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Processo n.º 1018/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                         Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. Relatório
 
                         O representante do Ministério Público junto do Tribunal 
 do Trabalho de Lisboa interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo 
 do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra a sentença de 17 de Novembro de 2005 do 3.º Juízo daquele 
 Tribunal, que teria recusado, com fundamento em inconstitucionalidade, a 
 aplicação das normas constantes: (i) dos artigos 659.º, n.º 2, e 179.º, n.ºs 1 e 
 
 3, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto; (ii) 
 do Despacho Normativo n.º 22/87, das Secretarias de Estado dos Transportes e 
 Comunicações e do Emprego e Formação Profissional; e (iii) do artigo 2.º do 
 Regime Geral das Contra‑Ordenações (RGCO), constante do Decreto‑Lei n.º 433/82, 
 de 27 de Outubro.
 
                         O representante do Ministério Público junto do Tribunal 
 Constitucional, na alegação apresentada, preconiza o não conhecimento do objecto 
 do recurso, por, em rigor, a sentença recorrida não ter, como ratio decidendi, 
 recusado a aplicação das aludidas normas, com fundamento em 
 inconstitucionalidade.
 
                         A recorrida A., L.da, não apresentou alegações.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Fundamentação
 
                         A sentença recorrida concedeu provimento à impugnação 
 judicial, deduzida por A., L.da, contra decisão do Instituto de Desenvolvimento 
 e Inspecção das Condições de Trabalho (IDICT), que lhe aplicou a coima de 7 
 
 (sete) unidades de conta (€ 623), pela prática da contra‑ordenação prevista e 
 punida pelo artigo 179.º, n.º 1, do Código do Trabalho, em conjugação com o 
 Despacho Normativo n.º 22/87, absolvendo a impugnante, com fundamento nas 
 seguintes considerações:
 
  
 
             “Estabelece o artigo 614.º do Código do Trabalho que «constitui 
 contra‑ordenação laboral todo o facto típico, ilícito e censurável que 
 consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres 
 a qualquer sujeito no âmbito das relações laborais e que seja punível com 
 coima».
 
             Por seu turno, estipula o artigo 179.º do Código do Trabalho:
 
  
 
             «1. Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 173.º, em todos os 
 locais de trabalho deve ser afixado, em lugar bem visível, um mapa de horário de 
 trabalho, elaborado pelo empregador de harmonia com as disposições legais e com 
 os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho aplicáveis.
 
             2. O empregador deve enviar cópia do mapa de horário de trabalho à 
 Inspecção‑Geral de Trabalho com a antecedência mínima de quarenta e oito horas 
 relativamente à sua entrada em vigor.
 
             3. As condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal 
 afecto à exploração dos veículos automóveis, propriedade de empresas de 
 transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições deste 
 Código, são estabelecidas em portaria dos Ministros responsáveis pela área 
 laboral e pelo sector dos transportes, ouvidas as organizações sindicais e de 
 empregadores interessadas.»
 
  
 Por último, dispõe o artigo 659.º, n.º 2, do Código do Trabalho que a infracção 
 do disposto no artigo 179.º, n.º 1, do mesmo Código constitui contra‑ordenação 
 leve.
 Sucede, contudo, que o artigo 179.º, n.º 3, do Código do Trabalho não foi ainda 
 objecto de regulamentação, por não ter sido ainda publicada a portaria ali 
 referida.
 E, por razões que nos escapam, o legislador não ressalvou a vigência (pelo menos 
 a título transitório) do Despacho Normativo n.º 22/87, das Secretarias de 
 Estado dos Transportes e Comunicações e do Emprego e Formação Profissional, de 4 
 de Março, que na vigência da legislação revogada pelo Código do Trabalho 
 regulamentava esta matéria.
 Ora, em nosso entender, enquanto não se acharem definidas, pela mencionada 
 portaria, as condições de publicidade dos horários de trabalho em veículos de 
 aluguer, o artigo 179.º, n.ºs 1 e 3, e o artigo 659.º, n.º 2, não têm aplicação 
 a estes.
 Com efeito, era o revogado Despacho Normativo que impunha às empresas que 
 exploram o transporte público de passageiros a obrigação de ter, no interior dos 
 veículos, cópia do horário de trabalho.
 Por isso, só com a regulamentação do disposto no artigo 179.º, n.º 3, do Código 
 do Trabalho a tipicidade objectiva da contra‑ordenação prevista no artigo 659.º, 
 n.º 2, do Código do Trabalho ficará completa, no que toca aos veículos de 
 aluguer de passageiros (táxis). Na verdade, se tal infracção corresponde à 
 falta de afixação de horário de trabalho, na forma e local legalmente previstos, 
 e se a definição da forma e local previstos para tal publicidade depende da 
 publicação de portaria que ainda não existe, forçoso é considerar que até à 
 publicação de tal portaria o preenchimento do tipo objectivo desta 
 contra‑ordenação é impossível, por falta de um elemento objectivo do mencionado 
 tipo.
 Neste contexto, louva‑se o IDICT da jurisprudência do Tribunal da Relação de 
 Lisboa, nomeadamente no acórdão proferido no processo n.º 2605/05.4TTLSB, no 
 qual se sustentou que «ao remeter as condições de publicidade dos horários de 
 trabalho para portaria conjunta dos Ministros responsáveis pela área laboral e 
 pelo sector dos transportes, o legislador nada mais fez do que traduzir em 
 linguagem actual a estrutura governativa que se verificava à data da emissão do 
 Decreto‑Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro», para concluir, segundo cremos, que a 
 expressão «portaria» constante do citado artigo 179.º, n.º 3, do Código do 
 Trabalho pode ser interpretada no sentido de abranger também um Despacho 
 Normativo, no caso o já citado Despacho Normativo n.º 22/87, das Secretarias de 
 Estado dos Transportes e Comunicações e do Emprego e Formação Profissional, de 
 
 4 de Março.
 Contudo, a leitura do artigo 179.º, n.º 3, do Código do Trabalho subjacente a 
 esta posição redunda, em nosso entender, numa clara interpretação extensiva ou 
 mesmo na integração de uma lacuna, visto que implica a superação do sentido 
 possível da letra da lei. É que o referido preceito fala em portaria, e não em 
 despacho normativo. E, como se sabe, a portaria e o despacho normativo são 
 actos normativos diferentes, correspondendo a conceitos que não se confundem.
 Ora, em matéria de normas sancionatórias, ainda que no plano do ilícito de mera 
 ordenação social, vigora o princípio da legalidade/tipicidade, do qual decorre 
 que não é admissível interpretação extensiva, nem integração analógica (vide 
 artigo 2.º do RGCO, aplicável ex vi artigo 615.º do Código do Trabalho, e 
 anotação ao primeiro constante do referido diploma anotado por Beça Pereira, Ed. 
 Almedina). Daí que não assista razão ao IDICT em sustentar que, até à publicação 
 da portaria a que se reporta o artigo 179.º, n.º 3, do Código do Trabalho, se 
 mantém em vigor o Despacho Normativo n.º 22/87 como norma regulamentadora 
 daquele.
 Na verdade, com todo o respeito que nos merece o entendimento sustentado pelo 
 IDICT, entendemos que o mesmo viola o mencionado princípio da legalidade, que, 
 para além de expressamente consagrado em matéria de contra‑ordenações no citado 
 artigo 2.º do RGCO, tem também consagração constitucional, no artigo 29.º, n.ºs 
 
 1 e 3, da Lei Fundamental, sendo certo que, em nosso entender, o princípio da 
 legalidade e tipicidade aqui consagrado se aplica não só às disposições 
 sancionatórias de natureza penal, como a disposições sancionatórias de 
 qualquer outra natureza, v. g. contra‑ordenacional, disciplinar, etc. [No 
 sentido exposto, cf. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 547/2001, de 7 de 
 Dezembro de 2001, Diário da República, II Série, de 15 de Julho de 2002].
 Tal significa que os artigos 659.º, n.º 2, e 179.º, nºs 1 e 3, do Código do 
 Trabalho, quando interpretados no sentido de que a expressão «portaria», 
 constante do n.º 3 deste último pode ser lida como «regulamento», abrangendo por 
 isso o mero «despacho normativo» e, por conseguinte, permitindo a integração de 
 elementos objectivos do tipo sancionatório em apreço com as disposições do 
 Despacho Normativo n.º 22/87, das Secretarias de Estado dos Transportes e 
 Comunicações e do Emprego e Formação Profissional, de 4 de Março, são 
 inconstitucionais, por violação do princípio da legalidade da sanção, 
 consagrado no artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República.
 De outra banda, também o artigo 2.º do RGCO é inconstitucional, por violação do 
 mesmo princípio, quando interpretado restritivamente, por forma a excluir do seu 
 
 âmbito as contra‑ordenações laborais.
 Nesta conformidade, conclui este Tribunal que os factos praticados pela arguida 
 e dados como provados nestes autos não constituem contra‑ordenação, impondo-se 
 por isso a absolvição da arguida da contra‑ordenação de que vinha acusada e da 
 coima que lhe foi aplicada pela autoridade recorrida, com a consequente 
 revogação desta decisão.”
 
  
 
                         Segundo a posição defendida pelo Ministério Público, na 
 alegação apresentada neste Tribunal, “a questão real sub judice radica (…) em um 
 juízo sobre a existência de «quadro legal», conformador de acto ou conduta 
 ilícita, por força da sucessão de leis e caducidade de normas de execução de 
 diplomas revogados”, deparando‑se ao julgador duas opções: (i) ou considerava 
 que, no quadro jurídico decorrente do Código do Trabalho, existia a 
 contra‑ordenação em análise, por “repristinação” da norma regulamentar, apesar 
 da revogação do diploma legislativo a que dava execução, e, se nada mais a tal 
 obstasse, confirmaria a condenação; (ii) ou entendia que não havia sub‑espécie 
 legal conformadora do acto ilícito, dado que, por um lado, o Despacho Normativo 
 n.º 22/87 se considera automática e definitivamente revogado com a revogação do 
 diploma (Decreto‑Lei n.º 409/71) a que dava execução, e, por outro lado, ainda 
 não foi publicada a portaria de execução a que alude a nova lei (Código do 
 Trabalho), o que determinaria a absolvição da arguida. Tendo o juiz a quo optado 
 por esta segunda posição, a ratio determinante da decisão de provimento da 
 impugnação judicial radicou na consideração da inexistência de quadro legal de 
 suporte, e não na recusa de aplicação de normas com fundamento em 
 inconstitucionalidade, pelo que não devia este Tribunal conhecer do objecto do 
 presente recurso, tal como, aliás, já fora decidido, em caso idêntico, por 
 Decisão Sumária proferida no processo n.º 1019/05.
 
                         Com efeito, na Decisão Sumária n.º 21/2006, entendeu‑se 
 não tomar conhecimento de recurso interposto pelo Ministério Público contra 
 sentença de idêntico teor, proveniente do mesmo Tribunal, com base nas 
 seguintes considerações:
 
                         
 
             “4 – Como é consabido, cabe recurso para o Tribunal Constitucional 
 das decisões dos Tribunais que «recusem a aplicação de qualquer norma, com 
 fundamento em inconstitucionalidade» (artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da LTC).
 
             Perscrutando os fundamentos da sentença recorrida, fica claro que a 
 sua ratio decidendi não se louva na recusa de aplicação das normas supra 
 referenciadas, mas na interpretação do regime legal tido por aplicável ao caso 
 sub judice.
 
             É certo que o Tribunal, após a delimitação do regime aplicável, 
 afasta um sentido normativo que, no seu entendimento, «configura uma clara 
 interpretação extensiva ou mesmo a integração de uma lacuna, visto que implica 
 a superação do sentido possível da letra da lei», considerando inconstitucionais 
 os «artigos 659.º, n.º 2, e 179.º, nºs 1 e 3, do Código do Trabalho, quando 
 interpretados no sentido de que a expressão ‘portaria’, constante do n.º 3 deste 
 
 último pode ser lida como ‘regulamento’ e, por conseguinte, permitindo a 
 integração de elementos objectivos do tipo sancionatório em apreço com as 
 disposições do Despacho Normativo n.º 22/87 (...)».
 
             Contudo, ao exigir que as «condições de publicidade dos horários de 
 trabalho do pessoal afecto à exploração dos veículos automóveis» sejam 
 regulamentadas por «portaria», não recusou a aplicação das referidas normas, 
 tendo feito, ao invés, uma aplicação do regime legal metodologicamente louvada 
 numa interpretação declarativa‑literal das normas em causa.
 
             Ora, tal circunstancialismo – em que o Tribunal acolhe, entre vários 
 sentidos possíveis de uma norma, uma determinada dimensão normativa, afastando 
 outros resultados constitucionalmente censuráveis – não configura uma recusa de 
 aplicação de norma.”
 
  
 
                         É este entendimento que ora se reitera, conduzindo ao 
 não conhecimento do recurso.
 
                         
 
                         3. Decisão
 
                         Em face do exposto, acordam em não conhecer do objecto 
 do recurso.
 
                         Sem custas.
 Lisboa, 23 de Março de 2006.
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Silva Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos