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Processo n.º 458/05 
 Plenário
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
 
  
 
             
 
             I – Relatório
 
  
 
 1. O Procurador-Geral da República requereu, ao abrigo do artigo 281.º, n.º 1, 
 alínea a), e n.º 2, alínea e), da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 
 do artigo 51.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), a apreciação e 
 declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma 
 constante do n.º 3 do artigo 51.º do Estatuto da Aposentação, na redacção 
 emergente da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, por violação do princípio da 
 confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no 
 artigo 2.º da CRP. 
 
  
 Esta norma dispõe o seguinte: 
 
  
 
 «Artigo 51º
 Regimes especiais
 
  
 
 1 – ...
 
 2 – ...
 
 3 – Sem prejuízo de outros limites aplicáveis, a pensão de aposentação do 
 subscritor sujeito ao regime do contrato individual de trabalho determina-se 
 pela média mensal das remunerações sujeitas a desconto auferidas nos últimos 
 três anos, com exclusão dos subsídios de férias e de Natal ou prestações 
 equivalentes. 
 
 4 – (Anterior n.º 3)».
 
  
 
             2. Para fundamentar o pedido, o Procurador-Geral da República 
 apresenta os seguintes argumentos: 
 
 - a norma a que se reporta o presente pedido veio estabelecer um regime especial 
 para a determinação da pensão de aposentação do subscritor da Caixa Geral de 
 Aposentações sujeito ao regime do contrato individual de trabalho, mandando 
 atender à média mensal das remunerações sujeitas a desconto auferidas nos 
 
 últimos três anos, com exclusão dos subsídios de férias e de Natal ou prestações 
 equivalentes;  
 
             - o estabelecimento deste regime especial envolve derrogação das 
 regras gerais vigentes em sede de determinação da pensão de aposentação dos 
 subscritores da Caixa Geral de Aposentações, nomeadamente, nos artigos 46.º e 
 
 48.º do Estatuto da Aposentação, que consideram relevante a média mensal das 
 remunerações percebidas pelo subscritor nos dois últimos anos e que incluem os 
 ordenados, salários, gratificações, emolumentos, subsídio de férias, subsídio de 
 Natal e outras retribuições – previstas no n.º 1 do artigo 6.º – «com excepção 
 das que não tiverem carácter permanente» (artigo 48.º do Estatuto);      
 
 – este regime especial, inovatoriamente estabelecido, afecta, em termos 
 claramente desfavoráveis, os direitos e expectativas dos subscritores sujeitos 
 ao regime do contrato individual de trabalho, ao ampliar o período temporal 
 relevante para o cálculo da média mensal das remunerações auferidas e, muito em 
 particular, ao excluir de tal cômputo retribuições periódicas e permanentes que 
 sempre haviam sido consideradas relevantes para a determinação da remuneração 
 mensal do interessado, degradando o valor da respectiva pensão de aposentação;   
 
 
 
             – tal regime é imediatamente aplicável, nos termos regulados nos 
 n.ºs 6, 7 e 8 do artigo 1.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, 
 independentemente da extensão da carreira contributiva dos interessados; 
 
             – afectando, consequentemente, em termos gravosos e intoleráveis, as 
 legítimas expectativas dos agentes sujeitos ao regime do contrato individual de 
 trabalho, carecendo manifestamente de fundamento material a exclusão da base de 
 cálculo das pensões de aposentação de remunerações periódicas – os subsídios de 
 férias e de Natal – que sempre foram considerados, para todos os efeitos, como 
 incluídas no conceito de «retribuição» ou remuneração, relevando de pleno para o 
 cálculo da pensão;
 
             – e sendo certo que o trabalhador sujeito ao regime do contrato 
 individual de trabalho com a Administração Pública sempre foi realizando, ao 
 longo de toda a carreira contributiva, descontos que incidiram sobre o valor 
 daqueles «subsídios», criando-lhe a expectativa legítima e perfeitamente fundada 
 de que, no momento da aposentação, tais subsídios – como toda a remuneração 
 percebida regularmente e objecto de descontos – seria relevante para o cálculo 
 da pensão a que teria direito; 
 
             – ora, ao estabelecer tal alteração inopinada nos mecanismos de 
 cálculo da pensão de aposentação dos subscritores sujeitos ao regime de contrato 
 individual de trabalho, degradando substancialmente o valor da mesma, o 
 legislador afectou, em termos intoleráveis, o princípio da confiança, ínsito no 
 princípio do Estado de direito democrático, afirmado no artigo 2º da 
 Constituição da República Portuguesa, levando a que a pensão de aposentação 
 outorgada a tais subscritores não represente a exacta e plena contrapartida de 
 todos os descontos efectuados pelo agente ao longo da sua carreira contributiva. 
 
 
 
  
 
  
 
 3. Notificado, nos termos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal 
 Constitucional, para se pronunciar sobre o pedido, o Presidente da Assembleia da 
 República ofereceu o merecimento dos autos e juntou cópia dos Diários da 
 Assembleia da República que contêm os trabalhos preparatórios relativos ao 
 diploma em que se integra a norma em apreciação. 
 
  
 
  
 
 4. Debatido o memorando apresentado pelo Vice-Presidente do Tribunal, nos termos 
 do n.º 2 do artigo 39.º e do artigo 63.º da LTC, e fixada a orientação sobre as 
 questões a resolver, cumpre formular a decisão.
 II – Fundamentação
 
  
 
 5. É vasta a jurisprudência deste Tribunal sobre o princípio constitucional da 
 protecção da confiança, que o requerente considera violado pela norma do n.º 3 
 do artigo 51.º do Estatuto da Aposentação, na redacção da Lei n.º 1/2004, de 15 
 de Janeiro. Interessa recordar alguma desta jurisprudência, nomeadamente a que 
 se relaciona com o domínio das pensões de aposentação ou realidades congéneres. 
 
  
 No Acórdão nº 99/99 (in Diário da República, II Série, de 31 de Março de 1999, 
 pp. 4772 ss., e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 42º vol., págs. 433 e ss.), 
 o Tribunal Constitucional teve ensejo de se debruçar sobre a constitucionalidade 
 da norma do n.º 5 do artigo 47.º do Estatuto da Aposentação, introduzida pelo 
 artigo 7.º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, que veio determinar que, no 
 cálculo da pensão de aposentação, sempre que a média das remunerações exceda a 
 remuneração base legalmente fixada para o cargo de Primeiro-Ministro, será a 
 remuneração mensal relevante reduzida até ao limite daquela. 
 Confrontando essa norma com o princípio constitucional da confiança, o Tribunal 
 começou por recordar o que antes dissera no Acórdão nº 287/90, deixando afirmado 
 o seguinte:
 
 «Como se escreveu no Acórdão n.º 287/90 (publicado no Diário da República, I 
 Série, de 20 de Fevereiro de 1991):
 
 “Nesta matéria, a jurisprudência constante deste Tribunal tem-se pronunciado no 
 sentido de que ‘apenas uma retroactividade intolerável, que afecte de forma 
 inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos 
 cidadãos, viola o princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado 
 de direito democrático (cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 11/83, de 
 
 12 de Outubro de 1982, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1º vol., pp. 11 e 
 segs.; no mesmo sentido se havia já pronunciado a Comissão Constitucional, no 
 Acórdão n.º 463, de 13 de Janeiro de 1983, publicado no Apêndice ao Diário da 
 República de 23 de Agosto de 1983, p. 133 e no Boletim do Ministério da Justiça, 
 n. 314, p. 141, e se continuou a pronunciar o Tribunal Constitucional, 
 designadamente através dos Acórdãos nºs. 17/84 e 86/84, publicados nos 2º e 4º 
 vols. dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, a pp. 375 e segs. e 81 e segs., 
 respectivamente).”
 
  
 E no mesmo Acórdão n.º 287/90, transcrito depois no Acórdão n.º 285/92, 
 publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de Agosto de 1992, 
 salientou-se que, depois de se apurar se foram afectadas expectativas 
 legitimamente fundadas, resta averiguar se essa afectação é inadmissível, 
 arbitrária ou demasiadamente onerosa. A “ideia geral de inadmissibilidade” 
 deverá ser aferida pelo recurso a dois critérios:
 
 “a) Afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, 
 quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os 
 destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
 b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses 
 constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes (deve 
 recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, 
 a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18º da 
 Constituição desde a 1ª revisão).
 Pelo primeiro critério, a afectação de expectativas será extraordinariamente 
 onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se 
 excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária.”
 
 […]. Ora, no caso sub iudice, compreende-se que a introdução pelo legislador de 
 um limite máximo da remuneração relevante para o cálculo da pensão de 
 aposentação afecte expectativas dos destinatários da prescrição legal. É facto 
 que não havia razão específica para os destinatários anteciparem aquela mutação 
 da ordem jurídica (a imposição daquele limite naquele momento).
 Resta, porém, saber se tais expectativas eram legítimas, no sentido de merecerem 
 a tutela do Direito, ou se o legislador acautelou a possibilidade de formação de 
 tais expectativas, advertindo os destinatários da impossibilidade de se fixar um 
 dado regime da aposentação antes de certo momento.
 Na verdade, a impossibilidade de previsão de uma mudança só frustraria 
 expectativas legítimas dos destinatários da norma em causa se estes não devessem 
 razoavelmente contar com a possibilidade da mudança, designadamente, por o 
 legislador os ter advertido do momento em que se fixa o regime da aposentação. 
 Ora, o artigo 43º do Estatuto da Aposentação incorpora, neste sentido, uma 
 previsão genérica de possibilidade de mudança de regimes, ao determinar que o 
 regime da aposentação se fixa com base na lei em vigor e na situação existente à 
 data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação (…). E, 
 por outro lado, este regime foi sendo, ao longo dos anos, sucessivamente 
 alterado (umas vezes em sentido favorável, outras em sentido desfavorável ao 
 interesse do recorrente), ao ponto de os destinatários de tais normas deverem 
 ter por assente que, até à constituição da sua posição de pensionistas, mudanças 
 poderiam sobrevir, ainda que imprevisíveis no seu sentido ou momento da 
 aplicação.
 Não parece, assim, desde logo, que se possa dizer que a alteração em causa 
 afectou expectativas legítimas dos destinatários da norma, sendo seguro que, 
 ainda que assim não fosse, não se poderia dizer que a alteração legislativa em 
 causa constituísse uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os 
 destinatários das normas não pudessem contar – justamente, por, como o 
 legislador esclareceu já no artigo 43º do Estatuto da Aposentação, deverem 
 contar com mutações do regime da aposentação (em sentido favorável ou 
 desfavorável, embora, evidentemente, sem poderem adivinhar o sentido preciso 
 dessas mutações) até à data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem 
 
 à aposentação.
 Aliás, deve reconhecer-se que não existe uma relação directa entre os descontos 
 a efectuar para a Caixa Geral de Aposentações e a pensão de aposentação a 
 receber. E compreende-se que assim seja, tanto podendo, desde logo, o 
 interessado ser prejudicado como beneficiado com a falta desta relação directa 
 
 (assim se a pensão for globalmente de montante inferior àqueles pagamentos ou de 
 montante superior).
 Como já decorre do que se disse, a argumentação baseada no facto de o recorrente 
 ter efectuado pagamentos obrigatórios à Caixa Geral de Aposentações incidentes 
 sobre a sua remuneração mensal global, quando ainda não vigorava o limite das 
 remunerações mensais relevantes para cálculo da pensão de aposentação, 
 introduzido em 1993 com o n.º 5 do artigo 47º do Estatuto da Aposentação, não 
 pode proceder (limite, esse, que, aliás, se refere à remuneração relevante para 
 efeito do cálculo da pensão e que apenas por virtude do artigo 48º do Estatuto 
 da Aposentação contende com a que é considerada para efeitos de contribuições 
 para a Caixa Geral de Aposentações). É que, como se disse, o regime da 
 aposentação não se fixa no momento em que as contribuições são efectuadas, mas, 
 nos termos do referido artigo 43º, quando se verificam os pressupostos que dão 
 origem à aposentação (sendo, aliás, também por esta aposentação que o 
 interessado adquire direito à pensão mensal vitalícia).
 Não se pode, portanto, sequer afirmar que a alteração legislativa introduzida 
 pela Lei n.º 75/93 tenha eficácia retroactiva, uma vez que, nos termos do artigo 
 
 43º do Estatuto da Aposentação, o regime da aposentação não se encontrava à data 
 da entrada em vigor dessa alteração ainda fixado (e também não sendo viável 
 sustentar que a norma do artigo 43º do citado Estatuto, sobre o momento da 
 fixação do regime da aposentação – cuja constitucionalidade, aliás, não foi 
 impugnada –, permita uma retroactividade inadmissível, arbitrária ou 
 demasiadamente onerosa das alterações legislativas do regime da aposentação).
 
 [...]. Saliente-se ainda que, como já se referiu - na sequência da 
 jurisprudência anterior deste Tribunal -, mesmo a eficácia retroactiva da lei só 
 será inadmissível quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar 
 direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se 
 prevalentes, devendo recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, 
 explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no 
 n.º 2 do artigo 18º da Constituição desde a 1ª revisão.
 E deve dizer-se, quanto à motivação da mutação legislativa de 1993, que, 
 objectivamente, ela não deve desligar-se da situação da evolução de receitas e 
 despesas da segurança social. Como é notório, o prolongamento da esperança de 
 vida, a alteração da relação entre pensionistas e contribuintes para o regime e 
 a fixação de pensões de aposentação bastante elevadas ameaçam de ruptura o 
 regime de segurança social, sendo compreensíveis a introdução de reformas que 
 limitem os gastos e aumentem as receitas. Por outro lado, sabe-se que a medida 
 em causa foi igualmente ditada por razões de proporcionalidade e de harmonização 
 das retribuições pagas pelo Estado, afectando também todos os seus trabalhadores 
 no activo, incluindo titulares de órgãos de soberania.
 
 […]. Conclui-se, assim, que nem as expectativas legítimas do recorrente podem 
 ter sido afectadas de forma inadmissível ou arbitrária pela norma em apreço, nem 
 essa afectação nem a evolução legislativa deixou de se fundar na necessidade de 
 salvaguardar direitos e interesses constitucionalmente protegidos e prevalentes.
 Como concluía o Acórdão n.º 287/90 (e o Acórdão n.º 285/92 repetiu): 
 
 “Não há, com efeito, um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou à 
 manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a 
 factos complexos já parcialmente realizados. Ao legislador não está vedado 
 alterar o regime de casamento, de arrendamento, do funcionalismo público ou das 
 pensões, por exemplo, ou a lei por que se regem processos pendentes.” (itálico 
 aditado)».
 
  
 
             Registe-se, por outro lado, que, no Acórdão n.º 580/99 (in Diário da 
 República, II Série, de 21 de Fevereiro de 2000, pp. 3517 ss., e Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 45º vol., pp. 237 e ss.), ao debruçar-se sobre um 
 problema de fixação do valor da pensão de aposentação, o Tribunal não só 
 reconheceu que «o legislador tem uma ampla liberdade no que respeita à alteração 
 do quadro normativo vigente num dado momento histórico» como fez entrar, para a 
 aferição da constitucionalidade das opções legislativas, um critério de 
 razoabilidade. 
 
             Por sua vez, no Acórdão nº 173/2001 (in Diário da República, II 
 Série, de 7 de Junho de 2001, pp. 9648 ss., e Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 49º vol., pp. 635 e ss.), o Tribunal confrontou com o princípio 
 da confiança as normas dos n.ºs 1 e 3 do artigo 13.º do Estatuto da Aposentação, 
 relativas à inscrição na Caixa Geral de Aposentações do pessoal ao serviço dos 
 gabinetes ministeriais. Nesse acórdão, afirmou-se a ideia, já firmada em 
 anterior jurisprudência (v. g., no Acórdão nº 99/99), segundo a qual deve 
 atender-se à lei em vigor no momento do exercício de um determinado direito ou 
 faculdade, inexistindo, no caso então apreciado, qualquer expectativa legítima 
 anterior àquele momento. Assim: 
 
 «Saber se houve violação do princípio da protecção da confiança, passa, 
 justamente, por saber se, no caso, havia direitos adquiridos que o legislador 
 tivesse que deixar intocados.
 Vejamos, então:
 Este Tribunal tem sempre entendido que, fora do domínio penal, em que a 
 retroactividade in peius é constitucionalmente inadmissível (cf. o artigo 29º, 
 nºs 1, 3 e 4, da Constituição), do domínio fiscal, em que ninguém pode ser 
 obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroactiva (cf. artigo 103º, n.º 
 
 3, da Constituição) e, bem assim, fora do domínio das leis restritivas de 
 direitos, liberdades e garantias, em que a lei não pode ser retroactiva (cf. o 
 artigo 18º, n.º 3, da Constituição), uma lei retroactiva não é, em si mesma, 
 inconstitucional [cf., entre outros, o acórdão n.º 95/92 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, volume 21º, páginas 341 e seguintes)]. Fora dos domínios 
 apontados, uma lei retroactiva (ou uma lei retrospectiva) só será 
 inconstitucional, se violar princípios ou disposições constitucionais autónomos, 
 que é o que sucede quando ela afecta, “de forma inadmissível, arbitrária ou 
 demasiado onerosa”, direitos ou expectativas legitimamente fundadas dos 
 cidadãos. Num tal caso, com efeito, a lei viola aquele mínimo de certeza e de 
 segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de 
 Direito, do qual se exige que organize a “protecção da confiança na 
 previsibilidade do direito, como forma de orientação de vida” (cf. o acórdão n.º 
 
 330/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 17º, páginas 277 e 
 seguintes).
 Por conseguinte, apenas uma retroactividade (ou uma retrospectividade) 
 intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária (é dizer: 
 insuportável) os direitos e expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos, 
 viola o princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito democrático 
 
 [cf., por último, os acórdãos 329/99 e 321/2000 (Diário da República, II série, 
 de 20 de Julho de 1999 e de 8 de Novembro de 2000, respectivamente)].
 Pois bem: a partir do momento em que passou a poder ser contado, para efeitos de 
 aposentação, o tempo de serviço prestado como membro de um gabinete ministerial, 
 os interessados adquiriram o direito de pedir que, para esse efeito, se lhes 
 contasse o tempo em que exerceram tais funções sem se poderem inscrever na Caixa 
 Geral de Aposentações. Mas o exercício desse direito de contagem de tempo de 
 serviço para o efeito indicado pressupõe, obviamente, o pagamento à Caixa das 
 quotas correspondentes a esse tempo de serviço ainda não pago.
 Só esse direito, porém, os interessados adquiriram, e não também o direito de 
 pagarem as quotas em dívida como se, quando exerceram as referidas funções, 
 pudessem ter-se inscrito na Caixa, nem tão-pouco o direito de pagarem essas 
 quotas como se tivessem formulado o pedido de contagem de tempo de serviço num 
 momento em que a lei, que regulava a regularização dessa dívida de quotas, era 
 mais favorável.
 De facto, tratando-se de um direito cujo exercício está na inteira 
 disponibilidade dos interessados, que podem exercê-lo ou não, consoante nisso 
 vejam ou não vantagem, só no momento em que é deferido o pedido destes para que 
 se lhes conte, para efeitos de aposentação, o tempo de serviço que antes lhes 
 não foi contado, é que eles passam a ser devedores de quotas à Caixa. Ora, essa 
 dívida, nascendo nesse momento, há-de naturalmente reger-se pela lei que esteja 
 em vigor quando os interessados formulam o referido pedido, e não por qualquer 
 outra que, anteriormente, tenha disposto sobre a matéria.
 Mas, sendo isto assim, a lei – ou seja: a norma constante do n.º 3 do artigo 13º 
 do Estatuto da Aposentação (na redacção introduzida pela Lei n.º 30-C/92, de 28 
 de Dezembro) – conjugada com a norma que consta do n.º 1 do artigo 1º do mesmo 
 Estatuto (na sua redacção inicial), este na interpretação de que o exercício de 
 funções de secretário de um gabinete ministerial, ao tempo em que o recorrente 
 as exerceu, não conferia o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações – 
 não privou os interessados de qualquer direito adquirido; é dizer: não os privou 
 do direito, que, entretanto, adquiriram, de pedir que, para efeitos de 
 aposentação, lhes seja contado o tempo de serviço prestado num momento em que a 
 lei o não considerava relevante para o referido efeito. E também os não privou 
 de qualquer expectativa juridicamente fundada – expectativa traduzida no facto 
 de a dívida de quotas à Caixa ser calculada do modo prescrito no n.º 1 do artigo 
 
 13º do Estatuto da Aposentação (ou do n.º 3 desse artigo 13º, na redacção 
 anterior à da Lei n.º 30-C/92) –, uma vez que, achando-se a contagem desse tempo 
 de serviço na disponibilidade dos interessados, tal expectativa só pode dizer-se 
 juridicamente fundada a partir do momento em que o interessado formula esse 
 pedido de contagem do tempo de serviço ainda não pago.
 A norma aqui em apreciação só pode, aliás, dizer-se retroactiva, na medida em 
 que manda contar tempo de serviço prestado numa época em que o mesmo não contava 
 para efeitos de aposentação. Ou seja: só é retroactiva, na medida em que concede 
 um direito.
 Por isso, a referida norma não viola o aludido princípio da confiança».
 
  
 
             Mais recentemente, o Tribunal voltou a recordar os termos em que 
 concretizou jurisprudencialmente o princípio constitucional da protecção da 
 confiança e da segurança na ordem jurídica. Assim, no Acórdão nº 353/2005, 
 publicado no Diário da República, II Série, de 29 de Julho de 2005, pp. 10909 e 
 ss., em matéria fiscal, lembrou-se: 
 
 «(…) como este Tribunal, por tantas vezes, tem sustentado, o princípio 
 condensado no artigo 2º da Constituição postula “uma ideia de protecção da 
 confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do 
 Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança nos direitos das 
 pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas” (cfr., por 
 entre muitos outros, o Acórdão nº 303/90, publicado nos Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 17º volume,  pp. 65 a 95).
 E, para se continuarem a utilizar as palavras do citado aresto, em face daquela 
 ideia, “a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária 
 ou demasiado opressiva, àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a 
 comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de 
 direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela Lei Básica”.
 Também teve o Tribunal ocasião de dizer, no Acórdão nº 17/84 (citados Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, 2º volume, 375 a 382),  que “o cidadão deve poder 
 prever as intervenções que o Estado poderá levar a cabo sobre ele ou perante ele 
 e preparar-se para se adequar a elas. Ele deve poder confiar em que a sua 
 actuação de acordo com o direito seja reconhecida pela ordem jurídica e assim 
 permaneça em todas as suas consequências jurídicas relevantes”.
 Porém, porque a ordem jurídica não é, nem pode ser, imutável, há que reconhecer 
 ao legislador uma ampla margem de liberdade conformadora, como será o caso da 
 adopção de medidas que, no domínio procedimental ou adjectivo, tornem este mais 
 eficaz e célere, com os inerentes benefícios para a prossecução da própria 
 actividade do Estado, medidas essas que, sob pena de perder de vista a 
 consecução desses objectivos, haverão de aplicar-se a situações já passadas ou 
 em curso.
 Ponto é que, como se depara límpido e resulta da jurisprudência deste Tribunal, 
 a normação posterior (cfr., por exemplo, Acórdão nº 86/84, nos Acórdãos ..., 4º 
 volume, pp. 81 a 133) não venha, acentuada ou patentemente, a alterar o conteúdo 
 das situações de facto já alcançadas como consequência do direito anterior».
 
  
 
             6. O Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, 
 de 9 de Dezembro, tem sido objecto de diversas modificações, a mais recente das 
 quais resultante da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, que estabelece 
 mecanismos de convergência do regime de protecção social da função pública com o 
 regime geral de segurança social, no que respeita às condições de aposentação e 
 cálculo das pensões, mas que não incidiu especificamente sobre a norma em 
 apreciação. 
 
  
 A Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, veio estabelecer um regime que se afasta das 
 regras gerais previstas nos artigos 46.º e seguintes do Estatuto da Aposentação 
 que, até à data da entrada em vigor dessa Lei, eram aplicáveis também aos 
 subscritores inscritos na Caixa Geral de Aposentações que se encontrassem 
 sujeitos ao regime do contrato individual de trabalho. Com efeito, na redacção 
 anterior à intervenção legislativa cujo conteúdo é agora parcialmente sindicado 
 na perspectiva da constitucionalidade – note-se que a norma agora em causa já 
 foi anteriormente objecto de um pedido de declaração de ilegalidade com força 
 obrigatória geral, por alegada violação da Lei n.º 23/98, de 26 de Maio, que o 
 Tribunal apreciou e não acolheu no acórdão n.º 374/2004, publicado no Diário da 
 República, II Série, de 30 de Junho de 2004, e Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 59º vol., pp. 71 e ss. – o artigo 51.º do Estatuto da 
 Aposentação não contemplava, em nenhuma das regras especiais que estabelecia 
 para determinação da remuneração mensal relevante para o cálculo da pensão, a 
 hipótese de o subscritor estar sujeito ao regime do contrato individual de 
 trabalho, pelo que o regime geral seria aplicável  aos interessados com vínculo 
 dessa natureza. 
 
  
 Para o requerente, esta inovação afecta, em termos claramente desfavoráveis, os 
 direitos e expectativas deste conjunto de subscritores, degradando o valor da 
 respectiva pensão de aposentação, ao ampliar o período temporal relevante para o 
 cálculo da média mensal das remunerações auferidas e, muito em particular, ao 
 excluir de tal cômputo retribuições periódicas e permanentes que sempre haviam 
 sido consideradas relevantes para a determinação da remuneração mensal do 
 interessado.
 
  
 
  
 
 7. Nos termos do artigo 46.º do Estatuto da Aposentação, o direito à pensão 
 mensal vitalícia adquire-se no momento da aposentação e «em função da 
 remuneração mensal e do número de anos e meses de serviço de subscritor» (artigo 
 
 46.º, parte final). Foi sobre o factor de cálculo remuneração mensal relevante 
 
 (ou remuneração atendível), afastando a regra do n.º 1 do artigo 47.º, que 
 incidiu a inovação legislativa posta sob observação.
 
  
 Na determinação da remuneração mensal para efeitos de cálculo da pensão de 
 aposentação, o artigo 47.º dispõe que: 
 
  
 
 «1 – Para determinar a remuneração mensal atende-se às seguintes parcelas, que 
 respeitem ao cargo pelo qual o subscritor é aposentado: 
 a) O ordenado ou outra retribuição base de carácter mensal, ou a duodécima parte 
 da que for estabelecida por ano ou corresponder ao número de dias de serviço 
 anual, quando fixada por dia ou hora; 
 b) A média mensal das demais remunerações percebidas pelo subscritor nos dois 
 
 últimos anos e que devam ser consideradas nos termos do artigo seguinte.
 
 2 - …
 
 3 - …
 
 4 - …
 
 5 - …».
 
  
 Como se vê, no regime geral – abstracção feita das recentes regras emergentes da 
 Lei n.º 60/2005, bem como daquelas outras que, já antes, nos termos do 
 Decreto‑Lei n.º 286/93, de 20 de Agosto, sujeitavam o cálculo da pensão de 
 aposentação dos subscritores inscritos a partir de 1 de Setembro de 1993 às 
 normas legais do regime geral da segurança social, que não interferem com o 
 problema de constitucionalidade que cumpre resolver –, o cálculo da pensão de 
 aposentação é efectuado com base em duas parcelas: a retribuição base [n.º 1, 
 alínea a)] e a média das demais remunerações nos últimos dois anos [n.º 1, 
 alínea b)]. A primeira parcela tem natureza necessária e corresponde à 
 retribuição base do cargo pelo qual o subscritor é aposentado. Coincide com a 
 retribuição estipulada, não resultando do apuramento de qualquer média. A 
 segunda tem natureza eventual, dependendo de o subscritor ter ou não recebido 
 outras remunerações sujeitas a quota para aposentação e que devam ser 
 consideradas nos termos do artigo 48.º. Só esta parcela da remuneração mensal 
 relevante se obtém mediante o cálculo de uma média.
 
  
 
             Por sua vez, o artigo 48.º dispõe que «[A]s remunerações a 
 considerar para os efeitos do artigo anterior serão as abrangidas pelo n.º 1 do 
 artigo 6.º, com excepção das que não tiverem carácter permanente, das 
 gratificações que não forem de atribuição obrigatória, das remunerações 
 complementares por serviço prestado no ultramar e das resultantes da acumulação 
 de outros cargos». E o n.º 1 do artigo 6.º, sob a epígrafe «Incidência da 
 quota», faz incluir no conceito de remuneração os subsídios de férias e de 
 Natal, bem como outras prestações, agora excluídas pelo n.º 3 do artigo 51.º, na 
 redacção da Lei n.º 1/2004. Assim, determina o artigo 6.º, n.º 1: «[P]ara 
 efeitos do presente diploma e salvo disposição especial em contrário, 
 consideram-se remunerações os ordenados, salários, gratificações, emolumentos, o 
 subsídio de férias, o subsídio de Natal e outras retribuições, certas ou 
 acidentais, fixas ou variáveis, correspondentes ao cargo ou cargos exercidos 
 
 (…)». 
 
             Tal significa, por conseguinte, que na quota para a aposentação (no 
 
 «desconto», a que se refere o artigo 5.º do Estatuto) se integram, de acordo com 
 o preceituado no artigo 6.º, n.º 1, «o subsídio de férias, o subsídio de Natal e 
 outras retribuições, certas ou acidentais, fixas ou variáveis, correspondentes 
 ao cargo ou cargos exercidos (…)». Em contrapartida, estão excluídos do conceito 
 de «remuneração», para este específico efeito, «o abono de família, as ajudas de 
 custo, os abonos ou subsídios de residência, de campo, de transportes, de 
 viagens ou caminhos, para falhas, para despesas de representação, para vestuário 
 e outros de natureza similar» (n.º 3 do artigo 6.º). 
 
  
 
              É, portanto, certo que a Lei n.º 1/2004, no que concerne ao regime 
 especial aplicável à pensão de aposentação dos subscritores sujeitos ao regime 
 do contrato individual de trabalho, introduziu um aspecto inovatório: o cálculo 
 da pensão passou a efectuar-se pela média mensal das remunerações sujeitas a 
 desconto auferidas nos últimos três anos, enquanto de acordo com as regras 
 gerais, anteriormente também aplicáveis a estes subscritores, a pensão é 
 calculada a partir de duas parcelas: (1) o ordenado ou outra retribuição base 
 
 [alínea a) do artigo 47.º, n.º 1] e (2) a média mensal das demais remunerações 
 percebidas pelo subscritor nos últimos dois anos. A diferença consiste em que, 
 enquanto no regime anterior havia uma parcela certa, que equivalia à retribuição 
 base do subscritor no momento da aposentação (grosso modo, o último “ordenado” 
 no activo), a que acrescia a média de eventuais remunerações acessórias nos 
 
 últimos dois anos, agora a base do cálculo passou a ser a média das remunerações 
 nos últimos três anos e já não a última retribuição base, com aquele eventual 
 acréscimo. 
 
  
 Já o mesmo não sucede – ou, pelo menos, não pode afirmar-se com o mesmo grau de 
 certeza – quanto ao outro aspecto que o requerente tem por inovatório e 
 desfavorável a este grupo de subscritores e que consiste na exclusão dos 
 subsídios de férias e de Natal ou prestações equivalentes da determinação da 
 remuneração mensal relevante. Na verdade, tomando por bom o entendimento da 
 jurisprudência dos tribunais administrativos quanto a saber em qual das alíneas 
 do n.º 1 do artigo 47.º tais subsídios “relevam” para aquela determinação, a 
 afirmação expressa dessa exclusão não tem o efeito desfavorável ao subscritor 
 que o requerente pressupõe. 
 
             Com efeito, o Supremo Tribunal Administrativo, confrontado com a 
 questão de saber como enquadrar, para efeito da determinação da remuneração 
 mensal relevante como factor de cálculo da pensão, os subsídios de férias e de 
 Natal recebidos pelo subscritor, os quais tinham passado a integrar o elenco das 
 remunerações passíveis de quota para aposentação, após a precipitação no n.º 1 
 do artigo 6.º do Estatuto da Aposentação, pelo artigo 8.º da Lei n.º 30-C/92, de 
 
 28 de Dezembro, da regra avulsa que vinha sendo inserida em sucessivas leis 
 orçamentais, firmou jurisprudência no sentido de que tais subsídios são de 
 considerar como remuneração base (artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de 
 Junho), entrando, assim, na alínea a) do n.º 1 do artigo 47.º do Estatuto da 
 Aposentação. Segundo este entendimento, no sistema geral de cálculo da pensão de 
 aposentação, é indiferente que o “ordenado” de carácter mensal seja pago doze, 
 treze ou catorze vezes por ano; a consideração autónoma dos subsídios de férias 
 e Natal, computando-os na alínea b) do n.º 1 do artigo 47.º para influir, por 
 essa via, no cálculo da pensão mensal vitalícia, sendo esta paga em catorze 
 mensalidades, representaria um duplo benefício (Acórdão da Secção do Contencioso 
 Administrativo, de 14 de Março de 1995, Proc. 34 934, publicado no Apêndice ao 
 Diário da República, de 18 de Julho de 1997, p. 2597 e ss.; jurisprudência 
 sempre reiterada, como se pode ver dos acórdãos do mesmo Supremo Tribunal de 26 
 de Setembro de 1995, Proc. 36 048, de 21 de Novembro de 1995, Proc. 36 042, e de 
 
 9 de Maio de 1996, Proc. 36 041, publicados respectivamente no Apêndice, de 27 
 de Janeiro de 1998, p. 6950 e ss., de 30 de Abril de 1998, p. 8961 e ss., e de 
 
 23 de Outubro de 1998, p 3318 e ss., e, mais recentemente, no acórdão de 9 de 
 Junho de 2005, Proc. 680/05, do Tribunal Central Administrativo Sul, in 
 http://www.dgsi.pt).  
 
  
 
  
 
 8. Importa, então, entrar na questão de constitucionalidade, sendo certo que, 
 para quem adira a esta interpretação do artigo 47.º do Estatuto da Aposentação, 
 o problema só se coloca na medida em que a média mensal das remunerações dos 
 
 últimos três anos (artigo 51.º, n.º 3) seja inferior à soma do vencimento do 
 cargo pelo qual se verifica a aposentação com a média das remunerações 
 acessórias dos últimos dois anos (não entrando, repete-se, os subsídios de 
 férias e Natal para o cálculo de qualquer dessas médias). Efeito desfavorável 
 que não é absolutamente certo que sempre ocorra. Mas que pode aceitar-se como 
 altamente provável na generalidade dos casos, desde logo por virtude da 
 actualização anual das remunerações dos subscritores da Caixa Geral de 
 Aposentações.
 
  
 De qualquer modo, na maior extensão desse efeito desfavorável ao subscritor 
 pressuposta pela argumentação do requerente ou neste outro de mais reduzida 
 expressão quantitativa, considera-se que não existem razões para que o Tribunal 
 se afaste da jurisprudência firmada no Acórdão nº 99/99 (cit.), em que estava em 
 causa uma questão em tudo semelhante à colocada no presente processo: a de saber 
 se a introdução de uma diferente e menos favorável fórmula de cálculo da pensão 
 de aposentação afecta expectativas – e, mais precisamente, expectativas 
 legítimas – dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações. 
 
  
 Para alcançar a conclusão de que não existe, neste domínio, uma expectativa 
 legítima dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações, o citado Acórdão nº 
 
 99/99 teve presente, desde logo, a norma do artigo 43.º do Estatuto da 
 Aposentação, que dispõe: 
 
 «1 – O regime da aposentação fixa-se com base na lei em vigor e na situação 
 existente à data em que: 
 a) Se profira despacho a reconhecer o direito a aposentação voluntária que não 
 dependa de verificação de incapacidade; 
 b) Seja declarada a incapacidade pela competente junta médica, ou homologado o 
 parecer desta, quando a lei especial o exija; 
 c) O interessado atinja o limite de idade; 
 d) Se profira decisão que imponha pena expulsiva ou se profira condenação penal 
 definitiva da qual resulte a demissão ou que coloque o interessado em situação 
 equivalente. 
 
 2 – O disposto no nº 1 não prejudica os efeitos que a lei atribua, em matéria de 
 aposentação, a situações anteriores. 
 
 3 – …».
 
  
 
  
 
             Como se vê, o n.º 1 do artigo 43.º é claro na determinação de que é 
 no momento da aposentação – ou, mais rigorosamente, no momento em que se 
 verifique qualquer das situações previstas nas alíneas a) a d) daquele n.º 1 – 
 que se fixa, com base na lei em vigor nesse momento, o respectivo regime.  
 
  
 Significa isto, como sublinhou o Acórdão n.º 99/99, que não possuem os 
 subscritores da Caixa Geral de Aposentações no activo qualquer expectativa 
 legítima na imutabilidade ou fixidez do statu quo vigente, antes não podendo 
 deixar de contar, por força do que está expressamente preceituado no artigo 43.º 
 do Estatuto da Aposentação, com eventuais alterações do regime jurídico da 
 aposentação. Em bom rigor, só no momento em que se aposentar – di-lo claramente 
 aquela norma – será possível ao subscritor conhecer, nos seus precisos contornos 
 e em toda a sua complexidade, as regras que lhe irão ser aplicáveis. E, como se 
 afirmou no Acórdão nº 99/99, «(…) a impossibilidade de previsão de uma mudança 
 só frustraria expectativas legítimas dos destinatários da norma em causa se 
 estes não devessem razoavelmente contar com a possibilidade da mudança, 
 designadamente, por o legislador os ter advertido do momento em que se fixa o 
 regime da aposentação». Ora - prossegue o Acórdão nº 99/99 -, «o artigo 43.º do 
 Estatuto da Aposentação incorpora, neste sentido, uma previsão genérica de 
 possibilidade de mudança de regimes, ao determinar que o regime da aposentação 
 se fixa com base na lei em vigor e na situação existente à data em que se 
 verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação (…). E, por outro lado, 
 este regime foi sendo, ao longo dos anos, sucessivamente alterado (umas vezes em 
 sentido favorável, outras em sentido desfavorável ao interesse do recorrente), 
 ao ponto de os destinatários de tais normas deverem ter por assente que, até à 
 constituição da sua posição de pensionistas, mudanças poderiam sobrevir, ainda 
 que imprevisíveis no seu sentido ou momento da aplicação. Não parece, assim, 
 desde logo, que se possa dizer que a alteração em causa afectou expectativas 
 legítimas dos destinatários da norma, sendo seguro que, ainda que assim não 
 fosse, não se poderia dizer que a alteração legislativa em causa constituísse 
 uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das 
 normas não pudessem contar – justamente por, como o legislador esclareceu já no 
 artigo 43º do Estatuto da Aposentação, deverem contar com mutações do regime da 
 aposentação (em sentido favorável ou desfavorável, embora, evidentemente, sem 
 poderem adivinhar o sentido preciso dessas mutações) até à data em que se 
 verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação». 
 
  
 Afigura-se manifesto que não existe qualquer expectativa dos subscritores digna 
 de tutela pelo Direito que tenha sido intoleravelmente atingida por ter passado 
 a ser relevante para o cálculo da pensão a média das remunerações do último 
 triénio em vez do quantitativo correspondente ao vencimento do cargo pelo qual 
 se verifica a aposentação acrescido da média das demais retribuições do último 
 biénio. Na verdade a pretensa «expectativa» dos subscritores não se baseia em 
 qualquer contribuição que hajam feito, mas tão-só numa noção difusa de 
 manutenção ou cristalização do statu quo do regime da aposentação em todas as 
 suas vertentes – ideia que, no limite, inviabilizaria toda e qualquer 
 intervenção reformadora do legislador neste domínio. 
 Decisivamente, não pode afirmar-se, sem mais, que os trabalhadores possuam uma 
 expectativa a que o cálculo da pensão de aposentação seja efectuado sempre da 
 mesma maneira ao longo da sua carreira contributiva. Ponto é que as alterações 
 que venham a ser introduzidas não importem, à luz de critérios de 
 proporcionalidade e de razoabilidade, uma lesão de tal forma grave ou profunda 
 na «confiança no sistema» que os trabalhadores depositaram durante a sua 
 carreira contributiva. 
 A convocação de critérios de razoabilidade e de proporcionalidade para averiguar 
 de eventuais violações do princípio da confiança já foi efectuada por este 
 Tribunal, como se viu, podendo referir-se os já citados Acórdãos n.º 287/90 e 
 n.º 580/99 ou, mais remotamente, o Acórdão nº 141/85 (in Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 6.º vol., pp. 39 ss.). Ora, o abandono do critério da 
 retribuição base do cargo pelo qual se verifica a aposentação como factor de 
 referência e o alargamento de dois para três anos do período relevante para a 
 determinação da média, atenta a sua reduzida dimensão temporal, a ampla 
 liberdade de conformação reconhecida ao legislador e, mais decisivamente, a 
 circunstância de os trabalhadores não beneficiarem, no quadro da Constituição, 
 de um qualquer direito à «imutabilidade do sistema» são factores que militam no 
 sentido de se poder concluir que a alteração introduzida não afectou, de forma 
 absolutamente intolerável ou desproporcionada, quaisquer expectativas dignas de 
 tutela jurídica dos trabalhadores e, portanto, o princípio da confiança, ínsito 
 no princípio do Estado de direito democrático. 
 
  
 
  
 
 9. No que especificamente se refere ao segmento normativo que, de modo expresso, 
 exclui do cálculo da média mensal os subsídios de férias e de Natal, nenhuma 
 questão autónoma se coloca para quem perfilhe a interpretação do n.º 1 do artigo 
 
 47.º do Estatuto da Aposentação assumida pela referida jurisprudência dos 
 tribunais administrativos. A exclusão expressa na actual fórmula de cálculo não 
 afasta a correspectividade substancial entre a incidência de descontos sobre 
 tais subsídios e a prestação previdencial que anteriormente existia, na medida 
 em que a média que constitui a remuneração atendível é calculada à razão de doze 
 mensalidades e a pensão é paga catorze vezes por ano. 
 
  
 Mas mesmo para quem assim não entenda, interessa notar que não existe qualquer 
 direito adquirido a que o cálculo da pensão de aposentação se faça de uma dada 
 forma em concreto, designadamente no que toca à inclusão dos subsídios de Natal 
 e de férias.
 
             À semelhança do que se concluiu no Acórdão nº 99/99 (cit.), também 
 aqui é possível afirmar-se que não são postos em causa os direitos 
 constitucionalmente consagrados no artigo 63.º da Lei Fundamental, porquanto se 
 mantém o direito à segurança social e o direito ao recebimento de uma pensão de 
 aposentação, estando apenas em causa a base remuneratória sobre a qual esta é 
 calculada. E desta alteração não resulta também que a pensão se veja reduzida a 
 um valor irrisório, susceptível de se poder afirmar que, na prática, os 
 pensionistas deixaram de beneficiar de um direito à segurança social em sentido 
 verdadeiro e próprio. 
 
  
 
             Por outro lado, a intervenção do legislador – a quem, sublinhe-se, o 
 Tribunal sempre reconheceu uma ampla margem conformadora neste domínio – não 
 veio pôr em causa a contribuição de todo o tempo de trabalho para o cálculo da 
 pensão de aposentação. Com a alteração introduzida pela Lei n.º 1/2004, não se 
 cria, de modo algum, uma situação em que tempo de trabalho prestado pelo 
 subscritor deixe de ser relevante para o cálculo da pensão de aposentação. E o 
 
 único constrangimento que a Constituição coloca neste domínio é o de proibir que 
 parcelas do tempo de trabalho deixem de ser relevantes no cálculo da pensão. O 
 n.º 4 do artigo 63.º da Lei Fundamental não impõe que todas as contribuições 
 tenham uma repercussão directa no cálculo da pensão e, muito menos, que haja uma 
 correspectividade necessária, directa e absoluta entre o valor da pensão e o 
 montante dos descontos. A Constituição da República proscreve, tão-só, a 
 
 «inutilização» de tempo de trabalho prestado para efeitos de cálculo da pensão 
 
 (cf., a este propósito, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, em esp. p. 340; Jorge 
 Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, 
 em esp. pp. 637 ss.). 
 
  
 
             Como este Tribunal afirmou recentemente no Acórdão nº 675/2005 (in 
 Diário da República, II Série, de 3 de Fevereiro de 2006) “a Constituição da 
 República Portuguesa não consagra em qualquer das suas normas ou princípios a 
 exigência de que se tenha em consideração, como critério para o cálculo do 
 montante das pensões de reforma, o montante da retribuição efectivamente 
 auferida pelo trabalhador no activo. Na verdade, a Constituição não define e não 
 concretiza o conteúdo do direito à segurança social, nem estabelece prazos para 
 essa concretização, remetendo para a lei, através do artigo 63.º, n.º 2, essa 
 tarefa. Daqui decorre que não procede a leitura da expressão “todo o tempo de 
 trabalho” como tendo de incluir, em si, a expressão “toda a remuneração mensal” 
 realmente auferida pelo trabalhador durante o tempo de trabalho. Pode – e, numa 
 certa perspectiva, haverá mesmo que – distinguir-se entre a necessária 
 consideração de todo o tempo de trabalho e uma (inexistente) imposição de 
 utilização, como critério de cálculo do valor da pensão, do montante dos 
 rendimentos realmente auferidos (incluindo remuneração base e outros rendimentos 
 complementares) durante o tempo de trabalho”.
 
  
 
             De facto, independentemente da precisa qualificação jurídica de 
 prestações como os subsídios de Natal ou de férias e outras – isto é, abstraindo 
 da questão de saber se as mesmas integram ou não o conceito de «remuneração» 
 
 (cfr. a discussão do problema in José Cândido de Pinho, Estatuto da Aposentação. 
 Anotado – Comentado - Jurisprudência, Coimbra, 2003, pp. 35ss., e o Acórdão do 
 Supremo Tribunal Administrativo de 26-9-1995, sumariado in ult. ob. cit., p. 
 
 188) –, é assente que não tem de existir uma correspectividade necessária e 
 obrigatória entre tudo o que se paga e tudo o que se recebe em termos de pensões 
 de reforma ou de aposentação (cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 
 de 1-7-1997, sumariado in ult. ob. cit., p. 190; cfr. ainda, no mesmo sentido, o 
 Acórdão nº 99/99, cit., onde se diz, a dado passo: «deve reconhecer-se que não 
 existe uma relação directa entre os descontos a efectuar para a Caixa Geral de 
 Aposentações e a pensão de aposentação a receber. E compreende-se que assim 
 seja, tanto podendo, desde logo, o interessado ser prejudicado como beneficiado 
 com a falta desta relação directa (assim se a pensão for globalmente de montante 
 inferior àqueles pagamentos ou de montante superior»).
 
  
 Assim, por tudo o exposto e à luz da jurisprudência firmada no Acórdão nº 99/99, 
 que o Tribunal não vê razões para alterar, conclui-se que a norma sub judicio, 
 em qualquer dos segmentos impugnados, não afronta o artigo 2.º da Constituição 
 da República.   
 
  
 
  
 
  
 III – Decisão
 
  
 Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide não declarar a 
 inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 51.º do Estatuto da 
 Aposentação, na redacção emergente da Lei nº 1/2004, de 15 de Janeiro. 
 
  
 Lisboa, 9 de Maio de 2006
 Vítor Gomes
 Mário José de Araújo Torres
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Paulo Mota Pinto
 Bravo Serra
 Benjamim Rodrigues
 Gil Galvão
 Maria João Antunes
 Artur Maurício