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Processo nº 1013/05
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em 
 que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e CP – Caminhos de 
 Ferro, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
 
  
 
 2. Em 17 de Janeiro de 2006, foi proferida decisão sumária, ao abrigo do 
 previsto no artigo 78º-A, nº 1, da LTC, pela qual se entendeu não conhecer do 
 objecto do recurso de constitucionalidade interposto.
 
 É a seguinte a fundamentação constante desta decisão:
 
  
 
 «Estabelece a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC que cabe recurso para o 
 Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo; tal suscitação 
 há-de ainda ter ocorrido “de modo processualmente adequado perante o tribunal 
 que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela 
 conhecer” (artigo 72º, nº 2, da LTC).
 Analisadas as peças processuais que o recorrente, face à exigência contida na 
 parte final do nº 2 do artigo 75º-A da LTC, indica como aquelas em que suscitou 
 a questão de inconstitucionalidade que pretende que o Tribunal aprecie, e que 
 acima se reproduziram, verifica-se que não foi ali suscitada qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa.
 Da leitura de tais peças resulta antes que o recorrente acusa a decisão 
 recorrida de se encontrar ferida de inconstitucionalidade, sendo manifesta a não 
 formulação de uma qualquer questão de inconstitucionalidade normativa: o 
 recorrente não indica qualquer norma acerca da qual exprima um juízo de 
 desconformidade constitucional.
 Finalmente, no que concerne ao nº 7 do artigo 145º do Código de Processo Civil, 
 não se vislumbra qualquer razão pela qual o recorrente não tivesse podido sobre 
 a mesma explicitamente pronunciar-se antes da prolação da decisão recorrida, 
 bastando para tal considerar que a norma foi por si referida expressamente nas 
 peças transcritas, as quais são todas anteriores ao acórdão recorrido.
 Impõe-se, pois, concluir pela não suscitação de uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, durante o processo, circunstância que obsta ao 
 conhecimento do objecto do recurso e justifica a presente decisão sumária 
 
 (artigos 70º, nº 1, alínea b), e 78º-A, nº 1, da LTC)».
 
  
 
 3. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo 
 do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:
 
  
 
 «1º
 Fundamentando a decisão sumária de não tomar conhecimento do objecto do presente 
 recurso entendeu a Exmª Juiz Relatora que, nas peças processuais indicadas pelo 
 agora reclamante como aquelas em que foi suscitada a questão de 
 inconstitucionalidade que pretende que o Tribunal aprecie, não teria sido a1i 
 suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
 
 2º
 Acrescentando: “Finalmente, no que concerne ao n° 7 do artº 145º do C.P. Civil, 
 não se vislumbra qualquer razão pela qua1 o recorrente não tivesse podido sobre 
 a mesma explicitamente pronunciar-se antes da prolação da decisão recorrida, 
 bastando para tal considerar que a mesma foi por si referida expressamente nas 
 peças transcritas, as quais são todas anteriores ao acórdão recorrido”.
 
 3º
 Ora, salvo o respeito devido peja douta decisão objecto da presente reclamação 
 para a conferência – que é muito –, entende o recorrente/reclamante que tal 
 decisão deve ser revogada, no sentido de dever conhecer-se do objecto do 
 recurso, devendo ser proferido acórdão em conformidade, seguindo-se os 
 ulteriores termos do recurso, nomeadamente, os termos e para os efeitos 
 previstos no nº 5 do artº 78°-A, da LTC.
 
 4°
 Com efeito, entende o reclamante e ao invés do que foi decidido que, no que 
 respeita ao nº 7 do art° 145º do C.P. Civil, o recorrente não podia 
 explicitamente pronunciar-se sobre a sua inconstitucionalidade antes da prolação 
 da decisão recorrida.
 
 5º
 Na verdade, só e apenas o acórdão da Relação recorrido é que se interpretou o n° 
 
 7 do artº 145º do CPC em termos tais que o tornam inconstitucional.
 
 6°
 Isto é, só após o acórdão da Relação em apreço é que o recorrente podia, 
 explicitamente, arguir a inconstitucionalidade do referido nº 7 do artº 145º do 
 C.P.C.
 
 7º
 Ora, em tais casos excepcionais – como é o dos autos – o Tribunal 
 Constitucional, em jurisprudência constante tem admitido o recurso, dispensando 
 o recorrente do ónus da suscitação prévia.
 
 8°
 Só na decisão recorrida foi interposto o n° 7 do artº 145 do C PC – e aplicado – 
 que o inquina de inconstitucional, atenta e precisa interpretação que só aí foi 
 feita.
 
 9º
 Com efeito, aí se diz que, mesmo requerendo-se nos autos, como se requereu a 
 aplicação desse dispositivo legal, atenta a carência económica do recorrente, 
 solicitando-se a dispensa de pagamento da mu1ta aí prevista ou, pelo menos, a 
 sua redução, o certo é que só no acórdão da Relação o n° 7 do artº 145° do CPC 
 foi interpretado e aplicado no sentido de nesse se exigir o pagamento prévio da 
 multa, ainda que condicional, para poder beneficiar do aí estatuído, mormente, 
 no que toca à va1idade da prática do acto em questão.
 
 10°
 Nunca ta1 interpretação desse nº 7 do art° 145° em causa havia sido suscitada 
 nos autos, pelo que a sua referência expressa nas peças processuais transcritas 
 nunca podia ter o alcance e o conteúdo que, só após a prolação da decisão 
 recorrida fio do conhecimento do recorrente.
 
 11º
 O recorrente não podia antever que a norma em causa arguida de inconstitucional 
 pudesse ser interpretada e aplicada no caso dos autos do modo em que foi o 
 acórdão recorrido, não podendo razoavelmente, e em boa verdade, ser-lhe imposta 
 a obrigação de suscitar a questão antes da decisão.
 
 12°
 Entende o reclamante que tal interpretação da norma em apreço cuja 
 inconstitucionalidade é arguida viola frontalmente a constituição vigente, 
 nomeadamente os seus artºs 2º, 13º e 20° e os princípios constitucionais da 
 
 1ega1idade, incondicionalidade, acesso ao direito e aos Tribunais da confiança e 
 da proporcionalidade.
 
 13°
 Assim, as referências a essa norma das peças processuais indicadas pelo 
 recorrente foram-no apenas no sentido de que o n° 7 do art° 145° do CPC não 
 tinha sequer sido aplicada anteriormente à decisão recorrida, entendendo por 
 isso o reclamante que não podia sobre a arguida inconstitucionalidade de tal 
 norma ter podido pronunciar-se expklicita,mente [explicitamente] 
 anteriroremembter [anteriormente].
 
 14°
 Por tudo isto entendo o reclamante que, mormente o que toca ao n° 7 do art° 145° 
 do CPC deve entender-se e decidir-se atento quanto se disse e quanto à 
 inconstitucionalidade arguida, deverem os autos prosseguir, deferindo-se a 
 reclamação e por cautela, o mesmo também se solicitando no que toca aos 
 normativos so artº 145°, nºs 5 e 6 do CPC e da Lei do Apoio Judiciário 
 constantes do seu requerimento».
 
  
 
  
 
 4. Notificado desta reclamação, o Ministério Público junto deste Tribunal 
 respondeu nos seguintes termos:
 
  
 
 «1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 
 2 – Na verdade, o reclamante não suscitou, durante o processo e em termos 
 processualmente adequados – podendo obviamente tê-lo feito, já que o decidido 
 pela Relação não pode manifestamente qualificar-se como “decisão-surpresa” que, 
 pelo seu carácter insólito e imprevisível, dispensasse o recorrente do ónus de 
 suscitação tempestiva da inconstitucionalidade – qualquer questão de 
 inconstitucionalidade, idónea para servir de base ao recurso interposto para 
 este Tribunal Constitucional».
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 Nos presentes autos de recurso foi proferida decisão sumária, ao abrigo do 
 disposto no nº 1 do artigo 78º-A da LTC, por se ter entendido, por um lado, que 
 o recorrente não havia suscitado qualquer questão de inconstitucionalidade 
 normativa durante o processo e, por outro, especificamente quanto ao nº 7 do 
 artigo 145º do Código de Processo Civil, que não havia razões para dispensar o 
 recorrente do ónus da suscitação prévia da questão de constitucionalidade. 
 Vem agora o recorrente reclamar para a conferência. 
 Porém, nada alega no sentido de se poder concluir que, afinal, havia sido 
 suscitada, durante o processo, uma qualquer questão de inconstitucionalidade 
 normativa relativamente aos nºs 5 e 6 do artigo 145º do Código de Processo Civil 
 e aos artigos 7º, nº 1, 15º, nº 1, alínea b), 15º, 17º e 19º da Lei nº 
 
 30-E/2000, de 20 de Dezembro (Lei do Apoio Judiciário).
 Relativamente ao nº 7 do artigo 145º do Código de Processo Civil sustenta o 
 reclamante que “o recorrente não podia antever que a norma em causa arguida de 
 inconstitucional pudesse ser interpretada e aplicada no caso dos autos do modo 
 em que foi o acórdão recorrido, não podendo razoavelmente, e em boa verdade, 
 ser-lhe imposta a obrigação de suscitar a questão antes da decisão”, pelo que, 
 no caso em apreço, deveriam dar-se como verificados os requisitos do recurso de 
 constitucionalidade interposto – o previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º 
 da LTC.
 Sobre o requisito da suscitação da questão de constitucionalidade durante o 
 processo, escreveu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 61/92 (Diário da 
 República, II Série, de 18 de Agosto de 1992) o seguinte:
 
  
 
 «Vem este Tribunal entendendo, em jurisprudência uniforme e reiterada, que o 
 pressuposto de admissibilidade daquele tipo de recurso (...) no atinente ao 
 exacto significado da locução 'durante o processo' utilizado em ambos os 
 normativos, deve ser tomado não num sentido puramente formal (tal que a 
 insconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância), mas 
 num sentido funcional, tal que essa invocação haverá de ter sido feita em 
 momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão. Ou seja: a 
 inconstitucionalidade haverá de suscitar-se antes de esgotado o poder 
 jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de 
 inconstitucionalidade) respeita. Um tal entendimento decorre do facto de se 
 estar justamente perante um recurso para o Tribunal Constitucional, o que 
 pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal a quo sobre a questão 
 
 (de constitucionalidade) que é objecto do mesmo recurso.
 Deste modo, porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação 
 da sentença e porque a eventual aplicação de uma norma inconstitucional 'não 
 constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, nem torna 
 esta obscura ou ambígua', há-de ainda entender-se que o pedido de aclaração de 
 uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, 
 meios idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade (cfr. 
 sobre este tema, por todos, os Acórdãos nºs 62/85 e 94/88, Diário da República, 
 II série, respectivamente, de 31 de Maio de 1985 e de 22 de Agosto de 1988).
 Todavia, a orientação geral assim definida, não será de aplicar em determinadas 
 situações de todo excepcionais, em que os interessados não disponham de 
 oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes do 
 proferimento da decisão, caso em que lhes deverá ser salvaguardado o direito ao 
 recurso de constitucionalidade.
 Na verdade, este Tribunal tem vindo a entender, num plano conformador da sua 
 jurisprudência genérica sobre este tema, que naqueles casos anómalos em que o 
 recorrente não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão de 
 constitucionalidade durante o processo, isto é, antes de esgotado o poder 
 jurisdicional do tribunal a quo sobre a matéria a decidir, ainda assim existirá 
 o direito ao recurso de constitucionalidade (cfr. os Acórdãos nºs 136/85 e 
 
 479/89, o primeiro, no Diário da República, II série, de 28 de Janeiro de 1986, 
 e o segundo, no Boletim do Ministério da Justiça, nº 389, pp. 222 e ss.)».
 
  
 No caso em apreço, não estamos, manifestamente, perante uma situação excepcional 
 que justifique a dispensa do ónus da suscitação prévia da questão de 
 constitucionalidade, havendo razões para concluir que o recorrente teve 
 oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade formulada 
 no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Com 
 efeito, ao recorrente era exigível que antevisse a interpretação que o Tribunal 
 da Relação de Lisboa fez do nº 7 do artigo 145º do Código de Processo Civil, 
 bastando para tal concluir considerar a jurisprudência que, em abono desta 
 interpretação, é citada pela decisão recorrida.
 
  
 Resta, assim, concluir pelo indeferimento da presente reclamação.
 
  
 
  
 III. Decisão
 
  
 Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, 
 confirmar a decisão reclamada.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa,  14 de Março de 2006
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos
 Artur Maurício