou o art. 653°, n° 2, do 
 CPC, o qual considerava violado, entre outros aspectos, pela simples menção 
 genérica no sentido de que o então Tribunal a quo havia considerado os 
 
 “documentos juntos aos autos, como acima referidos”, sendo esta referência feita 
 
 às respostas dadas quanto à matéria de facto, algumas acompanhadas da remissão 
 para o respectivo documento.
 
 8. Como então referia o ora Reclamante, tal menção afigurava-se, na respectiva 
 perspectiva, totalmente insuficiente em termos de cumprimento do preceituado no 
 referido normativo.
 
 9. Mas o ora Reclamante disse mais ainda então, e aqui entramos na questão do 
 objecto do presente Recurso: disse que interpretação divergente a esse respeito 
 
 – ou seja, no sentido da suficiência de tal simples menção em termos do 
 cumprimento do disposto no art. 653°, n° 2, do CPC – seria violadora do disposto 
 nos arts. 2°, 13°, 20° e 205°, n° 1, da CRP.
 
 10. Entendimento diverso teve o T.C.A. Sul, o qual julgou integralmente 
 improcedente o recurso perante si apresentado.
 
 11. Pese embora o T.C.A. Sul lhe tenha negado razão, o facto é que o Recorrente 
 suscitou atempadamente, isto é, durante o processo, a questão – que é normativa 
 e constitucional, e daí ter integrado o objecto do presente Recurso – da 
 conformidade aos mencionados preceitos constitucionais da norma constante do 
 art. 653°, no. 2, do CPC, quando interpretada no sentido de que se mostra 
 suficientemente cumprida, no que à fundamentação da decisão proferida quanto à 
 matéria de facto e no que ao exame crítico das provas diz respeito, pela menção 
 de que foram considerados os “documentos juntos aos autos, como acima referidos” 
 
 (sendo esta referência, como alegado no Recurso apresentado para o T.C.A. Sul, 
 feita às respostas dadas quanto à matéria de facto, algumas acompanhadas da 
 remissão para o respectivo documento)
 
 12. O mesmo se diga, quanto à segunda questão de constitucionalidade 
 individualizada na alínea b) do requerimento de interposição de Recurso para o 
 Tribunal Constitucional, verificando-se ter sido alegado pela ora Reclamante no 
 Recurso apresentado para o T.C.A. Sul o seguinte:
 
 «33. Verifica-se, em segundo lugar, que na Douta Decisão ora recorrida, a fls. 
 
 229 a 231, é decidida a matéria de facto, quer quanto aos factos dados como 
 provados, quer quanto aos factos dados como não provados.
 
 34. No entanto, tal decisão quanto à matéria de facto, nos seus próprios e 
 expressos termos, respeita apenas aos factos que o Tribunal a quo considerou 
 
 “relevantes”.
 
 35. Ora, foram nessa sequência absolutamente desconsiderados factos alegados 
 pela ora Recorrente que, salvo o devido respeito, são relevantes para a boa 
 decisão da presente causa.
 
 36. Concretizando, no respectivo RI foram alegados pela ora Recorrente, e 
 desconsiderados pelo Tribunal a quo, os seguintes factos que se entende serem 
 relevantes para a boa decisão da presente causa: 
 
 [...].
 
 40. Ora, o certo é que “a falta de resposta num quesito cuja matéria é relevante 
 para a decisão da causa implica a anulação do julgamento da matéria de facto” 
 
 (Ac. da RC de 17/11/1987, in BMJ 371°, 560). 
 
 41. Assim, e nessa medida, entende-se que a decisão proferida quanto à matéria 
 de facto padece de deficiência, nos termos do disposto no art. 653°, n° 4, do 
 CPC,
 
 42. Sendo que interpretação divergente a este respeito viola os mesmos 
 normativos e princípios constitucionais supra já referidos no ponto 32.» 
 
  
 
 13. Como resulta de forma expressa do trecho citado das Alegações no Recurso 
 apresentado para o T.C.A. Sul, o ora Reclamante invocou o art. 653°, n° 4, do 
 CPC, o qual considerava violado, entre outros aspectos, pela consideração pelo 
 então Tribunal a quo apenas dos factos julgados “relevantes”, sendo 
 desconsiderados determinados factos alegados.
 
 14. Como então referia o ora Reclamante, tal consideração apenas dos factos 
 julgados “relevantes”, implicava, na respectiva perspectiva, a deficiência da 
 decisão proferida quanto à matéria de facto nos termos do preceituado no 
 referido normativo.
 
 15. Mas o ora Reclamante disse mais ainda então, e aqui entramos novamente na 
 questão do objecto do presente Recurso: disse que interpretação divergente a 
 esse respeito – ou seja, no sentido de que não padecia de deficiência nos termos 
 do disposto no art. 653°, n° 4, do CPC, a decisão proferida apenas quanto aos 
 factos considerados “relevantes”, sendo desconsiderados determinados factos 
 alegados – seria violadora do disposto nos arts. 2°, 13°, 200 e 205°, n° 1, da 
 CRP.
 
 16. Entendimento diverso teve o T.C.A. Sul, o qual julgou integralmente 
 improcedente o recurso perante si apresentado.
 
 17. Pese embora o T.C.A. Sul lhe tenha negado razão, o facto é que o Recorrente 
 suscitou atempadamente, isto é, durante o processo, a questão – que é normativa 
 e constitucional, e daí ter integrado o objecto do presente Recurso – da 
 conformidade aos mencionados preceitos constitucionais da norma constante do 
 art. 653°, n°. 4, do CPC, quando interpretada no sentido de que não padece de 
 deficiência a decisão proferida quanto à matéria de facto quando, nos seus 
 próprios e expressos termos, respeite apenas aos factos que considere 
 
 “relevantes”, tendo sido absolutamente desconsiderados determinados factos 
 alegados.
 
 18. O mesmo se diga, finalmente, quanto à terceira e última questão de 
 constitucionalidade individualizada na alínea b) do requerimento de interposição 
 de Recurso para o Tribunal Constitucional, verificando-se ter sido alegado pela 
 ora Reclamante no Recurso apresentado para o T.C.A. Sul o seguinte:
 
 «43. Verifica-se, em terceiro lugar, que na Douta Decisão ora recorrida, a fls. 
 
 230, e mais concretamente nos pontos 11 e 12, o Tribunal a quo se limitou a dar 
 por reproduzidos determinados documentos juntos aos Autos.
 
 44. Ora, “A fixação da matéria de facto é deficiente e obscura se o juiz 
 consignou dar-se «aqui como reproduzidos os documentos, não impugnados, de 
 fls...», pois deveria ter indicado os factos (eventualmente) provados por esses 
 documentos.” (Ac. da RC de 04/06/1992, in BMJ 418°, 875).
 
 45. Assim, e nessa medida, entende-se que a decisão proferida quanto à matéria 
 de facto padece ainda de deficiência e obscuridade, nos termos do disposto no 
 art. 653°, n° 4, do CPC,
 
 46. Sendo que interpretação divergente a este respeito também viola os mesmos 
 normativos e princípios constitucionais supra já referidos no ponto 32.)»
 
  
 
 19. Como resulta de forma expressa do trecho citado das Alegações no Recurso 
 apresentado para o T.C.A. Sul, o ora Reclamante invocou o art. 653°, n° 4, do 
 CPC, o qual considerava violado, entre outros aspectos, pelo facto de o então 
 Tribunal a quo se limitar a dar por reproduzidos determinados documentos juntos 
 aos Autos.
 
 20. Como então referia o ora Reclamante, o apenas a dar por reproduzidos 
 determinados documentos juntos aos Autos, implicava, na respectiva perspectiva, 
 a deficiência e obscuridade da decisão proferida quanto a matéria de facto nos 
 termos do preceituado no referido normativo.
 
 21. Mas o ora Reclamante disse mais ainda então, e aqui entramos na derradeira 
 questão que constitui o objecto do presente Recurso: disse que interpretação 
 divergente a esse respeito – ou seja, no sentido de que não padecia de 
 deficiência e de obscuridade nos termos do disposto no art. 653°, n° 4, do CPC, 
 a decisão proferida que se limitava a dar por reproduzidos determinados 
 documentos juntos aos Autos – seria violadora do disposto nos arts. 2°, 13°, 20º 
 e 205°, n° 1, da CRP.
 
 22. Entendimento diverso teve o T.C.A. Sul, o qual julgou integralmente 
 improcedente o recurso perante si apresentado.
 
 23. Pese embora o T.C.A. Sul lhe tenha negado razão, o facto é que o Recorrente 
 suscitou atempadamente, isto é, durante o processo, a questão – que é normativa 
 e constitucional, e daí ter integrado o objecto do presente Recurso - da 
 conformidade aos mencionados preceitos constitucionais da norma constante do 
 art. 653°, no. 4, do CPC, quando interpretada no sentido de que não padece de 
 deficiência e de obscuridade a decisão proferida quanto à matéria de facto 
 quando integre resposta que se limite a dar por reproduzidos determinados 
 documentos, sem a indicação dos factos pelos mesmos eventualmente provados.
 
 24. Como se crê e espera ter demonstrado, as questões que integram o objecto do 
 Recurso apresentado perante esse TC são de natureza normativa e constitucional, 
 e foram oportunamente suscitadas durante o processo».
 
  
 
  
 
 3. Notificados do requerimento de reclamação para a conferência, os recorridos 
 não responderam.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 A decisão sumária proferida concluiu pelo não conhecimento do objecto do recurso 
 por não se mostrar satisfeito o requisito da suscitação prévia, durante o 
 processo, de uma questão de inconstitucionalidade normativa. O Tribunal entendeu 
 que, durante o processo, a recorrente se limitou a exprimir a sua discordância 
 quanto à forma pela qual o tribunal recorrido procedeu à fixação da matéria de 
 facto, ou seja, quanto à forma como o tribunal decidiu. Uma vez que o recurso 
 previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC tem por objecto normas e não 
 decisões judiciais (entre muitos outros, cfr. Acórdãos nºs 178/95 e 20/96, 
 Diário da República, II Série, de 21 de Junho de 1995 e de 16 de Maio de 1996), 
 concluiu-se pelo não conhecimento do objecto do recurso.
 Na presente reclamação não se demonstra que, durante o processo, a recorrente 
 tenha suscitado a inconstitucionalidade de normas. Aliás, os excertos agora 
 reproduzidos nos pontos 6., 12. e 18. da reclamação são precisamente os mesmos 
 que o Tribunal analisou quando proferiu a decisão reclamada (cf. ponto 1. do 
 Relatório). Como já se afirmou, durante o processo, o que a recorrente fez foi 
 divergir da decisão recorrida quanto à fixação da matéria de facto, invocando a 
 violação do artigo 653º do Código de Processo Civil. Tal facto é desde logo 
 indiciador de uma crítica, não a normas, mas à decisão: “se se utiliza uma 
 argumentação consubstanciada em vincar que foi violado um dado preceito legal 
 ordinário e, simultaneamente, violadas normas ou princípios constitucionais, 
 tem-se por certo que a questão de desarmonia constitucional é imputada à decisão 
 judicial, enquanto subsunção dos factos ao direito, e não ao ordenamento 
 jurídico infra-constitucional que se tem por violado com essa decisão, pois que 
 se posta como contraditório sustentar-se que há violação desse ordenamento e 
 este é desconforme com o Diploma Básico. Efectivamente, se um preceito da lei 
 ordinária é inconstitucional, não deverão os tribunais acatá-lo, pelo que 
 esgrimir com a violação desse preceito, representa uma óptica de acordo com a 
 qual ele se mostra consonante com a Constituição” (Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 489/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
 Por outro lado, na decisão sumária não se descuraram as passagens onde se diz 
 que interpretação divergente a este respeito… seria violadora do disposto nos 
 artigos… da CRP (cf. ponto 1. do Relatório), passagens agora destacadas pela 
 reclamante (pontos 9., 15. e 21.). Da leitura da peça processual em causa 
 resulta claro que não se enuncia ali uma interpretação normativa divergente, uma 
 vez que nem sequer se chegou a enunciar qualquer interpretação normativa da qual 
 se pudesse divergir. Por cabalmente elucidativos, mais uma vez se reproduzem os 
 passos processuais em questão:
 
  
 
 «(…) 31. Nesta sequência, verifica-se que a Douta Decisão ora recorrida violou o 
 disposto no art. 653°, n° 2, do CPC, implicando a respectiva anulação,
 
 32. Sendo que interpretação divergente a este respeito viola por sua vez o 
 disposto nos seguintes normativos e princípios constitucionais: 2° (princípio do 
 Estado de Direito), 13° (princípio da igualdade), 20º, em particular o n° 4 
 
 (princípio da equidade do processo), e art. 205°, n° 1 (princípio da 
 fundamentação das decisões dos tribunais) (…)
 
 41. Assim, e nessa medida, entende-se que a decisão proferida quanto à matéria 
 de facto padece de deficiência, nos termos do disposto no art. 653°, n° 4, do 
 CPC,
 
 42. Sendo que interpretação divergente a este respeito viola os mesmos 
 normativos e princípios constitucionais supra já referidos no ponto 32 (…)
 
 45. Assim, e nessa medida, entende-se que a decisão proferida quanto à matéria 
 de facto padece ainda de deficiência e obscuridade, nos termos do disposto no 
 art. 653°, n° 4, do CPC,
 
 46. Sendo que interpretação divergente a este respeito também viola os mesmos 
 normativos e princípios constitucionais supra já referidos no ponto 32 (…)» 
 
 (itálico aditado).
 
  
 Resta, pois, concluir pelo indeferimento da reclamação.
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, 
 confirmar a decisão reclamada.
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 
 
 Lisboa, 27 de Setembro de 2007
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão