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Processo n.º 510/2007
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro  Pamplona de Oliveira
 
  
 ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
  
 
 1.
 No processo de insolvência instaurado no 2ª Juízo do Tribunal de Comércio de 
 Lisboa pela A. foi proferido em 5 de Fevereiro de 2007, antes ainda da citação 
 da ré, o seguinte despacho:
 
  
 
 “(…)
 A questão que se coloca nesta sede é a da competência em razão da matéria deste 
 Tribunal.
 De acordo com o art. 67°, do Código de Processo Civil As leis de organização 
 judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da 
 competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada. 
 A competência deste Tribunal encontra-se delimitada pelo artigo 89°, da L.O.T.J. 
 que, na redacção que lhe foi conferida pelo Dec. lei nº 53/04, de 18.03, dispõe 
 que o tribunal de comércio é competente para julgar o processo de insolvência se 
 o devedor for uma sociedade comercial ou se a massa insolvente integrar uma 
 empresa (art. 89°, nº 1, al. a). 
 Este preceito foi alterado pelo Dec. lei 76-A/06 de 29.03, entrado em vigor a 
 
 30.06.2006 (art. 64°) que, no seu artigo 29°, conferiu ao tribunal de comércio 
 competência para julgar os processos de insolvência. 
 O art. 165°, n° 1, al. p), da Constituição da República Portuguesa dispõe que É 
 da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes 
 matérias, salvo autorização ao Governo: Organização e competência dos tribunais 
 e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados, bem como das 
 entidades não jurisdicionais de composição de conflitos. Sobre as leis de 
 autorização prevê o n° 2 do mesmo preceito que as mesmas devem definir o 
 objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização. 
 O Dec. Lei 11° 76-A/2006 surgiu no uso de autorização legislativa concedida pelo 
 artigo 95°, da Lei n° 60-A/2005, de 30 de Dezembro. Este preceito, sob a 
 epígrafe dissolução e liquidação das entidades comerciais dispõe que: 
 
 1. O Governo fica autorizado, durante o ano de 2006, a alterar o regime da 
 dissolução e liquidação de entidades comerciais, designadamente das sociedades 
 comerciais, das sociedades civis sob a forma comercial, das cooperativas e dos 
 estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, através da aprovação 
 de um regime de dissolução e liquidação por via administrativa aplicável às 
 referidas entidades. 
 
 2 — O sentido e a extensão da autorização legislativa concedida no número 
 anterior são os seguintes: 
 a) atribuição às conservatórias do registo das competências necessárias para que 
 possam proceder à dissolução e liquidação de entidades comerciais através de um 
 procedimento administrativo, em substituição do regime de dissolução e 
 liquidação judicial de entidades comerciais, sem prejuízo das excepções 
 previstas na alínea seguinte; 
 b) estabelecimento das situações em que a dissolução e a liquidação judicial de 
 entidades comerciais pode ter lugar; 
 c) aplicação imediata do regime de dissolução e liquidação de entidades 
 comerciais através de um procedimento administrativo aos processos judiciais de 
 dissolução e liquidação que, à data da sua entrada em vigor, se encontrem 
 instaurados e pendentes em tribunal; 
 d) regulação das condições e requisitos da remessa às conservatórias de registo 
 dos processos judiciais referidos na alínea anterior; 
 e) determinação do tribunal competente para a impugnação judicial dos actos 
 praticados no âmbito do procedimento administrativo de dissolução e liquidação 
 de entidades comerciais’. 
 Ora resulta claro que este artigo não autorizou o governo a legislar sobre a 
 competência dos tribunais de comércio em matéria de insolvência (matéria que 
 aliás é de todo estranha à que o artigo regula). Significa isto que a alteração 
 da alínea a), do artigo 89°, da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, não foi 
 autorizada pela Lei 60-A/2005. Consequentemente, sendo tal matéria da 
 competência da Assembleia da República e não se encontrando o Governo autorizado 
 a legislar sobre a mesma, é organicamente inconstitucional a alteração em 
 apreço, não se aplicando a redacção em causa, antes se repristinando a anterior. 
 
 
 Neste sentido se pronunciou já o Ac. TC n° 690/2006 de 19 de Dezembro, no qual 
 se pode ler: Torna-se a todos os títulos claro que o sentido e extensão (que, 
 como sabido é, para se usarem as palavras de Jorge Miranda e Rui Medeiros, in 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo II, 537, significam a 
 concretização do “objectivo e o critério da disciplina legislativa a estabelecer 
 a condensação dos princípios ou a orientação fundamental a seguir pelo 
 decreto-lei”) da autorização legislativa constante do aludido art° 95° e 
 enunciados no seu n° 2, não podem comportar um entendimento que conduza a 
 considerar que nela foi delineado, por entre o mais, um programa legislativo que 
 implicasse a atribuição de uma dada competência a uma sorte de tribunais (para o 
 caso, afectando-a a determinados de competência especializada). 
 Na verdade, aquele artigo, substancialmente, visou a introdução de um programa 
 legislativo que consubstanciasse uma real «desjudicialização» do regime de 
 dissolução e liquidação das entidades comerciais — a operar por via 
 administrativa —, e prevendo se ainda uma forma de possibilitação da impugnação 
 das decisões tomadas por essa via, em passo algum se descortina se surpreende a 
 atribuição de competência a que acima se aludiu. 
 E, mesmo focando a alínea b) do nº 2 do citado artigo, toma-se patente que a 
 autorização para o editando diploma governamental estabelecer as situações cm 
 que a dissolução e a liquidação judicial das entidades comerciais pode ter lugar 
 não pode comportar um sentido de onde se extraia qual a atribuição de 
 competência a uma dada espécie de tribunal, pois que o «estabelecimento das 
 situações» significa, inequivocamente, a definição dos casos e condicionalismos 
 em que aquelas entidades podem vir a ser liquidadas por via jurisdicional e não 
 a definição do órgão judicial que vai aferir deles. Neste contexto, o normativo 
 em apreço, ao ser editado pelo Governo a descoberto de credencial parlamentar e 
 tendo em conta a matéria que regula, enferma do vício de inconstitucionalidade 
 orgânica.”. 
 O art. 89°, n° 1, al. a), com a redacção que lhe foi dada pelo art. 29° do 
 Dec.lei 76-A/06 de 29.03, foi novamente alterado pelo art. 14° do Dec.lei 8/2007 
 de 17 de Janeiro, que repôs a redacção deste artigo com a alteração que lhe 
 havia sido introduzida pelo Dec. lei n° 53/04. 
 Sucede, porém, que também este diploma, no que respeita à alteração do art. 89° 
 da LOTJ, enferma de inconstitucionalidade orgânica uma vez que a respectiva lei 
 de autorização legislativa (Lei 22/06 de 23 de Junho) não autorizou o governo a 
 legislar sobre a competência dos tribunais de comércio em matéria de 
 insolvência. 
 Assim, e não obstante esta última alteração ter voltado a dar ao preceito em 
 causa a redacção que lhe havia sido conferida pelo Dec. lei 53/04, por a mesma 
 não poder ser aplicada face à referida inconstitucionalidade orgânica, mantém-se 
 o supra exposto sobre a repristinação do Dec. lei 53/2004. 
 Ora, não resulta da p.i. que a requerida seja comerciante ou que na sua esfera 
 jurídica se integre um qualquer estabelecimento comercial. 
 Assim, é forçoso concluir não ser o tribunal de comércio de Lisboa o tribunal 
 competente em razão da matéria para conhecer do pedido (cfr. art. 77°, n.º 1, 
 al. a), da LOTJ). 
 A incompetência em razão da matéria é uma excepção dilatória de conhecimento 
 oficioso que implica a absolvição da instância ou o indeferimento liminar da 
 p.i. quando o processo depender de despacho liminar (arts. 494°, al. a), 102º, 
 n.º 1, 105º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil e 27°, nº 1, al. a) do 
 Dec. lei 200/2004 de 18 de Março).
 Face ao exposto e nos termos das supra citadas disposições legais, declaro este 
 Tribunal incompetente em razão da matéria e, consequentemente, absolvo a 
 requerida da instância.'
 
  
 
 2.
 Deste despacho recorre o Ministério Público para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, 
 para apreciação da questão da não aplicação 'com fundamento em 
 inconstitucionalidade orgânica da alteração da alínea a) do artigo 89.º da Lei 
 Orgânica dos Tribunais, efectuada pelo artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006 
 de 29 de Março, bem como a alteração dada pelo artigo 14º do Decreto-Lei n.º 
 
 8/2007 de 17 de Janeiro, por violação do artigo 165.º n.º 1 alínea p) da 
 Constituição da República Portuguesa”.
 
  
 O recurso foi admitido e o processo mandado subir sem que a ré tenha sido 
 citada.
 
  
 
 3.
 Na sua alegação, o Ministério Público concluiu pedindo a “procedência do 
 presente recurso quanto à questão de constitucionalidade suscitada quanto à 
 versão normativa decorrente do referido artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 8/2007”.
 
  
 
 4.
 O presente recurso obrigatório vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal 
 de Comércio de Lisboa que, em processo de insolvência de pessoa singular, julgou 
 organicamente inconstitucionais as normas constantes das sucessivas versões do 
 artigo 89º n.º 1 alínea a) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais 
 Judiciais (LOTJ), resultantes do disposto nos artigos 29º do Decreto-Lei n.º 
 
 76-A/2006 de 29 de Março e 14º do Decreto-Lei n.º 8/2007 de 17 de Janeiro.
 
  
 Há, na verdade, duas normas, ou dimensões normativas, a considerar no presente 
 recurso de constitucionalidade. 
 
  
 Diz, em primeiro lugar, o despacho, em determinado passo:
 
  
 
 “(…) Ora resulta claro que este artigo não autorizou o Governo a legislar sobre 
 a competência dos tribunais de comércio em matéria de insolvência (matéria que 
 aliás é de todo estranha à que o artigo regula). Significa isto que a alteração 
 da alínea a), do artigo 89°, da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, não foi 
 autorizada pela Lei 60-A/2005. Consequentemente, sendo tal matéria da 
 competência da Assembleia da República e não se encontrando o Governo autorizado 
 a legislar sobre a mesma, é organicamente inconstitucional a alteração em 
 apreço, não se aplicando a redacção em causa, antes se repristinando a anterior. 
 
 
 Neste sentido se pronunciou já o Ac. TC n° 690/2006 de 19 de Dezembro (…).
 
 “(...) O art. 89°, n° 1, al. a), com a redacção que lhe foi dada pelo art. 29° 
 do Dec.lei 76-A/06 de 29.03, foi novamente alterado pelo art. 14° do Dec.lei 
 
 8/2007 de 17 de Janeiro, que repôs a redacção deste artigo com a alteração que 
 lhe havia sido introduzida pelo Dec. lei n° 53/04. 
 Sucede, porém, que também este diploma, no que respeita à alteração do art. 89° 
 da LOTJ, enferma de inconstitucionalidade orgânica uma vez que a respectiva lei 
 de autorização legislativa (Lei 22/06 de 23 de Junho) não autorizou o Governo a 
 legislar sobre a competência dos tribunais de comércio em matéria de 
 insolvência. 
 Assim, e não obstante esta última alteração ter voltado a dar ao preceito em 
 causa a redacção que lhe havia sido conferida pelo Dec. lei 53/04, por a mesma 
 não poder ser aplicada face à referida inconstitucionalidade orgânica, mantém-se 
 o supra exposto sobre a repristinação do Dec. lei 53/2004”.
 
  
 
 5.
 Relativamente à 1ª versão da norma desaplicada já o Tribunal Constitucional se 
 pronunciou através, nomeadamente, dos seus Acórdãos n.ºs 690/06, 692/06, 43/07 e 
 
 131/07 (o primeiro publicado no DR, II Série, de 31 de Janeiro de 2007 e os 
 outros disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), dizendo:
 
  
 
 “Por intermédio do artº 8º do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, diploma 
 editado ao abrigo da Lei nº 39/2003, de 22 de Agosto, e na sequência do que se 
 prescreveu no artº 11º desta última, foi alterada a redacção da alínea a) do 
 artº 89º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento 
 dos Tribunais Judiciais), vindo a ser conferida aos tribunais de comércio 
 competência para o processo de insolvência se o devedor for uma sociedade 
 comercial ou a massa insolvente integrar uma empresa.
 Em 30 de Dezembro de 2005 foi editada a Lei nº 60-A/2005 (Lei do Orçamento de 
 Estado para 2006), a qual, no que ora interessa, dispôs no seu artº 95º:
 
  
 Artigo 95º
 Dissolução e liquidação de entidades comerciais
 
 1 - O Governo fica autorizado, durante o ano de 2006, a alterar o regime da 
 dissolução e liquidação de entidades comerciais, designadamente das sociedades 
 comerciais, das sociedades civis sob forma comercial, das cooperativas e dos 
 estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, através da aprovação 
 de um regime de dissolução e liquidação por via administrativa aplicável às 
 referidas entidades. 
 
 2 - O sentido e a extensão da autorização legislativa concedida no número 
 anterior são os seguintes: 
 a) Atribuição às conservatórias do registo das competências necessárias para que 
 possam proceder à dissolução e liquidação de entidades comerciais através de um 
 procedimento administrativo, em substituição do regime de dissolução e 
 liquidação judicial de entidades comerciais, sem prejuízo das excepções 
 previstas na alínea seguinte; 
 b) Estabelecimento das situações em que a dissolução e a liquidação judicial de 
 entidades comerciais pode ter lugar; 
 c) Aplicação imediata do regime de dissolução e liquidação de entidades 
 comerciais através de um procedimento administrativo aos processos judiciais de 
 dissolução e liquidação que, à data da sua entrada em vigor, se encontrem 
 instaurados e pendentes em tribunal; 
 d) Regulação das condições e requisitos da remessa às conservatórias de registo 
 dos processos judiciais referidos na alínea anterior; 
 e) Determinação do tribunal competente para a impugnação judicial dos actos 
 praticados no âmbito do procedimento administrativo de dissolução e liquidação 
 de entidades comerciais.
 
  
 Invocando o uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 95.º da Lei n.º 
 
 60-A/2005, de 30 de Dezembro (cfr. palavras finais do seu exórdio), foi, em 29 
 de Março de 2006, publicado o Decreto-Lei nº 76-A/2006, o qual, no seu artº 29º, 
 veio a dispor:
 
  
 Artigo 29.º
 Alteração à Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais
 O artigo 89. ° da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, alterada pela Lei n.º 101/99, 
 de 26 de Julho, pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de Dezembro, e 38/2003, 
 de 8 de Março, pela Lei n.º 105/2003, de 10 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 
 
 53/2004, de 18 de Março, e pela Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto, passa a ter a 
 seguinte redacção: 
 
 «Artigo 89.º
 
  [...]
 
 1 – Compete aos tribunais de comércio preparar e julgar: 
 a) Os processos de insolvência; 
 b)
 c)             
 d) 
 e) As acções de liquidação judicial de sociedades; 
 f) 
 g) 
 h) 
 
 2 – Compete ainda aos tribunais de comércio julgar: 
 a) 
 b) As impugnações dos despachos dos conservadores do registo comercial, bem como 
 as impugnações das decisões proferidas pelos conservadores no âmbito dos 
 procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de sociedades 
 comerciais;
 c) 
 
 3 – 
 
                   
 Com a alteração de redacção dada à alínea a) do nº 1 do artº 89º da Lei nº 3/99 
 ficou, pois, cometida aos tribunais de comércio competência para, na área da 
 respectiva jurisdição, curarem dos processos de insolvência, «alargando-se», 
 desta sorte, a competência de que, no domínio daquela Lei, anteriormente à 
 entrada em vigor do Decreto-Lei nº 76-A/2006 e posteriormente à vigência do 
 Decreto-Lei nº 53/2004, e para os processos em causa, desfrutavam. E isso, 
 justamente, porque, com a referência esses processos, aquela espécie de 
 tribunais tão só era competente para curar daqueles em que o devedor fosse  uma 
 sociedade comercial ou a massa insolvente integrasse uma empresa. O mesmo é 
 dizer que, se em causa se postasse a insolvência de uma pessoa singular e em que 
 a massa insolvente não fosse considerada como integrando uma empresa, a 
 competência para a preparação e julgamento do respectivo processo era cometida 
 ao tribunal de competência genérica [cfr. alínea a) do nº 1 do artº 77º da Lei 
 nº 3/99], ainda que de competência específica, e não a um dado tribunal de 
 competência especializada.                 
 A questão que se coloca reside, consequentemente, em saber, em primeiro lugar, 
 se dispunha o Governo, desacompanhado de credencial parlamentar, de competência 
 para editar uma norma tal como a ínsita no artº 29º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, 
 e, em segundo, caso se confira resposta negativa à primeira questão, se a 
 autorização concedida pelo artº 95º da Lei nº 60-A/2005 pode ser considerada 
 como abarcando a devida autorização para uma tal edição.
 
 2.1. Como resulta evidente, a alteração de redacção introduzida na alínea a) do 
 nº 1 do artº 89º da Lei nº 3/89 pelo Decreto-Lei nº 76-A/2006 consequenciou uma 
 
 «inovação» na competência material dos tribunais de comércio relativamente à que 
 detinham antes de se operar a vigência deste último diploma.
 Ora, como tem este Tribunal sublinhado, é da reserva relativa de competência da 
 Assembleia da República [nos termos da alínea p) do nº 1 do artigo 165º da 
 Constituição na versão da Lei Fundamental decorrente desde a Lei Constitucional 
 nº 1/92, de 20 de Setembro, vigente à data do diploma em causa] a edição de 
 legislação sobre a competência material dos tribunais, onde se inclui, “para 
 além da definição das matérias cujo conhecimento cabe aos tribunais judiciais e 
 a daquelas cuja conhecimento cabe aos tribunais administrativos e fiscais – … a 
 distribuição das matérias da competência dos tribunais judiciais pelos 
 diferentes tribunais de competência genérica e de competência especializada ou 
 específica” (cfr., verbi gratia, os Acórdãos números 36/87, 356/89, 72/90, 
 
 271/92, 163/95, 198/95 e 268/97, publicados, respectivamente, no Diário da 
 República, I Série, de 4 de Março de 1987, 23 de Maio de 1989 e 2 de Abril de 
 
 1990, mesmo jornal oficial, II Série, de, 23 de Novembro de 1992, 8 de Junho de 
 
 1992, 22 de Junho de 1995 e 22 de Maio de 1997). Ou, como se referiu no Acórdão 
 nº 476/98 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), “inclui-se na reserva 
 parlamentar a definição de toda a competência judiciária ratione materiae – ou 
 seja: a distribuição das matérias pelas diferentes espécies de tribunais 
 dispostos horizontalmente, no mesmo plano, sem que, entre eles, intercedam 
 relações de supra-ordenação e de subordinação”.
 Aqui chegados, e uma vez que o Decreto-Lei nº 76-A/2006 veio invocar o uso da 
 autorização legislativa concedido pelo artº 95º da Lei nº 60-A/2005, claramente 
 que, para a dilucidação no problema em apreço, se terá de enfrentar a questão de 
 saber se, ponderando o que se prescreve no nº 2 do artigo 165º da Lei 
 Fundamental, aquele normativo da Lei do Orçamento de Estado para 2006 (acima 
 transcrito) constituía credencial parlamentar bastante para habilitar o Governo 
 a emitir a norma ínsita no artº 29º do mencionado Decreto-Lei nº 76-A/2006.
 Torna-se a todos os títulos claro que o sentido e extensão (que, como sabido é, 
 para se usarem as palavras de Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, Tomo II, 537, significam a concretização do 
 
 “objectivo e o critério da disciplina legislativa a estabelecer a condensação 
 dos princípios ou a orientação fundamental a seguir pelo decreto-lei”) da 
 autorização legislativa constante do aludido artº 95º e enunciados no seu nº 2, 
 não podem comportar um entendimento que conduza a considerar que nela foi 
 delineado, por entre o mais, um programa legislativo que implicasse a atribuição 
 de uma dada competência a uma sorte de tribunais (para o caso, afectando-a a 
 determinados de competência especializada).
 Na verdade, aquele artigo, substancialmente, visou a introdução de um programa 
 legislativo que consubstanciasse uma real «desjudicialização» do regime de 
 dissolução e liquidação das entidades comerciais – a operar por via 
 administrativa –, e prevendo-se ainda uma forma de possibilitação da impugnação 
 das decisões tomadas por essa via, em passo algum se descortina se surpreende a 
 atribuição de competência a que acima se aludiu.
 E, mesmo focando a alínea b) do nº 2 do citado artigo, torna-se patente que a 
 autorização para o editando diploma governamental estabelecer as situações em 
 que a dissolução e a liquidação judicial das entidades comerciais pode ter lugar 
 não pode comportar um sentido de onde se extraia qual a atribuição de 
 competência a uma dada espécie de tribunal, pois que o «estabelecimento das 
 situações» significa, inequivocamente, a definição dos casos e condicionalismos 
 em que aquelas entidades podem vir a ser liquidadas por via jurisdicional e não 
 a definição do órgão judicial que vai aferir deles.”
 
  
 
 É este entendimento que, relativamente à alteração introduzida em 2006 através 
 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006 de 29 de Março o Tribunal reafirma; 
 ao ser editada pelo Governo a descoberto de credencial parlamentar e tendo em 
 conta a matéria que regula, a norma enferma de inconstitucionalidade orgânica.
 
                   
 
 6.
 Vejamos agora a questão que se reporta à alteração do artigo 89º n.º 1 alínea a) 
 resultante do artigo 14º do Decreto-Lei n.º 8/2007 de 17 de Janeiro que, no 
 entender do Tribunal recorrido é, também ela, violadora do disposto no artigo 
 
 165º n.º 1 alínea p) da Constituição, o que acarreta a inconstitucionalidade 
 orgânica da norma.
 Acontece que o Tribunal de Comércio se declarou incompetente para o conhecimento 
 do pedido formulado pelo requerente com fundamento na circunstância de não ter 
 sido alegado ('não resulta da p.i.') que 'a requerida seja comerciante ou que na 
 sua esfera jurídica se integre um qualquer estabelecimento comercial'. Com 
 efeito, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 89º da Lei n.º 3/99 de 13 de 
 Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), quer na 
 versão adoptada no Decreto-Lei nº 53/2004, quer na redacção conferida pelo 
 artigo 14º  do Decreto-Lei n.º 8/2007 de 17 de Janeiro, 'compete aos tribunais 
 de comércio preparar e julgar o processo de insolvência se o devedor for uma 
 sociedade comercial ou a massa insolvente integrar uma empresa'.
 Assim, ao especificar, como razão de decidir do juízo de incompetência do 
 tribunal de comércio, a circunstância de a requerida não ser comerciante nem no 
 seu património se integrar um qualquer estabelecimento comercial, a decisão 
 recorrida está, na verdade, a fazer aplicação da norma, embora retirada do 
 diploma de 2004, para reconhecer que se não verifica um pressuposto da sua 
 aplicação, isto é, como um feito totalmente coincidente à sua aplicação pela 
 norma 'desaplicada'.  Daqui se retira a completa inutilidade do conhecimento do 
 recurso nesta parte, pois, fosse qual fosse a decisão tomada, permaneceria 
 incólume, nesta parte, a decisão recorrida.
 Ouvido sobre a possibilidade de não conhecimento do recurso nesta parte, o 
 Ministério Público recorrente sustenta que na lógica da decisão recorrida a 
 competência do tribunal comum radica na repristinação do Decreto-Lei 53/2004 por 
 via de declaração de inconstitucionalidade material já decretada, mas que, no 
 entender do recorrente, essa competência advém directamente da norma constante 
 do artigo 14º do Decreto-Lei n.º 8/2007.
 A verdade, porém, é que, não obstante o que o tribunal recorrido afirma a 
 propósito da desconformidade constitucional orgânica da norma, o certo é que, 
 como já se viu, a sua decisão é com ela conforme, por resultar de norma 
 semelhante, anterior, resultante da desaplicação operada.
 Tal permite concluir pela verificação da inutilidade desta parte do recurso.
 
  
 
 7.
 Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide:
 
  
 a)             Julgar organicamente inconstitucional a norma constante do artigo 
 
 29º do Decreto-Lei n.º 76-A/06 de 29 de Março, na parte em que conferiu nova 
 redacção à alínea a) do n.º 1 do artigo 89.º da Lei de Organização e 
 Funcionamento dos Tribunais Judiciais, confirmando, nesta parte, a decisão 
 recorrida.
 b)             Não conhecer do recurso na parte relativa à versão da norma 
 decorrente do artigo 14.º do Decreto-lei n.º 8/2007 de 17 de Janeiro;
 c)             Negar, em consequência, provimento ao recurso, na parte em que 
 dele se conhece.
 
  
 Lisboa, 26 de Setembro de 2007
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Rui Manuel Moura Ramos