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Processo n.º 528/07
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
 
 
 Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 I – Relatório
 A. veio requerer, junto do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, que fosse 
 declarado em estado de insolvência.
 O Exmo. Juiz, considerando que a alteração constante da alínea a) do artigo 89.º 
 da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais encetada pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, 
 de 29 de Março, carecia de autorização parlamentar, que não foi concedida, veio 
 decidir que essa alteração legislativa era organicamente inconstitucional, não 
 se aplicando ao caso em apreço a aludida provisão legal, antes se repristinando 
 a anterior.
 Transcreve-se o seu despacho:
 
 “Estipula o artigo 67°, do Código de Processo Civil, que ‘as leis de organização 
 judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria são da 
 competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada’.
 Acrescenta o artigo 102°, do referido diploma, que ‘a incompetência absoluta 
 pode ser suscitada oficiosamente pelo Tribunal em qualquer estado do processo’. 
 Por sua vez, constituem casos de incompetência absoluta, entre outros, os de 
 violação de regras de competência em razão da matéria. 
 A competência deste Tribunal encontra se delimitada pelo artigo 89°, da L.O.T.J. 
 
 
 Por força do disposto no artigo 89°, nº 1, alínea a), da Lei Orgânica dos 
 Tribunais Judiciais, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto–Lei n° 
 
 53/04, de 18.03, este Tribunal apenas é competente para tramitar processos de 
 insolvência nos casos em que o devedor seja uma sociedade comercial ou a massa 
 insolvente integre uma empresa. 
 Por sua vez, em 30.06.2006 entrou em vigor o Decreto Lei n° 76-A/2006 (cfr. 
 artigo 64°, do referido diploma) que, no seu artigo 29°, alterou a redacção do 
 artigo 89°, da Lei Orgânica dos Tribunais judiciais, conferindo-lhe, no que aqui 
 releva e na alínea a), do n° 1, competência para ‘os processos de insolvência’. 
 Ora, estipula o artigo 165°, da Constituição da República Portuguesa, que ‘é da 
 exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes 
 matérias, salvo autorização ao Governo: p) Organização e competência dos 
 tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados bem 
 como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos. 
 Por sua vez, prescreve o n° 2, do mesmo preceito, que ‘as leis de autorização 
 legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da 
 autorização’. 
 In casu, o Decreto-Lei n° 76-A/2006, foi promulgado no uso de autorização 
 legislativa concedida pelo artigo 95°, da Lei n° 60-A/2005, de 30 de Dezembro. 
 A referida Lei, prevê no seu artigo 95.º, sob a epígrafe dissolução e liquidação 
 das entidades comerciais, o seguinte: 
 
 ‘1. O Governo fica autorizado, durante o ano de 2006, a alterar o regime da 
 dissolução e liquidação de entidades comerciais, designadamente das sociedades 
 comerciais, das sociedades civis sob a forma comercial, das cooperativas e dos 
 estabelecimentos individuais de responsabilidade ilimitada, através da aprovação 
 de um regime de dissolução e liquidação por via administrativa aplicável as 
 referidas entidades. 
 
 2 – O sentido e a extensão da autorização legislativa concedida no número 
 anterior são os seguintes: 
 a) atribuição às conservatórias do registo das competências necessárias para que 
 possam proceder à dissolução e liquidação de entidades comerciais através de um 
 procedimento administrativo, em substituição do regime de dissolução e 
 liquidação judicial de entidades comerciais, sem prejuízo das excepções 
 previstas na alínea seguinte, 
 b) estabelecimento das situações em que a dissolução e a liquidação judicial de 
 entidades comerciais pode ter lugar, 
 c) aplicação imediata do regime de dissolução e liquidação judicial de entidades 
 comerciais através de um procedimento administrativo aos processos judiciais de 
 dissolução e liquidação que, à data da sua entrada em vigor, se encontrem 
 instaurados e pendentes em tribunal, 
 d) regulação das condições e requisitos da remessa às conservatórias de registo 
 dos processos judiciais referidos na alínea anterior, 
 e) determinação do tribunal competente para a impugnação dos actos praticados no 
 
 âmbito do procedimento administrativo de dissolução e liquidação de entidades 
 comerciais.’ 
 Assim sendo, não há dúvidas de que a alteração da alínea a), do artigo 89°, da 
 Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, não foi autorizada por tal Lei (nem sequer 
 se relaciona com a matéria que a mesma visa regular) pelo que, sendo tal matéria 
 da competência da Assembleia da República e não se encontrando o Governo 
 autorizado a legislar sobre a mesma, é organicamente inconstitucional a 
 alteração em apreço, não se aplicando a redacção em causa, antes se 
 repristinando a anterior. 
 Ora, o requerente nos presentes autos é uma pessoa singular e não é referido na 
 petição inicial que a massa insolvente integre uma empresa. 
 Por sua vez, a referida Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais prevê também os 
 tribunais de competência genérica, aos quais compete residualmente, para além do 
 mais, preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outro 
 tribunal (cfr. artigo 77°, n° 1, al. a)). 
 Assim sendo, a competência em razão da matéria para preparar e julgar a presente 
 acção compete, pois, ao tribunal de comarca. 
 Ora, a incompetência em razão da matéria é uma excepção dilatória de 
 conhecimento oficioso que implica o indeferimento liminar da petição inicial ou 
 a absolvição do réu da instância (art°s. 494º, al. a), 102°, n° 1, e 105°, n° 1, 
 do C.P.C.). 
 Assim sendo e face ao exposto, declaro este Tribunal incompetente em razão da 
 matéria e, em consequência, indefiro liminarmente a petição inicial, atento o 
 disposto nos artigos 89°, alínea e), da L.O.T.J. e 101° e 105°, do C.P.C.”
 O Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal de Comércio de Vila 
 Nova de Gaia veio interpor recurso obrigatório para este Tribunal, à luz da 
 alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
 Concluiu a sua alegação o Ilustre Procurador-Geral Adjunto pela seguinte forma:
 
 “1°
 
 É organicamente inconstitucional a norma constante da alínea a) do n° 1 do 
 artigo 89° da Lei n° 3/99, na redacção emergente do artigo 29° do Decreto-Lei n° 
 
 76- A/2006, de 29 de Março. 
 
 2°
 Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado 
 pela decisão recorrida.”
 Decidindo.
 II – Fundamentação
 O Exmo. Magistrado do Ministério Público veio interpor recurso obrigatório da 
 decisão proferida pelo Exmo. Juiz do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia 
 que recusou a aplicação do normativo do artigo 89.º n.º1, alínea a) da Lei n.º 
 
 3/99, na versão decorrente do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, 
 fundando essa recusa em inconstitucionalidade orgânica, por carência de 
 autorização parlamentar.
 Sobre esta questão existe jurisprudência uniforme e reiterada, vide v.g. 
 Acórdãos n.ºs 690/2006, 692/2006, 43/2007, 85/2007, 88/2007, 130/2007, 131/2007, 
 todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
 A essa declaração de inconstitucionalidade não obsta o facto de tal versão da 
 Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais ter sido derrogada pelo artigo 14.º do 
 Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, por não afectar a decisão recorrida.
 
 É, assim, de considerar a utilidade do recurso interposto.
 III – Decisão
 Nestes termos, acordam em confirmar a decisão recorrida no que se refere ao 
 juízo de inconstitucionalidade formulado com todas as consequências legais 
 inerentes.
 Não são devidas custas.
 
 
 Lisboa,  26  de  Setembro de 2007
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos