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Processo nº 778/2007
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
  
 Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  A.  vem reclamar para o Tribunal Constitucional do despacho, de 23 de Maio 
 de 2007, que não lhe admitiu o recurso do acórdão do Tribunal da Relação de 
 Lisboa, proferido em 6 de Março de 2007, interposto ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei Tribunal 
 Constitucional). É o seguinte o teor do despacho reclamado:
 
  
 João dos Santos Ferreira, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, 
 invocando o disposto nos arts.70, n° 1, al. b), 71, n°1 e n° 2, dos arts. 72 e 
 
 75‑A, da Lei 28/82, de 15-11, recurso esse restrito “...à questão suscitada no 
 recurso e reclamações posteriores da inconstitucionalidade do DL 422/89, de 2 
 Dez., na redacção do DL 10/95, de 19 Jan. e sobretudo da interpretação e da 
 aplicação que dele foi feita do seu art. 108, nº 1 – cfr. ainda os princípios 
 nessas peças exarados”.
 O recorrente pretende interpor recurso ao abrigo da alínea b), do n°1, do art. 
 
 70, da LTC, o que torna a sua admissibilidade dependente da verificação do 
 requisito de a questão de inconstitucionalidade que se pretende ver apreciada 
 pelo Tribunal Constitucional haver sido suscitada “durante o processo”, “de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em 
 termos de estar obrigado a dela conhecer” (n°2, do art. 72, da LTC). 
 Como é sabido, no sistema português de fiscalização de constitucionalidade, 
 apenas podem constituir objecto de controlo por parte do Tribunal Constitucional 
 questões de inconstitucionalidade normativa, isto é, questões de alegada 
 violação de normas ou princípios constitucionais por parte de normas jurídicas, 
 ou de interpretações normativas, hipótese em que incumbe ao recorrente 
 identificar, com clareza e precisão, qual a interpretação normativa que reputa 
 inconstitucional. 
 No caso, relendo as motivações do recorrente (fls. 202), constata-se que ele não 
 suscitou nessa peça processual a inconstitucionalidade de qualquer norma perante 
 o tribunal recorrido, o mesmo acontecendo com os pedidos de aclaração de fls.235 
 e 298, onde se limita a alegar de forma genérica que “...o entendimento que 
 conduza a final a outro resultado que não seja a absolvição do recorrente 
 implica violação de postulados e princípios fundamentais de justiça e de 
 legalidade constituídos e garantidos no cosmos normativo constitucional...”, sem 
 indicar qualquer norma ou interpretação normativa inconstitucional. 
 Assim, não se verificando o condicionalismo previsto do n° 2, do art. 72, da 
 LTC, nos termos do n° 2 do art 76 da mesma lei, não se admite o recurso 
 interposto para o Tribunal Constitucional.
 
  
 Na reclamação ora em apreço expende o recorrente:
 
  
 A. pretende reclamar para o Tribunal Constitucional (n° 4 do artigo 76° da LTC). 
 
 
 Antes porém vem respeitosamente pedir a aclaração e ou declaração de nulidade do 
 nem por isso menos douto despacho de 23 de Maio de 2007, uma vez que 
 sinceramente não se afigura ter-se pronunciado sobre o eixo axial ou nuclear da 
 questão em debate (com tradução na violação evidente de direitos fundamentais do 
 recorrente) e o prazo para aquele efeito só começa a correr depois (alínea d) do 
 n° 1 do artigo 668° e n° 1 do artigo 686° ambos do Código de Processo Civil 
 aplicável subsidiária e universalmente). 
 Na verdade, a máquina dos autos foi apreendida no já distante dia 26 de Maio de 
 
 2001 e portanto há muito mais de 6 ( seis) anos!
 Por ela foi o recorrente condenado a 17 de Maio de 2005 ao abrigo do n° 1 do 
 artigo 108° do DL 422/89 de 2Dez e com a redacção dada pelo DL 10/95 de l9Jan. 
 Foi interposto recurso suspensivo e este efeito suspensivo deveria manter-se até 
 ao trânsito em julgado. 
 A dada altura da pendência desse recurso veio o recorrente provar 
 documentalmente que de norte a sul do país nunca mais as autoridades ou 
 entidades administrativas, judiciais e policiais voltaram a considerar aquela 
 máquina criminosa mas sim e no limite meramente contra-ordenacional por conter 
 eventualmente simples modalidades afins de jogos. 
 Nunca mais ninguém em parte alguma teve aquela conduta por criminosa. 
 Vale isto por dizer que o recorrente foi condenado como criminoso pela prática 
 de muito mais de 6 (seis) anos - ! - de uma actividade que nunca mais voltou a 
 ser considerada como tal em parte nenhuma do território nacional. 
 Mas há mais. 
 Quando aquelas provas documentais foram carreadas para os autos de recurso, 
 incrível e ilegalmente estes já não estavam nesta Relação, pois precipitada e 
 prematuramente já tinham regressado à 1ª instância! 
 O problema foi aqui denunciado pelo recorrente e aparentemente resolvido. 
 Aparentemente porquê? 
 Porque na verdade voltaram a esta Relação sim, mas incrível e ilegalmente, 
 precipitada e prematuramente aquela condenação já tinha ido para o CRC do 
 recorrente! 
 Quer dizer, voltaram mas entretanto e ao arrepio dos mais elementares comandos e 
 princípios jurídicos com perda do efeito suspensivo por parte do recorrente! 
 Isso trouxe-lhe algum transtorno adicional! 
 Trouxe sim senhor. 
 
 É que neste interim foi julgado mais uma, duas ou três vezes por máquinas 
 semelhantes. 
 Ora e apesar de a situação sumamente anómala ter sido denunciada perante os 
 competentes juízes, estes escreveram nas respectivas sentenças que do CRC do 
 recorrente já constava aquela condenação! 
 Renova o que a este respeito já fez constar destes autos e que aqui e agora dá 
 por integralmente reproduzido para todos os efeitos e com todas as consequências 
 legais inerentes.
 
  
 O reclamante apresentou ainda requerimento autónomo em que invoca:
 
  
 
 1. A. foi acusado e condenado a 17 de Maio de 2005 [ao abrigo do n° 1 do artigo 
 
 108° do DL 422/89 de 2Dez na redacção que lhe foi dada pelo 10/95 de l9Jan] pelo 
 crime de exploração ilícita de jogo com a máquina apreendida a 26 de Maio de 
 
 2001. 
 
 2. Nas suas motivação e conclusões de recurso sustentou o reclamante i.a. e em 
 síntese que, a ser condenado, deveria sê-lo unicamente, não por crime, mas por 
 mera contra-ordenação assente em modalidade afim do n° 1 do artigo 159° daquele 
 diploma. 
 
 3. Notificado a 8 de Fevereiro de 2006 do acórdão confirmativo da Relação, a 23 
 seguinte deduziu fundadamente um requerimento aclarativo, anulador, 
 prescricional e ou revidente e logo a seguir a 1 de Março remeteu cópias em 
 conformidade com os originais eloquentes que nessa peça protestou juntar e 
 comprovativos de que, de norte a sul do país nunca mais nenhuma autoridade 
 administrativa ou judicial considerou aquela máquina criminosa mas, quanto 
 muito, meramente contra-ordenacional. 
 
 4. Sem ter sido notificado de qualquer acórdão da Relação sobre essa posição, de 
 repente foi isso sim notificado de custas em primeira instância. 
 
 5. Depois de protestar legitimamente, o erro foi corrigido, mas, entretanto e a 
 despeito de o recurso original ter efeito suspensivo, a condenação ilegal do 
 reclamante já tinha ido para e ainda hoje continua a estar no seu CRC. 
 
 6. Resultou daí que, tendo neste interim sido julgado mais umas vezes por 
 máquinas idênticas e apesar de a situação sumamente anómala ter sido denunciada 
 perante os competentes juízes, estes escreveram nas respectivas sentenças que do 
 CRC do recorrente já constava aquela condenação. 
 
 7. Assim e salvo sempre o devido e enorme respeito, todo o entendimento que 
 conduza no final a outro resultado que não seja a absolvição do reclamante 
 implica violação de postulados e princípios fundamentais de justiça e de 
 legalidade constituídos e garantidos no cosmos normativo constitucional como o 
 do direito justo, da expectativa e da pretensão de equidade apreciativa plasmada 
 em decisão assente no direito, da concretização jurisprudencial, da harmonia e 
 unidade do sistema, da hermenêutica ou interpretação adequadora e conformadora, 
 da congruência, da fundamentação objectiva, da igualdade, da justeza do 
 procedimento, da proporcionalidade, da prevalência da lei, da processualização, 
 da razão comunicativa, da reflexividade, da segurança jurídica de actos 
 jurisdicionais, da universalização e por aí fora e 
 
 8. Dá por reproduzidas as demais alegações já constantes dos autos e no sentido 
 de dever ser admitido o recurso para este mui digno Tribunal Constitucional, 
 pois só assim se cumpre o direito e só assim se produz JUSTIÇA!
 
  
 Sobre a reclamação pronunciou-se o Ministério Público no sentido de que a mesma 
 carece manifestamente de fundamento, dizendo:
 
  
 Na verdade, o recorrente não suscitou, durante o processo e em termos 
 processualmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, 
 susceptível de servir de base ao recurso que interpôs para este Tribunal, nos 
 termos da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82, cujos pressupostos não 
 se verificam, como, aliás, dá nota a decisão reclamada.
 
  
 
  
 Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 2.  Pode adiantar-se já que a presente reclamação não pode ser deferida, por não 
 se verificar um pressuposto indispensável para se poder tomar conhecimento do 
 recurso de constitucionalidade que se pretendeu interpor.
 Na verdade, nos termos do respectivo requerimento, o recurso vem intentado ao 
 abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal 
 Constitucional. Para se poder conhecer de tal recurso torna-se necessário, a 
 mais do esgotamento dos recursos ordinários, que a norma impugnada tenha sido 
 aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido e que a 
 inconstitucionalidade da norma impugnada tenha sido suscitada durante o 
 processo.
 Este último pressuposto, como este Tribunal tem vindo repetidamente a decidir, e 
 se diz, por exemplo, no Acórdão n.º 352/94 (publicado no Diário da República, II 
 série, de 6 de Setembro de 1994), deve ser entendido, “não num sentido meramente 
 formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da 
 instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá 
 de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da 
 questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que 
 
 (a mesma questão de constitucionalidade) respeita”. É, na verdade, este o 
 sentido que corresponde à natureza da intervenção do Tribunal Constitucional em 
 via de recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o 
 tribunal a quo pudesse e devesse ter apreciado – ver, por exemplo, o Acórdão n.º 
 
 560/94, publicado no Diário da República, II série, de 10 de Janeiro de 1995, 
 onde se escreveu que “a exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação 
 atempada – e processualmente adequada – da questão de constitucionalidade não é, 
 pois, [...] uma ‘mera questão de forma secundária’. É uma exigência formal, sim, 
 mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão 
 de constitucionalidade para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de 
 recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão” 
 
 (assim, também, por exemplo, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da 
 República, II série, de 20 de Junho de 1995).
 Por outro lado, recorde-se que, no nosso sistema de fiscalização concentrada de 
 constitucionalidade, ao Tribunal Constitucional compete apenas apreciar a 
 conformidade com a Constituição da República de normas – ou de suas determinadas 
 interpretações, devidamente identificadas –, mas não já das decisões judiciais 
 em si mesmas consideradas.
 
  
 
  
 
 3.  No presente caso, para além de no requerimento de recurso o recorrente não 
 ter identificado a dimensão normativa do artigo cuja inconstitucionalidade 
 pretendia ver apreciada – problema que, todavia, ainda poderia ser ultrapassado 
 mediante um convite para o aperfeiçoamento de tal requerimento –, o que é certo 
 
 é que, durante o processo, isto é, antes de esgotado o poder jurisdicional do 
 tribunal a quo, o reclamante não suscitou a inconstitucionalidade de qualquer 
 norma, ou dimensão normativa, devidamente identificada. Tal circunstância 
 inviabiliza logo a possibilidade de poder vir a tomar conhecimento do recurso, 
 sem que a falta possa ser agora ultrapassada mediante qualquer complemento ao 
 requerimento do recurso de constitucionalidade – pois que se trata da falta de 
 cumprimento de um pressuposto que haveria de ter sido satisfeito antes de 
 esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido, e perante este.
 Consultando as motivações e as conclusões do recurso de apelação apresentadas 
 pelo reclamante (fls. 202 e segs. e 223, respectivamente, dos autos), conclui-se 
 com clareza, efectivamente, que se não encontra nelas qualquer referência à 
 inconstitucionalidade de uma norma (designadamente, a do artigo 108.º, n.º 1 do 
 Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, 
 de 19 de Janeiro). Nem, por outro lado, se tomou conhecimento no acórdão de fls. 
 
 228 e segs. dos autos de qualquer questão de constitucionalidade.
 Por falta de verificação de um pressuposto indispensável para tanto – o qual já 
 não podia ser suprido mediante qualquer convite para aperfeiçoamento do 
 requerimento de recurso –, não podia, pois, o Tribunal Constitucional tomar 
 conhecimento do recurso de constitucionalidade. Pelo que é de confirmar o 
 despacho reclamado, que não admitiu tal recurso, indeferindo-se a presente 
 reclamação. 
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar 
 o reclamante em custas, com  20  unidades de conta de taxa de justiça.
 
 
 Lisboa, 9 de Outubro de 2007
 Maria Lúcia Amaral
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão