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Processo n.º 695/06
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Gil Galvão
 
  
 
  
 Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I – Relatório
 
  
 
 1. Nos autos de um processo de inquérito, pendentes no DIAP do Porto, em que se 
 investigam factos que, em abstracto, são susceptíveis de integrar a prática de 
 dois crimes de homicídio qualificado, terão sido colhidos no local do crime 
 
 “vestígios biológicos, alguns deles referentes aos autores dos crimes”. Só 
 posteriormente tendo sido identificados suspeitos, entretanto ouvidos como 
 arguidos, foram então estes “convidados a prestar consentimento para a recolha 
 de zaragatoas bucais com vista à identificação do seu perfil genético [...] e 
 comparação com o dos vestígios biológicos acima referidos”, tendo, todavia, 
 negado tal consentimento. Nestas circunstâncias, considerando essencial que se 
 procedesse a “exame na pessoa dos arguidos tendo como finalidade a colheita de 
 vestígios biológicos para determinação do seu perfil genético e subsequente 
 comparação com o dos vestígios biológicos colhidos no local do crime” e que o 
 arguido “pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente” à 
 realização do mencionado exame, foi proferido pelo Ministério Público, em 12 de 
 Maio de 2005, despacho determinando nomeadamente que o arguido e ora recorrente, 
 A., comparecesse nas instalações do Instituto Nacional de Medicina Legal do 
 Porto, para que aí fosse sujeito à realização de exame médico-legal com vista à 
 obtenção de vestígios biológicos, “sempre na medida do estritamente necessário, 
 adequado e indispensável à prossecução do fim a que se destinam.”
 
  
 
 2. Em 20 de Setembro de 2005, naquele Instituto, procedeu-se à referida 
 diligência. Do respectivo auto consta que “foi perguntado ao arguido se o faria 
 voluntariamente ou se se oporia a tal diligência”, tendo o mesmo feito saber que 
 
 “havia sido dirigido aos autos [...] um requerimento para que fosse posto cobro 
 imediato à pretendida recolha coactiva de vestígios biológicos, uma vez que a 
 mesma careceria em absoluto de suporte legal [...] sendo por isso absolutamente 
 intrusiva e ofensiva da integridade pessoal do arguido [...] qualquer colheita 
 realizada contra a sua vontade e ou com uso da força [...]”. Perante esta 
 situação o arguido assinou uma declaração de recusa do acto, tendo, então, sido 
 advertido “que a diligência iria ter lugar, mesmo que para tal fosse necessário 
 o recurso à força.” Face a esta advertência, o arguido, “que continuou a 
 demonstrar que era contrário à diligência”, afirmou, contudo, que “não iria 
 exercer qualquer acto de violência, para quem quer que seja”, pelo que, “de 
 maneira ordeira e abrindo a boca deixou efectivar a recolha de saliva, não sem 
 antes reafirmar que o fazia contra a sua vontade. Desta forma, foi realizado o 
 acto em questão.”
 
  
 
 3. No dia seguinte, o arguido requereu ao Juiz de Instrução Criminal que fosse 
 declarada ilegal a prova obtida através da sua sujeição coactiva à colheita de 
 saliva realizada no dia anterior. Por decisão daquele Juiz foi julgada 
 
 “improcedente a invocada nulidade e consequente proibição de valoração como 
 prova, do resultado da análise da saliva colhida através de zaragatoa bucal 
 efectuada ao arguido [...]”.
 
  
 
 4. Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, tendo 
 formulado as seguintes conclusões:
 
 “I. No direito português vigente só o consentimento livre e esclarecido do 
 arguido pode legitimar a sua submissão a uma colheita de vestígios biológicos 
 para análise de ADN; 
 II. Uma vez que o arguido e ora recorrente manifestou a sua expressa recusa em 
 colaborar ou permitir tal colheita, foi manifestamente ilegal e até 
 criminalmente ilícita a sua realização coactiva, por manifesta falta do 
 indispensável suporte legal - lacuna essa que o intérprete e aplicador da lei 
 não estão, por si, legitimados a colmatar; 
 III. Mercê disso, dever-se-ia ter reconhecido e declarado a ilegalidade da 
 sobredita colheita, nos termos em que a mesma teve lugar, com todas as legais 
 consequências, a começar pela proibição absoluta de valoração da(s) prova(s) 
 assim obtida(s) e sem esquecer a devida instauração do adequado procedimento 
 criminal contra todos quantos determinaram, efectuaram, colaboraram ou por 
 qualquer forma participaram na dita colheita ilegal, assim incorrendo na prática 
 de um crime contra a integridade pessoal do ora recorrente, em manifesta 
 violação do disposto, entre outros, no art. 25°, n° 1, da CRP, e no art. 143.°, 
 n°1, do CPen.; 
 IV. Decidindo de forma diversa, a Mm.a Juíza a quo violou, entre outras, as 
 normas contidas nos arts. 25.°, 26.°, n° 1, e 32.°. nº 8, todos da CRP, o art. 
 
 8° da CEDH, o art. 12 da DUDH, o art. 17° do PIDCP e os arts 126, n.° 1, 2 als 
 a) e c) e 3, bem como o art 172, n° 1, ambos do CPPen; 
 V. De resto, sempre estaria ferida de inconstitucionalidade a norma do art. 
 
 172.°, n.° 1, do CPPen., interpretada no sentido de possibilitar ao M° P° 
 ordenar a colheita coactiva de vestígios biológicos de um arguido para 
 determinação do seu perfil genético, quando este último tenha manifestado a sua 
 expressa recusa em colaborar ou permitir tal colheita; 
 VI. Da mesma forma que seria igualmente inconstitucional a norma do art. 126.°, 
 nos 1, 2 - als. a) e c), e 3, do CPPen., quando interpretada no sentido de 
 considerar válida e, consequentemente, susceptível de ulterior utilização e 
 valoração, a prova obtida através da colheita efectuada nos moldes descritos na 
 conclusão anterior”.
 
  
 
 5. Em 17 de Janeiro de 2006, o recorrente juntou aos autos um parecer do 
 Professor Manuel da Costa Andrade, em que, no essencial se sustenta que “no 
 direito positivo vigente em Portugal não é juridicamente admissível impor a 
 recolha coactiva de substâncias biológicas nem a sua ulterior e não consentida 
 análise genética com vista à determinação do perfil genético para fins de 
 processo criminal”, uma vez que não existe “uma lei específica que as autorize e 
 prescrev[a] o respectivo regime”, não oferecendo “as normas da lei 
 processual-penal relativas a perícias [...] e exames [...], bem como [...] os 
 dispositivos da lei que estabelece o regime das perícias médico-legais [...], 
 como ainda os preceitos pertinentes (sobretudo o artigo 152º) do Código da 
 Estrada”, “a indispensável legitimação penal.” E, assim sendo, “no plano 
 processual-penal, o direito vigente em Portugal prescreve uma intransponível 
 proibição de produção de prova contra a recolha coerciva das substâncias 
 biológicas e contra a sua análise genética não consentida. Uma proibição cuja 
 violação só pode ter como consequência a correspondente proibição de valoração 
 das provas obtidas”.
 
  
 
 6. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 3 de Maio de 2006, decidiu 
 julgar o recurso improcedente. Para tanto, fundamentou, assim, a decisão:
 
 “[…] O que aqui está em causa apreciar não é só a legalidade da decisão 
 impugnada enquanto acto ou meio ordenativo de produção de um meio de prova, mas 
 sim, a legalidade da decisão ao determinar a eventual execução forçada do exame, 
 isto é, ao impor coactivamente ao recorrente a sua submissão ao exame. Tal como 
 vem referido no Recurso n.° 3261/01 do Tribunal da Relação de Coimbra relatado 
 pelo Sr. Conselheiro Dr. Oliveira Mendes e que vamos seguir de perto “certo é 
 que o direito que vimos de analisar - à integridade corporal e à 
 autodeterminação corporal - conquanto a Constituição da República o declare 
 inviolável (art.25°, n.°1), não é absoluto, posto que o art.18° daquele diploma 
 legal ao estatuir que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e 
 garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as 
 restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou 
 interesses constitucionalmente protegidos, deve ser interpretado no sentido de 
 que apenas é ilegítima toda a restrição que atinja o conteúdo essencial de cada 
 um dos direitos subjectivos individuais, isto é, que atente contra as exigências 
 
 (mínimas) de valor que, por serem a projecção da ideia de dignidade humana, 
 constituem o fundamento (a essência) de cada preceito constitucional nesta 
 matéria...” 
 
 “Daí que o nosso ordenamento jurídico preveja várias situações em que o direito 
 
 à integridade corporal e o direito à autodeterminação corporal cedem face a 
 interesses comunitários e sociais preponderantes, quer na área da saúde pública, 
 quer na área da defesa nacional, quer na área da justiça, quer noutras áreas.
 Assim sucede quando se impõem certas condutas corporais como a vacinação 
 obrigatória, os radiorrastreios, o tratamento obrigatório de certas doenças 
 contagiosas, a proibição de dopagem dos praticantes desportivos, o serviço 
 militar obrigatório ou a prestação de serviço cívico e a realização de perícia 
 psiquiátrica e de perícia sobre a personalidade”.
 Ora, embora entendamos que o exame ordenado nos autos, constitua “meio de prova 
 susceptível de ofender o direito à integridade corporal e o direito à 
 autodeterminação corporal do recorrente, designadamente no caso de este não 
 aderir ao exame, isto é, no caso de recusa, posto que o mesmo se traduz numa 
 intervenção não autorizada no seu corpo, isto é, lesiva da sua integridade 
 corporal e da integridade do seu sistema volitivo, quer por afectar o seu corpo 
 físico quer por afectar a sua capacidade de decidir e de agir, cremos que podem 
 e devem ser concretizados, mesmo que compulsivamente (exame e perícia), muito 
 embora limitados à colheita de cabelos, saliva, urina ou sangue, já que 
 justificados pela necessidade da descoberta da verdade material e não violadores 
 do conteúdo essencial daqueles direitos fundamentais do recorrente”. Vejamos.
 
 “Como já atrás ficou consignado, apenas é ilegítima a restrição dos direitos, 
 liberdades e garantias constitucionalmente consagrados em caso de conflito com 
 direitos ou valores da mesma matriz, quando a restrição atente contra as 
 exigências (mínimas) de valor que, por serem a projecção da ideia de dignidade 
 humana, constituem o fundamento (a essência) de cada preceito constitucional 
 nesta matéria, sendo certo que mesmo no caso de falta de preceito constitucional 
 que autorize a restrição pela lei pode tal falta ser colmatada pelo recurso à 
 Declaração Universal dos Direitos do Homem, nos termos do n.º 2, do art.16°, da 
 Constituição da República [].
 A Declaração Universal dos Direitos do Homem, no seu art.29° permite que o 
 legislador estabeleça limites aos direitos fundamentais para assegurar o 
 reconhecimento ou o respeito dos valores enunciados: «direitos e liberdades de 
 outrem», «justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar geral numa 
 sociedade democrática». 
 No caso vertente o que está em conflito é o direito à integridade corporal e o 
 direito à autodeterminação corporal do recorrente, por um lado, e o interesse 
 comunitário e o do Estado na administração da justiça penal, por outro lado, 
 pelo que nada obsta a que o legislador estabeleça limites àqueles direitos 
 fundamentais do recorrente para assegurar a execução e cumprimento da justiça 
 penal, isto é, para assegurar uma justa exigência da ordem pública e do 
 bem-estar geral, desde que, obviamente, os limites ou restrições não destruam ou 
 afectem o conteúdo essencial daqueles direitos”.
 
 “É certo que Vieira de Andrade[] expressa entendimento segundo o qual há 
 direitos, como o direito à vida, o direito à integridade física ou o direito a 
 não ser condenado senão em virtude de lei anterior, cuja violação, por menor que 
 seja, não é admissível, pois sempre será atingido o conteúdo essencial do 
 preceito constitucional que os consagra[] .No entanto, estamos em crer que 
 relativamente ao direito à integridade pessoal (física e moral) assim não será 
 no caso de lesões insignificantes e reversíveis, designadamente quando em 
 confronto com direitos ou valores preponderantes, como o direito à vida, 
 segurança das pessoas ou a administração da justiça penal.
 Assim o entendeu, aliás, o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 156/88 (DR, 
 II, de 17 de Setembro de 1988), em que apesar de se não ter tomado conhecimento 
 do recurso, num caso de recusa de efectuação de um teste de alcoolemia previsto 
 em regulamento dos Caminhos de Ferro Portugueses, em que se pretendia a 
 declaração de inconstitucionalidade das respectivas normas, argumentando 
 tratar-se de normas provenientes da autonomia privada, na respectiva 
 fundamentação consignou-se que o direito à integridade pessoal deveria ceder, no 
 caso, perante o direito à vida e à segurança das pessoas transportadas4.
 Tal como assim o entendeu o legislador ordinário ao estabelecer, como já 
 consignado ficou, restrições ao direito à integridade corporal e à integridade 
 de autodeterminação corporal, mediante a imposição de certas condutas e 
 comportamentos, tendo em vista a salvaguarda de direitos, valores e interesses 
 preponderantes, designadamente nas áreas da saúde pública, da defesa nacional e 
 da justiça”.
 
 “E do mesmo modo o entende Figueiredo Dias[], o qual refere que o arguido pode 
 constituir meio de prova, em sentido material, através das declarações prestadas 
 sobre os factos, e em sentido formal, na medida em que o seu corpo e o seu 
 estado corporal podem ser objecto de exames (arts.175° e 178º do Código de 
 Processo Penal), afirmando de seguida:
 
 (...) Na medida, porém, em que o objecto do exame seja uma pessoa, que assim se 
 vê constrangida a sofrer ou suportar uma actividade de investigação sobre si 
 mesma, o exame constitui um verdadeiro meio de coacção processual - como 
 claramente o inculca, de resto, a 2ª parte do corpo do art.178° do CPP, ao 
 estatuir que, para realização de um exame, pode «o juiz (hoje o MP) tomar 
 efectivas as suas ordens, até com o auxílio da força...» -, tendo por isso de 
 submeter-se aos princípios (já acima referidos) que estritamente demarcam a 
 admissibilidade de tais meios de coacção.
 Sendo os exames, na parte referida, um meio de coacção processual, as normas que 
 os permitem não poderão deixar de ser entendidas e aplicadas nos termos mais 
 estritos, tal como sucede com os restantes meios de coacção, maxime com a prisão 
 preventiva; em um como em outro caso a liberdade é a regra e a restrição daquela 
 a excepção. Excepção que, aliás, não deixa de ser constitucionalmente imposta: 
 assegurando o art.8°, n.°1, da Constituição Política a todos os cidadãos o 
 direito à integridade pessoal, quaisquer limitações que a tal direito sejam 
 feitas pela lei ordinária relativa a exames em processo penal terão de obedecer 
 
 à máxima strictissime sunt interpretanda6”.
 Ora, a colheita de cabelos ou sangue, caso não consentidas, consubstanciam 
 intervenções no corpo que, realizadas por perito médico “com rigorosa 
 observância das regras das leges artis, se podem e devem graduar como ofensas 
 insignificantes (mínimas) do direito à integridade corporal e do direito à 
 autodeterminação corporal, posto que afectam, transitória e momentaneamente, de 
 forma muito reduzida, o corpo físico e o sistema volitivo” do interveniente.
 
 “Quanto à recolha de saliva ou de urina afigura-se-nos que nem sequer se pode 
 considerar susceptível de ofensa o direito à integridade corporal do recorrente, 
 mas tão só o direito à autodeterminação corporal, e em grau ou medida 
 desprezível, isto é, irrelevante”.
 Deste modo e tendo presente que o exame ordenado tem em vista a procura da 
 verdade material para administração da justiça penal, o que constitui uma 
 exigência da ordem pública e do bem-estar geral, bem como um dos pilares do 
 Estado de direito, há que concluir que a realização compulsiva daqueles se 
 mostra justificada e legitimada a significar que a decisão impugnada, proferida 
 ao abrigo da norma do art.172°, n.° 1, do Código de Processo Penal, que atribui 
 
 à autoridade judiciária o poder de compelir as pessoas à submissão de exame 
 devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, não viola os arts.25°, n.° l 
 e 32°, n.° 8, da Constituição da República, na parte em que ordena o exame e 
 perícia mediante extracção de saliva por via de zaragatoa bucal, dado que a 
 mesma apenas é susceptível de ofender o direito à autodeterminação corporal do 
 recorrente em medida irrelevante.
 Assim não nos merece, pois, qualquer censura o despacho recorrido.”
 
  
 
 7. Desta decisão foi interposto o presente recurso, pelo seguinte requerimento:
 
 “[…] não se conformando com o, aliás, douto acórdão proferido em 03.05.2006, 
 dele v[e]m interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto no art. 280°, n.° 1, al. b) e n.° 4 da C.R.P. e no art. 70.°, n.° 1, 
 al. b) e n.° 2 da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro. 
 Esclarece que o presente recurso é limitado à parte do dito Acórdão que, 
 mantendo o decidido pelo Tribunal de 1ª instância, desatendeu a suscitada 
 questão da inconstitucionalidade:
 a) da norma do art. 172.º, n.° 1, do CPPen., interpretada no sentido de 
 possibilitar ao M.°P.° ordenar a colheita coactiva de vestígios biológicos de um 
 arguido para determinação do seu perfil genético, quando este último tenha 
 manifestado a sua expressa recusa em colaborar ou permitir tal colheita; e, 
 b) da norma resultante do art. 126.°, n.°s 1, 2 — als. a) e c), e 3, do CPPen., 
 quando interpretada no sentido de considerar válida e, consequentemente, 
 susceptível de ulterior utilização e valoração, a prova obtida através da 
 colheita realizada nos moldes descritos na alínea anterior.
 Dando cumprimento ao disposto no art.º 75°-A da citada Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, diz o aqui recorrente: 
 São as normas atrás aludidas, na interpretação que delas fez o Tribunal da 
 Relação do Porto, que o ora recorrente pretende sejam declaradas 
 inconstitucionais, pois as mesmas violam frontalmente os seguintes preceitos e 
 princípios da nossa Lei Fundamental:
 a) o art. 2.° da C.R.P., que consagra o princípio fundamental do Estado de 
 Direito, a que estão inerentes as ideias de jurisdicidade, constitucionalidade e 
 direitos fundamentais, concretizado nos seguintes subprincípios: 
 
 - no subprincípio do Estado constitucional ou da constitucionalidade, consagrado 
 no art. 3º, n.° 3 da C.R.P., segundo o qual, e para além do mais, a validade das 
 leis e demais actos do Estado depende da sua conformidade com a Constituição; 
 
 - no subprincípio da protecção dos direitos, liberdades e garantias, resultante 
 dos arts. 24.° e ss. da C.R.P., onde avultam, para o que aqui interessa, a 
 inviolabilidade do direito à integridade pessoal, à identidade pessoal (v. g., 
 genética), à autodeterminação pessoal e à reserva da intimidade; 
 
 - no subprincípio da reserva de lei em matéria de restrição de direitos, 
 liberdades e garantias, resultante do art. 18.° da C.R.P.; 
 
 - no subprincípio da independência dos Tribunais e do acesso à justiça, 
 consagrado nos arts. 20.° e 205.° e ss. da C.R.P., segundo o qual, e para além 
 do mais, a todos é garantido o acesso ao direito e aos Tribunais para defesa dos 
 seus direitos e interesses legítimos, incumbindo aos Tribunais, na administração 
 da justiça, a defesa desses mesmos direitos e interesses legalmente protegidos; 
 
 - no subprincípio da protecção da confiança, que se encontra desde logo 
 manifestado no art. 18.°, n.° 3 da C.R.P., segundo o qual as leis restritivas de 
 direitos, liberdades e garantias, para além de deverem revestir carácter geral e 
 abstracto, não podem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos 
 preceitos constitucionais; 
 
 - no subprincípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, aflorado em 
 diversas normas da C.R.P. e que assume particular relevância na limitação das 
 restrições de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (cír., p. ex., art. 
 
 18.°, no 2 da C.R.P.); e, 
 
 - no subprincípio das garantias processuais e procedimentais ou do justo 
 procedimento, aflorado em diversos preceitos da C.R.P. e segundo o qual a todos 
 
 é garantido um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de 
 realização do direito (são manifestações deste subprincípio, entre outras, as 
 várias garantias do processo judicial, válidas sobretudo para o processo penal, 
 como p. ex., o princípio da igualdade processual - art. 13° da C.R.P. -, o 
 princípio da conformação do processo segundo os direitos fundamentais - art. 32° 
 da C.R.P. - e o princípio do contraditório - ari. 32.°, n.° 3 da C.R.P.). 
 b) o art. 32° da C.R.P., que consagra o princípio fundamental da plenitude das 
 garantias de defesa, que tem como corolários lógicos o princípio da presunção de 
 inocência (onde se integra a “proibição da inversão do ónus da prova em 
 detrimento do arguido” e a “proibição de antecipação de verdadeiras penas a 
 título de medidas cautelares”), o princípio da estrutura acusatória do processo 
 penal (donde decorre a ideia de “igualdade de armas” entre a acusação e a 
 defesa, devendo os actos instrutórios subordinar-se ao exercício do 
 contraditório) e o princípio da nulidade das provas obtidas com ofensa da 
 integridade pessoal, da reserva da intimidade da vida privada e da 
 inviolabilidade do domicílio e da correspondência. 
 A inconstitucionalidade das referidas normas, na interpretação que delas fez o 
 Tribunal da Relação do Porto, foi suscitada pelo ora recorrente na motivação do 
 recurso dirigido a esse Tribunal de 2ª instância”.
 
  
 
 8. Revistos os autos neste Tribunal em 19 de Setembro de 2006, foi o recorrente 
 notificado para alegar, o que fez, tendo afirmado, nomeadamente, o seguinte:
 
 “[...] 27. Donde resulta à evidência estarem manifestamente feridas de 
 inconstitucionalidade:
 a) a norma do art. 172.º, n.º 1, do CPPen., interpretada no sentido de 
 possibilitar ao M.°P.° ordenar a colheita coactiva de vestígios biológicos de um 
 arguido para determinação do seu perfil genético, quando este último tenha 
 manifestado a sua expressa recusa em colaborar ou permitir tal colheita; e, 
 b) a norma resultante do art. 126.°, n.°s 1, 2 - als. a) e c), e 3, do CPPen., 
 quando interpretada no sentido de considerar válida e, consequentemente, 
 susceptível de ulterior utilização e valoração, a prova obtida através da 
 colheita realizada nos moldes descritos na alínea anterior[...]”
 
  
 
 9. Notificado para responder, querendo, à alegação do recorrente disse o 
 Ministério Público, recorrido, a concluir:
 
 “1. Não são inconstitucionais as normas dos artigos 172º, nº 1 e 126º, nºs 1, 2 
 alíneas a) e c) e 3, do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de 
 poder valer como prova a obtida através de exame a vestígios biológicos, 
 ordenada pela autoridade judiciária competente e conseguidos através de colheita 
 coactiva (consistente em zaragatoa bucal para extracção de saliva) para 
 determinação de perfil genético a arguido, contra a sua vontade e recusa 
 expressa em colaborar ou permitir tal colheita.
 
 2. Termos em que não deverá proceder o presente recurso”.
 
  
 
 10. Já após a contra-alegação do Ministério Público recorrido, o recorrente 
 juntou aos autos um parecer do Professor Gomes Canotilho, que, no essencial, 
 considerando que, “o recurso ao Ácido Desoxirribonucleico (DNA) na investigação 
 criminal é, pelo seu elevado grau de fiabilidade, certamente o caminho do 
 futuro, discutindo-se, quando muito, os limites que devem rodear a utilização da 
 informação assim obtida”, e que “o respeito pela dignidade da pessoa humana 
 obriga o legislador a disciplinar as análises genéticas com um nível de rigor e 
 precisão constitucionalmente adequado ao relevo dos bens susceptíveis de lesão”, 
 conclui que “o quadro normativo existente não é suficiente, por si só, para 
 legitimar a recolha compulsiva de material biológico para efeito de recolha de 
 DNA, sem prejuízo de a CRP não suscitar objecções de fundo à utilização deste 
 método de investigação, desde que disciplinado em termos constitucionalmente 
 adequados, salvaguardando sempre as dimensões essenciais dos direitos 
 fundamentais constitucionalmente tutelados”. E, sendo assim, “o recurso à 
 extracção de material biológico sem fundamento legal específico configura uma 
 intervenção restritiva dos direitos, liberdades e garantias destituída de 
 qualquer arrimo constitucional e legal, devendo ser julgada inconstitucional 
 qualquer norma legal existente — em matéria de provas, perícias e exames, 
 identificação civil ou verificação do estado físico e psicológico de condutores 
 e peões — na interpretação que eventualmente se lhe queira vir a dar no sentido 
 de, a partir dela, se pretender legitimar esta prática”.
 
  
 Notificado o recorrido, nada disse.
 
  
 Corridos os vistos, cumpre, então, decidir.
 
  
 
  
 II. Fundamentação.
 
  
 
 11. Delimitação do objecto do recurso.
 
  
 
 É o seguinte, na parte ora relevante, o teor dos preceitos questionados:
 
 “Artigo 172
 
 (Sujeição a exame)
 
 1. Se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame devido [...] pode 
 ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente”.
 
 [...]
 Artigo 126º
 
 (Métodos proibidos de prova)
 
 1. São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, 
 coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
 
 2. São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, 
 mesmo que com consentimento delas, mediante:
 a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus-tratos, 
 ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou 
 utilização de meios cruéis ou enganosos;
 
 [...]
 c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;
 
 [...]
 
 3. Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas 
 mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas 
 telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
 
 [...]”.
 
  
 Considera o recorrente, nos termos do seu requerimento de interposição do 
 recurso, delimitador do respectivo objecto, que o artigo 172º, nº 1, do Código 
 de Processo Penal é inconstitucional quando interpretado “no sentido de 
 possibilitar ao M.°P.° ordenar a colheita coactiva de vestígios biológicos de um 
 arguido para determinação do seu perfil genético, quando este último tenha 
 manifestado a sua expressa recusa em colaborar ou permitir tal colheita”; e que 
 o artigo 126º, nºs 1, 2 alíneas a) e c) e 3, é inconstitucional quando 
 interpretado “no sentido de considerar válida e, consequentemente, susceptível 
 de ulterior utilização e valoração, a prova obtida através da colheita realizada 
 nos moldes descritos na alínea anterior”. A exacta delimitação do objecto do 
 recurso exige, contudo, alguma concretização adicional. É que, como já se 
 referiu, por um lado, está aqui em causa a recolha de saliva através de 
 zaragatoa bucal contra a vontade expressa do arguido, mas sem que tivesse 
 existido utilização de força física - embora tenha havido ameaça de recurso à 
 mesma, na medida do necessário para salvaguardar a integridade de quem iria 
 realizar a recolha; por outro, a colheita coactiva de vestígios biológicos foi 
 determinada para subsequente comparação com os vestígios biológicos colhidos no 
 local do crime e sempre na medida do estritamente necessário, adequado e 
 indispensável à prossecução do fim a que se destina. Foi esta a concreta 
 dimensão normativa dos artigos indicados pelo recorrente que foi aplicada pela 
 decisão recorrida, pelo que só ela constitui objecto idóneo deste recurso de 
 constitucionalidade.
 
  
 Assim, o que está em causa nos presentes autos é a questão da compatibilidade 
 com a Constituição, designadamente com os princípios e preceitos indicados pelo 
 recorrente, dos preceitos supra citados quando interpretados, o artigo 172º, nº 
 
 1, do Código de Processo Penal, em termos de possibilitar ao Ministério Público 
 ordenar a colheita coactiva de vestígios biológicos de um arguido para 
 determinação do seu perfil genético na medida estritamente indispensável para 
 posterior comparação com vestígios colhidos no local do crime, se necessário 
 através da ameaça da utilização do recurso à força física para salvaguarda da 
 integridade de quem realizar a recolha, quando aquele tenha manifestado a sua 
 expressa recusa em colaborar ou permitir tal colheita e, o artigo 126º, nºs 1, 2 
 alíneas a) e c) e 3, do mesmo diploma, em termos de considerar válida e, 
 consequentemente, susceptível de ulterior utilização e valoração, a prova obtida 
 através da colheita realizada nos termos antes descritos.
 
  
 
 12. Julgamento do objecto do recurso.
 
  
 A resposta a dar às questões de constitucionalidade colocadas pelo recorrente 
 pressupõe que, num primeiro momento, se determine se (e, em caso afirmativo, 
 quais) os direitos, liberdades e garantias fundamentais que, porventura, são 
 restringidos pelas normas cuja constitucionalidade vem questionada pelo 
 recorrente. Subsequentemente, e em caso de resposta afirmativa àquela questão, 
 haverá então que decidir se uma tal restrição respeita o regime constitucional 
 específico das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias.
 
  
 
 12.1. A primeira questão respeita à concretização dos direitos, liberdades e 
 garantias eventualmente afectados pelas normas cuja constitucionalidade vem 
 questionada.
 
  
 
 12.1.1. No entendimento do recorrente as normas questionadas contendem, desde 
 logo, com o seu direito, protegido pelo artigo 25º da Constituição, à 
 integridade pessoal, quer física quer moral. Vejamos se assim é.
 
  
 A jurisprudência deste Tribunal sobre o âmbito da integridade pessoal (física ou 
 moral) protegida pelo artigo 25º da Constituição, abre algumas pistas 
 importantes para a questão que agora nos ocupa. Assim, no Acórdão n.º 128/92 
 
 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 21, 1992, pág. 481 e 
 seguintes), após se explicitar que o direito à integridade pessoal 
 constitucionalmente protegido se materializa no “direito da pessoa a não ser 
 agredida ou ofendida no seu corpo ou no seu espírito, seja por meios físicos 
 seja por meios morais”, o Tribunal acrescentou:
 
 “[…] o mesmo preceito constitucional - dito artigo 25º - proíbe também, como já 
 se disse, que, na actividade indagatória do Estado, se lance mão de métodos ou 
 técnicas que atentem contra a integridade moral do homem, pois isso seria 
 desrespeitar a pessoa na sua dignidade ontológica – no que ela é, por 
 conseguinte.
 O preceito em causa não proíbe, porém, a actividade indagatória (judicial ou 
 policial), em si mesma, quer o seu objectivo seja a averiguação de crimes e dos 
 seus autores, quer seja o apuramento de condutas que […] violam deveres 
 contratuais e, assim, lesam direitos alheios. E não a proíbe, porque, sendo o 
 Estado de Direito um Estado de justiça, o processo, tanto o criminal, como o 
 civil, há-de reger-se por regras que, respeitando a pessoa em si mesma (na sua 
 dignidade ontológica), sejam adequadas ao apuramento da verdade, pois só desse 
 modo se podem fazer triunfar os direitos e os interesses para cuja garantia o 
 processo é necessário”.
 
  
 Por sua vez, no Acórdão nº 616/98 (que se pronunciou sobre a compatibilidade com 
 a Constituição da exigência de realização de exames de sangue para efeitos de 
 investigação da paternidade e está disponível, como os adiante citados que não 
 tenham outra indicação, na página Internet do Tribunal Constitucional no 
 endereço http://www.tribunalconstitucional.pt), disse este Tribunal: 
 
 “[…] Na vertente da integridade física - a que agora está em causa - o  direito 
 
 à integridade pessoal traduz-se no direito de não sofrer ofensas corporais. 
 Sabido que as ofensas corporais se podem revestir de gravidade muito diversa, 
 admite-se que se questione, desde logo, se o direito consagrado na CRP abriga o 
 seu titular de todas as ofensas, qualquer que seja a sua gravidade, tendo em 
 conta a natureza, particularmente gravosa, das que o nº 2 do mesmo artigo 25º 
 enuncia.
 Parece, no entanto, inequívoco que este nº 2 apenas se limita a concretizar 
 alguns casos especialmente reprováveis de ofensa à integridade física e moral, 
 não esgotando, nem de longe nem de perto, as situações que, por força do nº 1 se 
 devem julgar constitucionalmente censuradas.
 Vem isto ao caso, pela circunstância de a situação em causa se traduzir num mero 
 exame de sangue (análise), ou seja aquilo que, nos dias de hoje, se pode 
 considerar, na linguagem da Decisão de 4/12/78 da Comissão Europeia dos Direitos 
 do Homem (in 'Decisions et Rapports' nº 16, p. 185), uma 'intervenção banal'.
 Aceita-se, contudo, na linha daquela 'Decisão', que o 'exame de sangue', contra 
 a vontade do examinado, possa constituir, nos limites da protecção 
 constitucional, uma ofensa à integridade física da pessoa.”
 
  
 Por último, no acórdão nº 226/2000 (que se pronunciou sobre a 
 constitucionalidade da norma constante do artigo 9.º, n.º 2, alínea b), da Lei 
 n.º 15/94, de 11 de Maio, quando interpretada em termos de considerar que uma 
 agressão voluntária e consciente, consubstanciada em actos de violência física, 
 não traduz uma violação de direitos, liberdades ou garantias pessoais dos 
 cidadãos quando daí não resulte qualquer lesão), o Tribunal enfrentou de novo a 
 questão do limiar inferior da integridade física protegida constitucionalmente, 
 tendo, para o que ora releva, concluído que 
 
 “[…] nada legitima uma interpretação do conteúdo constitucional do direito à 
 integridade pessoal, concretamente na sua componente de direito à integridade 
 física, em termos de apenas abranger a protecção contra um determinado grau de 
 ofensas corporais, designadamente as que tenham por efeito a provocação de uma 
 lesão ou de incapacidade para o trabalho […]”.
 
  
 Por sua vez, Gomes Canotilho, na conclusão 13 do parecer junto aos autos, 
 afirma:
 
 “A recolha de material biológico para análise do DNA, embora possa ser entendida 
 como uma restrição do direito à integridade pessoal não colide com nenhuma das 
 suas dimensões essenciais, podendo justificar-se de acordo com critérios de 
 proporcionalidade, desde em ordem à prossecução de uma finalidade 
 constitucionalmente legítima”.
 
  
 Também Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 
 
 2005, págs. 267-279), em comentário ao artigo 25º da Constituição, se pronunciam 
 sobre o alcance constitucional do direito à integridade pessoal. Depois de 
 acentuarem que “a importância constitucional da tutela da integridade pessoal 
 está bem evidenciada na referência à sua inviolabilidade, na inexistência de 
 autorização expressa de leis restritivas, e na proibição de afectação do direito 
 
 à integridade pessoal nas situações de suspensão de direitos fundamentais em 
 estado de sítio ou de emergência (artigo 19º, nº 6, da Constituição)” […], bem 
 como na “imposição da nulidade de provas obtidas mediante violação da 
 integridade física e moral da pessoa”, acrescentam, sintetizando o essencial da 
 jurisprudência constitucional sobre a matéria, que: 
 
 “[…] Na sua expressão mais simples a protecção da integridade física e moral 
 consiste no direito à não agressão ou ofensa ao corpo ou espírito, por quaisquer 
 meios (físicos ou não). Consagra-se assim uma tutela constitucional firme, quer 
 contra quaisquer ofensas à integridade física – independentemente da sua 
 gravidade (Acórdão nº 616/98) – quer contra violações do direito à integridade 
 moral […].
 A intensidade da tutela jusfundamental da integridade pessoal – e, em 
 particular, da integridade física – impõe limites estritos a quaisquer 
 intervenções não consentidas das autoridades públicas.[…]
 O Tribunal Constitucional, no acórdão nº 319/95, concluiu, no entanto, que a 
 normação que admite a imposição do chamado teste do álcool […] não ofende 
 materialmente a Constituição […].
 Todavia, se a obrigatoriedade de tais testes resiste, em si mesma, ao crivo do 
 juízo de inconstitucionalidade, o mesmo não se pode dizer em relação à 
 realização forçada dos mesmos sobre o corpo do condutor contra a vontade deste. 
 A questão não pode deixar de ser equacionada à luz do princípio da 
 proporcionalidade. […]”.
 
  
 Especificamente sobre a relação entre a colheita coerciva de material genético 
 para efeitos de realização de testes de A.D.N. no âmbito do processo penal e a 
 inviolabilidade da integridade física pronunciaram-se Helena Moniz, já em 2002, 
 e, mais recentemente, Sónia Fidalgo.
 
  
 Helena Moniz (“Os problemas jurídico-penais da criação de uma base de dados 
 genéticos para fins criminais”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 
 Abril-Junho de 2002, p 250) conclui, no essencial, que “a recolha de amostras do 
 corpo do delinquente constitui um comportamento que integra o tipo legal de 
 crime de violação da integridade física, a não ser que ocorra uma causa de 
 exclusão da ilicitude como o consentimento [...]”.
 
  
 Sónia Fidalgo (“Determinação do perfil genético como meio de prova em processo 
 penal”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro-Março de 2006, pp. 
 
 122-123), por seu turno, concordando com Helena Moniz, acrescenta:
 
 “[…] há que referir que os avanços tecnológicos verificados na área da 
 engenharia genética permitem a análise de ADN a partir de outras amostras 
 biológicas para além do sangue (esperma, saliva, urina, pêlos). Por este motivo, 
 há quem considere que a colheita de material biológico, em si mesma considerada, 
 não chega a constituir, verdadeiramente, um atentado à integridade física – 
 tratar-se-á de agressão insignificante. Haverá ofensa à integridade física 
 apenas no caso de o arguido recusar a colaboração e a colheita ser feita com 
 recurso à força sobre o corpo do arguido. Deste modo, o que poderá constituir um 
 atentado à integridade física não será propriamente a colheita do material, mas 
 o modo como a colheita é realizada.
 No entanto, temos dúvidas quanto a esta posição. Entendemos, com Paula Ribeiro 
 de Faria, que o princípio bagatelar, enquanto critério de valoração da acção, se 
 transforma numa subespécie ou categoria da adequação social […]
 Poderemos falar, nestes casos, de uma insignificância de lesão a que esteja 
 
 «conaturalmente ligada uma ausência de negação do sentido social contido no tipo 
 de ilícito? Parece-nos que não.
 Deste modo, não concordamos com a ideia de que só haverá ofensa à integridade 
 física se houver recurso à força no momento da colheita.
 
 [...]
 Quanto à protecção da integridade moral, dada a natureza imaterial do bem 
 jurídico em causa, o problema torna-se ainda mais complexo. […]
 No concreto âmbito da prova em processo penal, a violação da integridade moral 
 traduzir-se-á na perturbação da liberdade de vontade ou de decisão e da 
 capacidade de memória ou de avaliação.”
 
  
 Sobre questão paralela à que agora nos ocupa pronunciou-se também o Tribunal 
 Constitucional Espanhol, em sentença proferida em 16 de Dezembro de 1996 (STC 
 
 207/1996), numa situação em que estava em causa uma determinação, contrária à 
 vontade do arguido, para a extracção de cabelos para posterior análise genética 
 e utilização como prova em processo penal. Depois de recordar a sua 
 jurisprudência anterior, segundo a qual através do reconhecimento do direito 
 fundamental à integridade física e moral se protege a inviolabilidade da pessoa 
 contra qualquer tipo de intervenção nesses bens que careça do consentimento, 
 acrescentou que, embora aquele direito se encontre relacionado com o direito à 
 saúde, o seu âmbito constitucionalmente protegido não se reduz exclusivamente 
 aos casos em que exista um risco ou dano para esta, pois tal direito é afectado 
 por qualquer intervenção (no corpo) que careça do consentimento do seu titular. 
 Protegendo o direito à integridade física o direito de uma pessoa não sofrer 
 lesão do seu corpo ou da sua aparência externa sem consentimento, o facto de a 
 intervenção coactiva no corpo poder produzir dor ou sofrimento ou um risco ou 
 dano para a saúde constitui um plus de afectação, mas não é condição sine qua 
 non para entender que existe uma intromissão no direito fundamental à 
 integridade física.
 
  
 Esta decisão vai, porém, ainda um pouco mais longe, distinguindo, no contexto do 
 processo penal, dois tipos de diligências sobre o corpo do arguido, em função da 
 afectação, pela sua realização, de um direito. De um lado, as chamadas 
 inspecções e registos corporais, que consistem em qualquer género de 
 reconhecimento do corpo humano, quer seja para a identificação do arguido 
 
 (exames dactiloscópicos ou antropomórficos, etc.) ou de circunstâncias relativas 
 
 à comissão do facto punível (electrocardiogramas, exames ginecológicos, etc.) ou 
 para a descoberta do objecto do crime, nas quais, em princípio, não resulta 
 afectado o direito à integridade física, ao não se produzir, em geral, lesão ou 
 diminuição do corpo, e, por outro lado, as qualificadas pela doutrina como 
 intervenções corporais, isto é, as consistentes na extracção do corpo de 
 determinados elementos externos ou internos para serem submetidos a exame 
 pericial (análises de sangue, urina, pêlos, unhas, biopsias, etc.) em que, regra 
 geral, é afectado o direito à integridade física.
 
  
 Feito este excurso, cabe voltar a perguntar: a recolha de saliva através da 
 utilização da técnica da zaragatoa bucal, sem efectivo recurso à força física 
 mas realizada contra a vontade expressa do arguido e sob a ameaça de recurso à 
 mesma, conflitua com o âmbito constitucionalmente protegido do seu direito à 
 integridade pessoal?
 
  
 Considera o Tribunal que há que responder afirmativamente a esta questão.
 
  
 Na verdade, a introdução no interior da boca do arguido, contra a sua vontade 
 expressa, de um instrumento (zaragatoa bucal) destinado a recolher uma 
 substância corporal (no caso, saliva), ainda que não lesiva ou atentatória da 
 sua saúde, não deixa de constituir uma “intromissão para além das fronteiras 
 delimitadas pela pele ou pelos músculos” (a expressão é de Costa Andrade, 
 Direito Penal Médico, 2004, p. 70), uma entrada no interior do corpo do arguido 
 e, portanto, não pode deixar de ser compreendida como uma invasão da sua 
 integridade física, abrangida pelo âmbito constitucionalmente protegido do 
 artigo 25º da Constituição.
 
  
 Questão diversa, que oportunamente trataremos, é a de saber se, considerando, 
 designadamente, a sua intensidade e a finalidade a que se destina, ela não 
 estará constitucionalmente legitimada.
 
  
 
 12.1.2. As normas que prevêem a possibilidade de determinação da realização 
 coactiva de um exame, contra a vontade do arguido e sob ameaça do recurso à 
 força física, contendem ainda com a própria liberdade geral de actuação.
 
  
 Como se afirmou no Acórdão nº 368/2002, “há que ter presente que, após a revisão 
 constitucional de 1997, o artigo 26º nº 1 da Constituição passou a consagrar 
 expressamente o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, «englobando a 
 autonomia individual e a autodeterminação e assegurando a cada um a liberdade de 
 traçar o seu próprio plano de vida» (Acórdão nº 288/98, in Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 40º vol., pág. 61), o que implica o reconhecimento da liberdade 
 geral de acção, sendo certo que, nesta sua dimensão, o «direito ao 
 desenvolvimento da personalidade não protege, nomeadamente, apenas a liberdade 
 de actuação, mas igualmente a liberdade de não actuar (não tutela, neste 
 sentido, apenas a actividade, mas igualmente a passividade, com uma garantia não 
 unidimensional de actuação, mas pluridimensional, de liberdade de comportamento, 
 enquanto decorrente da ideia de desenvolvimento da personalidade» (Paulo Mota 
 Pinto, “O Direito ao Livre Desenvolvimento da Personalidade”, Portugal – Brasil, 
 ano 2000, Studia Juridica - Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de 
 Coimbra, 1999, págs. 149 e segs.)”.
 
  
 Fica, porém, para já, mais uma vez em aberto a questão de saber se, atento, por 
 um lado, o grau de intrusividade – que é “mínimo”, nas palavras de Gomes 
 Canotilho (cfr. pág.. 14 do parecer junto aos autos) – e, por outro, a 
 finalidade da restrição, não estará a mesma constitucionalmente justificada.
 
  
 
 12.1.3. Alega ainda o recorrente que as normas que vêm questionadas conflituam 
 igualmente com o seu direito à reserva da vida privada, constitucionalmente 
 tutelado pelo artigo 26º da Constituição. Também aqui, com razão, como veremos 
 já de seguida.
 
  
 A jurisprudência deste Tribunal sobre o conteúdo constitucional do direito à 
 reserva da intimidade da vida privada é relativamente vasta. No já citado 
 Acórdão nº 368/2002 escreveu-se, nomeadamente:
 
 “[…] O direito à reserva da intimidade da vida privada, entre outros direitos 
 pessoais, está previsto no artigo 26º da Constituição.
 A caracterização deste direito, à falta de uma definição legal do conceito de 
 
 «vida privada», foi feita no Acórdão nº 355/97 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 37º vol., págs. 7 e segs.), seguindo o que este Tribunal 
 afirmara já nos Acórdãos nºs 128/92 e 319/95, in Diários da República, II Série, 
 de 24 de Julho de 1992 e de 2 de Novembro de 1995, respectivamente, nos 
 seguintes termos: «o direito a uma esfera própria inviolável, onde ninguém deve 
 poder penetrar sem autorização do respectivo titular».
 O direito à intimidade tem sido igualmente entendido, na doutrina, como «o 
 direito que toda a pessoa tem a que permaneçam desconhecidos determinados 
 aspectos da sua vida, assim com a controlar o conhecimento que terceiros tenham 
 dela» (Lucrecio Rebollo Delgado, «El derecho fundamental a la intimidad», 
 Dykinson, 2000, pag. 94).
 Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira («Constituição da República Portuguesa 
 Anotada», 3ª ed. revista, Coimbra, 1993, nota VIII ao artigo 26º), este direito 
 
 «analisa-se principalmente em dois direitos menores: (a) o direito a impedir o 
 acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e (b) o 
 direito a que ninguém divulgue as informações a que tenha sobre a vida privada e 
 familiar de outrem […]»”.
 
  
 Na situação agora em análise, estaria, então, em causa a primeira dimensão desse 
 direito. A já referida realização coactiva de um exame destinado à recolha de 
 saliva para posterior análise genética, contra a vontade do arguido e sob ameaça 
 do recurso à força física, consubstanciaria uma intromissão não autorizada na 
 esfera privada do arguido.
 
  
 
 12.1.4. Intimamente ligado ao direito à reserva da intimidade da vida privada, 
 embora frequentemente objecto de um tratamento autónomo, surge ainda o direito à 
 autodeterminação informacional, que uma parte da doutrina faz decorrer dos 
 artigos 26º e 35º da Constituição (cfr., nesse sentido, Gössel, “As proibições 
 de prova no direito processual penal”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 
 Julho-Setembro de 1992, págs. 431-433, Helena Moniz, “Notas sobre a protecção de 
 dados pessoais perante a informática”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 
 Abril-Junho de 1997, págs. 245- 261, e “Os problemas...”, cit., págs. 246-247, 
 Sónia Fidalgo, ob. cit., pág. 127 ) e que, em síntese, tem sido definido como o 
 direito de cada cidadão a “ser ele próprio a decidir quando e dentro de que 
 limites os seus dados pessoais podem ser revelados” (Gössel, ob. cit., p. 432). 
 Ora, quer se entenda que daqueles preceitos constitucionais decorre, com 
 autonomia, um direito, liberdade e garantia à autodeterminação informacional, 
 quer se veja nele apenas a configuração de um habeas data, quer se acentue a 
 tónica da confidencialidade, em conexão com o direito à reserva da intimidade da 
 vida privada, o certo é que o comportamento em causa contende, também nesta 
 vertente, com direitos, liberdades e garantias.
 
  
 
 12.1.5. Alega ainda o recorrente que as normas questionadas contendem com o 
 privilégio contra a auto-incriminação (nemo tenetur se ipsum accusare), cuja 
 consagração constitucional decorre, no seu entendimento, dos artigos 2º, 26º e 
 
 32º, nºs 2 e 4, da Constituição da República Portuguesa. Vejamos, se terá aqui 
 razão.
 
  
 Em primeiro lugar, é inquestionável que o citado princípio tem consagração 
 constitucional, conforme resulta da jurisprudência deste Tribunal (cfr., por 
 exemplo, os acórdãos 695/95, 542/97, 304/2004 e 181/2005). Não é, portanto, o 
 reconhecimento da consagração constitucional do princípio que suscita 
 dificuldades mas sim, como reconhece Costa Andrade (cfr. Sobre as proibições de 
 prova em processo penal, Coimbra Editora, 1992, pág. 127), “a definição da sua 
 compreensão e alcance”. E, aqui, como reconhece este autor, as dificuldades 
 aumentam à medida que nos aproximamos da “zona de fronteira e concorrência entre 
 o estatuto do arguido como sujeito processual e o seu estatuto como objecto de 
 medidas de coacção ou de meios de prova. Nesta zona cinzenta deparam-se, não 
 raramente, situações em que não é fácil decidir: quando se está ainda no âmbito 
 de um exame, revista, acareação ou reconhecimento, admissíveis mesmo se 
 coactivamente impostos; ou quando, inversamente, se invade já o campo da 
 inadmissível auto-incriminação coerciva”.
 
  
 Este Tribunal já teve, como vimos, ocasião de se pronunciar sobre o princípio da 
 não auto-incriminação, embora em associação com o direito a não prestar 
 declarações. Assim, no Acórdão nº 695/95, o Tribunal pronunciou-se pela 
 inconstitucionalidade da norma do nº 2 do artigo 342º do Código de Processo 
 Penal, “enquanto impõe ao arguido, o dever de responder às perguntas do 
 presidente do tribunal no início da audiência de julgamento sobre os seus 
 antecedentes criminais e sobre outro processo penal que contra ele corra nesse 
 momento”. Ponderou, então, o Tribunal:
 
 “O princípio constitucional de que o processo criminal assegurará todas as 
 garantias de defesa tem como conteúdo essencial a exigência de que o arguido 
 seja tratado como sujeito e não como objecto do procedimento penal, 
 garantindo-lhe a Constituição, com essa finalidade, não só um direito de defesa 
 
 (artigo 32º, nº1), a que a lei confere efectividade através de direitos 
 processuais autónomos a exercer durante o processo e que lhe permitem conformar 
 a decisão final do processo, mas também a presunção de inocência até ao trânsito 
 em julgado da condenação, elemento fundamental naquela perspectiva.
 
 […]
 Este direito ao silêncio está directamente relacionado com o princípio 
 constitucional da presunção de inocência (artigo 32º, nº 2 da Constituição). Com 
 efeito, o interrogatório do arguido - exceptuadas as declarações finais antes do 
 encerramento da audiência de julgamento, em que é perguntado se tem mais alguma 
 coisa a alegar em sua defesa (artigo 361º do CPP) - pode vir a ser utilizado 
 como um meio de prova: as declarações do arguido podem constituir um importante 
 meio de obter a verdade material dos factos, ponto é que se respeite a livre 
 determinação da sua vontade.
 Assim, o arguido deve ser informado, antes de qualquer interrogatório, de que 
 goza do direito ao silêncio (artigos 141º, nº 4, 143º, nº2, 144º, nº1, e 
 
 343º,nº1, do CPP), devendo também ser esclarecido de que o seu silêncio não pode 
 ser interpretado desfavoravelmente aos seus interesses, não podendo, por isso, o 
 arguido ser prejudicado por ter exercitado o seu direito a não prestar quaisquer 
 declarações (o silêncio não pode ser interpretado como presunção de culpa).
 De facto, o princípio da presunção de inocência ínsito no nº 2 do artigo 32º da 
 Constituição, não só obsta a tal tipo de interpretação como também, se 
 conexionado com o princípio da preservação da dignidade pessoal do arguido, leva 
 a que a utilização do arguido (v.g., das suas declarações) como meio de prova 
 seja sempre limitada pelo integral respeito da sua decisão de vontade. [...]
 O Tribunal entende que a imposição ao arguido do dever de responder a perguntas 
 sobre os seus antecedentes criminais formulada no início da audiência de 
 julgamento viola o direito ao silêncio, enquanto direito que integra as 
 garantias de defesa do arguido.
 Como se referiu, o conteúdo essencial do direito de defesa do arguido assenta em 
 que este deve ser considerado como «sujeito» do processo e não como objecto; 
 ora, a obrigatoriedade de declarar, no início da audiência de julgamento, os 
 antecedentes criminais do arguido e bem assim, informar sobre processos 
 pendentes implica a transformação do arguido de sujeito em objecto do 
 processo.[...]”
 
  
 No acórdão nº 181/05, o Tribunal decidiu “não julgar inconstitucional o artigo 
 
 133.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de não exigir 
 consentimento para o depoimento, como testemunha, de anterior co-arguido cujo 
 processo, tendo sido separado, foi já objecto de decisão transitada em julgado”. 
 Afirmou-se então:
 
 “[…] 4 – A importância de que se reveste a produção de prova em processo penal, 
 enquanto superação de um modelo inquisitorial do processo e conquista basilar do 
 processo de estrutura acusatória, tem subjacente a ideia da existência de 
 limites intransponíveis à prossecução da verdade em processo penal, limites que 
 se traduzem nos conceito e regime das proibições de prova. [...]
 Em particular, quanto à liberdade de declaração do arguido, ela é analisada pela 
 doutrina numa dupla dimensão, positiva e negativa. Pela positiva, abre ao 
 arguido o «mais irrestrito direito de intervenção e declaração em abono da sua 
 defesa», e, pela negativa, a liberdade de declaração do arguido veda todas as 
 tentativas de obtenção, por meios enganosos ou por coacção, de declarações 
 auto-incriminatórias.
 A vertente negativa (nemo tenetur se ipsum accusare) assume particular 
 relevância em matéria de proibições de prova, não podendo o arguido ser 
 fraudulentamente induzido ou coagido a contribuir para a sua incriminação.
 De novo com Costa Andrade, o que está em jogo “é garantir que qualquer 
 contributo do arguido, que resulte em desfavor da sua posição, seja uma 
 afirmação esclarecida e livre de autoresponsabilidade.” (cfr. ob. cit., pág. 
 
 121).
 E isto porque, na liberdade de declaração espelha-se o estatuto do arguido como 
 autêntico sujeito processual decidindo, por força da sua liberdade e 
 responsabilidade, sobre se e como quer pronunciar-se.
 
 [...]
 O conteúdo material do referido princípio (nemo tenetur...) é assegurado através 
 da imposição dos deveres de esclarecimento ou de advertência às autoridades 
 judiciárias e aos órgãos de polícia criminal [cfr. artigos 58º, n.º 2; 61º, n.º 
 
 1, alínea g); 141º, n.º 4, e 343º, n.º 1], estabelecendo-se a sanção de 
 proibição de valoração, nos termos do artigo 58º, n.º 4, e da nulidade das 
 provas obtidas mediante tortura, coacção ou ofensa da integridade, física ou 
 moral (cfr. artigo 126º, n.º 1, todos do CPP).
 
 [...]
 A justificação do impedimento de o co-arguido depor como testemunha tem como 
 fundamento essencial uma ideia de protecção do próprio arguido, como decorrência 
 da vertente negativa da liberdade de declaração e depoimento, a que acima se fez 
 referência e que se traduz no brocado latino nemo tenetur se ipsum accusare, o 
 também chamado privilégio contra a auto-incriminação (cfr. neste sentido, Costa 
 Andrade, ob. cit., pág. 121).
 A proibição de o arguido ser ouvido como testemunha, enquanto limitação dos 
 mecanismos de constrangimento inerentes à prova testemunhal, constitui expressão 
 do privilégio contra a auto-incriminação. [...]
 A consagração do impedimento representa uma renúncia do Estado à «colaboração 
 forçada» na investigação de factos criminosos de quem é alvo dessa mesma 
 investigação.[...]”
 
  
 Por seu turno, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), em sentença 
 proferida em 17 de Dezembro de 1996 (caso Sauders v. Reino Unido), concluiu que 
 o citado direito à não auto-incriminação se refere, em primeira linha, ao 
 respeito pela vontade do arguido em não prestar declarações, ao direito ao 
 silêncio, acrescentando que esse direito se não estende ao uso, em processo 
 penal, de elementos obtidos do arguido por meio de poderes coercivos, mas que 
 existam independentemente da vontade do sujeito, por exemplo as colheitas, por 
 expiração, de sangue, de urina, assim como de tecidos corporais com finalidade 
 de análises de A.D.N..
 
  
 E o Tribunal Constitucional Espanhol, nomeadamente a propósito da 
 obrigatoriedade de submissão a testes de alcoolémia, afirmou que a realização 
 dos mesmos não constitui, em si mesmo, uma declaração ou incriminação, para 
 efeitos deste privilégio, uma vez que não se obriga o detectado a emitir uma 
 declaração que exteriorize um conteúdo, admitindo a sua culpa, mas apenas a 
 tolerar que sobre ele recaia uma especial modalidade de perícia (STC 103/1985). 
 E, reiterando tal doutrina, analisou em 1997 (STC 191/1997) - depois de citar 
 jurisprudência do TEDH, onde se reconhece que o direito ao silêncio e o direito 
 
 à não auto-incriminação, embora não expressamente mencionados pelo artigo 6º da 
 CEDH, se situam no coração do direito a um processo equitativo e se relacionam 
 estreitamente com o direito à defesa e à presunção da inocência - a questão na 
 perspectiva, que é também a do agora recorrente, da violação do princípio da 
 presunção de inocência. Neste contexto, considerou, então, que as garantias face 
 
 à auto-incriminação só se referem às contribuições do arguido de conteúdo 
 directamente incriminatório, não tendo o alcance de integrar no direito à 
 presunção da inocência a faculdade de se poder subtrair a diligências de 
 prevenção, indagação ou de prova. A configuração genérica de um tal direito a 
 não suportar nenhuma diligência deste tipo deixaria desarmados os poderes 
 públicos no desempenho das suas legítimas funções de protecção da liberdade e 
 convivência, lesaria o valor da justiça e as garantias de uma tutela judicial 
 efectiva […].
 
  
 No mesmo sentido se pronunciou Gomes Canotilho no parecer que o ora recorrente 
 juntou aos autos, onde, depois de dar conta que “a doutrina dominante e uma boa 
 parte da jurisprudência nacional e internacional de direitos humanos têm 
 entendido que a presunção de inocência do arguido abrange apenas o direito a 
 permanecer calado e a beneficiar da existência de uma dúvida razoável, não 
 impedindo a recolha de material biológico para efeitos de análise de DNA” (pág. 
 
 8), conclui precisamente que “a presunção de inocência do arguido abrange apenas 
 o direito a permanecer calado e a beneficiar da existência de uma dúvida 
 razoável, não impedindo a recolha de material biológico para efeitos de recolha 
 de DNA” (cfr. conclusão 10).
 
  
 Ora, entende o Tribunal, no seguimento da jurisprudência e doutrina acabada de 
 citar, que o direito à não auto-incriminação se refere ao respeito pela vontade 
 do arguido em não prestar declarações, não abrangendo, como igualmente se 
 concluiu na sentença do TEDH supra citada, o uso, em processo penal, de 
 elementos que se tenham obtido do arguido por meio de poderes coercivos, mas que 
 existam independentemente da vontade do sujeito, como é o caso, por exemplo e 
 para o que agora nos importa considerar, da colheita de saliva para efeitos de 
 realização de análises de A.D.N.. Na verdade, essa colheita não constitui 
 nenhuma declaração, pelo que não viola o direito a não declarar contra si mesmo 
 e a não se confessar culpado. Constitui, ao invés, a base para uma mera perícia 
 de resultado incerto, que, independentemente de não requerer apenas um 
 comportamento passivo, não se pode catalogar como obrigação de 
 auto-incriminação. Assim sendo, não se pode sustentar, ao contrário do que 
 pretende o recorrente, que as normas questionadas contendam com o privilégio 
 contra a auto-incriminação.
 
  
 
 12.2. Constatado, porém, que determinados direitos, liberdades e garantias 
 fundamentais são restringidos pelas normas cuja constitucionalidade vem 
 questionada, há que decidir sobre a compatibilidade dessa restrição com a 
 Constituição. Ora, não proibindo a Constituição, em absoluto, a possibilidade de 
 restrição legal aos direitos, liberdades e garantias, submete-a, contudo, a 
 múltiplos e apertados pressupostos (formais e materiais) de validade. Da vasta 
 jurisprudência constitucional sobre a matéria decorre, em síntese, que qualquer 
 restrição de direitos, liberdades e garantias só é constitucionalmente legítima 
 se (i) for autorizada pela Constituição (artigo 18º, nº 2, 1ª parte) (ii) 
 estiver suficientemente sustentada em lei da Assembleia da República ou em 
 decreto-lei autorizado (artigo 18º, nº 2, 1ª parte e 165º, nº 1, alínea b), 
 
 (iii) visar a salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente 
 protegido (artigo 18º, nº 2, in fine); (iv) for necessária a essa salvaguarda, 
 adequada para o efeito e proporcional a esse objectivo (artigo 18º, nº 2, 2ª 
 parte); (v) tiver carácter geral e abstracto, não tiver efeito retroactivo e não 
 diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos 
 constitucionais (artigo 18º, nº 3, da Constituição).
 
  
 Vejamos, pois, se, no caso, estes pressupostos da validade constitucional da 
 restrição legal de direitos fundamentais estão preenchidos.
 
  
 
 12.2.1. É desde logo evidente, não carecendo aqui, por isso, de qualquer 
 demonstração adicional, que as normas que vêm questionadas pelo recorrente visam 
 a salvaguarda de interesses constitucionalmente protegidos (designadamente os 
 que são próprios do processo penal, como a realização da justiça e a prossecução 
 da verdade material), têm carácter geral e abstracto, não têm carácter 
 retroactivo, nem aniquilam os direitos, liberdades e garantias em causa em 
 causa, não atingindo o respectivo conteúdo essencial.
 
  
 
 12.2.2. Por seguro temos, igualmente, que a Constituição não proíbe, em 
 absoluto, a recolha coactiva de material biológico de um arguido (designadamente 
 de saliva, através da utilização da técnica da zaragatoa bucal) e a sua 
 posterior análise genética não consentida para fins de investigação criminal, no 
 caso concreto para subsequente comparação com vestígios biológicos colhidos no 
 local do crime. Decisivo é, no entanto, verificar se os normativos que 
 concretizam os termos dessa possibilidade respeitam as exigências 
 constitucionais de adequação, de exigibilidade e de proporcionalidade em sentido 
 estrito que, como vimos, decorrem, designadamente, da segunda parte do nº 2 do 
 artigo 18º da Constituição da República Portuguesa. Ora, no caso em análise, não 
 se pode afirmar que isso não aconteça com as normas que aqui vêem questionadas 
 pelo recorrente, em termos de estas merecerem, deste ponto de vista, uma censura 
 constitucional.
 
  
 Na verdade, da jurisprudência do Tribunal Constitucional nesta matéria, cujo 
 sentido foi sintetizado no acórdão n.º 187/2001, decorre, nomeadamente, que o 
 princípio da proporcionalidade, em sentido lato, se desdobra, como se afirmara 
 já no acórdão n.º 634/93, “em três subprincípios: da adequação (as medidas 
 restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio 
 adequado para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos 
 ou bens constitucionalmente protegidos); da exigibilidade (essas medidas 
 restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador 
 não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); 
 da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se 
 medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)”. Há, 
 assim, três exigências na relação entre as medidas e os fins prosseguidos. Como 
 se afirmou no acórdão n.º 1182/96, “num primeiro momento perguntar-se-á se a 
 medida legislativa em causa […] é apropriada à prossecução do fim a ela 
 subjacente”; de seguida, “haverá que perguntar se essa opção, nos seus exactos 
 termos, significou a «menor desvantagem possível» para a posição jusfundamental 
 decorrente do direito […]”; finalmente, há que “pensar em termos de 
 
 «proporcionalidade em sentido restrito», questionando-se «se o resultado obtido 
 
 [...] é proporcional à carga coactiva» que comporta”.
 
  
 Da mesma jurisprudência decorre, igualmente, que, estando em causa actividade 
 legislativa, é reconhecido ao legislador um considerável espaço de conformação, 
 pelo que a avaliação pelos tribunais da inconstitucionalidade de uma norma, por 
 violação do princípio da proporcionalidade, depende de se poder apontar uma 
 manifesta inadequação da medida, uma opção manifestamente errada do legislador, 
 o seu carácter manifestamente excessivo ou inconvenientes manifestamente 
 desproporcionados em relação às vantagens que apresenta.
 
  
 Ora, o Tribunal não considera que as restrições aos direitos fundamentais 
 necessariamente implicadas pelas normas que agora estão em causa violem qualquer 
 dos subprincípios enunciados, uma vez que não se vislumbra que não constituam um 
 meio adequado para a prossecução dos fins visados, que não sejam necessárias 
 para alcançar esses fins, que se traduzam numa opção manifestamente errada do 
 legislador ou que sejam manifestamente excessivas ou desproporcionadas.
 
  
 Com efeito, é hoje comummente reconhecido, entre nós, praticamente de forma 
 unânime, que a chamada “impressão digital genética”, constitui um auxiliar cada 
 vez mais imprescindível da investigação criminal. Nesse sentido se pronunciou a 
 Comissão encarregada de elaborar uma proposta de regime jurídico de constituição 
 de uma base de dados de perfis de A.D.N. para efeitos de identificação civil e 
 criminal. No preâmbulo da proposta que apresentou ao Governo em 18 de Dezembro 
 de 2006, e após afirmar que “[…] cada vez mais, as «impressões digitais 
 genéticas» constituem o método de investigação criminal por excelência e cuja 
 importância tem crescido ao longo do séc. XX, devendo ser o meio mais adequado 
 de identificação para os próximos tempos”, a Comissão dá conta do facto de, 
 desde o início dos anos 90, diversas instituições internacionais terem vindo a 
 aconselhar a utilização das análises de A.D.N. no sistema de justiça criminal e 
 mesmo - o que agora não está em causa - a criação de bases de dados 
 internacionalmente acessíveis que incluíssem os resultados daquelas análises 
 
 (citando, v.g., a Recomendação R (92) 1 do Comité de Ministros do Conselho da 
 Europa, de 10 de Fevereiro de 1992). Refere, ainda, que “em todo o mundo foram 
 já construídas bases de dados de perfis de A.D.N. em várias dezenas de países; 
 na Europa, a maioria dos países produziu legislação relativa a bases de dados de 
 perfis de A.D.N. com finalidades de investigação criminal e/ou de identificação 
 civil, designadamente, em Inglaterra (desde 1995), na Irlanda do Norte e Escócia 
 
 (desde 1996), nos Países Baixos e na Áustria (desde 1997), na Alemanha e 
 Eslovénia (desde 1998), na Finlândia e Noruega (desde 1999), na Dinamarca, 
 Suíça, Suécia, Croácia e Bulgária (desde 2000), em França e na República Checa 
 
 (desde 2001), na Bélgica, Estónia, Lituânia e Eslováquia (desde 2002) e na 
 Hungria e Letónia (desde 2003)”, bases que “têm amplamente evidenciado 
 resultados positivos no que se refere à identificação de desaparecidos, 
 identificação de delinquentes, exclusão de inocentes, interligação entre 
 diferentes condutas criminosas, colaboração internacional em processos de 
 identificação, contribuindo para dissuasão de novas infracções”. E, assim sendo, 
 seguindo a já citada Recomendação do Conselho da Europa, a “Resolução 97/C 
 
 193/02 do Conselho, de 9 de Junho de 1997 [e a] Resolução 2001/C 187/01 do 
 Conselho, de 25 de Junho de 2001”, propõe a criação das “normas básicas 
 necessárias à criação e utilização de uma base de dados de perfis de A.D.N.”
 
  
 Aliás, nem outro é, neste ponto, o entendimento dos pareceres que o recorrente 
 juntou e que, no essencial, suportam a sua alegação. De facto, Costa Andrade 
 afirma ser sua “convicção segura que a Constituição não se opõe, em definitivo, 
 
 à recolha coactiva de substâncias biológicas e à sua análise genética não 
 consentida”, dependendo apenas da existência - o que, na sua opinião não 
 acontece no caso - de “uma lei específica que as autoriz[e] e prescrev[a] o 
 respectivo regime (pressupostos materiais, formais, orgânicos e 
 procedimentais)”. E Gomes Canotilho, que começa por afirmar que “o recurso ao 
 
 Ácido Desoxirribonucleico (DNA) é, pelo seu elevado grau de fiabilidade, 
 certamente o caminho do futuro, discutindo-se, quando muito, os limites que 
 devem rodear a informação assim obtida”, acrescenta que “as virtualidades das 
 análises de DNA como meio de investigação criminal são incontornáveis, não 
 podendo ser escamoteada a [sua] importância [...] para a prossecução da verdade 
 material em processo penal” e sublinhando mesmo que “desse objectivo 
 
 [prossecução da verdade material] depende em larga medida a legitimação do 
 Estado de direito material e das respectivas instituições junto da opinião 
 pública, condição de viabilidade a prazo de uma ordem constitucional livre e 
 democrática”. A questão é, para estes Autores, não a da desnecessidade ou 
 desproporcionalidade das restrições em causa, mas a da insuficiência da 
 habilitação legal [designadamente do recurso aos artigos dos artigos 61º, nº 3, 
 alínea d) e 172º, nº 1, do Código de Processo Penal e 6º, nº 1, da Lei nº 
 
 45/2004, de 19 de Agosto (que estabelece o regime jurídico das perícias 
 médico-legais e forenses)] em que as mesmas surgem formalmente suportadas, 
 questão que adiante abordaremos.
 
  
 
 12.2.3. Aqui chegados, é possível reconduzir a três as questões de que depende a 
 resposta final às questões de constitucionalidade que vêm colocadas:
 
 (i) A primeira será a de saber se a Constituição autoriza a restrição dos 
 direitos fundamentais que estão em causa - à integridade física, à liberdade 
 geral de actuação, à reserva da vida privada e à autodeterminação informacional 
 
 - designadamente para a prossecução das finalidades específicas do processo 
 penal;
 
 (ii) A segunda impõe que se averigúe se as normas contidas nos artigos 61º, nº 
 
 3, alínea d) e 172º, nº 1, do Código de Processo Penal e na Lei nº 45/2004, de 
 
 19 de Agosto (que estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e 
 forenses) constituem habilitação legal suficiente para as restrições que aqui 
 estão em causa ou se, pelo contrário, seria necessária uma outra lei específica 
 que explicitamente autorizasse a recolha coactiva de substâncias biológicas e a 
 sua análise genética não consentida, ao mesmo tempo prescrevendo o respectivo 
 regime (i.e., estabelecendo os seus pressupostos materiais, formais, orgânicos e 
 procedimentais);
 
 (iii) A estas acresce, por fim, uma terceira, decorrente do facto de a concreta 
 restrição agora está em causa ser realizada no contexto do processo penal e para 
 a prossecução das finalidades específicas deste, o que implica que se indague se 
 a conformidade constitucional da norma que autoriza tal restrição depende de 
 haver prévia autorização judicial ou se pode, como foi o caso, ser determinada 
 apenas pelo Ministério Público.
 
  
 
 12.2.3.1. A primeira questão agora a resolver diz respeito à necessidade de 
 autorização constitucional para a restrição de direitos fundamentais.
 
  
 Com efeito, o artigo 18º, nº 2, da Constituição refere, na parte que ora importa 
 considerar, que “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias, 
 nos casos expressamente previstos na Constituição…”. E uma primeira leitura 
 deste preceito poderia sugerir que aqueles direitos fundamentais, como é o caso 
 de alguns dos que agora estão em causa (por exemplo, o direito à integridade 
 física), para os quais a própria Constituição não prevê expressamente a 
 possibilidade de restrições legais, seriam, pura e simplesmente, insusceptíveis 
 de ser restringidos.
 
  
 O reconhecimento do carácter incomportável de uma tal leitura, designadamente do 
 ponto de vista das suas consequências práticas, levou, contudo, ao 
 desenvolvimento jurisprudencial e doutrinário de uma multiplicidade de soluções 
 
 - como o recurso, entre outros, ao artigo 29º da Declaração Universal dos 
 Direitos do Homem, às autorizações “indirectas ou tácitas” de restrições, às 
 ideias de “limites imanentes”, de “limites constitucionais não escritos”, de 
 
 “limites intrínsecos”, de “restrições implícitas”, de “limites instrumentais” - 
 que, de uma ou outra forma, têm afastado aquela conclusão. O Tribunal 
 Constitucional utilizou já diversas daquelas vias na sua jurisprudência sobre o 
 tema, nomeadamente nos Acórdãos nºs 6/84, 81/84, 198/85, 225/85, 244/85, 7/87 
 
 (todos publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional, respectivamente nos 
 Volumes 2º, pág. 257, 4º, pág. 225, 6º, págs. 473, 793 e 211 e 9º, pág. 7) e 
 
 254/99. Na doutrina, pronunciaram-se, por exemplo, Casalta Nabais, “Os direitos 
 fundamentais na jurisprudência do Tribunal Constitucional”, Separata do Volume 
 LXV (1989) do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pp. 
 
 20-28; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, 3ª ed., Coimbra, 2000, 
 Tomo IV, pp. 296-308; Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na 
 Constituição Portuguesa de 1976, 2ª ed., Coimbra, 2001, pp. 288-292; Gomes 
 Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Coimbra, 
 
 2003, págs. 1276-1283; Jorge Reis Novais, As restrições de direitos fundamentais 
 não expressamente autorizadas pela Constituição, Coimbra, 2003; José de Melo 
 Alexandrino, Estruturação do sistema de direitos, liberdades e garantias, na 
 Constituição Portuguesa, Volume II, pp. 443-482 e Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª ed., Coimbra, 2007, 
 págs. 389-391.
 
  
 Ora, independentemente da questão de saber qual é, do ponto de vista dogmático, 
 a solução preferível, a verdade é que não pode seriamente duvidar-se – e, nessa 
 conclusão, não existe discordância – que a Constituição autoriza, tendo em vista 
 a prossecução das finalidades próprias do processo penal e respeitadas as demais 
 e já referidas exigências constitucionais, a restrição dos direitos fundamentais 
 
 à integridade pessoal, à liberdade geral de actuação, à reserva da vida privada 
 ou à autodeterminação informacional. Isso mesmo já disse o Tribunal, por 
 exemplo, no Acórdão n.º 254/99:
 
 “[…] Também o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar é 
 consagrado à partida no nº 1 do artigo 25º da Constituição sem qualquer limite 
 e, no entanto, o Tribunal Constitucional admitiu que em hipóteses de grande 
 interesse para a descoberta da verdade ou para a prova (e, portanto, de conflito 
 com o interesse na prossecução penal e com o princípio da verdade material) pode 
 haver intercepção e gravação de comunicações telefónicas (Acórdão nº 7/87, 
 Acórdãos cit., 9, pp. 7 ss., 35; cfr., de modo semelhante, quanto ao uso, não 
 consentido pelo visado, de fotografia como prova em processo de divórcio, o 
 Acórdão nº 263/97, Diário da República, II série, de 1-7-1997, pp. 7567, 7569). 
 
 […] Também o direito de acesso a cargos públicos electivos (artigo 50º, nº 1 da 
 Constituição) era, antes da revisão de 1989, consagrado sem limites à partida 
 além dos que resultavam de outros preceitos constitucionais directamente para os 
 magistrados judiciais (artigo 221º, nº 3, hoje 216 nº 3) ou através de reservas 
 de lei para os militares e agentes militarizados (artigo 270º) e para as 
 eleições para a Assembleia da República (artigo 153º, hoje 150º). Mas nos 
 acórdãos nºs 225/85 e 244/85 (Acórdãos cit., 6, pp.793 ss., 798-801 e pp. 211 
 ss., 217-228) o Tribunal admitiu restrições legais para os funcionários 
 judiciais (em vista do interesse na separação e independência das funções 
 autárquica e judicial) e para os funcionários e agentes da administração 
 autárquica directa da mesma autarquia (em vista do interesse na independência e 
 imparcialidade do poder local). Em ambos os casos as restrições expressas na 
 Constituição ou resultantes das reservas de lei em certas matérias fundaram 
 argumentos no sentido da admissibilidade de outras restrições, em hipóteses de 
 conflito de direitos ou interesses constitucionalmente reconhecidos.[…]”
 
  
 
 12.2.3.2. Constatada assim a admissibilidade constitucional da restrição, 
 haverá, face aos artigos 18º, nº 2 e 165º, nº 1, alínea b) da Constituição, que 
 estatuem que só a lei pode autorizar a restrição de direitos, liberdade e 
 garantias, habilitação legal suficiente?
 
  
 Ora, é principalmente neste ponto que o recorrente - apoiado nos pareceres 
 citados - sustenta a inconstitucionalidade das normas questionadas, resultante 
 da inexistência no quadro normativo português, designadamente no invocado pela 
 decisão recorrida, da “indispensável legitimação legal” para a restrição dos 
 direitos, liberdades e garantias implicada na recolha coerciva de material 
 biológico para posterior análise genética não consentida e valoração como prova 
 no processo penal. Recordemos, então, a argumentação em que, no essencial, 
 assentam aqueles pareceres.
 
  
 Costa Andrade, admitindo “que a Constituição não se opõe, em definitivo, à 
 recolha coactiva de substâncias biológicas e à sua análise genética não 
 consentida”, considera, contudo, que “estas medidas são portadoras de um 
 potencial de danosidade e de devassa que está muito para além da que foi 
 pressuposta pelo legislador ao regular os «normais» exames e perícias ou, mesmo, 
 ao prescrever a recolha de sangue para determinar se um condutor está 
 influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas”, pelo que a sua 
 legitimação não pode “pura e simplesmente pedir-se às normas que prevêem a 
 submissão a exames da pessoa” (artigo 6º da Lei nº 45/2002, de 19 de Agosto ou 
 artigo 152º do Código da Estrada), sendo “indispensável”, para que aquelas 
 medidas fossem juridicamente admissíveis, “uma lei específica que as autorizasse 
 e prescrevesse o respectivo regime (pressupostos materiais, formais, orgânicos e 
 procedimentais)”. Gomes Canotilho, após afirmar que “o recurso ao Ácido 
 Desoxirribonucleico (DNA) é, pelo seu elevado grau de fiabilidade, certamente o 
 caminho do futuro, discutindo-se, quando muito, os limites que devem rodear a 
 informação assim obtida”, conclui, partindo do pressuposto de que as restrições 
 aos direitos liberdades e garantias estão subordinadas a “uma reserva de lei 
 qualificada […] devendo ser expressamente previstas, claramente determinadas, 
 devidamente fundamentadas e objecto de interpretação restritiva […]”, igualmente 
 no sentido de que “o quadro normativo existente não é suficiente, por si só, 
 para legitimar a recolha compulsiva de material biológico para efeito de recolha 
 de DNA […], já que “as diferenças que existem entre a análise de DNA e os demais 
 meios de prova, métodos de identificação civil de uma pessoa ou testes de 
 avaliação da sua condição física e psicológica são mais do que suficientes para 
 justificar a exigência de uma lei especial. Com efeito, a necessidade de uma lei 
 específica sobre a recolha de DNA assume o maior relevo, tendo em conta o facto 
 de que, embora se possa considerar que a extracção de material biológico não é, 
 em si mesma, uma actividade excessivamente intrusiva ou lesiva da privacidade ou 
 integridade física dos indivíduos, as utilizações potenciais que podem ser dadas 
 ao DNA são muitas e necessitam de ser devidamente reguladas”.
 
  
 Vejamos se assim é, analisando, sucessivamente, se (a) existe no quadro 
 normativo português algum preceito legal a autorizar a determinação da 
 realização coactiva dos exames que agora estão em causa e, em caso afirmativo, 
 se (b) esse quadro legal existente tem suficiente densidade normativa.
 
  
 
 (a) Para responder à primeira das questões acabadas de colocar, convém recordar 
 o quadro normativo existente. Assim, o artigo 172º do Código de Processo Penal 
 estatui que “se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame devido […] 
 pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente”; por sua 
 vez, o artigo 61º, nº 3, alínea d), do mesmo Código prescreve que “recaem 
 especialmente sobre o arguido os deveres de […] sujeitar-se a diligências de 
 prova […] especificadas na lei e ordenada e efectuadas por entidade competente”; 
 e, finalmente, o artigo 6º, nº 1, da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto (que define 
 o regime das perícias médico-legais e forenses), preceitua que “ninguém pode 
 eximir-se a ser submetido a qualquer exame médico-legal quando este se mostrar 
 necessário ao inquérito ou à instrução de qualquer processo e desde que ordenado 
 pela autoridade judiciária competente, nos termos da lei”.
 
  
 Cremos, em primeiro lugar, que a tentativa de extrair daqueles preceitos do 
 Código de Processo Penal a norma de habilitação para a realização dos exames que 
 agora estão em causa assenta no vício lógico de dar por demonstrado o que se 
 pretende demonstrar. Com efeito, o artigo 172º, nº 1, do Código de Processo 
 Penal, apenas estatui que “se alguém pretender eximir-se […] a qualquer exame 
 devido […], pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente”, 
 mas não esclarece, só por si, e é isso que está agora em causa, quais exames são 
 devidos, isto é, a que tipo de exames é que o arguido tem o dever de se 
 sujeitar. Dito de outra forma: o artigo 172º, nº 1, do Código de Processo Penal, 
 que prescreve a possibilidade de realização coactiva dos exames que sejam 
 devidos (i.e., que a autoridade judiciária competente possa determinar e, 
 consequentemente, que o arguido tenha o dever de suportar), pressupõe - mas não 
 permite fundamentar - o dever de o arguido se sujeitar a um concreto tipo de 
 exame. E, o mesmo acontece com o artigo 61º, nº 3, alínea d), quando estatui que 
 recai especialmente sobre o arguido o dever de se sujeitar a diligências de 
 prova especificadas na lei. Ora, também aqui a questão é, justamente, a de saber 
 se a diligência de prova agora em causa está ou não suficientemente especificada 
 na lei (que tem de ser, obviamente, outra lei, que não o próprio artigo 61º).
 
  
 Em suma: aqueles preceitos do Código de Processo Penal pressupõem que o exame 
 seja devido ou que a diligência de prova esteja especificada na lei, pelo que 
 deles não pode, logicamente, retirar-se o dever ou a especificação que os mesmos 
 pressupõem.
 
  
 E poderá retirar-se essa norma de habilitação do nº 1 do artigo 6º da Lei nº 
 
 45/2004, que estatui que “ninguém pode eximir-se a ser submetido a qualquer 
 exame médico-legal quando este se mostrar necessário ao inquérito ou à instrução 
 de qualquer processo e desde que ordenado pela autoridade judiciária competente, 
 nos termos da lei”?
 
  
 Do ponto de vista que agora importa considerar, este preceito vai mais longe do 
 que os anteriores, podendo funcionar como norma de autorização para a 
 determinação de um exame “necessário ao inquérito ou à instrução de qualquer 
 processo” que aqueles preceitos do Código de Processo Penal pressupõem. Se o 
 exame médico-legal for necessário ao inquérito ou instrução do processo ninguém 
 pode eximir-se à sua realização, prescreve o artigo 6º, nº 1, da Lei nº 45/2004, 
 que o mesmo é dizer que o exame é, então, devido. E, sendo-o, poderá o arguido 
 ser compelido à sua realização.
 
  
 Este raciocínio contém, porém, um elemento ainda não demonstrado e que é posto 
 em causa no parecer de Gomes Canotilho: o de que os exames genéticos estão 
 incluídos na referência a “qualquer exame médico-legal” feita no citado artigo 
 
 6º. Ora, no parecer, o artigo 30º da Lei nº 45/2004, que dispõe que “o acesso à 
 informação genética ou biológica bem como o tratamento dos respectivos dados são 
 regulados em legislação específica que salvaguarde os direitos fundamentais das 
 pessoas, nos termos da Constituição e do direito internacional aplicável”, é 
 entendido como demonstrando que o legislador, consciente da especificidade das 
 questões relativas à análise de A.D.N. e considerando que a regulamentação 
 contida na Lei nº 45/2004 para a realização de exames médico-legais em geral não 
 
 é ainda suficiente para salvaguardar os direitos fundamentais das pessoas no 
 caso de se tratar de exames genéticos, remeteu a sua regulamentação para 
 legislação específica.
 
  
 Cremos, porém, que este argumento prova demais, uma vez que o citado artigo 30º, 
 inserido nas disposições finais e transitórias do diploma, apenas se refere a 
 dois dos aspectos que se relacionam com os exames médico-legais e perícias no 
 
 âmbito da genética, para os remeter para legislação específica: o do “acesso à 
 informação genética” e o do “tratamento de dados”. Quer dizer: o que o 
 legislador entendeu foi que, determinada a realização do exame que se mostrar 
 necessário ao inquérito ou à instrução do concreto processo em causa e efectuado 
 o mesmo - trata-se de disposição final e transitória -, há tão somente dois 
 aspectos do regime desse exame que ficam sujeitos a legislação específica: o 
 acesso à informação recolhida no exame, nomeadamente por terceiros e já 
 necessariamente fora do contexto da sua realização e do inquérito ou processo em 
 causa, e o tratamento dos dados obtidos, nomeadamente no quadro de criação de 
 uma eventual base dos mesmos. E, para estes efeitos, a regulamentação prevista 
 na Lei nº 45/2004 não será ainda suficiente, necessitando de ser desenvolvida 
 através de uma legislação específica que salvaguarde os direitos fundamentais 
 das pessoas, nos termos da Constituição e do direito internacional aplicável. 
 Que o legislador não pretendeu excluir, de todo, ao contrário do que é 
 sustentado pelo recorrente, os exames genéticos do âmbito de aplicação daquele 
 diploma, e, consequentemente, do âmbito de aplicação do seu artigo 6º, nº 1, 
 mostra-o, aliás, a existência no diploma de uma Secção - a IV - precisamente 
 dedicada aos “exames e perícias no âmbito da genética, biologia e toxicologia 
 forense”.
 
  
 Do que acabamos de dizer decorre, então, que o problema não estará tanto na 
 falta de habilitação legal (i.e., na falta de norma que autorize a realização 
 coactiva do exame - essa existe e decorre da conjugação dos preceitos constantes 
 do artigo 6º da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto, e do artigo 172º do Código de 
 Processo Penal), mas, eventualmente, na falta de densidade normativa suficiente 
 desse quadro legal habilitante.
 
  
 Vejamos se assim é.
 
  
 
 (b) A questão a que, por fim e nesta parte, tudo se reconduz é, então, a do grau 
 de densidade normativa que tem de ter a lei habilitante da restrição de 
 direitos, liberdades e garantias. Como refere, por exemplo, Vieira de Andrade 
 
 (ob. cit., p. 302), “apesar de não estar expressamente referida, deve ainda 
 considerar-se que a lei restritiva, em função da reserva de lei formal, tem de 
 apresentar uma densidade suficiente, isto é, um certo grau de determinação do 
 seu conteúdo, pelo menos no essencial, não sendo legítimo que deixe à 
 Administração espaços significativos de regulação ou de decisão […]”. Ou, nas 
 palavras de Jorge Reis Novais (ob. cit., p. 842-843), que, entre nós, mais 
 recentemente se pronunciou desenvolvidamente sobre o problema, trata-se, no 
 fundo, de saber “a partir de que patamares é que o legislador, com uma lei 
 habilitante insuficientemente densa, subverte os ditames da separação e 
 interdependência de poderes - já que só com leis suficientemente claras e 
 determinadas se garante que é o próprio legislador que toma as decisões 
 essenciais -, as exigências de segurança próprias de um Estado de direito, bem 
 como o direito à tutela judicial efectiva do direito fundamental afectado, uma 
 vez que da densidade normativa da regulamentação legal depende também, em alguma 
 medida, a adequação funcional da intensidade variável do controlo judicial da 
 actividade administrativa”.
 
  
 Na resposta a esta questão importa que se comece por sublinhar que a 
 Constituição não dispõe, ela própria, de preceitos conclusivos (de 
 
 “determinações acabadas”, na terminologia de Reis Novais, ob. cit., p. 827), que 
 concretizem exactamente o grau de densidade normativa exigível à lei habilitante 
 da restrição de direitos fundamentais, pelo que, como afirma o mesmo autor (ob. 
 cit., p. 851), em vão “se procurariam [na Constituição] critérios que 
 permitissem […] soluções extraídas de definições talhantes e através de 
 raciocínios lógico-dedutivos em ordem a habilitar uma conclusão inequívoca sobre 
 quando se extravasam, neste plano, os limites admissíveis em Estado de Direito”. 
 Neste pressuposto, cabe à jurisprudência constitucional – em última instância - 
 a tarefa de concretização dos critérios de decisão de cada caso concreto.
 
  
 A este propósito, especificamente sobre o problema do grau de densidade 
 normativa exigível à lei habilitante da restrição de direitos fundamentais que 
 ocorra no âmbito do processo penal, pronunciou-se o citado Acórdão nº 7/87, 
 para, fazendo suas as palavras de Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, 1º 
 Vol., reimpressão, 1984, § 2, II, 1), afirmar a exigência de “uma estrita e 
 minuciosa regulamentação legal de qualquer indispensável intromissão, no decurso 
 do processo, na esfera dos direitos do cidadão constitucionalmente garantidos”. 
 Fora do âmbito do processo penal, a questão da restrição de direitos 
 fundamentais foi abordada, com mais algum desenvolvimento, no Acórdão nº 285/92, 
 em processo de fiscalização preventiva em que foram apreciadas normas de um 
 Decreto aprovado em Conselho de Ministros relativo à “Racionalização do Emprego 
 dos Recursos Humanos na Administração Pública”. Aí, ponderou o Tribunal: “[…] a 
 questão da relevância do princípio da precisão ou da determinabilidade das leis 
 anda associada de perto à do princípio da reserva de lei e reconduz-se a saber 
 se, num dado caso, o âmbito de previsão normativa da lei preenche ou não 
 requisitos tidos por indispensáveis para se poder afirmar que o seu conteúdo não 
 consente a atribuição à Administração, enquanto executora da lei, de uma esfera 
 de decisão onde se compreendem elementos essenciais da própria previsão legal, o 
 que, a verificar-se, subverteria a ordem de repartição de competências entre o 
 legislador e o aplicador da lei […]. Ora, atento o especial regime a que se 
 encontram sujeitas as restrições aos direitos, liberdades e garantias, constante 
 do artigo 18º da Constituição […], forçoso se torna reconhecer que […] o grau de 
 exigência de determinabilidade e precisão da lei há-de ser tal que garanta aos 
 destinatários da normação um conhecimento preciso, exacto e atempado dos 
 critérios legais que a Administração há-de usar, diminuindo desta forma os 
 riscos excessivos que, para esses destinatários, resultariam de uma normação 
 indeterminada quanto aos pressupostos de actuação da Administração; e que 
 forneça à Administração regras de conduta dotadas de critérios que, sem 
 jugularem a sua liberdade de escolha, salvaguardem o «núcleo essencial» da 
 garantia dos direitos e interesses dos particulares constitucionalmente 
 protegidos em sede de definição do âmbito de previsão normativa do preceito 
 
 […]”.
 
  
 Na doutrina nacional, o tema foi, como dissemos, tratado de forma desenvolvida 
 por Jorge Reis Novais. Este autor, após analisar as razões justificativas do 
 instituto da reserva de lei e não obstante assinalar que faz todo o sentido que 
 
 “a hetero e pré-determinação da actividade administrativa no que respeita aos 
 domínios mais sensíveis ou relevantes para a comunidade, maxime os direitos 
 fundamentais, se faça privilegiadamente através de decisões oriundas dos 
 representantes directamente escolhidos para o efeito” (ob. cit., p. 834), 
 reconhece a inevitabilidade de, em certos casos, a norma habilitante ter de 
 recorrer a “a conceitos indeterminados com remissão, expressa ou implícita, para 
 juízos de prognose, prerrogativas de avaliação e ponderação de caso concreto, 
 bem como [à] outorga de significativas margens de decisão administrativa num 
 domínio que, à partida e segundo os ditames clássicos da reserva de lei, lhes 
 seria tendencialmente avesso” (ob. cit., p. 845). E, assim sendo (ob. cit., p. 
 
 851), “a densidade normativa exigível varia em função de diferentes parâmetros 
 só definitivamente valoráveis nas circunstâncias do caso concreto”, pelo que o 
 que sempre importa apreciar é se, nas circunstâncias do caso concreto, “é 
 exigível, no sentido não apenas de ser objectiva e tecnicamente possível, mas, 
 também, constitucionalmente adequado, que o legislador dote a lei restritiva de 
 uma maior densificação ou determinação normativa.” Concretizando esta ideia, 
 Reis Novais acrescenta ainda (ob. cit., pp. 852) que, nesta tarefa, a chamada 
 teoria da essencialidade - as decisões essenciais nos âmbitos normativos mais 
 relevantes, maxime nos referentes ao exercício dos direitos fundamentais, devem 
 ser tomadas pelo legislador democraticamente legitimado - se tem revelado “capaz 
 de orientar o controlo constitucional de densidade normativa”, e conclui que 
 
 (ob. cit., págs. 854-855) “serão diferentes os patamares exigidos de densidade 
 consoante lidamos com restrições de direitos fundamentais que conferem uma 
 protecção específica a bens de liberdade precisamente delimitados ou direitos 
 fundamentais potencialmente receptivos aos múltiplos condicionamentos e 
 limitações derivados da sua necessária integração e compatibilização social com 
 outros bens, como sejam a liberdade geral de acção ou ao livre desenvolvimento 
 da personalidade; consoante se trata da afectação de aspectos essenciais da 
 dignidade da pessoa humana ou da restrição de faculdades marginais todavia 
 cobertas por protecção jusfundamental; consoante está em causa uma lei 
 conformadora que, incidentalmente, contém elementos restritivos ou uma lei que 
 se dirige, a título principal, a restringir um direito fundamental; conforme uma 
 restrição é controversa, grave e duradoura ou constitui uma bagatela 
 pacificamente tolerada. Por sua vez, na valoração do grau de densidade escolhido 
 pelo legislador deverão ser ponderadas, não apenas a forma como a indeterminação 
 normativa em apreciação afecta o direito à tutela judicial efectiva […] como 
 também a forma como se reflecte num exercício repartido e funcionalmente 
 adequado do poder público, na eficiência da administração ou na optimização das 
 condições orgânicas da composição dos bens em conflito.”
 
  
 
 À luz dos critérios anteriormente mencionados, que se afiguram, no essencial, 
 correctos, considera o Tribunal que não se verifica, no caso dos autos, uma 
 ausência de pré-fixação normativa de critérios de actuação restritiva de 
 direitos fundamentais constitucionalmente censurável. 
 
  
 Na verdade, no âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade, como é a 
 que agora está em causa, há que considerar, decisivamente, a concreta dimensão 
 normativa aplicada. E, neste contexto, importa salientar, desde logo, que 
 estamos face a uma norma que permite a colheita coactiva de material biológico - 
 mais concretamente de saliva, através da utilização da técnica da zaragatoa 
 bucal - realizada apenas para efeitos de determinação do perfil genético do 
 arguido em termos de possibilitar a comparação com outros vestígios biológicos 
 encontrados no local do crime. Ora, tratando-se da mera fixação de um perfil 
 genético na medida do estritamente necessário, adequado e indispensável para 
 comparação com vestígios colhidos no local do crime, como se refere 
 explicitamente na decisão que determina a dita recolha coactiva, fica à partida 
 delimitado o âmbito do exame e excluída qualquer possibilidade legítima de 
 tratamento do material recolhido em termos que permita aceder a informação 
 sensível que exceda a absolutamente indispensável ao fim visado, ou seja, à 
 comparabilidade referida. É que, sendo este, e apenas este, o objectivo da 
 recolha, o âmbito da análise está necessariamente restringido à utilização 
 daqueles marcadores de A.D.N. que sejam absolutamente necessários à 
 identificação do seu titular, isto é, aos que, segundo os conhecimentos 
 científicos existentes, permitem a identificação mas não permitem a obtenção de 
 informação de saúde ou de características hereditárias específicas do indivíduo; 
 ou seja, a análise tem de se restringir ao chamado A.D.N. não codificante.
 
  
 Delimitado assim, como não pode deixar de o ser, no caso concreto, o âmbito do 
 exame normativamente autorizado, verifica-se, então, que a potencialidade lesiva 
 dos comportamentos em causa, por todos em geral reconhecida e que se verifica 
 não tanto no momento da recolha do material biológico com base no qual será 
 feito o exame, mas, fundamentalmente, na quantidade e qualidade de informação a 
 que a análise poderia permitir aceder, fica significativamente reduzida. E, 
 reduzida a potencialidade lesiva do comportamento, diferente será também o 
 patamar de densidade normativa que é constitucionalmente exigível à 
 regulamentação que o autorize. Ora, neste contexto, verifica-se que a Lei n.º 
 
 44/2005, de 19 de Agosto, nos quadros da qual são realizados os exames e 
 perícias médico-legais, nomeadamente no âmbito da genética (cfr. artigo 23º), já 
 contém aquele grau mínimo de concretização normativa dos termos da possibilidade 
 da sua realização que permite afastar, também sob este ponto de vista, um juízo 
 de censura constitucional. Destaca-se, a este propósito, além do facto de os 
 exames se realizarem no Instituto de Medicina Legal, por técnicos devidamente 
 credenciados para tal, o já referido artigo 6º - que condiciona o dever de 
 submissão ao exame à demonstração da sua necessidade para o inquérito ou 
 instrução e de que decorre, no caso concreto, que o mesmo se tem de cingir ao 
 A.D.N não codificante -, o artigo 25º - que, sobre o destino dos objectos e 
 produtos examinados estatui, no seu nº 1, que “após a realização do exame [...] 
 o perito procede à recolha, acondicionamento e selagem de uma amostra 
 susceptível de possibilitar a realização de nova perícia no caso de os objectos 
 e produtos examinados o permitirem e à destruição do remanescente” - e o próprio 
 artigo 30º - que expressamente salvaguarda que o acesso à informação, 
 designadamente por terceiros e fora do contexto do processo em que é autorizado, 
 ou a constituição de uma base de dados estão ainda dependentes da legislação 
 específica que salvaguarde os direitos fundamentais das pessoas.
 
  
 Não é esta situação, aliás, substancialmente diversa da que foi desenvolvida em 
 Espanha ou na Alemanha, modelos citados pelo recorrente.
 
  
 Na verdade, em Espanha, depois de o Tribunal Constitucional (STC 207/1996, de 16 
 de Dezembro) ter explicitamente afirmado que os preceitos do processo penal 
 espanhol (concretamente os artigos 311 e 339 da Ley de Enjuiciamento Criminal, 
 então invocados) não conferiam a esta concreta medida restritiva dos direitos à 
 intimidade e à integridade física a cobertura legal requerida pela doutrina 
 daquele tribunal para qualquer acto limitativo de direitos fundamentais, o 
 Governo, através da Ley Orgânica n.º 15/2003, de 25 de Novembro, limitou-se, 
 para o que agora importa, a acrescentar um parágrafo 3º ao artigo 326º e um 
 parágrafo 2º ao artigo 363º, ambos da referida Ley de Enjuiciamento Criminal, 
 onde se dispõe, no primeiro, que quando seja evidente que a análise biológica de 
 vestígios pode contribuir para o esclarecimento do facto investigado, o juiz de 
 instrução adoptará ou ordenará à polícia judicial ou ao médico forense que 
 adopte as medidas necessárias para que a sua recolha, custódia e exame se 
 verifique em condições que garantam a sua autenticidade e, no segundo, que, 
 sempre que ocorram fundadas razões que o justifiquem, o juiz de instrução poderá 
 determinar, em decisão fundamentada, a obtenção de amostras biológicas do 
 arguido que sejam indispensáveis à determinação do seu perfil de ADN, podendo, 
 para esse efeito, determinar a prática daqueles actos de inspecção, 
 reconhecimento ou intervenção corporal que resultem adequados aos princípios da 
 proporcionalidade e razoabilidade. Também na Alemanha, face à controvérsia 
 doutrinária sobre a questão de saber se o § 81 a) do Código de Processo Penal 
 
 (StPO), que expressamente autorizava a recolha coactiva de sangue para fins de 
 processo penal, podia ser interpretado em termos de permitir igualmente essa 
 colheita para efeitos de determinação do perfil genético do arguido, o 
 legislador, em 1997, limitou-se o legislador a acrescentar um novo parágrafo ao 
 StPO - o § 81 e) - onde passou a autorizar expressamente que o sangue assim 
 recolhido pudesse ser geneticamente analisado para fins de investigação 
 criminal.
 
  
 A concluir sempre se dirá, no entanto, que uma maior densidade ou concretização 
 normativa nesta matéria é, seguramente, não somente possível - como o demonstra 
 a proposta de regime jurídico de constituição de uma base de dados de perfis de 
 A.D.N., já referida – mas, porventura, desejável. Com efeito, nesta proposta, na 
 sequência dos instrumentos internacionais já citados, diversos aspectos (não 
 apenas relativos à constituição da base de dados, mas também relativos à recolha 
 coerciva de material biológico no âmbito da investigação criminal para posterior 
 análise genética não consentida) aparecem desenvolvidamente regulamentados. É 
 assim que, por exemplo, no artigo 8º daquela Proposta, que dispõe sobre a 
 
 “Recolha de amostras com finalidades de investigação criminal”, se estatui, no 
 nº 1, que “a recolha de amostras em processo-crime é realizada a pedido do 
 arguido ou ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho do juiz, a 
 partir da constituição de arguido, ao abrigo do disposto no artigo 172º do 
 Código de Processo Penal”; que, no artigo 10º, que dispõe sobre o modo de 
 recolha da amostra, se salvaguarda que “a mesma é realizada através de método 
 não invasivo, que respeite a dignidade humana e a integridade física e moral 
 individual, designadamente pela colheita de células da mucosa bucal ou outro 
 equivalente”; que, no artigo 11º, se garante a possibilidade de contraditório, 
 estatuindo-se, no nº 1, que “salvo casos de manifesta impossibilidade, é 
 preservada uma parte bastante e suficiente da amostra para a realização de 
 contra-análise”, e, no nº 2, se explicita ainda que “quando a quantidade da 
 amostra for diminuta deve ser manuseada de tal modo a que não impossibilite a 
 contra-análise”; e que, no artigo 12º, se estatui que o âmbito da análise se 
 restringe “[...] àqueles marcadores de A.D.N. que sejam absolutamente 
 necessários à identificação do seu titular para os fins da presente lei”, isto 
 
 é, como se define no nº 5 do artigo 2º, os que “[...] segundo os conhecimentos 
 científicos existentes não permite[m] a obtenção de informação de saúde ou de 
 características hereditárias específicas […]” do indivíduo; ou seja, 
 preceitua-se que a análise efectuada para efeitos de investigação criminal se 
 tem de restringir ao chamado A.D.N. não codificante. E que, finalmente, há 
 preceitos relativos ao acesso de terceiros à informação (art. 24º e seguintes), 
 
 à conservação dos perfis de A.D.N. (artigo 28º), ao dever de segredo (artigo 
 
 30º), ou à protecção (artigo 33º) e destruição (artigo 34º) das amostras.
 
  
 Mas, se uma regulamentação genérica mais desenvolvida é possível e, porventura, 
 desejável, o que não pode é, no caso concreto e perante a dimensão normativa 
 verdadeiramente em causa, pelas razões que acima já foram enunciadas, 
 censurar-se tal dimensão do ponto de vista jurídico-constitucional, por 
 insuficiente densificação.
 
  
 
 12.2.3.3. Vejamos, por último, a questão da necessidade de prévia autorização 
 judicial. Na verdade, na concreta dimensão normativa que agora está em causa, 
 não seria necessária a prévia autorização do juiz de instrução para a realização 
 dos exames, sendo suficiente, na fase de inquérito, a sua determinação pelo 
 Ministério Público. Importa, porém, averiguar se esta solução é compatível com o 
 disposto no artigo 32º, nº 4, da Constituição, que dispõe que “toda a instrução 
 
 é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras 
 entidades a prática dos actos instrutórios que não se prendam directamente com 
 direitos fundamentais” (itálico aditado).
 
  
 O Tribunal Constitucional já teve ocasião, na vigência do Código de Processo 
 Penal de 1987, de amplamente se pronunciar sobre o estatuto do Ministério 
 Público na fase de inquérito e sobre a articulação desses poderes com a 
 exigência constitucional, constante do n.º 4 do art.º 32º da Constituição, de 
 que a instrução é da competência do juiz. Fê-lo, mais desenvolvidamente, no 
 Acórdão n.º 7/87, publicado no Diário da República, I Série, Suplemento, de 9 de 
 Fevereiro de 1987, no Acórdão n.º 23/90, publicado no Diário da República, II 
 Série, de 4 de Julho de 1990, nos Acórdãos n.º 581/2000 e 395/2004. E muitos 
 outros se podem citar, como, por exemplo, os Acórdãos n.º 517/96, 610/96, 694/96 
 e 691/98. Sobre a autonomia do Ministério Público, a sua competência para a 
 direcção do inquérito e para determinar a prática dos actos necessários à 
 recolha de prova nessa fase afirmou-se, designadamente, naquele Acórdão n.º 
 
 7/87, a propósito da conformidade constitucional do artigo 263º do CPP:
 
 “[…] Que dizer agora do «inquérito» do novo CPP ou, mais precisamente, da norma 
 que atribui a sua direcção ao MP (n.º 1 do artigo 263.º) e da que dá carácter 
 facultativo à instrução (primeira parte do n.º 2 do artigo 286.º)? 
 
 […]
 Diga-se desde já que, na sua actual redacção, esse n.º 4 é menos exigente que na 
 anterior: permite-se agora expressamente que o juiz delegue noutras entidades - 
 em termos a fixar por lei - a prática dos actos instrutórios que se não prendam 
 directamente com os direitos fundamentais.
 Mas fica sempre o princípio: a competência para a instrução pertence a um juiz. 
 E que a finalidade do «inquérito» é a mesma que as leis anteriores atribuíam ao 
 
 «corpo de delito» e à «instrução preparatória» parece fora de dúvida: o 
 inquérito compreende, nos precisos termos da nova lei, o conjunto de diligências 
 que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a 
 responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão 
 sobre a acusação. Simplesmente, a instrução de que se fala no citado n.º 4 pode 
 ser entendida - era nesse sentido a jurisprudência da Comissão Constitucional - 
 como não abrangendo «todas as formas de averiguação, investigação ou corpo de 
 delito suficientes para apresentação do feito em juízo». A intervenção do juiz - 
 lê-se no Acórdão n.º 6 - justifica-se «para salvaguardar a liberdade e a 
 segurança dos cidadãos no decurso do processo crime e para garantir que a prova 
 canalizada para o processo foi obtida com respeito pelos direitos fundamentais». 
 Se esses valores forem respeitados, não há obstáculo à admissibilidade de uma 
 
 «fase pré-processual» ou «extraprocessual».
 
 […]
 Tornando-se necessária, nesta fase, a prática de actos que directamente se 
 prendam com a esfera dos direitos fundamentais das pessoas, tais actos deverão 
 ser autorizados - e alguns deles (os que deverem constituir «actos judiciais» 
 para efeitos dos artigos 205.º e 206.º da Constituição) mesmo praticados - pelo 
 juiz de instrução.» Ora, apesar de, pelo novo Código, a direcção do inquérito 
 caber ao MP, há actos que competem exclusivamente ao juiz de instrução nos 
 termos dos artigos 268.º e 269.º[…]”
 
  
 No mesmo sentido, e a propósito do mesmo preceito, o artigo 263º do Código de 
 Processo Penal, escreveu-se no já referido acórdão n.º 23/90:
 
 «[...] 2.2. – No fundo, a dicotomia investigação criminal - instrução do 
 processo criminal (neutramente nos exprimindo sem compromisso terminológico, por 
 desnecessário) funde-se em interdependência e complementaridade: a fase prévia 
 serve para criar a convicção da entidade titular da acção penal, a subsequente 
 destina-se a moldar a convicção do julgador. A garantia da natureza judicial 
 desta última expande-se aos actos praticados na primeira sempre que equacionados 
 os direitos fundamentais do arguido, implicando a intervenção do juiz-garante.
 
 […]
 Por outras palavras e no concreto caso, o n.º 4 do artigo 32º da CRP prossegue a 
 tutela de defesa dos direitos do cidadão no processo criminal e, nessa exacta 
 medida, determina o monopólio pelo juiz da instrução, juiz-garante dos direitos 
 fundamentais dos cidadãos (“reserva do juiz”).
 Intervenção do juiz que vale - e só vale no âmbito do núcleo da garantia 
 constitucional.
 Assim ocorre em toda a fase de inquérito ao Ministério Público confiada pelo CPP 
 actual, compreendendo o conjunto de diligências que visam investigar a 
 existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles, 
 descobrir e recolher provas em ordem à decisão sobre a acusação (artigo 262º, 
 n.º 1), justificando-se a intervenção do juiz-garante sempre que afectado aquele 
 núcleo - consoante o elenco de situações descritas nos artigos 268º e 269º.”
 
  
 Finalmente, o Acórdão nº 395/2004, após citar os acórdãos referidos, 
 acrescentou: 
 
 “[…] o reconhecimento da competência do Ministério Público para dirigir o 
 inquérito não poderá ser visto desligadamente da autonomia que a Lei Fundamental 
 lhe reconhece. Deste modo, caber-lhe-á a competência para decidir e proceder à 
 prática dos actos de investigação ou de recolha das provas, com a única ressalva 
 dos que importem ofensa ou restrição de direitos fundamentais que carecem, 
 segundo os casos, de ser ordenados ou autorizados ou até realizados 
 exclusivamente pelo juiz (cfr. art.ºs 268º e 269º do CPP).
 Mesmo no caso destes últimos actos, não deixa de ser reconhecido ao Ministério 
 Público um poder de impulso processual ad actum, reconhecendo-se-lhe a faculdade 
 de requerer a sua autorização e/ou a sua prática ao juiz competente.
 A atribuição de competência para decidir e proceder à prática dos actos de 
 investigação e de recolha de provas durante o inquérito, com a ressalva 
 resultante das limitações apontadas relacionadas com a salvaguarda de direitos 
 fundamentais, não pode deixar de ser acompanhada do reconhecimento ao Ministério 
 Público do poder de decidir com autonomia sobre a necessidade da prática dos 
 actos de investigação ou de recolha das provas.[…]”
 
  
 Face ao exposto, só pode concluir-se que, contendendo o acto em causa, de forma 
 relevante, com direitos, liberdades e garantias fundamentais, a sua 
 admissibilidade no decurso da fase de inquérito depende, pelas mesmas razões que 
 justificam essa dependência no caso dos actos que constam da lista constante do 
 artigo 269º do Código de Processo Penal, isto é, por consubstanciar intervenção 
 significativa nos direitos fundamentais do arguido, da prévia autorização do 
 juiz de instrução. E, nem se diga que será suficiente, como aconteceu nos 
 presentes autos, uma intervenção a posteriori daquele juiz, tomada na sequência 
 de requerimento apresentado após a decisão do Ministério Público que determinou 
 a realização dos exames que agora estão em causa, uma vez que a mesma não 
 poderia desfazer a restrição de alguns dos direitos (v.g., o direito à 
 integridade física ou o direito à reserva da vida privada) entretanto 
 irremediavelmente afectados com a medida.
 
  
 Isso mesmo foi, entretanto, expressamente reconhecido na Proposta de Lei de 
 revisão do Código de Processo Penal (Proposta de Lei nº 109/X), actualmente em 
 discussão na Assembleia da República, onde, logo na exposição de motivos, se 
 refere que, “nas perícias sobre características físicas ou psíquicas das pessoas 
 que não consintam na sua realização, [se exige] despacho do juiz, uma vez que 
 estão em causa actos relativos a direitos fundamentais que só ele pode praticar, 
 por força do nº 4 do artigo 32º da Constituição”. E, assim sendo, é proposto que 
 os artigos 154º (perícias) e 172º (exames) do Código de Processo Penal, passem a 
 exigir a autorização do juiz, “que pondera a necessidade da sua realização, 
 tendo em conta o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade do 
 visado”, sempre que se trate de exame ou perícia a “características físicas ou 
 psíquicas de pessoa que não haja prestado o consentimento”, acrescentando, logo 
 a seguir, nos nºs 3 e 4 do artigo 154º, aplicáveis aos exames por força do nº 2 
 do artigo 172º, que as perícias e exames em causa “são realizadas por médico ou 
 por outra pessoa legalmente autorizada e não podem criar perigo para a saúde do 
 visado”. E, consequentemente, é proposta também a alteração ao disposto no 
 artigo 269º do Código de Processo Penal, que se refere aos actos a ordenar ou 
 autorizar pelo juiz durante a fase de inquérito, preceito a que se acrescenta, 
 nas alíneas a) e b) do nº 1, a necessidade de ordem ou autorização do juiz para 
 a realização de perícias e exames sobre características físicas ou psíquicas das 
 pessoas que não consintam na sua realização”.
 
  
 
 12.3. Em face do que se deixa exposto, nada mais resta do que, na ausência de 
 autorização do juiz, concluir pela inconstitucionalidade das normas 
 questionadas, ainda que na dimensão normativa que se deixou identificada.
 
  
 
  
 III – Decisão
 
  
 Nestes termos, o Tribunal decide:
 
  
 i) julgar inconstitucional, por violação do disposto nos artigos n.ºs 25.º, 26.º 
 e 32.º, nº 4, da Constituição, a norma constante do artigo 172.º, nº 1, do 
 Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de possibilitar, sem 
 autorização do juiz, a colheita coactiva de vestígios biológicos de um arguido 
 para determinação do seu perfil genético, quando este último tenha manifestado a 
 sua expressa recusa em colaborar ou permitir tal colheita;
 ii) consequencialmente, julgar inconstitucional, por violação do disposto no 
 artigo 32.º, nº 4, da Constituição, a norma constante do artigo 126º, nºs 1, 2 
 alíneas a) e c) e 3, do Código de Processo Penal, quando interpretada em termos 
 de considerar válida e, por conseguinte, susceptível de ulterior utilização e 
 valoração a prova obtida através da colheita realizada nos moldes descritos na 
 alínea anterior.
 iii) Consequentemente, conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma da 
 decisão recorrida em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade que agora 
 se formula.
 Sem custas.
 Lisboa, 2 de Março de 2007
 Gil Galvão
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Vítor Gomes
 Bravo Serra
 Artur Maurício
 
  
 
 
 
 
 
 4 Em sentido coincidente pronunciou-se a Comissão Europeia dos Direitos do Homem 
 
 - decisão de 4 de Dezembro de 1978, em Décision e Rapports, 16, decembre 1979, 
 págs. 184 e sgs. - ao considerar legal e justificada a sujeição a «exame de 
 sangue», por parte de condutor suspeito de conduzir embriagado, como medida 
 necessária à protecção dos direitos e liberdades de terceiros, não havendo, 
 nessa medida, ofensa da norma do art.8°, da Convenção Universal dos Direitos do 
 Homem. 
 
 6 Os preceitos legais mencionados no texto transcrito referem-se, obviamente, ao 
 Código de Processo Penal de 1929 e à Constituição de 1933