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Processo n.º 702/07
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I – Relatório
 
  
 
  
 
 1. A empresa A., SA impugnou perante o Supremo Tribunal de Justiça a deliberação 
 da Comissão Nacional de Eleições (CNE) que lhe aplicara uma coima única no valor 
 de onze mil euro pela prática de três contra-ordenações previstas e puníveis 
 pelos artigos 49º e 212º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto (Lei 
 Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais - LEOAL), por tratamento jornalístico 
 discriminatório às diversas candidaturas no âmbito de uma eleição para os órgãos 
 das autarquias locais.
 
  
 Nas conclusões da sua alegação, a recorrente invocou, na parte que interessa 
 agora considerar, o seguinte:
 
  
 
 (…)
 II – As decisões da CNE são ilegais na medida em que o artigo 212° da LEOAL, em 
 que se baseiam, apenas prevê infracções praticadas em empresas proprietárias de 
 publicação informativa: 
 a. E de acordo, tanto com a legislação da comunicação social, como com a 
 legislação eleitoral (incluindo a Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais 
 
 -LEOAL), como com o próprio artigo 212° é evidente que por esta expressão se 
 refere imprensa escrita de carácter informativo; 
 b. Pelo que não pode a referida disposição ser aplicada a empresas titulares de 
 outros meios de comunicação social (como a rádio e a televisão), sob pena de se 
 cair numa interpretação dos artigos 1° e 2° do RGCO de acordo com a qual é 
 lícito incluir no âmbito de aplicação de uma norma sancionadora em matéria 
 contra-ordenacional casos que estão para além do quadro significativo demarcado 
 pelo seu teor literal, e apenas correspondentes a um rebuscado sentido 
 etimológico, a fim de prover a uma lacuna punitiva, interpretação que viola o 
 art. 29° da Constituição. 
 
 (…)
 IV. As decisões da CNE ora impugnadas são ilegais, na medida em que as decisões 
 em matéria de selecção dos municípios objecto de debate e das candidaturas a 
 convidar para os mesmos não traduzem um tratamento não igualitário: 
 a. A igualdade não impõe só o tratamento igual do que é igual mas ainda o 
 tratamento desigual, e em moldes de proporcionalidade, de situações desiguais – 
 o que se aplica também à igualdade de tratamento das diversas candidaturas; 
 b. É lícita, em função da necessidade de compatibilizar o princípio da igualdade 
 de tratamento com outros valores constitucionais (como os princípios 
 constitucionais da liberdade de imprensa e do direito à informação), a 
 utilização de um critério jornalístico, não só no que respeita à selecção dos 
 municípios objecto de debate, como ainda das candidaturas a convidar para os 
 mesmos; 
 c. E é-o especialmente em relação a programas televisivos e radiofónicos cuja 
 natureza não seja estritamente informativa — estão neste caso os debates e 
 entrevistas — que, para a própria CNE «gozam de uma maior liberdade e 
 criatividade na determinação do seu conteúdo». 
 d. Nos casos dos autos, não foram tomadas decisões individuais arbitrárias, mas 
 antes assumido um critério jornalístico: o da representatividade das 
 candidaturas nas autarquias a que os debates diziam respeito, medida pelos 
 resultados nas eleições autárquicas anteriores (directamente, pela representação 
 nas assembleias municipais, indirectamente, pela percentagem de votação obtida). 
 
 
 e. Esse critério não é discriminatório, mas antes imposto pela necessidade de 
 evitar: 
 i. Que, pelo elevado número de intervenientes, se impossibilite um diálogo e 
 exposição de posições de cada um deles, de forma minimamente ordenada e 
 elucidativa inutilizando as virtualidades esclarecedoras dos debates e pondo em 
 causa, não só a liberdade de imprensa, como o direito à informação (a informar e 
 
 – também – a ser informado). 
 ii. Uma conflitualidade previsível, o que determina que ele se meça por 
 critérios objectivos indiscutíveis, de maneira a ser transparente e controlável, 
 e se possa manter completamente inalterável em relação a todas as autarquias 
 municipais seleccionadas para a realização de debates. 
 f. Que assim é decorre, para além de toda a possível dúvida, do facto de a 
 própria lei, quando colocada perante um problema análogo – o da subvenção a 
 atribuir nos termos da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das 
 Campanhas Eleitorais (Lei n° 19/2003 de 20 de Junho) — o resolver de forma em 
 tudo semelhante (cfr,. arts. 17°, n°s 3 e 4), em solução perfeitamente 
 compatível com o princípio da igualdade de tratamento das candidaturas. 
 g. O entendimento oposto da CNE significa uma violação: 
 i. Da liberdade de imprensa e do direito à informação (arts. 37° e 38° da 
 Constituição), e tanto na perspectiva do direito a informar como na do direito a 
 ser informado; 
 ii. Do princípio legal (arts. 40° e 49° LEOAL) e constitucional da igualdade 
 
 (arts. 13° e 113°, n°3, al. b), da Constituição) de tratamento das candidaturas, 
 na medida em que este impõe um «tratamento em moldes de proporcionalidade das 
 situações desiguais» e, designadamente, não só permite como impõe que apenas se 
 dê um tratamento jornalístico semelhante às situações dotadas de «um relevo 
 jornalístico semelhante, atendendo aos diversos factores que para o efeito se 
 tem de considerar)). 
 
  
 Por acórdão de 6 de Julho de 2006, O Supremo Tribunal de Justiça concedeu 
 parcial provimento ao recurso, diminuindo o montante da coima aplicável para 
 seis mil euro, mas apenas com base em considerações relacionadas com a medida da 
 pena, julgando improcedentes todos os demais fundamentos do recurso.
 
  
 Na parte respeitante à suscitada questão do âmbito normativo do artigo 212º da 
 LEOAL, o citado aresto manifestou concordância com o entendimento expresso pela 
 CNE, aduzindo, entre outros considerandos, o seguinte:
 
  
 Como se viu, criou-se um dever de imparcialidade aplicável a todas as entidades 
 públicas e privadas, salvas as excepções da própria lei. E afinando-se esse 
 dever, em função da especial natureza dessa entidades, criou-se para todos os 
 
 órgãos de comunicação social, um especial dever de tratamento jornalístico 
 igualitário para todas as candidaturas, com a já falada excepção das faladas 
 
 «publicações doutrinárias». 
 
 É assim claro no contexto do art. 49.º que o mesmo considera os órgãos de 
 comunicação social como compostos por «publicações informativas», às quais se 
 aplica o dever que prescreve (n.º 1) e «publicações doutrinárias», as quais 
 estão isentas desse dever (n.º 2). 
 Deste modo quando sanciona no art. 212.º a violação daquele dever (também 
 previsto mais genericamente no art. 40.º), socorre-se da expressão «publicações 
 informativas» para as penalizar, não porque, como pretende a recorrente, queira 
 criar uma categoria mais restritiva dentro dos órgãos de comunicação social e 
 que se limite à imprensa escrita, mas para as distinguir das «publicações 
 doutrinárias» que mencionara expressamente no art. 49.º, n.º 2, como isentas 
 daquele dever de imparcialidade e, logo não as sancionar. 
 Ou seja, utiliza a expressão «publicações informativas» para restringir a 
 punição a essa categoria, afastando as «publicações doutrinárias», categoria 
 também incluída nos órgãos de comunicação social a que se reporta o art. 49.º. 
 
  
 No que se refere à invocada inexistência de um tratamento não igualitário, o 
 acórdão ponderou mais adiante:
 
  
 Desde logo importa notar que a liberdade de imprensa se é elemento essencial da 
 liberdade de expressão (o jornalista enquanto tal não pode ser coarctado da sua 
 liberdade intelectual nem ser impedido ou limitado por qualquer censura), é-o 
 enquanto importante elemento do direito à informação do cidadão em geral, e, em 
 caso de propaganda eleitoral, do eleitor a bem do seu esclarecimento, que se 
 impõe ao próprio jornalista. 
 E que a LEOAL estabelece regras de adequação de outros direitos, liberdades e 
 garantias ao especial tempo de propaganda eleitoral, em nome exactamente de um 
 outro direito fundamental em democracia e igualmente com assento constitucional: 
 a liberdade de escolha esclarecida do eleitor alicerce da soberania popular que 
 funda o Estado de direito democrático, que somos (art. 2.º da CRP). 
 Tem, assim, o jornalista liberdade de adoptar os critérios de exercício da sua 
 profissão e de tratamento da notícia, desde que não crie, naquele período, uma 
 situação de discriminação de uma candidatura concorrente a um órgão de poder 
 local. 
 A actividade dos órgãos de comunicação social, que façam a cobertura da campanha 
 eleitoral, deve, pois, ser norteada por critérios que cumpram os requisitos de 
 igualdade entre todas as forças concorrentes às eleições; por preocupações de 
 equilíbrio e abrangência, não podem adoptar condutas que conduzam à omissão de 
 qualquer uma das candidaturas presentes. 
 
 É a esta luz, que se deve resolver a questão de saber se podem deixar de 
 convidar para os debates eleitorais que realizem os representantes de todas as 
 candidaturas, sabido que este formato, que não é estritamente informativo, goza 
 de maior liberdade e criatividade na determinação do seu conteúdo, o que não 
 significa que possa adoptar um critério que dê prevalência a determinadas 
 candidaturas omitindo completamente outras. Uma coisa é a liberdade na forma de 
 organização do debate e outra, bem diversa é impedir que o eleitor conheça as 
 ideias de alguma candidatura, em confronto com outras, como se ela não 
 existisse, como se não apresentasse a sufrágio, assim subvertendo a realidade do 
 acto eleitoral. 
 Ao tratar o tema escreve Gomes Canotilho: «Uma “igualdade esquemática” excluirá, 
 desde logo, qualquer discriminação jurídica entre “partidos grandes” e 
 
 “pequenos”, “partidos de governo” e “partidos de oposição”, partidos com 
 
 “representação parlamentar” e “partidos sem representação parlamentar”» (ob. e 
 loc. cit.). 
 Ora, como se viu, sustenta a recorrente que partindo exactamente do critério 
 
 “partidos com representação na Assembleia da República”, para participação em 
 debates, que utilizara nas eleições para este órgão, construiu o critério: 
 
 “candidaturas com assento na Assembleia Municipal”, como condição de 
 participação em debates. 
 Num claro desrespeito pelo dever que sobre si impendia de tratar igualmente as 
 candidaturas em presença, sem discriminar nenhuma, a recorrente excluiu, pois, 
 dos debates que organizou, e que estão aqui em causa, as candidaturas sem 
 representação na Assembleia Municipal respectiva. 
 
 É certo que a recorrente invoca a necessidade de usar este critério, por ser 
 impossível organizar debates de outra forma. 
 Mas essa argumentação não procede, em dois planos. 
 Em primeiro lugar, e como se viu já, os órgãos de comunicação social não são 
 obrigados a cobrir a campanha eleitoral, mas uma vez que o façam estão obrigados 
 a respeitar as condições da lei. Daí que devesse fazer o exame sobre a sua 
 capacidade para acompanhar a campanha eleitoral, na única forma consentida pela 
 lei, antes de o empreender. Ou verificando, no seu decurso, que não poderia 
 realizar debates com respeito pelos princípios de igualdade das candidaturas e 
 não discriminação das mesmas, abster-se de os levar a cabo. 
 Em segundo lugar, não demonstrou sequer a necessidade que invocou, por 
 impossibilidade de proceder de outra forma. Com efeito, fundou essa 
 impossibilidade em dois elementos: tempo de duração do debate (1 hora) e 
 impossibilidade técnica de fazer um debate com 100 pessoas. 
 No entanto, as testemunhas por si apresentadas não souberam responder sobre o 
 porquê do limite temporal, estabelecido unilateralmente pela recorrente. Como 
 não souberam dizer quantas eram as candidaturas em cada um dos debates 
 realizados, por forma a demonstrarem que eram em número que impossibilitava a 
 realização técnica do debate. 
 O que vale por dizer que não provaram a invocada necessidade do critério. 
 
  
 Do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, a A., SA interpôs recurso para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do 
 Tribunal Constitucional, identificando as seguintes questões de 
 constitucionalidade:
 
  
 a) A da conformidade constitucional, face ao princípio da legalidade penal 
 consagrado no artigo 29º, n.º 5, da Constituição, da interpretação segundo a 
 qual “o artigo 212º da LEOAL, que se refere à “violação de deveres das 
 publicações informativas por empresa proprietária de publicação informativa, 
 também é aplicável a empresas proprietárias de outros meios de comunicação 
 social, designadamente aos operadores de televisão, com a única ressalva das 
 empresas proprietárias de publicação doutrinária”;
 b) A da conformidade constitucional, também face ao princípio da legalidade 
 penal, da interpretação dos artigos 1º e 2º do Regime Geral das 
 Contra-Ordenações, de acordo com a qual “é lícito incluir no âmbito de aplicação 
 de uma norma sancionadora em matéria contra-ordenacional casos que estão para 
 além do quadro significativo demarcado pelo seu teor literal possível e 
 determinado de acordo com as definições legais vigentes na matéria a que se 
 reporta”;
 c) A da conformidade constitucional, face aos princípios da liberdade de 
 informação e de imprensa e da igualdade de tratamento das candidaturas, da 
 interpretação do artigo 212º da LEOAL segundo a qual “durante a campanha 
 eleitoral para as eleições autárquicas, constitui tratamento não igualitário 
 punível a realização de debates televisivos sem que sejam convidadas todas as 
 candidaturas concorrentes”.
 
  
 Por decisão sumária proferida ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 1, da 
 Lei do Tribunal Constitucional, o relator não tomou conhecimento do recurso, com 
 fundamento, em síntese, nas seguintes ordens de considerações:
 
  
 Relativamente à primeira das questões suscitadas, a recorrente limita-se a 
 questionar o próprio processo interpretativo seguido pelo tribunal recorrido 
 para concluir no sentido de que tal preceito não se aplica apenas à imprensa 
 escrita de carácter informativo, o que significa que visa, não propriamente a 
 apreciação da conformidade de uma certa interpretação normativa, mas obter uma 
 declaração sobre a melhor interpretação do direito ordinário.
 
  
 Relativamente à segunda questão colocada, constata-se que o tribunal recorrido 
 não aplicou a interpretação normativa cuja constitucionalidade se pretende ver 
 sindicada, visto que no texto da decisão recorrida nenhuma referência se faz aos 
 artigos 1º e 2º do Regime Geral das Contra-Ordenações.
 
  
 Por outro lado, também, não pode conhecer-se do recurso no tocante ao terceiro 
 aspecto em análise, porquanto o tribunal recorrido não teria perfilhado 
 exactamente a interpretação segundo a qual “durante a campanha eleitoral para as 
 eleições autárquicas, constitui tratamento não igualitário punível a realização 
 de debates televisivos sem que sejam convidadas todas as candidaturas 
 concorrentes”; pois, igualmente admitiu que essa punibilidade não era 
 automática, ao invocar, como fundamento da decisão, a ausência de prova de um 
 facto alegado pela recorrente: a impossibilidade de organizar debates com a 
 presença de todas as candidaturas.
 
  
 Discordando deste entendimento, a recorrente deduziu reclamação para a 
 conferência em que formula as seguintes conclusões:
 
  
 I.      A apreciação da constitucionalidade da interpretação do artº 212º da 
 LEOAL adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça não corresponde a uma 
 interpretação autêntica por parte do Tribunal Constitucional, antes decorrendo 
 da competência do mesmo – assumida pela sua jurisprudência pelo menos desde 1999 
 
 –, tendo em conta que se refere “à interpretação ou à dimensão perfilhadas 
 quanto a certa norma jurídica na decisão impugnada”;
 II.   Há uma manifesta inerência entre a interpretação da norma do artigo 212.º 
 da LEOAL – no entender da ora Recorrente, ferida de inconstitucionalidade – e a 
 das normas plasmadas nos artigos 1.º e 2.º do RGCO – interpretadas no sentido de 
 que é admissível uma tal interpretação, configurando uma clara ultrapassagem do 
 sentido possível do preceito em causa, fundada no recurso a uma forma 
 inadmissível de analogia in malam partem;
 III.                        A necessidade de demonstração da impossibilidade de 
 organizar debates com todas as candidaturas constitui obiter dictum do critério 
 decisivo de condenação que se traduziu na imposição de um dever de tratamento 
 igualitário, em termos de absoluta paridade, com abstenção de quaisquer condutas 
 que não garantissem a sua observância – dever esse que, do ponto de vista da 
 Recorrente, corresponde a um comando normativo inconstitucional, extraído pela 
 interpretação do Supremo Tribunal de Justiça;
 IV.                        Pelo que não poderá o Tribunal Constitucional deixar 
 de apreciar as questões de inconstitucionalidade invocadas.
 
  
 O Exmo representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no 
 sentido da improcedência da reclamação por considerar que «a argumentação da 
 entidade reclamante em nada abala os fundamentos da decisão reclamada, no que 
 respeita à evidente inverificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso 
 interposto».
 
  
 Vem o processo à conferência sem vistos. 
 
  
 
             
 II - Fundamentação
 
  
 
 2. Dispõe o artigo 212.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais 
 
 (LEOAL), sob a epígrafe «Violação de deveres de publicações periódicas», que 
 
 «[A] empresa proprietária de publicação informativa que não proceder às 
 comunicações relativas a campanha eleitoral previstas na presente lei ou que não 
 der tratamento igualitário às diversas candidaturas é punida com coima de 
 
 200000$00 a 2000000$00».
 
  
 Na impugnação deduzida, perante o Supremo Tribunal de Justiça, contra a decisão 
 punitiva que, com base no referido preceito, lhe foi aplicada pela Comissão 
 Nacional de Eleições, a reclamante defendeu o entendimento de que o segmento 
 
 «empresas proprietárias de publicação informativa» se refere à imprensa escrita 
 de carácter informativo e não já a outras empresas titulares de outros meios de 
 comunicação social, como a rádio e a televisão.
 
  
 O Supremo Tribunal de Justiça não sufragou esta posição, firmando antes a 
 interpretação segundo a qual os deveres impostos pela referida disposição se 
 aplicam a todos os órgãos de comunicação social, com excepção apenas daqueles 
 que sejam titulares de «publicações doutrinárias», sem excluir do alcance 
 normativo do preceito, por conseguinte, os operadores de televisão ou de 
 radiodifusão.
 
  
 A reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, discutindo a 
 conformidade constitucional da mencionada interpretação, face ao princípio da 
 legalidade penal consagrado no artigo 29º, n.º 5, da Lei Fundamental. E como 
 decorre com clareza dos próprios termos do  requerimento de recurso, a 
 reclamante considera que «a norma é inconstitucional por [na interpretação que 
 lhe foi dada pelo tribunal recorrido] ultrapassar o sentido possível do referido 
 preceito».
 
  
 Ou seja, o que a recorrente censura ao acórdão recorrido é o facto de se ter 
 subsumido ao conceito de empresa proprietária de publicação informativa as 
 empresas que sejam titulares de meios de comunicação televisivos ou 
 radiofónicos. E isso por entender que toda a interpretação que ultrapasse o 
 sentido e alcance normativo que se julgue ser o aplicável se torna 
 inconstitucional por violar os limites da tipicidade que é imposta pelo artigo 
 
 29º, nº 1, da Constituição.
 
       Mas, a ser assim, o que a recorrente verdadeiramente questiona, ratione 
 constitutionis, não é tanto um certo sentido ou dimensão normativa que o acórdão 
 recorrido tenha extraído do citado artigo 212º da LEOAL, mas, mais propriamente, 
 o processo interpretativo que permitiu ao tribunal recorrido incluir no conceito 
 de empresa proprietária de publicação informativa as empresas que não sejam 
 apenas titulares de meios informativos de imprensa escrita. Ou seja: a 
 recorrente não coloca em causa, exactamente, que o legislador pudesse tipificar 
 como contra-ordenação a violação dos deveres especificados na LEOAL quando o 
 sejam por quaisquer empresas proprietárias de publicações informativas; discute, 
 isso sim, a validade da decisão judicial que, por um processo de interpretação 
 que a Constituição proíbe, tenha chegado a esse resultado.
 Por isso, na decisão sumária ora reclamada, se entendeu não ser de conhecer do 
 objecto do recurso, porquanto o Tribunal Constitucional não tem competência, nem 
 para apreciar as decisões judiciais, em si mesmas consideradas – e integra ainda 
 a decisão o processo interpretativo seguido pelo tribunal recorrido -, nem para 
 proceder à interpretação autêntica do direito ordinário (entendendo-se 
 interpretação autêntica, naturalmente, não como sendo uma interpretação 
 legislativa, mas uma interpretação doutrinal que possa definir, no caso 
 concreto, a melhor solução jurídica).
 
  
 E esse tem sido também o entendimento que, em situações similares, tem sido 
 seguido pela jurisprudência constitucional, representada, designadamente, pelos 
 acórdãos n.ºs 674/99, 383/00 e 176/03.
 
  
 Como se ponderou no primeiro dos arestos citados, quando se conclui que o que 
 vem impugnado pelo recorrente não é a norma, em si mesma considerada, mas antes, 
 a decisão judicial que a aplicou, por via de um processo interpretativo 
 constitucionalmente proibido, essa «questão - por não respeitar a uma 
 inconstitucionalidade normativa, mas antes a uma inconstitucionalidade da 
 própria decisão judicial - excede os poderes de cognição do Tribunal 
 Constitucional, uma vez que, entre nós, não se encontra consagrado o denominado 
 recurso de amparo, designadamente na modalidade do amparo contra decisões 
 jurisdicionais directamente violadoras da Constituição». 
 
  
 De todo o modo - como logo acrescenta o mesmo aresto -,mesmo que se entendesse 
 que este Tribunal ainda era competente para conhecer das questões de 
 inconstitucionalidade resultantes do facto de se ter procedido a uma 
 constitucionalmente vedada integração analógica ou a uma «operação equivalente», 
 designadamente a uma interpretação «baseada em raciocínios analógicos» (cfr. 
 declaração de voto do Consº Sousa e Brito ao citado Acórdão n.º 634/94, bem como 
 o já mencionado Acórdão n.º 205/99), o que sempre se terá por excluído é que o 
 Tribunal Constitucional possa sindicar eventuais interpretações tidas por 
 erróneas, efectuadas pelos tribunais comuns, com fundamento em violação do 
 princípio da legalidade. 
 Aliás, se assim não fosse, o Tribunal Constitucional passaria a controlar, em 
 todos os casos, a interpretação judicial das normas penais (ou fiscais), já que 
 a todas as interpretações consideradas erróneas pelos recorrentes poderia ser 
 assacada a violação do princípio da legalidade em matéria penal (ou fiscal).
 
  
 Não há motivo, por isso, para alterar o julgado, neste ponto.
 
  
 
 3. No tocante à segunda questão de constitucionalidade que constitui objecto de 
 recurso, sustenta a reclamante que a interpretação formulada pelo tribunal 
 recorrido, quanto ao âmbito normativo do citado artigo 212º da LEOAL, tem 
 igualmente pressuposta uma interpretação dos princípios gerais vigentes no 
 direito contra-ordenacional que estão plasmados nos artigos 1º e 2º do RGCO que 
 está, ela própria, ferida de inconstitucionalidade por violação do princípio da 
 legalidade penal. Isso porque tal interpretação permite considerar que é lícito 
 incluir no âmbito de aplicação de uma norma sancionadora em matéria 
 contra-ordenacional casos que estão para além do quadro significativo demarcado 
 pelo seu teor literal possível e determinado.
 
  
 Como se referiu, no entanto, na decisão reclamada, o tribunal recorrido não faz 
 qualquer referência, para efeito de fundamentar a sua posição, às mencionadas 
 normas do RGCO e não aplicou, por isso, como ratio decidendi, qualquer 
 interpretação normativa dessas disposições que se torne passível de ser 
 sindicada quanto à sua conformidade constitucional.
 
  
 E, como é sabido, e se depreende com toda a clareza do artigo 70º, n.º 1, alínea 
 b), da Lei do Tribunal Constitucional, constitui pressuposto processual do 
 recurso de constitucionalidade, que a decisão recorrida aplique norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada no processo, o que naturalmente se não 
 compadece com a mera invocação, pelo recorrente, de uma interpretação normativa 
 que não se encontre minimamente referenciada, ainda de forma implícita, na 
 decisão recorrida.
 
  
 
 4. O recurso de constitucionalidade tinha ainda por objecto a apreciação da 
 conformidade constitucional, face aos princípios da liberdade de informação e de 
 imprensa e da igualdade de tratamento das candidaturas, da interpretação do 
 artigo 212º da LEOAL segundo a qual “durante a campanha eleitoral para as 
 eleições autárquicas, constitui tratamento não igualitário punível a realização 
 de debates televisivos sem que sejam convidadas todas as candidaturas 
 concorrentes”.
 
  
 A decisão reclamada não conheceu do recurso, nessa parte, por entender que não 
 poderia retirar-se, do texto da decisão recorrida, a interpretação que a 
 recorrente censura, pois que o tribunal recorrido não considerou punível, sem 
 mais, a realização de debates televisivos sem que sejam convidadas todas as 
 candidaturas concorrentes, atendendo a que também admitiu que a recorrente 
 pudesse comprovar a impossibilidade de organização de tais debates.
 
  
 Neste ponto, a reclamante considera que o tribunal recorrido emitiu uma 
 pronúncia expressa sobre a invocada questão do tratamento não igualitário e que, 
 nesse contexto, a referência à necessidade de demonstração da impossibilidade de 
 organizar debates com intervenção de todas as candidaturas terá constituindo um 
 mero obiter dictum, e não propriamente um segmento decisório.
 
  
 A verdade é que a decisão recorrida, como claramente se depreende da transcrição 
 feita na rubrica Relatório, proferiu um julgamento de improcedência quanto ao 
 invocado argumento da impossibilidade prática de a impugnante organizar os 
 debates com a presença de todas as candidaturas; e fê-lo na parte da 
 fundamentação em que analisa a questão do tratamento não igualitário (cfr. ponto 
 
 2.4.2), tudo indicando que o tribunal recorrido se propôs avaliar aquele  
 circunstancialismo factual, caso pudesse considerar-se como provado, como uma 
 causa justificativa do facto, que poderia conduzir, do mesmo modo, à revogação 
 da medida punitiva. O que conduz a concluir que o tribunal recorrido não adoptou 
 um entendimento restritivo que permita considerar que a realização de debates 
 televisivos sem a presença de todas as candidaturas concorrentes representa 
 sempre um tratamento não igualitário, visto que acabou por aceitar a ideia de 
 que um tal comportamento poderia, apesar disso, não ser punível se interviessem 
 circunstâncias desculpabilizantes. 
 
  
 Mesmo admitindo, porém, que o tribunal recorrido aplicou a referida 
 interpretação normativa, o certo é que a sua eventual inconstitucionalidade não 
 vem suscitada de modo processualmente adequado no processo. No ponto IV das 
 conclusões do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, a recorrente limita-se 
 a formular diversas considerações quanto à ilegalidade da decisão da CNE (no 
 ponto em que se considera ter havido um tratamento não igualitário de todas as 
 candidaturas), concluindo na g) do seguinte modo:
 
  
 O entendimento oposto da CNE significa uma violação:
 
  i. da liberdade de imprensa e do direito à informação (arts. 37° e 38° da 
 Constituição), e tanto na perspectiva do direito a informar como na do direito a 
 ser informado;
 
  ii. Do princípio legal (arts. 40° e 49° LEOAL) e constitucional da igualdade 
 
 (arts. 13° e 113°, n°3, al. b), da Constituição) de tratamento das candidaturas, 
 na medida em que este impõe um «tratamento em moldes de proporcionalidade das 
 situações desiguais» e, designadamente, não só permite como impõe que apenas se 
 dê um tratamento jornalístico semelhante às situações dotadas de «um relevo 
 jornalístico semelhante, atendendo aos diversos factores que para o efeito se 
 tem de considerar. 
 
  
 A recorrente não identifica, como bem se vê, uma certa interpretação normativa 
 do artigo 212º da LEOAL que seja passível de violar os citados princípios 
 constitucionais, e apenas sustenta que um entendimento oposto àquele que é 
 defendido nas precedentes alíneas a) a f) do ponto IV das conclusões (onde se 
 expõem diversos argumentos, incluindo alguns de carácter doutrinário, destinados 
 a demonstrar a ilegalidade da decisão da CNE) significa a violação dos apontados 
 princípios da liberdade de imprensa e do direito à informação e do princípio da 
 igualdade. Isto é, na peça processual não se encontra definida, com precisão, a 
 interpretação normativa que se considera ferida de inconstitucionalidade e 
 apenas se entende como sendo inconstitucional um modo de interpretação da lei 
 que não leve em devida consideração todos os elementos de carácter hermenêutico 
 que haviam sido antecedentemente explanados (e que deviam conduzir, na óptica da 
 recorrente, ao reconhecimento da ilegalidade da decisão punitiva).
 
  
 Assim, também por falta de suscitação desta terceira questão de 
 constitucionalidade, não poderia conhecer-se do recurso.
 
  
 
  
 III – Decisão
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, acordam em indeferir a reclamação e 
 confirmar a decisão reclamada.
 
  
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 
  
 Lisboa, 15 de Outubro de 2007
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Gil Galvão