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Processo n.º 23/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                         Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. Relatório
 
                         Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22 de 
 Abril de 2003 (fls. 4063‑4140), foi, além do mais, concedido parcial provimento 
 ao recurso interposto pelo arguido A. contra o acórdão do Tribunal Colectivo da 
 
 6.ª Vara Criminal de Lisboa, de 24 de Outubro de 2002 (fls. 3809 a 3842), 
 reduzindo de 9, 13 e 16 anos de prisão para 8, 12 e 14 anos de prisão, 
 respectivamente, as duas penas parcelares (uma, por prática de um crime de 
 tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, 
 alínea c), do Decreto‑Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e a outra por prática de 
 um crime de associação criminosa, previsto e punido pelo artigo 28.º, n.º 1, do 
 mesmo diploma) e a pena única em que fora condenado.
 
                         O acórdão da Relação foi notificado, por carta registada 
 expedida no próprio dia 22 de Abril de 2003 (cf. cota de fls. 4150), ao Dr. 
 Filipe Mimoso de Freitas, que o referido arguido havia constituído seu 
 mandatário, em 21 de Abril de 2003, na sequência da revogação do mandato 
 conferido à sua anterior defensora (cf. fls. 4058‑4060).
 
                         Em 19 de Maio de 2003, o arguido apresentou o seguinte 
 requerimento, subscrito pelo referido mandatário e endereçado ao Desembargador 
 Relator do Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 4268‑4269):
 
  
 
 “1. O arguido, tal como resulta das decisões anteriormente proferidas, viu‑se, 
 não inocente mas violentamente condenado nas penas arbitradas, penas que se 
 mostraram confirmadas após a repetição do julgamento, assim se repetindo no 
 tempo a violência e a desproporção entre os actos praticados, o dolo, a sua 
 culpa, esta como paradigma limite da respectiva pena.
 
 2. Inconformado, sem meios económicos que lhe possam garantir, já não um 
 patrocínio de qualidade, tão‑só uma representação digna e empenhada, tomou 
 conhecimento, através do seu mandatário, de que havia já sido proferida decisão 
 por esta instância judicial, decisão cujo teor ainda desconhece, uma vez que a 
 mesma não lhe foi notificada.
 
 3. O arguido pretende exercer o seu direito a recorrer da decisão proferida, 
 com a qual jamais se conformará, estando certo de que constitui seu direito 
 ver‑se notificado de tal acórdão, estribando a sua convicção no prescrito no n.º 
 
 9 do artigo 113.º do CPP, de tal direito decorrendo que o prazo, para a prática 
 dos actos processuais subsequentes à notificação, apenas correrá termos a partir 
 da data da última notificação.
 
 4. Não se põe em causa que este direito do arguido irá ser observado, apenas por 
 uma questão de lealdade processual se recordando que o arguido não prescinde de 
 tal exercício, sendo certo que diverso entendimento, ou seja, se se perfilha o 
 entendimento de que o acórdão apenas deverá ser notificado ao seu mandatário, 
 sempre se violará o direito do arguido a recorrer das decisões que se lhe 
 mostrarem desfavoráveis, direito ao recurso que se consagra nos artigos 399.º e 
 seguintes do CPP, nomeadamente artigo 401.º, n.º 1, alínea b), disposições que 
 sempre se conjugarão com o citado n.º 9 do artigo 113.º, também do artigo 411.º 
 de tal diploma legal, tudo com violação grosseira do n.º 1 do artigo 32.º da 
 CRP.
 Termos em que, e em conclusão,
 Vem requerer-se a V. Exa., tão logo se mostre notificado o arguido para, como se 
 requereu anteriormente, se pronunciar acerca da nomeação oficiosa do ora 
 mandatário, seja o mesmo, e os demais arguidos, notificado do acórdão proferido 
 por este Tribunal da Relação, após o que, e só então, nos termos do disposto nos 
 artigos 113.º, n.º 9, e 411.º, ambos do CPP, correrão os prazos para 
 interposição do pretendido recurso.”
 
  
 
                         Tal pretensão foi indeferida por despacho do 
 Desembargador Relator, de 27 de Maio de 2003 (fls. 4276), por se considerar que 
 a disposição do artigo 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal (CPP), que 
 prevê a notificação pessoal ao arguido de certas decisões, não é aplicável aos 
 acórdãos proferidos nos tribunais superiores.
 
                         O arguido interpôs recurso desse despacho para o Supremo 
 Tribunal de Justiça, recurso que foi admitido pelo Desembargador Relator do 
 Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 4289 verso).
 
                         Entretanto, o mandatário constituído pelo arguido veio, 
 em 15 de Julho de 2003, renunciar ao mandato (fls. 4307), tendo, por despacho do 
 Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Outubro de 2003, 
 sido nomeado defensor oficioso o Dr. Pedro Madureira (fls. 4322).
 
                         Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de 
 Fevereiro de 2005, considerando irrecorrível (mas apenas reclamável para a 
 conferência) a decisão singular do Desembargador Relator, determinou‑se a 
 remessa dos autos ao Tribunal da Relação a fim de o dito despacho ser submetido 
 a conferência (fls. 4407‑4415).
 
                         Por acórdão de 5 de Abril de 2005 (fls. 4424), o 
 Tribunal da Relação de Lisboa manteve o despacho reclamado.
 
                         Desse acórdão interpôs o arguido recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça, terminando a respectiva motivação (fls. 4448‑4450) com a 
 formulação das seguintes conclusões:
 
  
 
             “1. O artigo 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal apenas é 
 aplicável quanto ao Acórdão e quanto à sua forma e requisitos, mas não o sendo 
 quanto à sua notificação. Pelo menos quanto à notificação é omisso, e perante 
 tal omissão sempre terá que ser utilizado o regime geral do artigo 113.º, n.º 9, 
 do mesmo diploma legal;
 
 2. Entendemos que tal douta decisão de que agora se recorre viola a letra 
 imperativa da lei (ex vi artigo 113.°, n.º 9, do CPP), sendo que tal 
 interpretação viola o direito do arguido de recurso aos diversos graus de 
 jurisdição de decisões contra si proferidas;
 
 3. Ao arguido deve ser dado conhecimento do acórdão para que este tenha 
 conhecimento (por notificação) dos fundamentos da sua condenação, para que 
 contra esta possa reagir, para que possam ser salvaguardados todos os seus 
 direitos de defesa. Não esquecendo que ainda que o advogado (esse sim 
 notificado) não veja fundamentos para impugnar a decisão, poderá sempre o 
 arguido recorrer a outro causídico para fazer valer os seus direitos. Ora, se 
 não for notificado do acórdão, vê desde logo o seu direito de recorrer das 
 decisões que lhe são desfavoráveis irremediavelmente limitado em função da 
 acessibilidade e acessibilidade de contacto de outras pessoas;
 
 4. Por tudo o exposto, ficam assim limitados os direitos de defesa do arguido, 
 sendo por essa razão o entendimento do douto tribunal a quo violador do disposto 
 no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa;
 
             5. Tendo existido clara violação do artigo 113.°, n.º 9, do Código 
 de Processo Penal, por total ausência de previsão de regime de notificação do 
 acórdão no que concerne ao artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma legal;
 
             6. Porque uma coisa é não ser obrigatória a presença do arguido na 
 audiência num tribunal superior, onde apenas serão discutidas questões de 
 direito próprias de pessoas com conhecimentos técnicos, outra coisa é a 
 notificação de um acórdão que o arguido poderá querer que seja outro advogado a 
 prosseguir com o processo, e tendo expressa necessidade de saber quais os 
 motivos da sua condenação;
 
             7. Violados se revelam, em consequência, salvo melhor opinião, os 
 preceitos legais invocados nas presentes alegações de recurso.”
 
  
 
                         Ao recurso foi negado provimento por acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça, de 7 de Dezembro de 2005 (fls. 4464‑4478), com a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
             “XIII – A presente questão não se identifica com a que vem sendo 
 discutida e que consiste em saber se o prazo para interpor recurso de acórdão 
 proferido em recurso se conta a partir do seu depósito na secretaria ou da sua 
 notificação.
 
             Mas, não se identificando, não se pode dizer que entre elas não 
 exista qualquer relação. Pelo contrário, se se entender que o prazo se conta a 
 partir do depósito na secretaria, fica prejudicada a outra. Já não interessa 
 saber se a notificação havia ou não de ser pessoal, porque para efeitos de 
 começo do prazo que nos interessa, a data da notificação, levada a cabo por 
 qualquer dos modos, irrelevaria.
 
             Temos, então, em primeira linha, a questão de saber qual o acto 
 processual que encerra o início do prazo de recurso.
 
             XIV – Esta questão conduz‑nos directamente ao artigo 411.º, n.º 1, 
 do CPP, assim redigido:
 
  
 
 «1 – O prazo para interposição do recurso é de 15 dias e conta‑se a partir da 
 notificação da decisão ou, tratando‑se de sentença, do respectivo depósito na 
 secretaria. No caso de decisão oral reproduzida em acta, o prazo conta‑se a 
 partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever 
 considerar‑se presente.»
 
  
 Temos aqui – na primeira parte, que é a que nos interessa – uma norma ordinária 
 relativa às sentenças.
 O prazo conta‑se a partir do depósito na secretaria.
 Mas esta disposição pode ser entendida em:
 Termos absolutos, ou seja, deve ser assim em todos os casos;
 Em termos relativos, fazendo pressupor a sua aplicação aos casos em que o 
 arguido e o defensor, ou só este, estão presentes (não nos interessando aqui os 
 casos das demais pessoas com legitimidade para recorrer).
 
             Se acolhermos esta interpretação em termos relativos, temos que, não 
 estando presente nenhum dos dois, o começo do prazo só pode ter lugar com a 
 notificação (remetendo agora para o que abaixo se vai dizer quanto à 
 necessidade de notificação a ambos ou só ao defensor).
 
 [XV] – Estamos perante a possibilidade de reacção relativamente a decisão 
 judicial desfavorável, sendo ainda certo que se trata da sentença que, por via 
 de regra, é a decisão que mais «mexe» com direitos das pessoas.
 Não pode, pois, surpreender que tenhamos de atentar nas disposições 
 constitucionais interessantes, mormente no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, 
 na parte que consigna o direito ao recurso.
 Na definição do sentido e alcance de tal disposição, no que agora nos importa, o 
 Tribunal Constitucional vem entendendo que, se nem o arguido nem o defensor 
 estavam presentes à leitura da sentença, a contagem do prazo nos termos 
 determinados naquele artigo 411.º, n.º 1, é inconstitucional – Acórdãos n.ºs 
 
 87/2003, de 14 de Fevereiro, e 109/99, de 10 de Fevereiro (este a contrario 
 sensu).
 Este entendimento está também expresso no Acórdão deste Supremo Tribunal de 
 Justiça, de 29 de Abril de 2004 (Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do 
 Supremo Tribunal de Justiça, ano XII, tomo 2, 2004).
 
             Cremos nós que este entendimento deve prevalecer. A regra geral 
 relativa aos prazos dos recursos dos actos judiciais é a de que se contam a 
 partir da notificação. Nem outra coisa se poderia considerar, já que, com a 
 notificação, a parte interessada toma conhecimento da decisão e pode estudá‑la 
 em ordem a saber da sua desfavorabilidade, das consequências desta, da sua 
 discutibilidade jurídica e aí por diante.
 Regra geral ainda é que as decisões são notificadas por actuação do tribunal. 
 Se a parte está presente em acto publicado, decerto que seria redundante impor 
 ao tribunal que notificasse quem já soube, pela presença, do que se passou. 
 Mas, estando ausente, é ao tribunal que incumbe levar ao conhecimento dos 
 interessados o que se decidiu. E isto relativamente a decisões com delicadeza 
 bem inferior à que, por regra, têm as sentenças criminais.
 
             Neste modo geral de ver as coisas, introduziu o legislador uma regra 
 não conforme. Dispôs, no artigo 411.º, n.º 1, referido, que o prazo de recurso 
 das sentenças se conta a partir do depósito destas na secretaria. Mas esta regra 
 não pode, em termos razoáveis, ser interpretada como postergadora do direito que 
 normalmente os interessados têm de que as notificações lhe cheguem e que só a 
 partir delas comece a correr o prazo para as impugnarem. Seria reduzir os 
 direitos destes numa situação em que se justificava antes a sua ampliação.
 O que se quis consignar com o preceito tem antes a ver com o escopo de evitar o 
 que se verificava com alguma frequência nos tribunais. Por razões de eficiência 
 e celeridade «dava‑se» a sentença por apontamento verbal. Começava, logo então, 
 a correr o prazo de recurso e só depois – às vezes bem depois – a sentença era 
 escrita, depositada e junta ao processo. Com o prazo a correr contra eles, os 
 sujeitos processuais não tinham o instrumento essencial que pretendiam atacar. E 
 daí consignar‑se que o momento de referência era o do depósito na secretaria, 
 porque, então, a peça processual estava à disposição.
 Deste modo, o artigo 411.º, n.º 1, no respeitante às sentenças, não deve ser 
 interpretado – mesmo abstraindo agora da dita posição do Tribunal 
 Constitucional – no sentido de encurtar o prazo de recurso (cf., a este 
 propósito, Prof. Costa Andrade, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 
 
 13.º, n.º 3, p. 422). Quando a notificação é, por qualquer razão, feita só 
 depois do depósito, há que ter em conta o escopo acabado de referir, passando 
 assim a valer a data daquela.
 Podemos, então, tirar uma primeira conclusão para o nosso caso: não nos 
 interessa a data do depósito do acórdão da Relação, interessando‑nos apenas o 
 da notificação deste
 
             [XVI] – Extraída, assim, esta primeira conclusão, o caminho que se 
 nos depara é precisamente o do âmago da questão que enunciámos em XI. Deve ser 
 atendida a data da notificação. Mas do defensor do arguido ou deste?
 
 [XVII] – Neste domínio, cremos haver grande diferença entre o que se passa na 
 primeira instância e em sede de recurso.
 Ali, o arguido está, por via de regra, presente. Se não o estiver, considera‑se 
 notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado 
 ou constituído (artigo 373.º, n.º 3). Este artifício deve, todavia, ceder, por 
 razões constitucionais, para efeitos de começo de contagem do prazo de recurso, 
 devendo considerar‑se antes a data da notificação pessoal – assim os Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional n.ºs 274/2003, 429/2003 e 464/2003, que se podem ver no 
 respectivo sítio.
 Em sede de recurso, não se trata da regra da comparência, que pode comportar 
 excepções, mas da regra da não comparência ou da dispensabilidade desta. É o que 
 resulta do artigo 421.º, n.º 2, sempre do CPP. Tudo se passa ab initio do 
 recurso com o defensor, o que bem se compreende, atentas as regras puramente 
 técnicas que enformam este.
 E esta diferença tem sido considerada na jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional, que, colocado expressamente perante a questão da necessidade ou 
 não de notificação pessoal do arguido das decisões dos tribunais superiores, 
 escreveu o seguinte no Acórdão n.º 59/99:
 
  
 
 «Sendo isto assim, são configuráveis várias hipóteses que apontam para que as 
 garantias de defesa de um arguido só serão plenamente adquiridas se ao mesmo 
 for dado um cabal conhecimento da decisão condenatória que a seu respeito foi 
 tomada.
 Mas, entende este Tribunal, esse cabal conhecimento atinge‑se, sem violação das 
 garantias de defesa que o processo criminal deve comportar, desde que o seu 
 defensor – constituído ou nomeado oficiosamente –, contanto que se trate do 
 primitivo defensor, seja notificado da decisão condenatória tomada pelo tribunal 
 de recurso.
 
             Na verdade, os deveres funcionais e deontológicos que impendem 
 sobre esse defensor, na vertente do relacionamento entre ele e o arguido, 
 apontam no sentido de que o mesmo, que a seu cargo tomou a defesa daquele, lhe 
 há‑de, com propriedade, transmitir o resultado do julgamento levado a efeito no 
 tribunal superior.
 
             De harmonia com tais deveres, há‑de concluir‑se que o arguido, por 
 intermédio do conhecimento que lhe é dado pelo seu defensor (aquele primitivo 
 defensor), ficará ciente dos motivos fácticos e jurídicos que o levaram a ser 
 considerado como agente de um ilícito criminal e da reacção, a nível de 
 imposição de pena, que lhe foi aplicada pelo Estado, ao exercitar o seu jus 
 puniendi.
 
             Outro tanto, porém, se não passa se se tratar de um defensor 
 meramente nomeado para a audiência em substituição do defensor que, para ela 
 notificado, não compareceu.»
 
  
 Numa primeira análise, poderia pensar‑se que esta orientação não teria sido 
 seguida no Acórdão n.º 476/2004, mas cremos não ser assim. Conforme resulta, a 
 nosso ver, do ponto 6, neste aresto entendeu‑se que a linha de fronteira entre 
 a constitucionalidade e a inconstitucionalidade passava pelo efectivo 
 conhecimento por parte do arguido do conteúdo da decisão condenatória. Se este 
 conhecimento não teve lugar, mesmo que notificado o defensor, então teria lugar 
 a inconstitucionalidade. Por isso, ali se precisa que os recorrentes alegam que 
 não tiveram conhecimento pessoal do acórdão, considerando‑se a seguir que não 
 compete ao Tribunal Constitucional pronunciar‑se sobre a veracidade de tal 
 alegação nem sobre o ónus de prova do conteúdo da mesma. Isso será matéria da 
 lei ordinária.
 
             [XVIII] – Ora, o papel do defensor resulta dos artigos 32.º, n.º 3, 
 e 208.º da Constituição da República, 114.º da LOFTJ e, entre outras 
 disposições, dos artigos 62.º e seguintes do CPP.
 No exercício das suas funções, cabe ao defensor prestar ao arguido «o mais 
 completo e esclarecedor conselho de que for capaz» (Prof. Figueiredo Dias, 
 Direito Processual Penal, p. 487, reproduzido pelo Prof. Marques da Silva, Curso 
 de Processo Penal, vol. I, p. 312).
 Pensamos, então, corresponder ao fora do comum, do normal, a não comunicação, ao 
 arguido, de acórdão proferido em recurso, por parte do defensor. No fundo, 
 estamos a repisar o que escreveu o Tribunal Constitucional na parte transcrita 
 supra daquele Acórdão n.º 59/99.
 Daqui retirando a ideia, assente então num critério de razoabilidade, de que 
 cabe ao arguido alegar e provar que tal comunicação não existiu ou que, tendo 
 existido, não foi levada a cabo de modo a ele formar fundadamente o desígnio de 
 recorrer ou de não recorrer.
 Decerto que, ponderando a questão em termos de razoabilidade, também aceitemos 
 a ideia – veiculada neste mesmo aresto – de que o defensor nomeado, em 
 audiência, em substituição do primitivo que não compareceu, tem uma posição que 
 não permite o aludido raciocínio sobre a comunicação ao arguido do teor do 
 acórdão. Mas isso não releva aqui: o defensor notificado do acórdão da Relação 
 tinha até sido constituído pelo arguido e veio a seguir a tramitação por muito 
 tempo, tendo sido pela sua mão que foi levantada a questão que está na base do 
 presente recurso.
 
             [XIX] – Ora, como se referiu nos factos provados (n.º XII), no 
 requerimento de folhas 4268, o arguido não alude a qualquer falta de 
 comunicação entre ele e o defensor.
 Daí que tenhamos como assegurados os seus direitos de defesa – mormente o 
 direito ao recurso – com a notificação a este.”
 
  
 
                         É contra este acórdão que pelo arguido vem interposto o 
 presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada 
 pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 
 
 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), visando a apreciação da 
 constitucionalidade, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da 
 República Portuguesa (CRP), das normas constantes dos artigos 113.º, n.º 9 [por 
 manifesto lapso, o recorrente refere n.º 7], e 425.º, n.º 4, do Código de 
 Processo Penal (CPP), “ao não preverem expressamente a obrigação de notificação 
 dos acórdãos dos tribunais superiores ao seu principal interessado, colocam 
 inevitáveis limitações no direito ao recurso pelo arguido”.
 
                         Neste Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou 
 alegações, concluindo:
 
  
 
 “(…) o n.º 4 do artigo 425.º e o n.º 9 do artigo 113.º, ambos do CPP, ao não 
 preverem expressamente a notificação aos arguidos dos acórdãos dos tribunais 
 superiores, colocam inevitáveis limitações ao direito ao recurso, incorrendo 
 assim estes artigos, pela omissão, na violação da previsão da totalidade das 
 garantias de defesa, que consagra o artigo 32.º, n.º 1, da CRP.”
 
  
 
                         Por seu turno, o representante do Ministério Público no 
 Tribunal Constitucional apresentou contra‑alegação, concluindo:
 
  
 
 “1 – Não viola o princípio constitucional das garantias de defesa e do direito 
 ao recurso em processo penal a interpretação normativa dos preceitos dos artigos 
 
 113.º, n.º 9, e 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, segundo a qual o 
 prazo para interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça se conta a 
 partir da notificação do acórdão da Relação ao advogado constituído do arguido, 
 ao qual incumbe o dever profissional e deontológico de a comunicar ao arguido, 
 dever esse que não há evidência de ter sido incumprido.
 
 2 – Termos em que deverá improceder o presente recurso.”
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Fundamentação
 
                         2..1. O recorrente liga o critério normativo impugnado 
 aos preceitos dos artigos 113.º, n.º 9, e 425.º. n.º 4, do CPP, mas este último 
 
 (“É correspondente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos 
 artigos 379.º e 380.º, sendo o acórdão ainda nulo quando for lavrado contra o 
 vencido, ou sem o necessário vencimento”) é claramente imprestável para o 
 efeito, surgindo mais apropriada a invocação do n.º 6 do dito artigo 425.º, que 
 dispõe que “o acórdão é notificado aos recorrentes, aos recorridos e ao 
 Ministério Público”, conjugado com o n.º 1 do artigo 411.º, que manda contar o 
 prazo de 15 dias para interposição de recursos “a partir da notificação da 
 decisão”. Mas reconhece‑se que o questionado critério normativo radica 
 fundamentalmente no n.º 9 do artigo 113.º do CPP, que dispõe:
 
  
 
             “As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem 
 ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam‑se as notificações 
 respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para 
 julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção 
 e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, 
 porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste 
 caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta‑se a partir da 
 data da notificação efectuada em último lugar.”
 
  
 
                         Antes de entrarmos na apreciação da questão de 
 constitucionalidade, importa referir que, como é sabido, não compete ao Tribunal 
 Constitucional pronunciar‑se sobre a bondade, ao nível da interpretação do 
 direito ordinário, do critério adoptado no acórdão recorrido, no sentido de que 
 a regra do n.º 9 do artigo 113.º do CPP, na parte em que manda notificar as 
 
 “sentenças”, não apenas ao defensor ou advogado, mas igualmente ao próprio 
 arguido, apenas visa as sentenças dos tribunais de 1.ª instância e não também os 
 acórdãos dos tribunais superiores. [Anote‑se que no Projecto de Lei n.º 519/IX, 
 do Partido Socialista, de revisão do Código de Processo Penal (Diário da 
 Assembleia da República, IX Legislatura, 3.ª Sessão Legislativa, II Série‑A, n.º 
 
 20, de 3 de Dezembro de 2004), se propõe a inserção, no segundo período do n.º 9 
 do artigo 113.º, a seguir a “à sentença”, da expressão “ao acórdão de recurso”]
 
                         Do que ora cumpre é apurar se esse critério normativo, 
 que se assume como um dado da questão, é, ou não, constitucionalmente conforme.
 
  
 
                         2.2. No Acórdão n.º 422/2005, desta 2.ª Secção, deu‑se 
 conta das decisões relevantes do Tribunal Constitucional sobre esta 
 problemática, começando por referir justamente o Acórdão n.º 59/99, no qual, 
 embora se tenha decidido “julgar inconstitucional, por violação do n.º 1 do 
 artigo 32.º da Lei Fundamental, a norma constante do n.º 5 [correspondente ao 
 actual n.º 9] do artigo 113.º do Código de Processo Penal, quando interpretada 
 no sentido de que a decisão condenatória proferida por um tribunal de recurso 
 pode ser notificada apenas ao defensor que ali foi nomeado para substituir o 
 primitivo defensor que, embora convocado, faltou à audiência, na qual também 
 não esteve presente o arguido em virtude de não ter sido, nem dever ser, para 
 ela convocado”, se desenvolveu fundamentação da qual claramente resultava que 
 diferente seria o sentido da decisão se se tratasse do primitivo defensor. Na 
 verdade, lê‑se nesse acórdão:
 
  
 
             “(...) são configuráveis várias hipóteses que apontam para que as 
 garantias de defesa de um arguido só serão plenamente adquiridas se ao mesmo 
 for dado um cabal conhecimento da decisão condenatória que a seu respeito foi 
 tomada.
 
             Mas, entende este Tribunal, esse cabal conhecimento atinge‑se, sem 
 violação das garantias de defesa que o processo criminal deve comportar, desde 
 que o seu defensor – constituído ou nomeado oficiosamente –, contanto que se 
 trate do primitivo defensor, seja notificado da decisão condenatória tomada pelo 
 tribunal de recurso.
 
             Na verdade, os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre 
 esse defensor, na vertente do relacionamento entre ele e o arguido, apontam no 
 sentido de que o mesmo, que a seu cargo tomou a defesa daquele, lhe há‑de, com 
 propriedade, transmitir o resultado do julgamento levado a efeito no tribunal 
 superior.
 
             De harmonia com tais deveres, há‑de concluir-se que o arguido, por 
 intermédio do conhecimento que lhe é dado pelo seu defensor (aquele primitivo 
 defensor) ficará ciente dos motivos fácticos e jurídicos que o levaram a ser 
 considerado como agente de um ilícito criminal e da reacção, a nível de 
 imposição de pena, que lhe foi aplicada pelo Estado, ao exercitar o seu jus 
 puniendi.
 
             Outrotanto, porém, se não passa se se tratar de um defensor 
 meramente nomeado para a audiência em substituição do defensor que, para ela 
 notificado, não compareceu.
 
             Aqui, esse defensor não estará vinculado a deveres funcionais e 
 deontológicos que lhe imponham a dação de conhecimento ao arguido do resultado 
 do julgamento realizado no tribunal superior, já que a sua intervenção 
 processual se «esgotou» na audiência e somente para tal intervenção foi 
 nomeado.
 
             Numa tal situação, e só nessa, é que este Tribunal perfilha a óptica 
 segundo a qual norma constante do n.º 5 do artigo 113.º do Código de Processo 
 Penal, desse jeito interpretada, se revela contrária ao n.º 1 do artigo 32.º da 
 Constituição, por isso assim se não almejam as garantias que o processo 
 criminal deve assegurar ao arguido.”
 
  
 
                         Ao referido Acórdão foi aposto voto de vencido do 
 respectivo Relator, Cons. Bravo Serra, por entender ser constitucionalmente 
 imposta a notificação pessoal ao arguido das decisões condenatórias, sejam 
 tomadas em primeira instância ou em recurso, não havendo razão lógica para 
 distinguir entre umas e outras para efeitos da sua comunicação pessoal ao 
 arguido, a fim de lhe possibilitar saber dos motivos da condenação e 
 eventualmente reagir contra ela; e, por outro lado, embora reconhecendo a 
 existência do dever deontológico de o primitivo defensor (constituído ou 
 nomeado) comunicar ao arguido o resultado do decidido no tribunal de recurso, o 
 certo é que, “se a comunicação não tiver lugar, objectivamente ficam postergados 
 os direitos de defesa do mesmo arguido, o qual, numa tal situação, ficou no 
 total desconhecimento dos motivos fácticos ou jurídicos que o levaram a ser 
 considerado como agente de um ilícito criminal e da reacção, a nível de 
 imposição de pena, que lhe foi imposta pelo Estado, ao exercitar o seu jus 
 puniendi”, pelo que, “perante essa e para essa eventualidade, (...) em nome das 
 garantias de defesa constitucionalmente consagradas, a lei ordinária deve 
 prescrever (ou nesse sentido deve ser interpretada a norma, já existente, ora em 
 apreciação) a notificação pessoal do arguido da decisão condenatória tomada no 
 tribunal de recurso”.
 
                         No Acórdão n.º 109/99, o Tribunal Constitucional não 
 julgou inconstitucional a norma, extraída da leitura conjugada dos artigos 
 
 411.º, n.º 1, e 113.º, n.º 5 (correspondente ao actual n.º 9), do CPP, segundo a 
 qual com o depósito da sentença na secretaria do tribunal o arguido que, 
 justificadamente, não esteve presente na audiência em que se procedeu à leitura 
 pública da mesma, deve considerar‑se notificado do seu teor para o efeito de, a 
 partir desse momento, se contar o prazo para recorrer da sentença, se, nessa 
 audiência, esteve presente o seu mandatário. Segundo o entendimento do 
 Tribunal, tal norma não importava “um encurtamento inadmissível das 
 possibilidades de defesa do arguido”, porquanto:
 
  
 
             “De facto, estando o defensor do arguido presente na audiência, em 
 que se procede à leitura pública da sentença e ao seu depósito na secretaria do 
 tribunal, pode aí ficar ciente do seu conteúdo. E, de posse de uma cópia dessa 
 sentença – que a secretaria lhe deve entregar de imediato – pode, nos dias que 
 se seguirem, relê‑la, repensá‑la, reflectir, ponderar e decidir, juntamente com 
 o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma.
 
             Assim sendo e tendo em conta que a decisão sobre a eventual 
 utilidade ou conveniência de interpor recurso, em regra, depende mais do 
 conselho do defensor do que, propriamente, de uma ponderação pessoal do arguido, 
 há que concluir que este pode decidir se deve ou não defender‑se, interpondo, se 
 quiser, em prazo contado da leitura da sentença que o condene, o respectivo 
 recurso. E pode tomar essa decisão com inteira liberdade, sem precipitações e 
 sem estar pressionado por qualquer urgência.
 
             O processo continua, pois, a ser a due process of law, a fair 
 process.”
 
  
 
                         Por seu turno, no Acórdão n.º 378/2003, o Tribunal 
 Constitucional não julgou inconstitucional a norma do artigo 373.º, n.º 3, 
 conjugado como o artigo 113.º, n.º 7 (correspondente ao actual n.º 9), do CPP, 
 ambos na redacção dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, interpretados no 
 sentido de que o arguido, que estivera presente na audiência de julgamento e 
 fora notificado da data da leitura da sentença, mas faltara a esta sessão de 
 leitura, se considera notificado com a leitura da sentença feita perante o 
 primitivo defensor nomeado ou perante advogado constituído. Nesse aresto, depois 
 de se reproduzirem as partes essenciais da fundamentação dos Acórdãos n.ºs 59/99 
 e 109/99 e de se rebater alegação de violação do princípio da igualdade, 
 consignou‑se:
 
  
 
             “8. Por fim, o argumento de que «o arguido não toma conhecimento 
 pessoal em momento algum da censura penal resultante da condenação e, 
 designadamente, dos termos condicionais em que lhe é concedido o perdão» só 
 poderia valer se se desconsiderassem os deveres funcionais e deontológicos que 
 impendem sobre o defensor do arguido, como, correctamente, se sublinhou nos 
 citados Acórdãos n.ºs 59/99 e 109/99. E isto, acrescente‑se agora, apenas se se 
 considerasse que o arguido, ciente que estava de ter praticado um facto punível 
 
 – de resto, no caso concreto, confessado –, e de que a sentença seria proferida 
 em data determinada, revelava em relação a esta indiferença.
 
             Porém, mesmo somadas estas duas condições, ainda daí não resultaria 
 uma violação das garantias de defesa constitucionalmente consagradas, porque 
 delas não resulta que a inércia e a indiferença perante as decisões judiciais 
 possam ser transformadas em vantagens. Como escreveu o Ministério Público neste 
 Tribunal:
 
  
 
             «é evidente que, no caso ora em apreciação, o arguido sabia 
 perfeitamente em que data exacta iria ocorrer a leitura da sentença, já que, no 
 termo da audiência de julgamento em que esteve presente, foi notificado da data 
 em que viria [a] ocorrer a leitura da sentença – ao contrário do que ocorre com 
 a leitura do acórdão no Tribunal Superior, em que (...) o arguido não tem (sem a 
 efectiva colaboração do defensor) conhecimento da data em que tal decisão é 
 publicitada.
 
             Ora, neste circunstancialismo, discorda‑se inteiramente da 
 argumentação expendida na decisão recorrida, já que o arguido dispôs de plena 
 oportunidade para ter acesso à decisão condenatória contra si proferida, 
 bastando que diligenciasse contactar, logo de seguida à data em que bem sabia 
 que tal decisão iria ser proferida, quer o seu defensor (que bem conhecia) quer 
 a própria secretaria judicial.
 
             O hipotético e eventual desconhecimento do exacto teor da sentença 
 só poderá radicar, neste circunstancialismo, numa grosseira negligência do 
 próprio arguido, que bem sabendo que, em certa data, ia ser publicitada (e lhe 
 era plenamente acessível) o teor de tal sentença, se desinteressou totalmente (e 
 injustificadamente) do sentido e conteúdo da mesma.»
 
  
 
             Ora esta eventual negligência e desinteresse não merece, certamente, 
 tutela ao abrigo das garantias de defesa reconhecidas ao arguido.”
 
  
 
                         Já no Acórdão n.º 476/2004 o Tribunal Constitucional 
 julgou inconstitucionais os artigos 113.º, n.º 9, e 411.º, n.º 1, do Código de 
 Processo Penal, interpretados no sentido de que a notificação de uma decisão 
 condenatória relevante para a contagem do prazo de interposição de recurso 
 seria a notificação ao defensor, independentemente, em qualquer caso, da 
 notificação pessoal ao arguido, sem exceptuar os casos em que este não tenha 
 obtido conhecimento pessoal da decisão condenatória. Para fundamentar esta 
 decisão, desenvolveu o referido Acórdão a seguinte fundamentação:
 
  
 
             “5.  Jurisprudência anterior sobre questão normativa muito próxima 
 da que é formulada neste processo foi definida, sobretudo, pelo Tribunal 
 Constitucional no Acórdão n.º 59/99 e, posteriormente, nos Acórdãos n.ºs 109/99 
 
 (Diário da República, II Série, de 15 de Junho de 1999) e 378/2003 (disponível 
 em www.tribunalconstitucional.pt). Nesses arestos estava em causa a contagem do 
 prazo para a interposição do recurso a partir da notificação ao defensor do 
 arguido ou do depósito da sentença na secretaria do Tribunal, em situações em 
 que o arguido não assistira justificadamente à leitura pública da sentença.
 
             Os critérios decisórios desses arestos conjugaram duas perspectivas: 
 a de que uma garantia efectiva do direito ao recurso pressupõe que ao arguido 
 seja dado conhecimento da decisão que foi tomada (na medida em que o arguido 
 deve ter oportunidade de organizar a sua defesa); e a de que tal garantia não é 
 posta em causa pelo facto de a notificação da decisão ser feita na pessoa do 
 defensor (ou de este, estando presente na leitura da sentença, ter adquirido 
 conhecimento do conteúdo decisório), na medida em que, desse modo, são criadas 
 as condições para o defensor «ponderar e decidir, juntamente com o arguido, 
 sobre a conveniência de interpor recurso» (Acórdão n.º 109/99). 
 
             Assim, na linha de uma abundante jurisprudência anterior, o Tribunal 
 Constitucional tem reconhecido um princípio de «oportunidade» de acesso pessoal 
 do arguido ao conteúdo do que foi decidido, em ordem a poder organizar 
 posteriormente a sua defesa (sobre esta linha decisória, cf. o Acórdão n.º 
 
 199/86 – Diário da República, II Série, de 25 de Agosto de 1986, em que se 
 afirmou peremptoriamente «Dispensar a notificação de decisões condenatórias 
 ficticiamente publicadas sem que os réus delas tomem conhecimento, fazendo 
 correr o prazo de recurso sem que estes os suspeitassem sequer, eis o que a 
 todas as luzes se afigura incompatível com o princípio geral contido no n.º 1 
 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, pois os interessados 
 vêem‑se assim privados de lançarem mão de uma instância de recurso»; e ainda o 
 Acórdão n.º 41/96, de 23 de Janeiro, inédito, em que se realça que o direito ao 
 recurso exige uma oportunidade efectiva de este ser exercido).
 
             Em todos os casos precedentes, embora as decisões tenham sido ora de 
 inconstitucionalidade ora de não inconstitucionalidade, o Tribunal 
 Constitucional atendeu sempre à efectiva possibilidade de exercício do direito 
 ao recurso e ponderou o valor do conhecimento pessoal pelo arguido do conteúdo 
 decisório que o afecta na concretização dessa oportunidade.
 
             Se é verdade que, na jurisprudência deste Tribunal, se admitiu, por 
 vezes, que o conhecimento do defensor poderia ser bastante, também é certo que 
 nesses casos se entendeu sempre que a comunicação entre o defensor e o arguido 
 seria meio adequado e normal de o arguido tomar conhecimento do conteúdo 
 decisório que lhe respeitava e que, de todo o modo, não estava posta em causa, 
 em concreto, a referida oportunidade de o arguido poder, perante o conhecimento 
 desse conteúdo, decidir ponderadamente sobre o exercício do direito ao recurso.
 
             6.  A especialidade do presente processo resulta, porém, de ter sido 
 colocada perante o tribunal recorrido a questão da inconstitucionalidade do 
 critério normativo segundo o qual a garantia do direito ao recurso se basta 
 sempre e só com a contagem do prazo para a sua interposição a partir da 
 notificação ao defensor, mesmo que a comunicação entre defensor e arguido não 
 tenha tido lugar.
 
             E, na verdade, os recorrentes alegam precisamente que não tiveram 
 conhecimento pessoal do acórdão de que pretendiam recorrer, na data da 
 notificação ao seu defensor, pois na reclamação para o Presidente do Supremo 
 Tribunal de Justiça do despacho de não recebimento do recurso do acórdão do 
 Tribunal da Relação de Guimarães, referem, precisamente, que apenas tomaram 
 conhecimento do teor do acórdão da Relação através de uma notificação recebida 
 em data posterior (27 de Outubro de 2003) e não na data da notificação à 
 respectiva defensora.
 
             Ora, não compete ao Tribunal Constitucional pronunciar‑se sobre as 
 circunstâncias concretas do caso quanto à veracidade daquela alegação, nem 
 sequer sobre se o recorrente, segundo o Direito aplicável, teria o ónus de 
 provar uma tal alegação ou se, tendo‑o, o terá cumprido. Todavia, no plano das 
 suas competências próprias, o Tribunal Constitucional terá de decidir a questão 
 normativa suscitada, considerando a resposta dada à mesma pelo tribunal 
 recorrido.
 
             Assim, o Tribunal Constitucional entende que foi suscitada pelo 
 arguido a inconstitucionalidade de um critério de contagem do prazo do recurso 
 a partir da notificação do conteúdo decisório de um acórdão ao defensor sem o 
 conhecimento, no mesmo momento, pelo arguido do respectivo conteúdo e que, 
 perante tal questão, a resposta dada pelo despacho recorrido foi a de que tal 
 conhecimento efectivo pelo arguido seria irrelevante.
 
             O tribunal recorrido não definiu o Direito aplicado de acordo com 
 critérios relacionados com a pertinência da alegação do recorrente, mas 
 entendeu como bastante o critério normativo segundo o qual a comunicação ao 
 defensor do conteúdo decisório definiria o momento a partir do qual se contaria 
 o prazo para a interposição do recurso, sem quaisquer outras condições ou 
 requisitos.
 
             Firmada esta interpretação do objecto do recurso, quer na óptica do 
 recurso interposto quer na perspectiva da decisão recorrida, o Tribunal 
 Constitucional considera que aquele critério, ao considerar irrelevante o 
 efectivo conhecimento pelo arguido do conteúdo decisório de uma decisão 
 judicial, não cumpre plenamente a garantia efectiva do direito ao recurso 
 consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. Assim, não pode ser 
 indiferente para a plenitude daquela garantia, constitucionalmente consagrada, 
 que o recorrente não tenha tido conhecimento pessoal do conteúdo decisório no 
 momento a partir do qual se iniciaria o prazo para ponderar o exercício do 
 direito ao recurso.
 
             Não se pronuncia o Tribunal Constitucional sobre se, no presente 
 caso, tal situação efectivamente se verificou ou se o recorrente a provou 
 cabalmente, mas apenas sobre a afectação do direito ao recurso por um critério 
 que considere irrelevante a ponderação de circunstâncias que impeçam o 
 recorrente de tomar conhecimento pessoal do conteúdo decisório da decisão de que 
 poderá recorrer e que, assim, afaste a possibilidade de discutir a verificação 
 das mesmas circunstâncias. É, consequentemente, esse o plano em que o presente 
 juízo de constitucionalidade se situa e é também esse o critério que deverá 
 presidir à reforma da decisão recorrida, a qual deverá aplicar ao caso concreto, 
 de acordo com as suas circunstâncias, o presente juízo de 
 inconstitucionalidade.”
 
             
 
                         O entendimento sustentado no Acórdão n.º 476/2004 foi 
 reiterado, por último, pelo Acórdão n.º 418/2005, num caso em que fora “posta ao 
 Tribunal Constitucional a questão da inconstitucionalidade da norma segundo a 
 qual a garantia do direito ao recurso «se basta sempre e só com a contagem do 
 prazo para a sua interposição a partir da notificação ao defensor, mesmo que a 
 comunicação entre defensor e arguido não tenha tido lugar»”.
 
                         Resulta da fundamentação dos Acórdãos n.ºs 59/99, 109/99 
 e 378/2003 que se deu por adquirido um relacionamento normal e de efectivo 
 acompanhamento entre defensor oficioso (desde que se tratasse do defensor 
 primitivo) ou mandatário constituído e arguido, que tornavam segura a efectiva 
 comunicação por aqueles a este do conteúdo das decisões que lhes foram 
 notificadas ou a cuja leitura assistiram; quando a efectivação dessa comunicação 
 foi posta em crise, como ocorreu nos casos sobre que versaram os Acórdãos n.ºs 
 
 476/2004 e 418/2005, já aquela notificação ou leitura perante o defensor ou 
 mandatário não foi tida como suficiente.
 
                         2.3. No presente caso, é patente que não se verifica 
 nenhuma daquelas situações de dúvida fundada sobre a efectiva transmissão, pelo 
 mandatário ou defensor do arguido a este, da comunicação recebida do tribunal.
 
                         Recorde‑se que o ora recorrente, insatisfeito com a 
 actividade desenvolvida pela sua anterior mandatária, revogou o mandato e 
 constituiu novo mandatário, em 21 de Abril de 2003. Foi já a este mandatário que 
 foi endereçada, em 22 de Abril de 2003, a carta registada de notificação do 
 acórdão da Relação. E do requerimento apresentado em 19 de Maio de 2003, 
 inicialmente transcrito, resulta expressamente que esse mandatário lhe deu 
 conhecimento da prolação do acórdão da Relação.
 
                         Neste contexto – independentemente, repete‑se, da 
 questão de saber se não seria melhor direito a interpretação do n.º 9 do artigo 
 
 113.º do CPP no sentido de que, tal como as sentenças de 1.ª instância, também 
 os acórdãos dos tribunais superiores deveriam ser pessoalmente notificados aos 
 arguidos –, não se pode considerar que o critério normativo seguido no acórdão 
 recorrido viole, em termos intoleráveis, as garantias de defesa do arguido e 
 designadamente o seu direito ao recurso. A notificação do acórdão condenatório 
 ao seu mandatário recém‑constituído, associado aos deveres deontológicos que 
 sobre este recaem, designadamente o de dar conhecimento ao seu constitutinte do 
 teor das notificações recebidas e de acertar com ele os meios de reacção a 
 utilizar, surgem, à partida, como suficientes para assegurar tais garantias e 
 direito. É que o mandato, derivado de uma escolha do próprio arguido, assenta, 
 em regra, numa relação de confiança pessoal que nem sempre existe no caso de 
 defensor oficialmente nomeado e, muito menos, no caso de defensores ad hoc. E, 
 por outro lado, resulta do dito requerimento, de forma positiva, a constatação 
 da existência da comunicação, pelo mandatário ao arguido, da prolação do 
 acórdão.
 
                         
 
                         3. Decisão
 
                         Em face do exposto, acordam em:
 
                         a) Não julgar inconstitucional a norma que resulta da 
 conjugação dos artigos 113.º, n.º 9, 411.º, n.º 1, e 425.º, n.º 6, do Código de 
 Processo Penal, interpretados no sentido de o prazo para interposição de recurso 
 para o Supremo Tribunal de Justiça se conta a partir da notificação do acórdão 
 da Relação ao advogado constituído do arguido, quando não é questionado o 
 cumprimento, pelo mandatário, do dever de a comunicar ao arguido; e, 
 consequentemente,
 
                         b) Negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão 
 recorrido, na parte impugnada.
 
                         Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 2 de Maio de 2006.
 Mário José de Araújo Torres 
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Silva Rodrigues
 Rui Manuel de Moura Ramos