 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo nº 164/2006.
 
 3ª Secção.
 Relator: Conselheiro Bravo Serra.
 
  
 
  
 
                      1. Em 6 de Março de 2006 o relator proferiu a seguinte 
 decisão: –
 
  
 
                      “1.     Na acção intentada por A., Ldª, contra B., S.A., em 
 Tribunal Arbitral instalado em Lisboa e na qual a autora solicitava a condenação 
 da ré a pagar-lhe a quantia de € 3.330.773,66 e juros vincendos, foi, em 21 de 
 Julho de 2004, proferida decisão que julgou procedente tal acção.
 
  
 
                      Inconformada, dessa decisão apelou a ré para o Tribunal da 
 Relação de Lisboa que, por acórdão de 13 de Dezembro de 2004, julgou 
 improcedente a apelação, o que motivou a apelante a pedir revista para o Supremo 
 Tribunal de Justiça.
 
  
 
                      Na alegação adrede produzida, a ré formulou as seguintes 
 
 «conclusões»: –
 
  
 
 ‘1. O Acórdão em revista decidiu pela improcedência da invocada incompetência do 
 Presidente do tribunal arbitral para receber o recurso de apelação objecto de 
 pronúncia, sendo que era ao poder judicial que competia proferir a decisão 
 respeitante ao recebimento ou à rejeição do recurso – depois do depósito 
 judicial da sentença arbitral – e daí que julgando improcedente tal excepção, 
 aquele aresto fez errada interpretação do disposto no artº 14º-3 da Lei de 
 Arbitragem Voluntária (Lei nº 31/86, de 29 de Agosto.
 
 2. Daí que, na falta de despacho judicial a receber o recurso de apelação 
 interposto, o prazo para apresentação de alegações nem sequer se tenha iniciado.
 
 3. Posteriormente à convenção de arbitragem, a Demandada viu-se, sem culpa sua, 
 na impossibilidade de custear as despesas da arbitragem, o que gerou a 
 caducidade da mesma convenção e, assim, também a competência do tribunal 
 arbitral para conhecer da causa.
 
 4. O Acórdão recorrido ao negar relevância à excepção deduzida com fundamento em 
 que o Recorrente não fez prova da sua situação de carência para suportar as 
 despesas da instância arbitral, ignorou pura e simplesmente que a Recorrente não 
 o pode fazer, apenas porque foi impedida por decisão do Tribunal Arbitral, com o 
 que esse aresto violou o art. 20º da Constituição.
 
 6. Por outro lado, ao decidir improceder o vício da alínea c) da Acta de 
 Instalação do tribunal arbitral, que estabelece a aplicação irrestrita à 
 arbitragem, das regras do processo declarativo sumário do Código de Processo 
 Civil, sem explicitar que só seriam aplicáveis unicamente as regras do rito que 
 não fossem, pela sua natureza, incompatíveis com a natureza e o carácter da 
 instância arbitral, o Acórdão em revista faz errada interpretação das 
 disposições da LAV.
 
 7. O Acórdão recorrido também faz errada interpretação da LAV na parte em que 
 decide manter deliberação dos Senhores Árbitros [Acta referida na alínea n)] no 
 sentido de não haver gravação da audiência final, a menos que alguma das partes 
 o requeresse e fornecesse os meios que possibilitassem a gravação, sancionando 
 uma verdadeira renúncia ao recurso sobre a matéria de facto, invertendo o quadro 
 de direitos e deveres das partes e dos árbitros, substanciando tal deliberação 
 uma declaração de vontade de quem não tem para ela, legitimidade.
 
 8. De igual modo, o acórdão recorrido ao julgar improcedente alegado vício do 
 acto de instalação do tribunal arbitral [Acta referida, alínea r)], traduzido na 
 ampliação dos poderes do presidente do tribunal arbitral sem o necessário acordo 
 das partes, negou aplicação ao disposto no artº 14º-3, com referência ao artº 
 
 1º-1, da LAV.
 
 9. Mais, ao julgar competentes os Senhores Árbitros, para fixarem, sem o acordo 
 das partes, as suas próprias remunerações e as do Senhor Secretário Judicial 
 
 [alínea v) da Acta referida), deliberação esta que influenciou decisivamente a 
 decisão final da arbitragem (sentença arbitral recorrida), o acórdão violou as 
 normas imperativas dos artºs. 5º e 15º-2 da LAV.
 
 10. Finalmente, o Tribunal recorrido julgando irrepreensível decisão do tribunal 
 arbitral em considerar ‘não escrita’ toda a matéria da contestação da recorrente 
 estranha à excepção da incompetência e considerar admitidos por acordo todos os 
 factos da petição inicial, em consequência da falta de pagamento do preparo 
 inicial.
 
 11. O Acórdão recorrido ofende, assim, os princípios da tutela jurisdicional e 
 do acesso ao Direito consagrados no artº 20º da Constituição, tal como ofende, 
 clara e directamente, os princípios consagrados no artº 16º-a) e c) da LAV.
 
 12. Todas as violações das normas invocadas tiveram, na verdade, influência 
 decisiva na resolução do litígio e, gerando incompetência do tribunal arbitral e 
 ofensa dos princípios do tratamento absolutamente igual das partes e da estrita 
 observância do contraditório – tendo sido arguidas e alegadas pela Demandada, 
 ora Recorrente, quando delas teve conhecimento no decurso da arbitragem – são 
 fundamento e deveriam ter conduzido à anulação da sentença arbitral, como 
 decorre do artº 27º da Lei de Arbitragem Voluntária.
 
 13. Deve, pois, ser revogado o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 
 de 14 de Dezembro de 2004 por via da presente Revista (cfr. artigo 668.º, n.º 1 
 alíneas b) e d), 716.º, 721.º, 729.º do Código de Processo Civil) com todas as 
 consequências legais’.
 
  
 
                      Deverá, por outro lado, assinalar-se que, no «teor» da 
 alegação, se não lobriga qualquer asserção de onde resulte, directa ou 
 indirectamente, explícita ou implicitamente, a imputação a qualquer normativo do 
 ordenamento jurídico infra-constitucional (ainda que alcançado por via de um 
 processo interpretativo incidente sobre preceito constante de tal ordenamento) 
 do vício de desarmonia com a Lei Fundamental.
 
  
 
                      Na verdade, o que se surpreende no aludido teor, 
 talqualmente se condensa nas transcritas «conclusões», é que o acórdão então 
 intentado impugnar perante o Supremo Tribunal de Justiça, ao decidir como 
 decidiu, violou, ele mesmo, no que agora releva, as normas e princípios 
 substanciados no artigo 20º da Constituição.
 
  
 
                      Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 12 de 
 Julho de 2005, negado a revista, veio a autora, quanto a esse aresto, solicitar 
 a rectificação de erro material e arguir nulidade.
 
  
 
                      Por acórdão de 19 de Janeiro de 2006, aquele Alto Tribunal 
 levou a efeito a rectificação de um lapso de escrita constante do acórdão de 12 
 de Julho de 2005 e desatendeu a arguida nulidade.
 
  
 
                      Fez então a ré juntar aos autos requerimento por intermédio 
 do qual manifestou a sua intenção de, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º 
 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional, referentemente, ao que tudo indica, do aresto acima mencionado 
 em último lugar, pretendendo, através dessa impugnação, ver ‘apreciada a 
 inconstitucionalidade das normas dos artigos 4.º, 15.º, 16.º e 21.º da Lei n.º 
 
 31/86, de 19 de Agosto – Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) –, conjugadas com as 
 normas das alíneas c) e v) n.ºs 5 e 6 da Acta de Instalação do Tribunal 
 Arbitral, na interpretação com que foram expressa e ou implicitamente aplicadas 
 no Acórdão recorrido’, aditando: –
 
  
 
                      – que, de acordo com aquela interpretação, ‘a cláusula 
 compromissória não caduca, mantendo-se, consequentemente, a competência do 
 tribunal Arbitral para conhecer da causa, quando e apesar de,
 
                               i) posteriormente à convenção de arbitragem, a 
 parte Demandada viu-se, sem culpa sua, na impossibilidade de custear as despesas 
 da arbitragem,
 
                               ii) se, apesar de alegada, não tiver ficado 
 comprovada nos autos essa insuficiência económica superveniente e que ela tenha 
 sido inelutável e inultrapassável,
 
                               iii) ainda que, por força das regras de processo 
 concretamente aplicáveis e aplicadas à instância arbitral, essa Parte tenha 
 ficado inibida de produzir qualquer espécie de prova em consequência do não 
 pagamento atempado do preparo inicial,
 
                               iv) e tenha visto também desentranhada a 
 contestação apresentada por ela,
 
                               v) pois cabe supletivamente aos árbitros o poder 
 soberano de fixar livremente as regras processuais a observar na arbitragem, se 
 as partes não acordarem sobre elas (incluindo o efeito e repartição das 
 despesas, custas e preparos e consequências da falta do seu pagamento, com os 
 inerentes ónus na tramitação processual) abrangidos, também, os próprios 
 encargos remuneratórios, que são pressuposto processual do funcionamento o 
 tribunal Arbitral.’;
 
  
 
                      – e, ainda, que, ‘Na medida em que, considerando:
 
                               – que posteriormente à convenção de arbitragem, a 
 Recorrente ficou efectivamente privada de meios que lhe permitissem fazer face a 
 quaisquer despesas com a instância arbitral, em consequência de arresto 
 requerido pela Recorrida contra si;
 
                               – E só por isso, apenas, a Recorrente viu-se 
 necessariamente impedida de, sem culpa sua, poder     efectuar o pagamento do 
 preparo inicial da Arbitragem’;
 
  
 
                      Finalizou a ré o requerimento a que nos reportamos dizendo:
 
  
 
  ‘A Recorrente alegou estes factos na Contestação que apresentou perante o 
 Tribunal Arbitral, na qual arrolou desde logo as suas testemunhas e também 
 protestou apresentar prova documental se os Senhores Árbitros deliberassem 
 admiti-la;
 
                               – Mas, o Senhor Árbitro Presidente por despacho de 
 fls. 393, face ao não pagamento desse preparo        inicial, ordenou, sem mais, 
 o desentranhamento da contestação e,
 
                               – Também pelo mesmo motivo, não foi considerado 
 tudo o que a mesma contestação comportava,   para além da matéria referente à 
 excepção da incompetência do tribunal Arbitral;
 
                               – Nem o Tribunal Arbitral indagou sobre a situação 
 de insuficiência económica inultrapassável que fora alegada pela Recorrente, nem 
 a admitiu a fazer prova dela;
 
                               – Sendo também que, por aplicação das demais 
 regras processuais unilateralmente fixadas pelo tribunal Arbitral na Acta de 
 Instalação os Senhores Árbitros consideraram admitidos por acordo todos os 
 factos vertidos na petição e, em consequência, julgaram a acção arbitral 
 procedente e condenaram a Recorrente no pedido;
 
                               – Com o que, tal decisão arbitral, – 
 posteriormente mantida pelo Tribunal recorrido, sem qualquer   censura –, 
 colocou a Recorrente na situação consumada de não [ter] sido admitida a poder 
 fazer valer minimamente na instância, as suas razões, num processo que decorreu 
 com inobservância do mais elementar debate entre as posições das partes.
 O sentido interpretativo com que foram aplicadas pelo Tribunal a quo as normas 
 supra indicadas da LAV, viola frontal e inadmissivelmente os princípios 
 fundamentais da tutela jurisdicional e do acesso ao Direito consagrados no 
 artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
 
 3. A questão de inconstitucionalidade foi expressa e repetidamente suscitada nos 
 autos, nas alegações do recurso de Apelação interposto pela ora Recorrente da 
 Decisão Arbitral, nas alegações do recurso de Revista interposto do Acórdão do 
 Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de Dezembro de 2004 e, ainda, na 
 Reclamação, por omissão de pronuncia, deduzida contra o Acórdão desse Supremo 
 Tribunal, de 12 de Julho de 2005.’
 
  
 
                      O Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, por 
 despacho de 9 de Fevereiro de 2006, admitiu o recurso.
 
  
 
  
 
                      2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 
 do artº 76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter 
 sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente 
 decisão, por força da qual se não toma conhecimento do objecto da presente 
 impugnação.
 
  
 
                      Situando-nos, como nos situamos, perante um recurso esteado 
 na alínea b) do nº 1 do artº 70º da referenciada Lei, mister é, por entre o 
 mais, que a «parte» que do mesmo deseja vir a lançar mão suscite, 
 precedentemente à prolação da decisão judicial que deseja submeter ao crivo 
 deste órgão de administração de justiça, a desconformidade com o Diploma Básico 
 por banda de normas ínsitas no ordenamento ordinário.
 
  
 
                      E isto porque, como claro é, e deflui, quer do citado artº 
 
 70º, quer do artigo 280º da Constituição, objecto dos recursos de fiscalização 
 concreta da constitucionalidade e da legalidade são normas pertencentes àquele 
 ordenamento e não outros actos do poder público tais como, verbi gratia, as 
 decisões judiciais qua tale consideradas.
 
  
 
                      Ora, consoante resulta do relato supra levado a efeito, 
 aquando do equacionamento das questões fundamentadoras do recurso de revista, a 
 ré, de todo em todo, não impostou qualquer problema de onde, minimamente, se 
 pudesse extrair o questionamento da compatibilidade constitucional de qualquer 
 normativo ordinário que tivesse constituído a razão jurídica da decisão então 
 impugnada, ou seja, o acórdão lavrado no Tribunal da Relação de Lisboa, antes 
 optando por eleger, como alvo do vício de enfermidade constitucional, os 
 próprios juízos decisórios insertos neste aresto.
 
  
 
                      E, seguramente por isso, se não vislumbra no acórdão tirado 
 no Supremo Tribunal de Justiça qualquer menção à problemática da desconformidade 
 constitucional por parte dos preceitos que ancoraram a decisão da 2ª instância.
 
  
 
                      Sendo previsível ou plausível que a proferenda decisão 
 judicial a tomar no mais elevado Tribunal da ordem dos Tribunais Judiciais 
 viesse a acolher (como aliás, in casu, acolheu, na sua integralidade) as razões, 
 designadamente de ordem jurídica, que constituíram o alicerce de direito do 
 acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, impunha-se à ré que, concernentemente 
 aos preceitos que tal constituição substanciaram, suscitasse a respectiva 
 desarmonia com normas ou princípios constitucionais.
 
  
 
                      O que, como se viu, não fez.
 
  
 
                      Diga-se ainda que o que é referido nos passos, acima 
 extractados, do requerimento de interposição de recurso, pelo menos e mais 
 vincadamente, no tocante às asserções utilizadas a partir da frase ‘Na medida em 
 que, considerando:’, em bom rigor, nem sequer pode ser considerado como uma 
 explicitação de uma dimensão interpretativa dos preceitos precipitados nos 
 artigos 4º, 15º, 16º e 21º da Lei nº 31/86, de 19 de Agosto, já que aquilo que 
 ali se contém não pode minimamente traduzir um sentido normativo.
 
  
 
                      Neste contexto, de concluir é que, à míngua da verificação 
 do pressuposto da suscitação da questão de inconstitucionalidade antes do 
 proferimento da decisão judicial agora querida recorrer, se não tome 
 conhecimento do objecto do recurso, condenando-se a impugnante nas custas 
 processuais, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta.”
 
  
 
                      Da transcrita decisão reclamou a B., dizendo: –
 
  
 
 “1. Por decisão sumária proferida a fls. 764 a 769 dos autos, foi entendido não 
 poder conhecer-se do objecto do presente recurso, condenando-se, em 
 consequência, ora Reclamante nas custas do processo, por não se mostrar 
 verificado o «pressuposto da suscitação da questão de inconstitucionalidade 
 antes do proferimento da decisão judicial querida recorrer».
 
 2. São os seguintes os fundamentos extraídos da decisão ora reclamada, com que a 
 Reclamante não pode conformar-se:
 A – «.., se não vislumbra no acórdão tirado no Supremo Tribunal de Justiça 
 qualquer menção à problemática da desconformidade constitucional por parte dos 
 preceitos que ancoraram a decisão de 2ª instância».
 E,
 B – «Sendo previsível ou plausível que a proferida decisão judicial tomar no 
 mais elevado Tribunal da ordem dos Tribunais Judiciais viesse a acolher (como 
 aliás, in casu, acolheu na sua integralidade) as razões, designadamente de ordem 
 jurídica que constituíram o alicerce de direito do acórdão do Tribunal da 
 Relação de Lisboa, impunha-se à ré que, concernentemente aos preceitos que tal 
 constituição substanciaram, suscitasse a respectiva desarmonia com normas ou 
 princípios constitucionais».
 
 3. Relativamente ao primeiro dos argumentos em que se fundamenta., a decisão 
 sumária dá como adquirido que a ora Reclamante «de todo em todo» não questionou 
 no recurso de revista a compatibilidade constitucional de qualquer normativo 
 ordinário que tivesse constituído a razão jurídica da decisão do Tribunal da 
 Relação de Lisboa nele impugnada.
 
 4. Não é verdade que assim seja, como se demonstrará de seguida.
 
 5. Em primeiro lugar, interessa começar por notar que a decisão ora reclamada 
 não reproduz na sua integralidade – com seria esperado e devido, dada a 
 essencialidade da questão, todas as conclusões com que a ré ora Reclamante 
 terminou as suas alegações da revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
 
 6. Omitiu-se na decisão aqui reclamada a conclusão vertida sob o n.º 5 das 
 alegações de revista, cujo teor se transcreve,
 O Tribunal recorrido ao decidir que os tribunais arbitrais voluntários, por não 
 serem um órgão de soberania (não integram o conceito constante do artigo 202º 
 n.º 1 Constituição), não se lhes aplica o artigo 20º da CRP, também faz errada 
 interpretação desta disposição constitucional, violando o direito fundamental de 
 acesso aos tribunais, ínsito à mesma norma.
 
 7. Sobre esta questão de inconstitucionalidade expressamente suscitada durante o 
 processo inclusive em sede de arguição de nulidade do Acórdão do STJ, de l2 de 
 Julho de 2005, nunca o Tribunal a quo emitiu expressa e devida pron[ú]ncia.
 
 8. Ora, como facilmente se constata, tomadas no seu conjunto as conclusões da 
 ora Reclamante em sede de Revista, as razões de natureza jurídica em que se 
 funda o Acórdão recorrido – e antes dele o Acórdão do Tribunal da Relação de 
 Lisboa – estribam-se na inconsideração do artigo 20.º da Constituição e da sua 
 irrelevância para o decidido.
 
 9. Sendo que, é precisamente a interpretação desconforme com o artigo 20º da 
 Constituição das normas da LAV e das normas da Acta de Instalação do Tribunal 
 Arbitral expressa ou implicitamente aplicadas no Acórdão recorrido cuja 
 sindicabilidade a ora Reclamante suscitou tempestiva e inequivocamente no 
 processo, como pode extrair-se, por todas, da conclusão 12 das sua alegações de 
 Revista.
 
 10. Em segundo lugar, também é patente face ao Acórdão do Tribunal da Relação de 
 Lisboa impugnado na Revista para o STJ, que o aí decidido ancora-se em 
 posicionamentos doutrinais e em princípios gerais de direito vagos, com os quais 
 se basta no essencial e que não revelam preceito ou preceitos normativos cujo 
 sentido interpretativo, por desconforme com a Constituição, pudesse ter-se 
 questionado especificamente nas alegações de Revista. Não se alcança, assim, do 
 decidido a norma cuja interpretação relevou na resolução das questões de 
 inconstitucionalidade atempadamente suscitadas.
 
 11. Acresce, igualmente, que o Acórdão recorrido do STJ confrontou a ora 
 Reclamante com uma situação de aplicação ou interpretação normativa, que colide 
 com jurisprudência anterior do mesmo Tribunal – aliás, expressamente invocada – 
 sobre a mesma questão de inconstitucionalidade, nada permitindo fazer esperar, 
 nem prever no caso que tal sucedesse.
 
 12. E neste circunstancialismo excepcional, nunca seria, nem é de exigir que a 
 ora Reclamante pudesse antever tal inflexão no decidido antes, de modo a 
 impor-lhe o ónus de suscitar a questão de inconstitucionalidade no processo por 
 referência norma ou normas aplicadas ou ao sentido interpretativo que lhes foi 
 dado na decisão recorrida.
 
 13. Como a propósito se pronunciou já este Tribunal Constitucional (vd. Acórdão 
 
 674/99) «O resultado do processo de interpretação ou criação normativa, ínsito 
 na actividade interpretativa dos tribunais, não pode deixar de ser matéria de 
 controlo de constitucionalidade pelos tribunais comuns e pelo Tribunal 
 Constitucional, quando a própria Constituição exigir limites muitos precisos a 
 tais processos de interpretação […] normativa, não reconhecendo qualquer 
 amplitude criativa ao julgador.».
 
 14. Assim, o negar conhecimento ao presente recurso, com fundamento na falta de 
 pressuposto formal de admissibilidade que, pelas razões expostas não pode 
 proceder, a decisão sumária ora reclamada, impede a ora Reclamante de poder 
 obter a revisão do decidido e, consequentemente, remete-a irremediavelmente no 
 caso, para a inconsideração do direito fundamental de acesso à justiça e aos 
 Tribunais, ínsito no artigo 20º da Constituição e cuja tutela cabe a esse 
 Tribunal assegurar-lhe.
 
 15. Termos em que, deve ser julgada procedente a presente reclamação e, em 
 consequência, decidido que deve conhecer-se do objecto do presente recurso, deve 
 ser ordenado o respectivo prosseguimento.”
 
  
 
                      Ouvida sobre a reclamação, a A. pronunciou-se, dizendo: –
 
  
 
 “(…)
 
 2. Por decisão sumária, proferida nos termos do disposto no n.º 1, do art. 
 
 78.º-A da LTC, decidiu o Exmo. Juiz Conselheiro Relator não tomar conhecimento 
 do objecto do recurso, com fundamento na inexistência de um dos pressupostos do 
 recurso de constitucionalidade – a suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade antes de proferida a decisão judicial recorrida.
 
 3. Como bem refere a douta Decisão ora reclamada, no teor das conclusões do 
 recurso de revista interposto para o Supremo Tribunal de Justiça (de resto, a 
 
 última peça processual em que a Recorrente poderia ter suscitado a questão de 
 inconstitucionalidade) ‘se não lobriga qualquer asserção de onde resulte, 
 directa ou indirectamente, explícita ou implicitamente, a imputação a qualquer 
 normativo do ordenamento jurídico infra-constitucional (ainda que alcançado por 
 via de um processo interpretativo incidente sobre preceito constante desse 
 ordenamento) do vício de desarmonia com a Lei Fundamental’ (sublinhado nosso).
 
 4. Na verdade, no número 4 das aludidas conclusões do recurso de revista, a 
 Recorrente alega que ‘o Acórdão recorrido ao negar relevância à excepção 
 deduzida com fundamento em que o Recorrente não fez prova da sua situação de 
 carência para suportar as despesas da instância arbitral, ignorou pura e 
 simplesmente que a Recorrente não o pode fazer, apenas porque foi impedida por 
 decisão do Tribunal Arbitral, com o que esse arresto violou o art. 20.º da 
 Constituição’ (sublinhado nosso).
 
 5. Alega ainda, no número 11 das referidas conclusões, que ‘o Acórdão recorrido 
 ofende, assim, os princípios da tutela jurisdicional e do acesso ao Direito 
 consagrados no art. 20.º da Constituição (…)’ (sublinhado nosso).
 
 6. Ou seja, aquilo que a Recorrente fez, em sede de recurso de revista, foi 
 suscitar a questão da eventual inconstitucionalidade do Acórdão, isto é, da 
 decisão judicial, proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
 
 7. Como refere a douta Decisão ora reclamada, a Recorrente não escolhe, como 
 alvo do juízo de inconstitucionalidade, quaisquer normas (ainda que obtidas por 
 via interpretativa) do ordenamento jurídico infra-constitucional, mas sim ‘os 
 próprios juízos decisórios insertos’ no arresto (sublinhado nosso).
 
 8. Ora, nos termos dos arts. 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição e 70.º, n.º 
 
 1, alínea b), da LTC ‘cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, 
 das decisões dos tribunais: b) que apliquem norma cuja constitucionalidade haja 
 sido suscitada durante o processo’.
 
 9. Assim, e em primeiro lugar, objecto de fiscalização da constitucionalidade 
 hão-de ser normas, entendidas, de acordo com a jurisprudência constante e 
 uniforme do Tribunal Constitucional (que obteve a sua primeira manifestação no 
 Acórdão n.º 26/85, disponível in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5.º 
 volume, p. 18), como quaisquer actos do poder público, ainda que revestidos de 
 carácter individual e concreto, ‘que contêm uma regra de conduta ou um critério 
 de decisão para os particulares, para a Administração e para os tribunais’.
 
 10. ‘Não são, por conseguinte, todos os actos do poder público os abrangidos 
 pelo sistema de fiscalização da constitucionalidade previsto na Constituição. A 
 eles escapam, por um lado (…) as decisões judiciais e os actos da Administração 
 sem carácter normativo (…)’ - cfr. o referido Acórdão n.º 26/85.
 
 11. Mas, para além da existência de uma norma jurídica, são pressupostos 
 específicos do recurso de constitucionalidade previsto na aludida alínea b), do 
 art. 70.º, da LTC: (i) ‘que a decisão judicial tenha aplicado (expressa ou 
 implicitamente) a norma reputada inconstitucional; (ii) que o juízo sobre a 
 constitucionalidade da norma tenha sido uma verdadeira ratio decidendi e não um 
 mero obter dictum da decisão recorrida; (iii) que a questão de 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada ´durante o processo`, entendida esta 
 expressão em sentido funcional (…), isto é, em regra, antes de esgotado o poder 
 jurisdicional sobre tal questão do tribunal a quo; (iv) e que não seja 
 admissível recurso ordinário da decisão judicial.’ – ALVES CORREIA, Direito 
 Constitucional – A Justiça Constitucional, Almedina, Coimbra, 2001, p. 97 
 
 (sublinhado nosso).
 
 12. Ou seja, e para aquilo que aqui interessa reflectir, antes de esgotado o 
 poder jurisdicional do tribunal recorrido, ou seja, num momento processual em 
 que o tribunal a quo (in casu o Supremo Tribunal de Justiça) ainda pudesse dela 
 conhecer, isto é, antes da prolação da decisão recorrida (Cfr., entre muitos 
 nesse sentido, os Acórdãos n.ºs 62/85, 90/85 e 450/87, in Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 5º vol., p. 497 e 663 e 10º vol., p. 573, respectivamente) a 
 Recorrente deveria ter suscitado a questão da inconstitucionalidade 
 
 (desconformidade de uma norma infra-constitucional com a Lei Fundamental), o que 
 efectivamente não ocorreu.
 
 13. Na verdade, a Recorrente chegou a suscitar a inconstitucionalidade de normas 
 jurídicas. Fê-lo, no entanto, apenas no seu requerimento de interposição de 
 recurso para o Tribunal Constitucional.
 
 14. Ora, no momento em que a questão foi colocada – aquando da interposição do 
 recurso de constitucionalidade – o tribunal recorrido já havia emitido o seu 
 juízo decisório, não dispondo, então, do necessário poder jurisdicional para 
 apreciar a questão.
 
 15. Até esse momento, reafirme-se, a Recorrente havia tão-só suscitado a 
 desconformidade da actividade jurisdicional com a Constituição, matéria que não 
 cabe na iurisdictio do Tribunal Constitucional.
 
 16. Nem se diga que se está perante uma daquelas situações excepcionais ou 
 anómalas, em que a Recorrente não teve oportunidade processual de suscitar a 
 questão de inconstitucionalidade – situações a que a doutrina e jurisprudência 
 constitucional comummente designam de decisões surpresa.
 
 17. Na verdade, como bem refere a douta decisão recorrida, era ‘previsível ou 
 plausível que a proferenda decisão judicial (…) viesse a acolher (como aliás, in 
 casu, acolheu, na sua integralidade) as razões (…) que constituíram o alicerce 
 de direito do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa’.
 
 18. Pelo que, poderia (rectius, deveria) ter sido suscitada a questão do alegado 
 vício de inconstitucionalidade de que padeceriam as enunciadas normas da Lei da 
 Arbitragem Voluntária perante o Supremo Tribunal de Justiça, o que 
 manifestamente não foi feito.
 
  
 
                      Cumpre decidir.
 
  
 
                      2. Como resulta da transcrição da peça processual 
 consubstanciadora da reclamação, a impugnante começa por manifestar a sua 
 discordância referentemente à decisão ora sub iudicio dizendo que se omitiu na 
 decisão em crise a «conclusão» 5 da alegação por ela produzida no recurso de 
 revista, sustentando que dessa «conclusão» resultava uma “questão de 
 inconstitucionalidade expressamente suscitada durante o processo” e que a mesma, 
 tomada em conjunto com as restantes, fundava “as razões de natureza jurídica” do 
 acórdão então recorrido, que «inconsiderou» o artigo 20º da Constituição.
 
  
 
                      É certo que não ocorreu a transcrição da dita «conclusão», 
 o que se deve, porventura, a falha nos meios de digitalização de que se socorreu 
 o relator para, naquele ponto, extractar a totalidade das «conclusões» 
 formuladas no recurso de revista.
 
  
 
                      E nem se compreende que de outro modo assim fosse, já que, 
 
 à excepção dela, todas as demais «conclusões» se encontram transcritas.
 
  
 
                      Essa «conclusão» 5 tem o seguinte teor: – “5. O Tribunal 
 recorrido ao decidir que os tribunais arbitrais voluntários, por não serem 
 
 órgãos de soberania (não integram o conceito constante do artigo 202.º, n.º 1 da 
 Constituição), não se lhes aplica o artigo 20.º da CRP, também faz errada 
 interpretação desta disposição constitucional, violando o direito fundamental de 
 acesso aos tribunais ínsito à mesma norma”.
 
  
 
                      É acentuadamente evidente que aquela «conclusão» 5 não 
 imposta qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Antes imputa ao 
 aresto proferido no tribunal então a quo uma directa não observância de um 
 preceito constitucional – interpretando indevidamente o artigo 20º do Diploma 
 Básico –, aliás talqualmente sucedeu com o que se contem nas demais 
 
 «conclusões», maxime na «conclusão» 11, e que motivou a prolação da decisão 
 agora reclamada.
 
  
 
                      Reitera-se, pois, que em passo algum da alegação da revista 
 foram imputadas a normas do ordenamento infra-constitucional, nomeadamente às 
 que se pudessem extrair dos preceitos indicados no requerimento de interposição 
 de recurso para o Tribunal Constitucional, o vício de desarmonia com Lei 
 Fundamental.
 
  
 
                      Refere seguidamente a reclamante que tendo a decisão tomada 
 pelo acórdão lavrado no Tribunal da Relação de Lisboa sido esteada “em 
 posicionamentos doutrinais e em princípios gerais de direito vagos”, não 
 revelando “preceito ou preceitos normativos cujo sentido interpretativo, por 
 desconforme com a Constituição, pudesse ter-se equacionado especificadamente nas 
 alegações de Revista”, nunca seria de exigir à impugnante a suscitação de 
 questões de inconstitucionalidade, até porque o acórdão tirado no Supremo 
 Tribunal de Justiça decidiu em contrário de anterior jurisprudência  do mesmo 
 Alto Tribunal.
 
  
 
                      É a todos os títulos evidente que não colhe um tal 
 argumento.
 
  
 
                      Como se escreveu na decisão reclamada, o acórdão prolatado 
 no Supremo Tribunal de Justiça acolheu, na sua integralidade, as razões que 
 fundaram o decidido na 2ª instância. Ora, se porventura – do que se duvida – o 
 aresto lavrado na 2ª instância decidiu com fundamento, não em preceitos 
 concretos, mas sim em “em posicionamentos doutrinais e em princípios gerais de 
 direito vagos”, então haveria de concluir-se que identicamente o acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça não repousou em qualquer normativo concreto, mas sim 
 naqueles «posicionamentos doutrinais e princípios vagos de direito», não se 
 lobrigando, nessa eventualidade, a possibilidade de abertura do recurso de 
 fiscalização concreta da constitucionalidade que foi, no caso, reportado a 
 determinados preceitos do ordenamento ordinário; quando muito, poder-se-ia abrir 
 a via de recurso fundado em normativo ou normativos delineados (ou «criados» 
 especificamente por via jurisprudencial) para a resolução concreta do caso pelo 
 acórdão que se queria submeter à censura do Tribunal Constitucional e com os 
 quais, razoavelmente, a «parte» não poderia contar, mas que, nesse recurso, 
 haveria que, concretamente, enunciar.
 
  
 
                      Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se 
 a impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte 
 unidades de conta. 
 Lisboa, 31 de Março de 2006
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Artur Maurício