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Processo n.º 519/04
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 Acordam no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
 1.     A.  foi condenado no Tribunal Judicial de Valença, por sentença emitida 
 em 2003/06/12, no pagamento da coima de 149,64 € e na sanção acessória de 
 inibição de conduzir prevista nos artigos 139° e 146° b) do Código da Estrada, 
 pelo período de trinta dias, suspensa na sua execução, pela prática de uma 
 contra-ordenação p.p. no artigo 27° n°s 1 e 2 a) 2° do mesmo diploma legal.
 Inconformado, recorreu para a Relação de Guimarães alegando, em conclusão:
 
  
 
 1. O despacho de que ora se recorre é nulo por absoluta falta de fundamentação 
 quanto à questão suscitada da nulidade ou até inexistência da decisão 
 administrativa a que os autos se reportam.
 
 2.  O Tribunal disse apenas e só que 'a decisão da DGV não padece dos invocados 
 vícios' mas não diz porquê.
 
 3.  Os arts. 205°, n º1 da CRP e 158°, n ° 1 do CPC, determinam que as decisões 
 dos Tribunais que não sejam de mero expediente - como é o caso - têm que ser 
 fundamentadas.
 
 4.  Pelo que o despacho de que se recorre violou esses normativos.
 
 5.  A nulidade do despacho decorre da aplicação conjunta do disposto nos artigos 
 
 659°, n.º 2, 666°, n.º 3 e 668°, n.º 1 do CPC, aplicáveis por força do disposto 
 no artigo 4° do CPP e n ° 1 do Decreto - Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro.
 
  
 O recurso foi julgado por acórdão de 9 de Fevereiro de 2004 da forma que, na 
 parte relevante, seguidamente se transcreve: 
 
  
 
 '[...] 
 O âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente na sua 
 motivação.
 Assim da sua análise resulta que o recorrente invoca a existência de nulidade 
 traduzida na falta de fundamentação do despacho acima transcrito.
 Passemos então a apreciá-la.
 Acentua a recorrente que o despacho impugnado está ferido de nulidade por 
 absoluta falta de fundamentação.
 No entender do recorrente o despacho recorrido não observou o preceituado nos 
 art.s 205°, n° 1 da Constituição e 158°, n° 1 do CPC que determinam que as 
 decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente, como é o caso, têm que 
 ser fundamentadas.
 Por seu turno o Exmo PGA, defende a tese de que a verificada omissão de 
 fundamentação do referido despacho traduz uma mera irregularidade, que deveria 
 ter sido arguida no prazo de três dias a contar daquele em que o interessado 
 tiver sido notificado para qualquer termo do processo ou intervindo em algum 
 acto nele praticado, nos termos do art. 123°, n° 1 do C.PP .
 Vejamos então de que lado está a razão.
 E o que desde já se dirá é que a pretensão formulada pela recorrente, não pode 
 lograr procedência.
 
 É certo que o despacho recorrido carece de absoluta falta de fundamentação. 
 Também não é menos certo que nos termos do citado art. 205°, n° 1 da 
 Constituição, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente, são 
 fundamentadas na forma prevista na lei.
 Este dever de fundamentação das decisões judiciais, acentuado, aliás na 4ª 
 revisão constitucional (Lei Constitucional n° 1/97, de 20.09), consta reafirmado 
 no art. 97°, n.° 4 do C.P.P. - preceito aplicável ao caso, face ao que dispõe o 
 art 41º do RGCO, como bem observa o Exmo PGA e não os apontados preceitos do CPC 
 
 - nos termos do qual os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser 
 especificados os motivos de facto e de direito da decisão. Com isto se 
 pretendeu, fundamentalmente, por um lado, conferir força pública inequívoca 
 
 (autoridade e convencimento) aos referidos actos e, por outro lado, permitir a 
 sua fundada impugnação.
 Todavia, e como é consabido, os actos decisórios não fundamentados padecem, 
 processualmente, ao contrário do sustentado pelo recorrente, de mera 
 irregularidade - art.s 118°, n.° 2 e 123°, ambos do CPP (contra a proposta, na 
 Comissão Revisora do C.P.P., do Dr. José António Barreiros, vencida pela maioria 
 dos membros da Comissão ).
 E tal irregularidade só determina a invalidade do acto a que se refere (e dos 
 termos subsequentes pelo mesmo inquinados) quando tiver sido arguida pelos 
 interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias 
 seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo 
 do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.
 Ora, in casu, tendo o recorrente sido notificado através do aviso expedido em 
 
 23.06.2003, tem-se por notificado em 27.06.2003 (cfr. art. 113°, n° 2 do 
 C.P.P.).
 Assim, forçoso é concluir, que o referido vício de que padece o despacho 
 impugnado, se encontra sanado, por não haver sido tempestivamente arguido pelo 
 recorrente.
 Por isso que a argumentação da recorrente não pode proceder, devendo o recurso o 
 recurso ser julgado improcedente.
 Resta pois decidir:
 
 [...] Em conformidade com o exposto, acordam os Juizes desta Relação em negar 
 provimento ao recurso e, em consequência confirmar integralmente a decisão 
 recorrida. 
 
 [...]'
 
  
 
 É desta decisão que recorre A., pedindo que se julgue 'inconstitucional, por 
 violação dos preceitos contidos nos nºs 1 e 10 do art. 32º da Constituição, a 
 interpretação do n.º 1 do artigo 123º do Código de Processo Penal, quando a 
 mesma encurte o prazo estipulado na lei para a interposição de recurso de 
 decisão judicial que ponha fim ao processo.'
 Recebido o recurso, o recorrente apresentou alegação que concluiu da seguinte 
 forma:
 
  
 
 1ª Tratando-se de decisão que ponha fim ao processo o prazo para se arguir vicio 
 da mesma - nulidade ou irregularidade - é o do estipulado para a interposição de 
 recurso, sendo esta a peça processual a única juridicamente idónea para se 
 atacar a mesma.
 
 2ª Por isso e 'in casu' não se aplica o prazo a que se refere o n.º 1 do art. 
 
 123º do C.P.P. mas o do n.º 1 do art. 74º do Decreto-lei n.º 433/82 de 27 de 
 Outubro, que é de 10 dias, dentro do qual o recurso foi interposto.
 
 3ª A aplicação que o Tribunal da Relação de Guimarães fez do art. 123º do C.P.P. 
 deveu-se a uma interpretação do normativo contido neste artigo violadora das 
 garantias consagradas na Constituição - direito ao recurso e à defesa nos 
 processos contra-ordenacionais (n.ºs 1 e 10 do art. 32º da Constituição) porque 
 ao encurtar para 3 o prazo estipulado na lei para a interposição do recurso 
 neste caso 10 dias - n.º1 do art. 742 do Decreto-lei n.º 433/82 de 27 de Outubro 
 
 - está a inviabilizar o direito ao recurso, logo a não permitir esse meio de 
 defesa ao arguido, logo a violar a Constituição.
 
 4.ª E o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão n.º1/94 publicado no Diário da 
 República I Série-A de 11.02.94 decidiu que: 'as nulidades de sentença 
 enumeradas de forma taxativa nas alíneas a) e b) do art. 379º do Código de 
 Processo Penal não têm de ser arguidas necessariamente nos termos estabelecidos 
 na alínea a) do n.º 3 do art. 120º do mesmo diploma processual, podendo sê-lo 
 ainda em motivação de recurso para o tribunal superior, o que nos parece um 
 significativo reforço da acerto da tese que se sufraga no presente recurso. 
 Assim:
 
 5ª  Deve declarar-se inconstitucional, por violação dos preceitos contidos nos 
 nºs 1 e 10 do art. 32º da Constituição, a interpretação do nº1 do art. 123º do 
 Código de Processo Penal, quando a mesma encurte o prazo estipulado na lei para 
 a interposição de recurso de decisão judicial que ponha fim ao processo.
 
  
 Contra-alegou o representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional, 
 concluindo:
 
  
 
 1- A norma constante do artigo 123°, n° 1, do Código de Processo Penal, 
 interpretada como impondo ao arguido, em processo contraordenacional, o ónus de 
 invocar, autónoma e antecipadamente relativamente à interposição do eventual 
 recurso, o vício de irregularidade de certo despacho, decorrente da falta de 
 fundamentação, não afronta o princípio constitucional das garantias de defesa.
 
 2 - Termos em que deverá improceder o presente recurso.
 
  
 O relator fez notificar o recorrente de que seria 'plausível' que o Tribunal não 
 pudesse conhecer do mérito do recurso, em virtude de na decisão recorrida não 
 ter sido aplicada a norma cuja conformidade constitucional vem questionada, 'no 
 dito sentido de determinar o encurtamento do prazo para a interposição do 
 recurso'. 
 A resposta do recorrente é do seguinte teor: 
 
  
 
 1. Vai-se procurar ser breve e tanto quanto possível sintético por duas razões: 
 a primeira para evitar repetições do já alegado, quer na motivação do recurso, 
 quer nas alegações; a segunda é que, salvo naturalmente o devido respeito, a 
 tese defendida pelo Ministério Público nas contra-alegações assenta num 
 pressuposto errado, que apresenta como consagrado legalmente, quando é apenas 
 uma interpretação – mais uma, se ainda se poderá dizer, do art. 123º nº 1 do 
 Código de Processo Penal.
 
 2. O Ministério Público fala em autonomização da arguição da irregularidade de 
 um acto decisório da respectiva impugnação em via de recurso, mas o recorrente 
 entende que não há qualquer autonomização.
 O regime previsto no normativo citado ocupa-se das por lei denominadas 
 irregularidades de uma forma geral (e são tantas e em tanto momento processual 
 que podem ocorrer) que se poderá dizer que esse é o regime normal.
 Mas isso não significa – nem, em nosso entender, pode significar – que esse 
 regime o princípio jurídico que se julga indiscutível de que uma sentença só 
 através de recurso se pode impugnar 
 
 3. Salvo o devido respeito, não se está a ver – nem nas contra-alegações se 
 referiu – qual o preceito ou preceitos legais em que o Ministério Público se 
 ancora para defender que é possível após a prolação da sentença atacá-la através 
 de requerimento de suscitação da irregularidade (em 3 dias) e depois interpor o 
 recurso.
 Não foi isso que ensinaram ao signatário na Faculdade de Direito de Coimbra, 
 onde estudou, nem nos quase 30 anos de exercício da profissão de advogado que 
 leva alguma vez viu defendida a teoria que parecer estar contida nas 
 contra-alegações do Ministério Público no presente recurso, ou seja, de que se 
 pode atacar uma sentença sem ser através de recurso.
 
 4. E também não se está a ver – sempre com o devido respeito por opinião 
 contrária qual a razão por que o recorrente havia de trazer à colação o art. 
 
 118º do Código Penal quando é pacífico que o vício que a sentença padece é de 
 irregularidade (aliás, se assim não fosse nem sequer existiria este recurso).
 
 5. Finalmente, e mais uma vez discordando em absoluto do defendido pelo 
 Ministério Público, entendemos que é manifesto que ao encurtar o prazo de 10 
 dias para 3, para além de ilegal, diminui de forma drástica as garantias de 
 defesa constitucionalmente consagradas designadamente quanto ao direito à 
 reapreciação por tribunal de categoria superior de uma sentença proferida por 
 tribunal de 1ª instância.
 E julgamos de relevância extrema o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no 
 Acórdão n.º 1/94 publicado no Diário da República ,I, Série A, de 11.02.94 a que 
 nos reportamos na conclusão 4ª das alegações, e para o qual, por brevidade, 
 tomamos a liberdade de remeter.
 
  
 
 2.      Cumpre decidir. 
 
  
 Importa notar que, conforme observa o representante do Ministério Público na sua 
 alegação, não cabe apreciar neste recurso a questão da qualificação do vício de 
 falta de fundamentação da decisão condenatória, nem aferir da correcção jurídica 
 da interpretação normativa operada no tribunal recorrido. Com efeito, o recurso 
 de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC não 
 habilita o Tribunal Constitucional a sindicar directamente as decisões 
 jurisdicionais, apenas lhe permitindo julgar da conformidade constitucional das 
 normas que, em dada interpretação normativa, foram aplicadas na decisão 
 recorrida como sua ratio decidendi.
 A norma que o recorrente impugna consta do n.º 1 do artigo 123º do Código de 
 Processo Penal, que tem a seguinte redacção:
 
  
 Artigo 123.º
 
 (Irregularidades)
 
  
 
 1 - Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que 
 se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida 
 pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três 
 dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer 
 termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado. 
 
 2 - [...]
 
  
 Questiona o recorrente a referida norma 'se interpretada como derrogadora do 
 prazo previsto na lei para a interposição de recurso de decisão judicial que 
 ponha fim ao processo' conforme diz no requerimento de interposição do recurso. 
 De forma semelhante, na sua alegação, conclui que é inconstitucional 'a 
 interpretação do n.º 1 do artigo 123º do Código de Processo Penal, quando a 
 mesma encurte o prazo estipulado na lei para a interposição de recurso de 
 decisão judicial que ponha fim ao processo.'
 Significa isto que o recorrente pretende impugnar norma – que extrai do n.º 1 do 
 artigo 123º do Código de Processo Penal – com o sentido de encurtar para três 
 dias o prazo estipulado na lei para a interposição de recurso de decisão 
 judicial que ponha fim ao processo.
 Acontece, porém, que a Relação de Guimarães não aplicou a norma com o sentido 
 questionado pelo recorrente, pois em parte alguma do acórdão se afirma que a 
 irregularidade resultante de falta de fundamentação do despacho então em análise 
 deveria ter sido atacada pelo interessado, no prazo de três dias, por via de 
 recurso. 
 Na verdade, o que a decisão recorrida afirma é que a irregularidade de que 
 enfermava aquele despacho se sanou por não ter sido arguida pelo recorrente nos 
 três dias seguintes à sua notificação, conforme se dispõe no aludido n.º 1 do 
 artigo 123º do Código de Processo Penal. Daqui não se retira qualquer juízo 
 quanto ao exercício do direito de recurso, ou quanto ao respectivo prazo, tanto 
 mais que a arguição da irregularidade deverá ocorrer perante o tribunal que 
 alegadamente a cometeu.
 Não é, assim, possível aceitar que a Relação tenha aplicado a norma no sentido 
 apontado pelo recorrente. 
 Argumenta o recorrente que, apenas podendo as sentenças ser impugnadas através 
 de recurso, seria então obrigatório – na tese da decisão recorrida – que a 
 interposição do recurso ocorresse no dito prazo de três dias, para efeito de 
 poder ser validamente arguida a aludida irregularidade. A norma teria, então, 
 sido aplicada nesse sentido. Mas não é assim, pois, conforme se viu já, de modo 
 algum a decisão recorrida pressupõe que apenas perante o tribunal superior, e 
 mediante recurso, pode o interessado arguir a irregularidade. De qualquer forma, 
 trata-se de argumento que invoca uma hipotética consequência processual da 
 aplicação da norma, sem se reportar ao próprio critério normativo usado.  
 Na verdade, a Relação não aplicou a norma no sentido apontado pelo recorrente. 
 O Ministério Público defende a improcedência do recurso, concluindo que a norma 
 que obrigue o arguido, em processo contraordenacional, a invocar, autónoma e 
 antecipadamente relativamente à interposição do eventual recurso, o vício de 
 irregularidade de certo despacho, decorrente da falta de fundamentação, não 
 afronta o princípio constitucional das garantias de defesa. 
 Todavia, se a norma assim enunciada foi efectivamente aplicada na decisão 
 recorrida, o certo é que não foi essa a norma impugnada pelo recorrente; ora o 
 Tribunal não pode alterar o âmbito do recurso nem incluir no seu objecto uma 
 norma que o recorrente não questionou. Não pode, em suma, conhecer-se daquela 
 norma.
 Nada mais será necessário adiantar para poder concluir pelo não conhecimento do 
 presente recurso.
 
  
 
 3.     Em face do exposto, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC.
 
  
 Lisboa,  14 de Dezembro de 2005
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos
 Maria Helena Brito
 Artur Maurício