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Processo nº  37/2006
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza 
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção 
 do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
 1. A fls. 538 foi proferida a seguinte decisão sumária :
 
  
 
 «1. A. e mulher instauraram contra B. e mulher uma acção destinada a obter a 
 resolução de um contrato de arrendamento, devidamente identificado nos autos.
 Por sentença de 24 de Março de 2004, de fls. 304, da 2ª vara mista do Tribunal  
 Judicial de Vila Nova de Gaia, o contrato foi julgado nulo, por falta de forma. 
 Apenas para o que agora interessa, os réus foram condenados no pagamento de uma 
 multa de € 50, por litigância de má fé.
 Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10 de Março de 2005, de fls. 
 
 423, proferido em via de recurso, foi decidido alterar a sentença por se 
 considerar convalidado o contrato, mas foi decretado o despejo por falta de 
 pagamento de rendas. Também somente no que aqui releva, foi confirmada a 
 condenação dos réus como litigantes de má fé.
 Finalmente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça  de 8 de Novembro de 2001, 
 de fls. 508, confirmou o acórdão da Relação do Porto, apenas reduzindo a € 25 a 
 multa imposta por litigância de má fé.
 E porque os recorrentes, nas alegações da revista, haviam suscitado a questão da 
 inconstitucionalidade da 'norma do artigo 456º do C.P.Civil interpretada no 
 sentido de que a condenação por litigância de má fé e a multa aí prevista podem 
 ser impostas às partes sem que previamente lhe seja concedida a oportunidade de 
 se pronunciar sobre tal sanção', por violação dos 'princípios constitucionais de 
 acesso ao direito, do contraditório e da proibição da indefesa consagrados no 
 artigo 20º da CRP', o Supremo Tribunal de Justiça  pronunciou-se nos seguintes 
 termos:
 
 'Ora, quanto à inconstitucionalidade arguida pelos recorrentes, constata-se que 
 só em sede de revista eles vieram esgrimir que não lhes foi concedido o 
 contraditório quanto à questão da má fé, e que tal gera inconstitucionalidade.
 
 (…)
 Aliás a condenação por litigância de má fé não pode ser apodada de 
 decisão-surpresa, por isso que foi desde logo imputada na réplica aos aqui 
 recorrentes.
 E a referida condenação justifica-se plenamente pelas razões invocadas no 
 acórdão recorrido e na decisão da 1ª instância (…).
 Afigura-se-nos porém que a quantia da multa (…) deve ser reduzida para 25 ucs 
 
 (…)'.
 
 2. Vieram então os réus recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto nas alíneas b) e h) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de 
 Novembro, 'com fundamento na inconstitucionalidade do artigo 456º do C.P.Civil, 
 já suscitada nas alegações de recurso apresentadas no STJ, na interpretação e 
 aplicação que lhe foi dada pelo douto aresto recorrido (…)'.
 Invocaram ainda que tal interpretação, que viola os princípios constitucionais 
 já apontados, contraria os acórdãos n.ºs 357/98 e 289/02 do Tribunal 
 Constitucional, 'decisões que concluíram que as normas do artigo 456º, n.ºs 1 e 
 
 2, do C.P.Civil deverão ser interpretadas e aplicadas no sentido de estar 
 condicionada pela prévia audição dos interessados por litigância de má fé (…)'.
 O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do 
 artigo 76º da Lei nº 28/82).
 
 3. Cumpre começar por afastar a possibilidade de conhecimento do recurso 
 enquanto interposto ao abrigo do disposto na alínea h) do nº 1 do artigo 70º da 
 Lei nº 28/82, preceito que pressupõe que a norma objecto do recurso tenha sido 
 julgada inconstitucional pela Comissão Constitucional, requisito que em parte 
 alguma os recorrentes sequer alegam.
 Admite-se que se pretendessem referir à alínea g) do mesmo n.º 1, já que indicam 
 dois acórdãos do Tribunal Constitucional que teriam julgado inconstitucional tal 
 norma.
 Sucede, todavia, que, ainda que assim fosse, não poderia o Tribunal 
 Constitucional conhecer do objecto do recurso pela razão que seguidamente se 
 indica.
 
 4. Como a lei exige (artigo 79º-C) da Lei nº 28/82 e o Tribunal Constitucional 
 tem repetidamente afirmado, é condição de admissibilidade do  recurso de 
 fiscalização concreta da constitucionalidade normativa que a norma cuja 
 inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie tenha 
 sido aplicada com o sentido acusado de ser inconstitucional, como ratio 
 decidendi (cfr., nomeadamente, os acórdãos nºs 313/94, 187/95 e 366/96, 
 publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 1 de Agosto de 
 
 1994, 22 de Junho de 1995 e de 10 de Maio de 1996), sob pena de ser inútil o 
 julgamento do recurso.
 Com efeito, se assim não for, o julgamento não terá qualquer repercussão na 
 decisão recorrida, ainda que o Tribunal Constitucional venha a concluir no 
 sentido da inconstitucionalidade.
 Ora, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente observado, o recurso de 
 constitucionalidade tem natureza instrumental, o que implica que é condição de 
 conhecimento do respectivo objecto a possibilidade de repercussão do julgamento 
 que nele venha a ser efectuado na decisão recorrida (cfr., além do citado 
 acórdão n.º 366/96, o acórdão n.º 463/94, Diário da República, II série, de 22 
 de Novembro de 1994).
 
 5. Como se pode verificar pela transcrição do acórdão recorrido, o Supremo 
 Tribunal de Justiça  não interpretou nenhuma norma contida no artigo 456º do 
 Código de Processo Civil no sentido de que 'a condenação por litigância de má fé 
 e a multa aí prevista podem  ser impostas às partes sem que previamente lhe seja 
 concedida a oportunidade de se pronunciar sobre tal sanção'. 
 Diferentemente, o Supremo Tribunal de Justiça  considerou expressamente que os 
 ora recorrentes não foram surpreendidos com a decisão de os condenar como 
 litigantes de má fé porque os autores , na réplica, sustentaram que os réus 
 estavam a litigar de má fé. Não entendeu, portanto, que não era necessário que 
 os ora recorrentes tivessem tido a oportunidade de se pronunciar previamente à 
 condenação, mas, diferentemente, que tiveram esse oportunidade.
 O caso presente não é, pois, semelhante aos que foram considerados nos acórdãos 
 
 357/98 e 289/2002, apontados pelos recorrentes, já que então se deu como assente 
 que a parte interessada não tinha disposto da oportunidade de se pronunciar 
 antes de ter sido surpreendida com a decisão de a condenar como litigante de má 
 fé.
 
 6. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão 
 sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.
 Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
 Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs. em conjunto. »
 
  
 
 2. Inconformados, os recorrentes vieram reclamar para a conferência, sustentando 
 que 'o Tribunal Constitucional deverá conhecer do objecto do recurso, nada 
 obstando, sob pena de ser aplicada pelo STJ e sem controlo do Tribunal 
 Constitucional uma norma com um sentido contrário à Constituição e ao já 
 anteriormente decidido'.
 Para o efeito, mantêm que o recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea 
 h) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 deve ser conhecido 'pois é requisito 
 ter sido a norma objecto de recurso julgada inconstitucional pela comissão 
 constitucional, o que já ocorreu, não sendo necessário identificar o Acórdão, 
 todavia, refere-se o Acórdão 466/00' (ponto 2. da reclamação apresentada).
 Relativamente à interposição de recurso ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 
 
 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, os ora reclamantes acusam a decisão reclamada 
 de nada dizer 'quanto a esta alínea', e de a ter 'ignorado ao longo da decisão 
 sumária em crise'.
 Passando à análise da 'questão de fundo', referem de novo que 'importa dizer que 
 não ocorreu a audição prévia dos recorrentes (…), pois nunca foram notificados 
 de um qualquer pedido quanto à litigância ou para se pronunciar sobre a 
 possibilidade de uma decisão nesse sentido'.
 Referem seguidamente o Acórdão n.º 440/94 do Tribunal Constitucional e um 
 acórdão do Supremo Tribunal de Justiça  que identificam e, quanto ao acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça  de que foi interposto o recurso de 
 constitucionalidade, em particular quando 'refere que os ora recorrentes não 
 foram surpreendidos com a decisão de os condenar como litigantes de má fé porque 
 os autores, na réplica, sustentaram que os réus estavam a litigar de má fé', 
 reconhecem o seguinte:
 
 'Ora, é verdade na réplica que tal é referido, ou antes aflorado, sendo que a 
 decisão condenatória não deixou de surpreender os RR, pois, quanto à litigância 
 de má fé nada é pedido, aliás o que não foi dito pelo STJ, nem poderia ser, para 
 além de que sempre seria necessário ser a parte atingida notificada de factos 
 concretos, de comportamentos individualizados e integradores de uma ou mais das 
 previsões legais fixadas nas al. a) a d) do n.º 2 do artigo 456º CPC'.
 
    Notificados para se pronunciarem, os reclamados nada disseram.
 
  
 
    3. Em primeiro lugar, cumpre observar que o presente recurso é um  recurso de 
 fiscalização concreta da constitucionalidade normativa, ou seja, ou recurso no 
 qual apenas pode ser apreciada a conformidade constitucional de normas aplicadas 
 na decisão recorrida com o sentido acusado de inconstitucionalidade. Não cabe 
 naturalmente no respectivo objecto ir averiguar, no caso concreto, em que 
 condições a questão da má fé foi levantada na réplica.
 
    Em segundo lugar, cabe frisar que os motivos que levaram ao não conhecimento 
 do objecto do recurso resultam da não verificação dos respectivos pressupostos, 
 resultante da forma como os reclamantes o interpuseram.
 
  
 
    4. Assim, e no que respeita à invocação da alínea h) do n.º 1 do artigo 70º 
 da Lei nº 28/82, nem se compreende a insistência dos reclamantes, nem, muito 
 menos, a invocação de um acórdão da Comissão Constitucional do ano de 2000 – 
 pelo menos, é esse o sentido do n.º 2 da sua reclamação, acima transcrito. 
 Sempre se dirá, todavia, que é realmente necessário indicar a que acórdão da 
 comissão constitucional se referem os recorrentes, quando utilizam a via da 
 alínea h) do n.º 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, como expressamente exige o n.º 
 
 3 do artigo 75º-A da mesma Lei.
 
    Relativamente ao recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 
 
 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, mantém-se a razão apontada na decisão reclamada 
 para não conhecer da inconstitucionalidade atribuída ao artigo 456º do Código de 
 Processo Civil, que os reclamantes não analisam. 
 Diferentemente, limitam-se a manifestar a sua discordância com o juízo que o 
 Supremo Tribunal de Justiça fez no sentido de lhes ter sido concedida 
 oportunidade de se pronunciarem sobre a questão da má fé.
 
  
 
    5. Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não 
 conhecimento do objecto do recurso.
 
    Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
 
  
 Lisboa, 14 de Março de 2006
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Vítor Gomes
 Artur Maurício