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Processo n.º 683/07
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
 1. Relatório
 
  
 
  
 A. foi condenado no 3º juízo criminal do Tribunal Judicial de Aveiro em pena 
 
 única de 4 anos de prisão, pela prática de crimes cuja moldura penal máxima era, 
 respectivamente, de 5 e 8 anos.
 
  
 Em recurso, o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou julgado, pelo que o 
 arguido recorreu ainda para o Supremo Tribunal de Justiça.
 
  
 Em contra-alegações, o Ministério Público sustentou a inadmissibilidade do 
 recurso, com invocação do disposto no artigo 400º, n.º 1, alíneas e) e f), do 
 Código de Processo Penal e, no Supremo Tribunal de Justiça, o processo foi com 
 vista ao Magistrado do Ministério que igualmente se pronunciou pela rejeição do 
 recurso.
 
  
 Em resposta, A. defendeu que, atento o valor da condenação civil, o recurso 
 seria admissível, à luz do disposto nos artigos 400º, n.º 2, do Código de 
 Processo Penal, e 676º e seguintes do Código de Processo Civil.
 
  
 Por acórdão de 29 de Maio de 2007, o Supremo Tribunal de Justiça julgou o 
 recurso inadmissível, rejeitando-o nos termos dos artigos 420º, 419º e 414º, n.º 
 
 2, do Código de Processo Penal e considerando o seguinte:
 
  
 
 […]
 Adiante-se que, mesmo em se tratando de decisões finais de um tribunal 
 colectivo, a observância do Acórdão n.º 1/2002, deste STJ, de uniformização de 
 jurisprudência […] imprimiria também a solução de não conhecimento do recurso 
 porque ali se decidiu não caber recurso ordinário de decisão final da Relação, 
 relativa à indemnização cível, se for irrecorrível, como já o dissemos ser, a 
 correspondente decisão penal.
 E bem se compreende que assim seja, porque o processo penal se insere na acção 
 penal, seu suporte, de modo que, se se mostrar precludido o seu conhecimento, 
 prejudicado está o conhecimento da acção cível nele enxertada; esta sofre, 
 atenta a sua natureza, as vicissitudes condicionantes da acção penal sem se 
 assegurar um conhecimento mais lato.
 
 […].
 
             
 Deste acórdão recorreu A. para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas 
 b) e f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo 
 ver apreciada a conformidade constitucional da interpretação dada pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça ao n.º 2 do artigo 400º do Código de Processo Penal: a de 
 que “o conhecimento do recurso da parte cível enxertada no processo criminal 
 depende da admissibilidade legal do recurso deste”.
 
       
 No requerimento de interposição do recurso, alega que não suscitou a referida 
 inconstitucionalidade ou ilegalidade durante o processo, pois “não podia 
 adivinhar que o Supremo Tribunal de Justiça viesse a negar conhecer do objecto 
 do recurso com aquele fundamento”.
 
       
 Por decisão sumária proferida ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 1, da 
 Lei do Tribunal Constitucional, o relator não tomou conhecimento do recurso, com 
 os seguintes fundamentos:
 
  
 Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 
 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui seu pressuposto 
 processual a suscitação, durante o processo, da questão de inconstitucionalidade 
 ou ilegalidade que se pretende ver apreciada (cfr., ainda, o artigo 72º, n.º 2, 
 da mesma Lei).
 O sentido funcional que o Tribunal Constitucional tem atribuído à exigência 
 legal (constante das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional) de que a inconstitucionalidade ou ilegalidade seja suscitada 
 durante o processo tem em vista dar oportunidade ao tribunal recorrido de se 
 pronunciar sobre a questão, de modo que o Tribunal Constitucional venha a 
 decidir em recurso. A questão de inconstitucionalidade deve ser suscitada, 
 portanto, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido.
 Só em casos muito particulares, em que o recorrente não tenha tido oportunidade 
 para invocar a questão de inconstitucionalidade é que este Tribunal tem 
 considerado admissível o recurso de constitucionalidade sem que sobre tal 
 questão tenha havido uma anterior decisão do tribunal a quo (cfr., por exemplo, 
 o Acórdão n.º 232/94, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 27º Vol., pág. 
 
 1119).
 O presente caso não se enquadra, todavia, nessa situação particular. A 
 interpretação que o recorrente ora censura foi, como se refere no texto do 
 acórdão recorrido, acolhida num acórdão de uniformização de jurisprudência do 
 Supremo Tribunal de Justiça, pelo que era perfeitamente previsível que o 
 tribunal recorrido a viesse a aplicar também.
 Como, a propósito de um caso semelhante, se disse no Acórdão n.º 400/93 
 
 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
 
 «[…]
 
 5.2.1. […] aquando da efectivação do requerimento de interposição de recurso por 
 intermédio do qual o Banco apelou da sentença de 1ª instância, estava já em 
 vigor a Lei nº 23/91 e, com ela, a norma do seu artigo 1º, alínea ii).
 Ora, se o recorrente entendia que essa norma era conflituante com o diploma 
 básico, haveria que suscitar uma tal questão no processo antes de proferida a 
 decisão do tribunal superior que desejava conduzir à revogação da sentença de 1ª 
 instância, pois que, a todos os títulos, era perfeitamente previsível que ela - 
 porque em vigor no ordenamento jurídico se encontrava e o respectivo campo de 
 previsão abarcava o caso dos autos - viesse a ser aplicável nesse caso, havendo 
 fortíssimas hipóteses de ela poder fundamentar o juízo decisório daquele 
 tribunal superior.
 Daí que lhe fosse imposto o ónus de suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade, de sorte a que, colocada essa questão ao Tribunal da 
 Relação, este se viesse a debruçar sobre ela […]».
 Assim sendo, devia o recorrente ter suscitado, antes  da prolação da decisão ora 
 recorrida, a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade da interpretação 
 nela perfilhada.  
 Não tendo o recorrente cumprido, podendo fazê-lo, o ónus a que se referem as 
 alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, não 
 pode, desde logo por esse motivo, conhecer-se do objecto do presente recurso.
 
  
 Discordando deste entendimento, a recorrente deduziu reclamação para a 
 conferência nos seguintes termos:
 
  
 
 1- O recorrente interpôs o recurso que antecede, por entender existir uma 
 interpretação inconstitucional nas normas aplicadas pelo Tribunal da Relação de 
 Coimbra. 
 
 2- Entende agora este Colendo Tribunal que o recorrente não alegou nas 
 instâncias a inconstitucionalidade que ora pretende ver apreciada neste Colendo 
 Tribunal. 
 
 3- É bem certo que o recorrente não alegou a inconstitucionalidade no momento 
 referido a fls. 4 da decisão que antecede, todavia, afigurando-se-lhe tratar de 
 um lapso do despacho ali em crise, não podia o recorrente prever que o Tribunal 
 da Relação iria desatender o aludido preceito legal, atento o disposto nas 
 normas jurídicas invocadas na motivação de Recurso para este Tribunal 
 
 4- O recorrente, salvo o devido respeito por diferente opinião, refere 
 expressamente no seu requerimento que a norma não poderá ser interpretada no 
 sentido da inadmissibilidade do recurso quanto à parte cível, pois que, 
 
 5- O valor em que o recorrente foi condenado em muito ultrapassa a alçada do 
 Tribunal da Relação e a sucumbência respectiva. 
 
 6- Os presentes autos contendem com os direitos liberdades e garantias do 
 cidadão arguido ora recorrente, sendo que, 
 
 7- Sendo este Tribunal o garante da Constitucionalidade e da conformidade das 
 Normas e sua Interpretação com esta, impõe-se-lhe, salvo melhor entendimento, 
 mesmo oficiosamente e, no Direito Penal com maior acuidade, declarar a 
 inconstitucionalidade de normas e sua interpretação, sempre que a mesma se 
 verifique. 
 
 8- É bem certo que este Colendo Tribunal não é um Tribunal de recurso, mas, é, 
 igualmente, certo que o Tribunal Constitucional garante ao “Povo”, aquele em 
 nome de quem a justiça é exercida, a Constitucionalidade das Leis e a sua 
 interpretação. 
 
 9- Com efeito, sob pena, igualmente, de manifesta inconstitucionalidade, não 
 pode o arguido, salvo melhor entendimento, ser sancionado por no decurso do 
 processo haver omitido uma mera formalidade, pois que, 
 
 10- A subjacente a este Alto Tribunal, salvo o devido respeito por diferente 
 opinião, está a sua natureza Material, que não formal. 
 
 11- Ora, Vªs. Exas., melhor decidirão, todavia, afigura-se-nos, salvo o devido 
 respeito quer pela decisão que antecede, quer por aquela que doutamente virá a 
 ser proferida por V. Exas, que o recurso interposto pelo recorrente, atentas as 
 vicissitudes constantes dos autos, estará em condições de poder sobre ele ser 
 proferida uma decisão a qual, estamos certos, não deixará de declarar 
 desconforme com a Constituição a interpretação seguida pelo Tribunal da Relação 
 de Coimbra, nos termos sufragados na fundamentação do recurso interposto pelo 
 arguido, com as legais consequências. 
 
  
 O Exmo representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no 
 sentido da improcedência da reclamação por considerar que «a argumentação do 
 reclamante em nada abala os fundamentos da decisão reclamada, no que toca à 
 evidente inverificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso 
 interposto». 
 
  
 
  
 
 2. Fundamentação
 
  
 
  
 No presente caso, foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso 
 por incumprimento, por parte do recorrente, do pressuposto processual da 
 suscitação, durante o processo, da questão de inconstitucionalidade que se 
 pretendia ver apreciada, pressuposto esse que decorre do preceituado nos artigos 
 
 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
 
  
 Acrescentou-se nessa decisão que não tinha aplicação o factor surpresa, 
 porquanto a interpretação que o recorrente censura foi, como se refere no texto 
 do acórdão recorrido, acolhida num acórdão de uniformização de jurisprudência do 
 Supremo Tribunal de Justiça, pelo que era perfeitamente previsível que o 
 tribunal recorrido a viesse a aplicar também.
 
  
 Com efeito, o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 1/2002, publicado 
 no Diário da República, I Série, de 21 de Maio, concluiu que, «no regime do 
 Código de Processo Penal vigente – n.º 2 do artigo 400º, na versão da Lei n.º 
 
 58/98, de 25 de Agosto – não cabe recurso ordinário da decisão final do Tribunal 
 da Relação, relativa à indemnização cível, se for irrecorrível a correspondente 
 decisão penal».
 
  
 No caso, era inadmissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça 
 relativamente à condenação penal, por efeito do disposto no artigo 400º, n.º 1, 
 alínea f), do Código de Processo Penal, que veda a possibilidade de impugnação 
 de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, em processo 
 por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em 
 caso de concurso de infracções. Pelo que teria plena aplicação a doutrina do 
 acórdão de uniformização de jurisprudência, que igualmente impede o recurso 
 incidente sobre a condenação cível (ainda que ela exceda o valor da alçada da 
 Relação) quando ele não for admissível quanto à matéria penal.
 
  
 Nada obstava, por isso, a que o interessado, confrontado com a provável rejeição 
 do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, face ao entendimento 
 jurisprudencial uniformizado, viesse desde logo suscitar, nas alegações de 
 recurso ou, pelo menos, na resposta ao parecer do representante do Ministério 
 Público junto do Supremo, a questão da inconstitucionalidade.
 
    
 Não o tendo feito, o recorrente deixou de cumprir um pressuposto processual de 
 que depende o prosseguimento do recurso.
 
  
 Pretende o recorrente, no entanto, que ao Tribunal se impõe declarar a 
 inconstitucionalidade de normas e sua interpretação, sempre que a mesma se 
 verifique (ponto 7) e que não pode ele ser sancionado por no decurso do processo 
 haver omitido uma mera formalidade (ponto 8).
 
  
 Tal argumentação não tem o mínimo cabimento.
 
  
 O recurso de constitucionalidade está sujeito, segundo a lei, a pressupostos 
 processuais, cuja exigência só se tornaria inconstitucional, por violação do 
 direito de acesso aos tribunais, se representasse uma intolerável limitação ao 
 exercício do direito.
 
  
 O recorrente podia e devia ter suscitado a questão da inconstitucionalidade, em 
 defesa da sua própria estratégia processual, no recurso para o Supremo Tribunal 
 de Justiça, para que desde logo este pudesse pronunciar-se sobre os motivos que 
 poderiam afastar a anterior orientação jurisprudencial quanto à admissibilidade 
 do recurso.
 
  
 Só essa oportuna suscitação é que poderia permitir que o Supremo efectuasse uma 
 interpretação normativa que tivesse já em linha de conta a potencial violação de 
 preceitos ou princípios constitucionais.
 
  
 O recorrente não se limitou, portanto, a incumprir uma formalidade; antes se 
 desinteressou por completo de fazer valer o ponto de vista que, por sua vez, em 
 face da pronúncia que viesse a ser emitida pelo tribunal recorrido, poderia ser 
 sindicada em recurso de constitucionalidade.
 
  
 Não há, pois, motivo para alterar o julgado.
 
  
 
  
 
 3. Decisão
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, acordam em indeferir a reclamação e 
 confirmar a decisão reclamada.
 
  
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 Lisboa, 15 de Outubro de 2007
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Gil Galvão