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Processo n.º 32/2006
 
 2ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 
   
 Acordam em Conferência na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
 1.  Nos presentes autos de reclamação, A., arguiu a nulidade da decisão que não 
 admitiu um recurso nos seguintes termos:
 
  
 A., tendo visto o seu recurso liminarmente rejeitado por manifesta 
 improcedência, vem ao abrigo do disposto no Acórdão do Tribunal Constitucional 
 n° 320/2002, com força obrigatória geral, de que se junta cópia, invocar a 
 ilegalidade e nulidade da decisão do Meritíssimo Senhor Juiz Desembargador 
 Relator e requerer que ao abrigo do disposto no referido Acórdão, lhe seja 
 concedido prazo para que lhe seja facultada a correcção das deficiências das 
 suas conclusões.
 
  
 O Acórdão nº 320/2002 referido pelo então requerente declarou “com força 
 obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32º, n.º 1 da 
 Constituição da República Portuguesa, da norma constante do artigo 412º, n.º 2, 
 do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que a falta de 
 indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas 
 suas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do 
 arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal 
 deficiência”.
 O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 13 de Outubro de 2005, 
 considerou o seguinte:
 
  
 Como se referiu no acórdão deste tribunal de que agora se invoca a nulidade, é 
 pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se 
 define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem 
 prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso (...)
 Conheceu-se do recurso interposto, debruçando-se este tribunal ad quem sobre as 
 seguintes (todas invocadas) questões:
 a) existência de nulidade, por inexistência de inquérito que sustentasse a 
 acusação;
 b) erro notório na apreciação da prova e violação do principio “in dubio pro 
 reo”;
 c) insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
 d) nulidade da sentença por alteração não substancial dos factos;
 e) perda de eficácia da prova.
 Assim, não se devem confundir questões suscitadas com os próprios argumentos 
 produzidos pelo recorrente na defesa das suas posições. «É a nulidade mais 
 frequentemente invocada nos tribunais, pela confusão que constantemente se faz 
 entre «questões a decidir e «argumentos» produzidos na defesa das teses em 
 presença. Deve evitar-se este erro.
 Não integra, também, qualquer vício a omissão de pronúncia sobre questões 
 efectivamente suscitadas pelas partes quando a sua apreciação se encontre 
 prejudicada pela solução encontrada para alguma ou algumas delas.
 Toda a matéria pertinente ao recurso foi tratada e decidida.
 A conclusão a que o tribunal chegou para decidir pela manifesta improcedência do 
 recurso, não se prendeu com a insatisfação dos requisitos constantes do n° 2 do 
 art. 412 do C.P.P. - caso em que haveria lugar à aplicação do Ac. do T. 
 Constitucional a que o recorrente faz referência mas sim na manifesta 
 improcedência decorrente da apreciação do mérito do recurso.
 O Tribunal concluiu que o recurso era improcedente, e de forma manifesta, 
 atendendo à factualidade apurada, à letra da lei e à jurisprudência dos 
 Tribunais Superiores, dada a sem razão do recorrente e a desnecessidade de 
 ulterior e mais detalhada discussão jurídica em sede de alegações escritas ou 
 orais.
 Ou seja, no caso dos autos, a manifesta improcedência inseriu-se numa vertente 
 substantiva e não formal.
 E não se diga que o entendimento por nós perfilhado viola a Lei Fundamental, 
 pois já assim se decidiu no Ac. do T.Constitucional n° 140/2004 de 10/03/2004.
 Acrescente-se que a emissão do juízo jurídico-substantivo plasmado no acórdão 
 
 “reclamado” surge como plenamente clarividente ao concluir pelo entendimento de 
 que - contra o que o reclamante alega -, se não justifica, no caso concreto, a 
 alteração do decidido.
 Ademais, todas essas premissas e dados factuais e jurídicos, bem como o discurso 
 lógico-discursivo e decisório correspondente, se encontram inequivocamente 
 enunciados e descritos no aresto reclamando.
 E o raciocínio no mesmo plasmado revela-se perfeitamente cristalino e 
 clarividente para qualquer destinatário normal e médio, que é o suposto ser 
 querido pela ordem jurídica.
 No fundo, o que o reclamante pretende é, agora de uma só penada, reiterar a sua 
 discordância com o julgado em primeira instância e com o acórdão proferido por 
 este tribunal ad quem.
 
  
 
  
 
 2.  A. interpôs recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
 
  
 A., arguido nos autos em referência tendo visto o seu requerimento de correcção 
 das deficiências e conclusões, feito ao abrigo do disposto no Acórdão n° 
 
 320/2002 do Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, vem ao abrigo 
 da recusa em aplicar a jurisprudência do referido Acórdão aos presentes autos, 
 ou seja em violação de norma, cuja interpretação foi anteriormente considerada 
 inconstitucional, vem ao abrigo do disposto no art° 70 n° 1, al h, da Lei do 
 Tribunal Constitucional, Lei 28/82 de 15 de Novembro de 1992, o que faz nos 
 termos e com os fundamentos seguintes:
 Venerandos Senhores Juízes do Tribunal Constitucional
 A., arguido nestes autos vem interpor recurso do Acórdão que negou provimento ao 
 seu recurso da douta Sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Loures, sem 
 que ao arguido fosse dada oportunidade de aperfeiçoar e/ou corrigir as suas 
 motivações e conclusões, assim como do indeferimento da reclamação apresentada 
 sob a forma de recurso, que lhe indefere o pedido de exercer o direito que lhe é 
 conferido pelo Acórdão com força obrigatória geral n° 320/2002 desse Tribunal.
 Funda-se assim este recurso no disposto na alínea h do n° 1 do artigo 70° da Lei 
 do Tribunal Constitucional.
 
  
 O recurso de constitucionalidade não foi admitido por despacho de 2 de Novembro 
 de 2005, com o seguinte teor: “Por não se verificarem os pressupostos exigidos 
 pela alínea h) do art. 70 da L. 28/82 de 15/11/82, não admito o recurso 
 interposto a fls. 162”.
 
  
 
  
 
 3.  A. reclamou da decisão de não admissão do recurso de constitucionalidade nos 
 seguintes termos:
 
  
 A., arguido nos autos em referência tendo visto o seu requerimento de correcção 
 das deficiências e conclusões, feito ao abrigo do disposto no Acórdão n° 
 
 320/2002 do Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, vem face à 
 recusa em aplicar a jurisprudência do referido Acórdão aos presentes autos pelo 
 Tribunal da Relação de Lisboa, ou seja em violação de norma, cuja interpretação 
 foi anteriormente considerada inconstitucional, vem ao abrigo do disposto no 
 art° 70 n° 1, al g), da Lei do Tribunal Constitucional, Lei 28/82 de 15 de 
 Novembro de 1982, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
 Venerando Senhor Juiz Presidente do Tribunal Constitucional
 A., arguido nestes autos, vem reclamar da decisão do Sr. Juiz Relator no 
 Tribunal da Relação, com o fundamento de o mesmo ter negado provimento ao 
 recurso interposto para esse Tribunal Constitucional, uma vez que por mero lapso 
 de escrita, o signatário mencionou que recorria ao abrigo da alínea h) do n° 1 
 do art° 70 da Lei 28/82 de 15 de Novembro de 1982, do despacho que negou 
 provimento ao seu recurso interposto para esse Tribunal Constitucional, com o 
 fundamento de que o recurso era fundamentado na alínea h) do n° 1 do art° 70 da 
 supra citada Lei.
 Quanto às alíneas, de facto, o Sr. Juiz Relator, tem razão em dizer que o 
 recurso não se fundamenta na alínea h).
 Não obstante, também tem conhecimento, desde há vários requerimentos, de que o 
 Acórdão fundamento desse Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, é 
 o Acórdão 320/2002, logo jamais poderia ter sido deliberado pela Comissão 
 Constitucional.
 
 É assim, por demais óbvio, que o Acórdão fundamento não poderia provir da 
 referida Comissão, porquanto a mesma foi extinta há mais de 25 anos.
 Fácil, é pois entender, que para um declaratário normal, o signatário pretendia 
 ditar à sua secretária a alínea g), e por mero lapso ditou a alínea h).
 Tratando-se pois, de um mero lapso de escrita, poderia o Meritíssimo Juiz 
 Relator corrigi-lo “ex officio”, ou convidar o signatário a repará-lo, o que não 
 fez, aliás numa atitude em coerência com anteriores decisões, que têm por 
 finalidade única, omitir as afirmações do Acórdão da Conferência constantes do 
 ponto 5.1, 4° parágrafo, ao qual nos dispensamos de fazer os comentários 
 atentatórios dos direitos de defesa, constantes dos 3 primeiros parágrafos do 
 ponto 5.1 do mesmo Acórdão.
 Não pretendendo, por não ser o momento próprio, fazer destas palavras as minhas 
 pré alegações, caso a Reclamação seja atendida,
 Requeiro a V.Exa, que considere, que a menção a alínea h) do art. 70 n° 1 é um 
 mero lapso de escrita e que aceite a sua correcção, para a alínea g) do mesmo n° 
 e artº da Lei 28/82.
 No mais, a presente Reclamação para Tribunal, baseia-se na violação da 
 Jurisprudência com força obrigatória geral constante do Acórdão 320/2002, que 
 entendemos ter sido violada pela negação ao arguido de reparar as deficiências 
 das suas conclusões no final das suas alegações de recurso e até alguns lapsos 
 nas motivações do mesmo.
 Requere-se assim a V.Exa, queira deferir esta reclamação e em consequência 
 permitir que em momento oportuno o arguido alegue nos termos e prazos legais.
 Esta reclamação deverá subir imediatamente nos próprios autos e com efeito 
 suspensivo.
 
  
 O Ministério Público pronunciou‑se do seguinte modo:
 
  
 A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 Na verdade – e como decorre expressamente do acórdão recorrido – a decisão que 
 considerou manifestamente improcedente o recurso interposto perante a Relação 
 fundou‑se numa apreciação liminar do mérito e não na existência de quaisquer 
 deficiências formais da motivação e respectivas conclusões. Tal implica que não 
 haja sido obviamente aplicada a dimensão normativa já declarada inconstitucional 
 por este Tribunal, no acórdão indicado pelo recorrente.
 
  
 Cumpre apreciar.
 
  
 
  
 
 4.  O reclamante interpôs o recurso de constitucionalidade que não foi admitido 
 ao abrigo da alínea h) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
 Alega na presente reclamação que a indicação da referida alínea h) do 
 nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional se deveu a lapso, pois 
 pretendia interpor o recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea g) do 
 mesmo número e artigo.
 Admitindo como lapso manifesto a indicação da alínea h) do nº 1 do artigo 70º da 
 Lei do Tribunal Constitucional, e considerando, consequentemente, que o recurso 
 de constitucionalidade não admitido foi interposto ao abrigo da mencionada 
 alínea g), haverá que verificar os pressupostos processuais do recurso 
 interposto.
 O recurso previsto na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, cabe das decisões que apliquem norma que tenha sido 
 anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
 O reclamante invocou como acórdão fundamento o Acórdão nº 320/2002, no qual o 
 Tribunal Constitucional decidiu declarar “com força obrigatória geral, a 
 inconstitucionalidade, por violação do artigo 32º, n.º 1 da Constituição da 
 República Portuguesa, da norma constante do artigo 412º, n.º 2, do Código de 
 Processo Penal, interpretado no sentido de que a falta de indicação, nas 
 conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), 
 b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao 
 mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência”.
 Nos presentes autos, o recurso que o ora reclamante interpôs para o Tribunal da 
 Relação de Lisboa não foi admitido em face da improcedência dos argumentos do 
 então recorrente. Verifica‑se, desse modo, que a decisão que considerou 
 manifestamente improcedente o recurso procedeu à apreciação do mérito do 
 recurso, não se fundando em vícios formais dos quais pudesse enfermar o 
 respectivo requerimento de interposição.
 A decisão recorrida não fez, portanto, aplicação da norma do artigo 412º, nº 2, 
 do Código de Processo Penal, dado o tribunal a quo ter procedido à apreciação do 
 objecto do recurso, considerando‑o manifestamente improcedente.
 Assim, a norma aplicada como ratio decidendi da decisão recorrida não é a norma 
 que foi declarada inconstitucional com força obrigatória geral no Acórdão nº 
 
 320/2002, pelo que não se verifica o pressuposto processual do recurso da alínea 
 g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, consistente na 
 aplicação, pela decisão recorrida de norma anteriormente julgada 
 inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
 Não podia, nessa medida, o recurso de constitucionalidade interposto ser 
 admitido, pelo que a presente reclamação é improcedente.
 
  
 
  
 
 4.  Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide rejeitar a presente 
 reclamação.
 
  
 
  
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs. 
 
  
 Lisboa, 31 de Janeiro de 2006
 
  
 Maria Fernanda Palma
 
  
 Benjamim Rodrigues
 
  
 Rui Manuel Moura Ramos