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Processo nº 530/2006.
 
 3ª Secção.
 Relator: Conselheiro Bravo Serra.
 
  
 
  
 
                       1. Inconformado com a decisão proferida em 19 de Outubro 
 de 2005 pelo Governador Civil de Viana do Castelo que, pela infracção ao 
 disposto no nº 1 do artº 21º do Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 1 de 
 Outubro, lhe impôs a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 
 trinta dias, impugnou tal decisão perante o 2º Juízo de Competência Criminal do 
 Tribunal de comarca de Viana do Castelo o acoimado A.
 
  
 
                       O Juiz daquele Juízo, por decisão de 26 de Abril de 2006, 
 julgando procedente a impugnação, impôs a mesma sanção acessória, mas 
 determinando a suspensão da sua execução pelo período de um ano.
 
  
 
                       Para tanto, no que ora releva, recusou a aplicação, por 
 inconstitucionalidade orgânica, da “norma do art. 141 do DL 114/94, de 3-5, pelo 
 DL 44/05, de 23-02”.
 
  
 
                       Para o que interessa, pode ler-se nessa decisão: –
 
  
 
 “(…)
 Importa, assim, apreciar da justeza da sanção imposta.
 
      O que referir quanto à sanção acessória de inibição de conduzir estabelece 
 o art. 138, n.º 1, do Código da Estrada, na redacção anterior à entrada em vigor 
 do DL n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, aplicável ao caso:
 
      ‘As contra-ordenações graves e muito graves são sancionadas com coima e com 
 sanção acessória’.
 
      Verificada, pois, a prática da infracção, a aplicação da sanção acessória é 
 consequência que se impõe, apenas podendo haver lugar à sua atenuação especial 
 ou suspensa na sua execução.
 A atenuação especial da sanção acessória mostra-se regulada pelo art. 140 do 
 C.E. e quanto a esta importa referir que se afigura, em abstracto, susceptível 
 de aplicação ao presente caso considerando os seus pressupostos legais e a 
 factualidade provada. Esta só é susceptível de ser aplicada para as 
 contra-ordenações muito graves.
 Tal suspensão está sujeita à verificação dos pressupostos de que a lei penal 
 geral faz depender a suspensão da execução da pena (art. 141, n.º 1, do Código 
 da Estrada) e desde que se encontre paga a coima, sendo que a mesma só é 
 susceptível de ser aplicada às contra-ordenações graves.
 Tais pressupostos assentam na conclusão de que, atendendo à personalidade do 
 agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior aos factos 
 e às circunstâncias destes, a simples censura do facto e a ameaça da execução 
 realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. art. 50, 
 n.º 1, do Código Penal).
 
 (…) 
 Considerando que se mostram reunidos os pressupostos que à luz da lei anterior 
 levariam este tribunal a aplicar a suspensão da execução da sanção acessória, 
 designadamente por o arguido não ter antecedentes estradais, importa analisar a 
 constitucionalidade da nova redacção dada ao artigo 141, n.º 1, do CE.
 A norma em causa foi aditada ao regime inicial do DL 114/94, de 3-5, pelo DL 
 
 44/05, de 23-02.
 Assim sendo, e tendo em conta o tipo de diploma legal – Decreto-Lei – 
 verifica-se que a sua proveniência orgânica é o Governo.
 Nos termos do art. 165, n.º 1 c) da CRP vigente – Reserva relativa de 
 competência legislativa – 1 – É da exclusiva competência da Assembleia da 
 República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: 
 
 (...) d) Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos 
 actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo; (...) 2- As 
 leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e 
 a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada. 3 - As autorizações 
 legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez, sem prejuízo da sua 
 execução parcelada. 4 - As autorizações caducam com a demissão do Governo a que 
 tiverem sido concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução da 
 Assembleia da República. 5 - As autorizações concedidas ao Governo na lei do 
 Orçamento observam o disposto no presente artigo e, quando incidam sobre matéria 
 fiscal, só caducam no termo do ano económico a que respeitam.
 Tal significa que o Governo, para poder legislar sobre tais matérias, porque da 
 reserva relativa da AR, tem que se ver munido da respectiva autorização 
 legislativa e observar a mesma nos seus estritos preceitos e limitações, tais 
 quais aquelas que genericamente o próprio corpo do artigo da CRP fixa.
 Com inobservância dessas regras cai-se no âmbito da inconstitucionalidade 
 orgânica.
 O DL 44/05, de 23-02, surgiu por via da LAL 53/04, de 4.11.
 Essa LAL permitia ao Governo criar o corpo do art. 141?
 A resposta é negativa.
 De facto da referida LAL não consta qualquer referência que permita sustentar a 
 actuação do Governo a afastar a aplicação da suspensão da sanção acessória de 
 inibição de conduzir às contra-ordenações muito graves. Daquela resulta, na 
 parte que interessa ao caso em análise, que:
 
 ‘m) A previsão de atenuação especial e de suspensão da execução da sanção 
 acessória de inibição de conduzir condicionadas ao prévio pagamento da coima e 
 ao facto de o infractor não ter praticado outras infracções no período fixado;
 n) A consagração do princípio de que a suspensão da execução da sanção acessória 
 possa ser condicionada, além da prestação de caução de boa conduta, à frequência 
 de acções de formação ou ao cumprimento de deveres específicos previstos em 
 legislação própria;’     
 Verifica-se, deste modo uma violação do objecto.
 Padecerá, assim a referida norma de inconstitucionalidade orgânica.
 Nos termos do art. 204 da CRP vigente - Apreciação da inconstitucionalidade - 
 nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que 
 infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.
 Face à constatada violação da CRP, por inconstitucionalidade orgânica, de que 
 padece a norma do art. 141 do DL 114/94, de 3-5, pelo DL 44/05, de 23-02, está o 
 Tribunal impedido de a aplicar na parte que exclui a sua aplicação às 
 contra-ordenações muito graves.
 
 (…)”
 
  
 
                       Da decisão de que parte se encontra extractada interpôs o 
 Representante do Ministério Público junto daquele juízo recurso para o Tribunal 
 Constitucional ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 
 de Novembro, por seu intermédio pretendendo a apreciação “da norma contida no 
 art. 141º, nº 1, do Código da Estrada, com a redacção introduzida pelo 
 Decreto-Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro”.
 
  
 
                       Neste órgão de administração de justiça foi, ex vi do nº 6 
 do artº 78º-A daquela Lei, formulado convite à entidade recorrente no sentido de 
 ser concretamente especificada a dimensão normativa do preceito cuja 
 compatibilidade com a Constituição se intentava fazer apreciar por este 
 Tribunal.
 
  
 
                       Na sequência desse convite, o Ex.mo Representante do 
 Ministério Público junto deste Tribunal veio dizer que: –
 
  
 
 “O presente recurso obrigatório, fundado na alínea a) do nº 1 do artigo 70º da 
 Lei nº 28/82, tem como objecto a norma constante do artigo 141º, nº 1, do Código 
 da Estrada, na redacção emergente do Decreto-Lei nº 44/05, de 23 de Fevereiro, 
 interpretada em termos de impedir a aplicação jurisdicional da suspensão da 
 sanção acessória de inibição de conduzir às contra-ordenações muito graves, 
 inviabilizando a ponderação das circunstâncias do caso concreto que poderiam, 
 nos termos gerais, justificar a dita suspensão.
 Na verdade, tal norma viu a sua aplicação recusada pela sentença recorrida, com 
 fundamento em inconstitucionalidade orgânica, decorrente de violação do artigo 
 
 165º, nº 1, alínea c) da Constituição da República Portuguesa (não constando da 
 respectiva lei de autorização legislativa – a Lei nº 53/04, de 4 de Novembro – 
 título bastante para excluir as referidas contra-ordenações graves do regime 
 geral da suspensão da execução da medida de inibição de conduzir).”
 
  
 
                       2. Determinada a feitura de alegações, concluiu a entidade 
 impugnante a por si formulada com as seguintes «conclusões»: –
 
  
 
 ““1 - Por não se reportar a matéria atinente ao regime geral de punição dos 
 actos ilícitos de mera ordenação social, a que alude o artigo 165°, nº 1, alínea 
 c) da Constituição, a norma do artigo 141º           do Código da Estrada, na 
 redacção do Decreto-Lei nº 44/05, de 23 de Fevereiro, ao não prever a suspensão 
 da execução de sanção acessória de inibição de conduzir nas contra-ordenações 
 muito graves, não é organicamente inconstitucional.
 
 2- Termos em que deverá proceder o presente recurso.”        
 
         
 
  
 
                       Por seu turno, o acoimado não produziu alegação.
 
  
 
                       Cumpre decidir.
 
  
 
                       3. O preceito cuja recusa de aplicação foi operada na 
 decisão impugnada (nº 1 do artº 141º do Código da Estrada aprovado pelo 
 Decreto-Lei nº 114/94, de 3 de Maio, na redacção resultante do Decreto-Lei nº 
 
 44/2005, de 23 de Fevereiro) tem a seguinte redacção: –
 
  
 Artigo 141.º 
 
  
 Suspensão da execução da sanção acessória
 
  
 
                       1 – Pode ser suspensa a execução da sanção acessória 
 aplicada a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de 
 que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que 
 se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes.
 
                       2 – (…) 
 
                       3 – (…)
 
                       4 – (…)
 
                       5 – (…)
 
                       6 – (…)
 
  
 
                       A decisão recorrida fez uma interpretação da actual 
 redacção do nº 1 do artº 141º de harmonia com a qual a suspensão da execução da 
 pena tão somente poderá ser decretada se em causa estiverem contra-ordenações 
 graves, o que implicaria que, no tocante às contra-ordenações muito graves, um 
 tal instituto não poderia operar.
 
  
 
                       E, na senda dessa interpretação, a norma assim atingida 
 padeceria, na perspectiva da dita decisão, de vício de inconstitucionalidade 
 orgânica, por isso que a lei de autorização legislativa ao abrigo da qual foi 
 editado o Decreto-Lei nº 44/2005 (que veio a conferir nova redacção ao 
 mencionado nº 1 do artº 141º) – a Lei nº 53/2004, de 4 de Novembro – não teria 
 conferido ao Governo credencial parlamentar bastante para emiti-la.
 
  
 
                       3.1. Por via daquela Lei, ficou o Governo autorizado a 
 proceder à revisão do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, 
 de 3 de Maio, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.ºs 2/98, de 3 
 de Janeiro, e 265-A/2001, de 28 de Setembro, e pela Lei n.º 20/2002, de 21 de 
 Agosto, e ainda a criar um regime especial de processo para as contra-ordenações 
 emergentes de infracções ao Código da Estrada, seus regulamentos e legislação 
 complementar (cfr. seu artº 1º).
 
  
 
                       De acordo com o prescrito no artº 3º da referida Lei, a 
 autorização em causa, no que agora releva, contemplou, nas suas alíneas g), j), 
 m), n) e o): –
 
  
 g) A qualificação como contra-ordenações de todas as infracções rodoviárias e a 
 aplicação do regime contra-ordenacional previsto no Código da Estrada a todas 
 elas;
 j) A determinação da medida e regime de execução das sanções tendo em conta os 
 antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou seus 
 regulamentos;
 m) A previsão de atenuação especial e de suspensão da execução da sanção 
 acessória de inibição de conduzir condicionadas ao prévio pagamento da coima e 
 ao facto de o infractor não ter praticado outras infracções no período fixado;
 n) A consagração do princípio de que a suspensão da execução da sanção acessória 
 possa ser condicionada, além da prestação de caução de boa conduta, à frequência 
 de acções de formação ou ao cumprimento de deveres específicos previstos em 
 legislação própria;
 o) A alteração dos limites mínimo e máximo da caução de boa conduta para, 
 respectivamente, € 500 e €5000.
 
  
 
                       Torna-se claro que, para a dilucidação da questão em 
 apreço, deve ser ponderado, num primeiro passo, se necessitava o Governo de 
 credencial parlamentar para, relativamente a infracções do jaez da em causa [não 
 olvidando que ela é consubstanciadora de desrespeito ao disposto no nº 1 do artº 
 
 21º da Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 1 de Outubro – não paragem do veículo 
 conduzido perante a existência de um sinal de paragem obrigatória num 
 entroncamento – pelo que, de acordo com o que se consagra no nº 3 do artº 136º e 
 na alínea n) do artº 146º, é de considerar como integrando uma contra-ordenação 
 muito grave], emitir normação tal como a alcançada pelo processo interpretativo 
 levado a efeito na decisão recorrida, isto é, o decretamento legal da regra 
 segundo a qual não é possível a suspensão da execução da pena acessória de 
 inibição temporária da faculdade de conduzir aplicável a tal tipo de infracções.
 
  
 
                       E isto tendo em atenção que nos situamos perante um regime 
 especial atinente às contra-ordenações emergentes de infracções ao Código da 
 Estrada, seus regulamentos e legislação complementar.
 
  
 
  
 
                       3.2. Em 1993 entendeu o legislador proceder a uma profunda 
 revisão do Código da Estrada, cuja primeira versão – na qual foram introduzidas 
 inúmeras alterações – datava de 20 de Maio de 1954.
 
  
 
                       Na sequência de um tal desiderato, emitiu o Parlamento uma 
 credencial legislativa ao Governo, o que se operou por via da Lei nº 63/93, de 
 
 21 de Agosto, a qual, no que para o caso interessa, dispôs, de entre o mais, que 
 o autorizando corpo de leis a aprovar pelo executivo contemplaria [cfr. artº 2º, 
 nº 2, alíneas j) e l)] a consagração da faculdade de suspensão da sanção 
 acessória de inibição de conduzir, entre seis meses e dois anos, verificando-se 
 os pressupostos de que a lei penal faz depender a suspensão da execução das 
 penas criminais e a consagração do princípio de que a suspensão da sanção 
 acessória de inibição de conduzir possa ser condicionada à prestação de caução 
 de boa conduta a fixar entre 20 000$ e 200 000$, tendo em conta a medida da 
 sanção e a situação económica do condutor.
 
  
 
                       Em 3 de Maio de 1994 surgiu a lume o Decreto-Lei nº 
 
 114/94, por intermédio do qual foi aprovado o novo Código da Estrada.
 
  
 
                       Na versão originária desse Código surpreende-se, no nº 1 
 do artº 145º, a consagração da possibilidade de suspensão da execução da sanção 
 acessória (de inibição de conduzir, aplicável às contra-ordenações graves e 
 muitos graves – cfr. artigos 141º e seguintes), verificando-se os pressupostos 
 de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas.
 
  
 
                       Posteriormente, com a revisão do Código da Estrada 
 aprovado pelo Decreto-Lei nº 114/94, revisão essa decorrente do Decreto-Lei nº 
 
 2/98, de 3 de Janeiro, veio aquela possibilidade a ficar consagrada no nº 1 do 
 artº 142º, rezando assim este último preceito: –
 
  
 
                       1 – Pode ser suspensa a execução da sanção de inibição de 
 conduzir no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz 
 depender a suspensão da execução das penas.
 
  
 
                       Tendo em conta que a prescrição que, na versão originária 
 do dito Código, constava do nº 1 do seu artº 141º, não sofreu alteração no texto 
 emergente da revisão levada a efeito pelo Decreto-Lei nº 2/98, haverá que 
 considerar que a mencionada possibilidade, conferida pelo preceito imediatamente 
 acima transcrito, tanto se reportava a contra-ordenações graves como a 
 contra-ordenações muito graves.
 
  
 
                       3.3. Compulsado o regime geral das contra-ordenações 
 
 (Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro), fácil é verificar que no mesmo não se 
 encontra expressamente consagrada a possibilidade de suspensão da execução das 
 sanções acessórias.
 
  
 
                       Na verdade, naquele regime geral (cfr. seu artº 32º) 
 prevê-se, como regime subsidiário, que, em tudo o que não for contrário à 
 presente lei aplicar-se-ão, subsidiariamente, no que respeita ao regime 
 substantivo das contra-ordenações, as normas do Código Penal.
 
  
 
                       Ora, o diploma substantivo criminal, como sabido é, no que 
 
 à suspensão da execução da pena concerne, apenas a prevê quando em causa estiver 
 uma pena de prisão aplicada em medida não superior a três anos (cfr. Secção II 
 do Capítulo I do Título II do Livro I e artº 50º, nº 1).
 
  
 
                       Daí que se possa dizer que, no domínio do regime geral das 
 contra-ordenações, não se preveja, ainda que subsidiariamente, a possibilidade 
 de suspensão da execução das penas acessórias.
 
  
 
                       Porventura por isso, se viu o legislador parlamentar na 
 contingência de, referentemente ao desenho de um específico regime 
 contra-ordenacional – o atinente às infracções estradais –, prever a 
 possibilidade (e no tocante a certo tipo dessas infracções) de suspensão da 
 execução da sanção acessória de inibição de conduzir.
 
                       
 
                       3.4. Em 4 de Novembro de 2004 foi emitida a Lei nº 
 
 53/2004, que, tendo autorizado o Governo a proceder à revisão do Código da 
 Estrada aprovado pelo Decreto-Lei nº 114/94 (com as sucessivas alterações 
 decorrentes dos Decretos-Leis números 2/98 e 265-A/2001, de 28 de Setembro, e 
 pela Lei nº 20/2002, de 21 de Agosto) e a criar um regime especial de processo 
 para a contra-ordenações emergentes de infracções àquele Código, seus 
 regulamentos e legislação complementar, previu, como extensão específica dessa 
 alteração, a possibilidade de atenuação especial e de suspensão da execução da 
 sanção acessória de inibição de conduzir, nos termos da acima transcrita alínea 
 m) do artº 3º.
 
  
 
                       Quiçá não necessitando de prever essa especificidade – já 
 que, no que se refere à possibilidade de suspensão da execução daquela sanção 
 acessória, essa possibilidade estava já consagrada num regime especial estradal 
 
 (justamente o que veio a ficar consagrado no Código da Estrada aprovado pelo 
 Decreto-Lei nº 114/94) – o que é certo é que, uma vez mais, o legislador 
 parlamentar entendeu por bem fazê-lo.
 
  
 
                       E, se bem que o fizesse de um modo genérico, não 
 restringindo essa possibilidade a uma qualquer espécie de entre as infracções 
 graves ou muito graves, o que é certo é que da leitura da citada alínea m) do 
 artº 3º não resulta que o autorizando diploma tivesse, obrigatoriamente, ao 
 definir as concretas infracções e ao prescrever as respectivas sanções, nestas 
 se incluindo a previsão de aplicação da sanção acessória de inibição de 
 conduzir, de prever também que, em relação àquelas que incluísse na espécie de 
 infracções muito graves, uma tal possibilidade viesse a ficar consagrada.
 
  
 
                       Isso significa que, estabelecida que estava relativamente 
 ao específico regime especial das contra-ordenações estradais – quer pela Lei nº 
 
 6/93, quer pela Lei nº 53/2004 – um «desvio» relativamente ao regime geral das 
 contra-ordenações no que se prende com a consagração da possibilidade de 
 suspensão da execução da sanção acessória, podia o Governo definir, alterar, 
 eliminar ou modificar a punição e as condições de execução das infracções 
 contra-ordenacionais estradais. É que, de um lado, aquelas definição, 
 eliminação, modificação e estabelecimento de condições de execução, desde que 
 não ofensivas de um regime geral, cabem na competência legislativa concorrente 
 do Governo, como, sem discrepâncias, tem sido realçado por este Tribunal (cfr., 
 a título meramente exemplificativo, os Acórdão números 56/84, in Diário da 
 República, I Série, de 9 de Agosto de 1984, 74/95, idem, II Série, de 12 de 
 Junho de 1995, 69/90, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 15º 
 volume, 253 a 265, 436/2000, no Diário da República, II Série, de 17 de Novembro 
 de 2000, 461/2000, idem, idem, de 29 de Novembro de 2000, e 236/2003, idem, 
 idem, de 24 de Junho de 2003).
 
  
 
                       De outro, mesmo admitindo que, ao se gizar um regime 
 específico que, no particular de que curamos (isto é, partindo do pressuposto de 
 que o regime geral que deflui do Decreto-Lei nº 433/82 não permite, por si ou 
 por meio da remissão que faz no seu artº 33º para as normas do Código Penal, a 
 suspensão da execução tão somente em relação às penas acessórias), impunha uma 
 
 «consagração, também especial», da possibilidade da suspensão da execução da 
 sanções acessórias, consagração essa que se incluiria na reserva relativa de 
 competência legislativa do Parlamento a que alude a alínea d) do nº 1 do artigo 
 
 165º da Constituição, o que é certo é que estava já criado esse particular 
 regime.
 
  
 
                       O que conduz a que se possa dizer que, na edição do 
 Decreto-Lei nº 44/2005, o legislador governamental, não interferindo na 
 definição da natureza dos ilícitos, no tipo de sanções e seus limites, tão 
 somente desenhou um modo de facultar o cumprimento de certa espécie de sanções 
 
 (a sanção acessória de inibição de conduzir) com reporte a dado tipo de 
 infracções, ao abrigo de uma possibilidade que lhe estava «aberta» pela 
 
 «consagração especial» decorrente da Lei nº 53/2004 (e que já se encontrava 
 especificamente prevista desde a Lei nº 6/93 e do Código da Estrada aprovado 
 pelo Decreto-Lei nº 114/94), e isto, claro está, mesmo não se perfilhando o 
 entendimento segundo o qual a suspensão de execução de uma pena, 
 verdadeiramente, se posta, não como uma forma direccionada à sua execução, mas 
 sim como uma pena de substituição em sentido próprio (cfr., verbi gratia, 
 Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 
 
 337 e seguintes, e Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 1º 
 volume, 639).
 
  
 
                       Haverá, desta arte, que concluir que o legislador 
 governamental, ao editar a norma sub iudicio, não desbordou a sua competência 
 legislativa, pelo que se não divisa enfermar a norma em apreço do vício de 
 inconstitucionalidade orgânica.
 
  
 
                       Em face do que se deixa dito, concede-se provimento ao 
 recurso, em consequência se determinando a reforma da decisão impugnada de 
 harmonia com o juízo ora efectuado sobre a questão de constitucionalidade.
 Lisboa, 14 de Novembro de 2006
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Vítor Gomes
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Artur Maurício