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Processo n.º 682/07
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que são 
 recorrentes A., B., LDA. e C., LDA. e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, a Relatora 
 proferiu a seguinte decisão sumária:
 
  
 
 «I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que são 
 recorrentes A., B., LDA. e C., LDA. e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, os 
 primeiros interpuseram recurso para este Tribunal, em 18 de Maio de 2007, “do 
 Acórdão proferido em 2 de Maio de 2007 (…), por inconstitucionalidade dos Artº 
 
 355 e Artº 410 nº 2 al. a) e ainda do Artº 428 nº 1 todos do Código de Processo 
 Penal” (fls. 1068).
 
  
 
 2. Em 12 de Julho de 2007, por entender que os recorrentes não haviam 
 explicitado adequadamente as dimensões normativas reputadas de 
 inconstitucionais, a Relatora junto deste Tribunal determinou o seguinte:
 
  
 
 “No uso dos poderes que me são atribuídos pelo n.º 6 do artigo 75º-A da LTC, 
 determino que seja notificado o recorrente do convite para vir aos autos, no 
 prazo de 10 (dez) dias, esclarecer quais as interpretações normativas que imputa 
 
 à decisão recorrida, uma vez que:
 
             
 i)                    Quanto aos artigos 355º e 410º, n.º 2, alínea a), ambos do 
 CPP, o recorrente limita-se a referir aquelas normas «quando interpretadas no 
 sentido que lhe é dado no Acórdão recorrido» (fls. 1058), sem explicitar qual é 
 o referido sentido;
 
  
 ii)                  Quanto ao artigo 428º, n.º 1 do CPP, o recorrente aparenta 
 não colocar qualquer questão relativa a inconstitucionalidade normativa mas 
 apenas um alegado incumprimento do disposto naquele preceito normativo pela 
 decisão recorrida, limitando-se a afirmar que «os recorrentes não podiam prever 
 que o Tribunal da Relação se abstivesse de sindicar a matéria de facto impugnada 
 em sede de recurso ignorando a citada disposição» (fls. 1059).”
 
  
 
  
 
 3. Os recorrentes, entre outras considerações não exigidas pelo teor do anterior 
 despacho, vieram responder ao convite, fixando o sentido interpretativo que, na 
 sua óptica, foi acolhido pela decisão recorrida, quanto às normas contidas nos 
 artigos 355º e 410º, n.º 2, al. a) do CPP, nos seguintes termos:
 
  
 
 “1. Em relação aos Artºs 355º e 410º nº 2 al. a) do C.P.Penal verifica-se a 
 inconstitucionalidade das mesmas porque na interpretação do Acórdão do Tribunal 
 da Relação de Coimbra, os indícios que são suficientes para acusar e pronunciar 
 também podem ser invocados na condenação dos arguidos desde que o Julgador ao 
 abrigo do princípio da livre apreciação da prova forme convicção inequívoca 
 alicerçada em regras da experiência e critérios lógicos de que os arguidos são 
 culpados.” (fls. 1082 e 1083).
 
  
 
             Quanto à alegada inconstitucionalidade do artigo 428º do CPP, vieram 
 ainda os recorrentes esclarecer o seguinte:
 
  
 
 “28. A inconstitucionalidade do Artº 428º do C.P.Penal radica como já se alegou 
 não na violação em concreto desta disposição legal, porque na verdade o Tribunal 
 da Relação de Coimbra apreciou o recurso, mas na forma como o mesmo interpreta o 
 Artº 428º nº 1 do C.P.Penal.
 
 29. A interpretação dada é a de que a competência dos Tribunais da Relação nos 
 recursos interpostos sobre matéria de facto não pode sobrepor-se e desrespeitar 
 o princípio da oralidade e o princípio da imediação.”
 
  
 
             Definido assim o objecto do recurso formulado pelos recorrentes, 
 cumpre aferir da possibilidade de conhecimento do mesmo.
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 4. Apesar de o n.º 1 do artigo 76º da LTC conferir ao tribunal recorrido – in 
 casu, o Tribunal da Relação de Coimbra – o poder para apreciar a admissão do 
 recurso, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do 
 n.º 3 do mesmo preceito legal. Assim, antes de mais, cumpre apreciar se estão 
 preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos 
 artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
 
  
 A) Quanto à alegada inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 355º 
 e 410º, n.º 2, al. a), ambos do CPP 
 
  
 
 5. No seu requerimento de interposição de recurso, afirmam os recorrentes, 
 conforme lhes é exigido pelo n.º 2 do artigo 75º-A da LTC, que suscitaram a 
 questão de inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 355º e 410º, 
 n.º 2, al. a), ambos do CPP, no § 15 do seu requerimento de resposta ao parecer 
 do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra (fls. 1068 e 
 
 1068-verso).
 
  
 Compulsados os autos, verifica-se que, nessa sede, os recorrentes alegaram o 
 seguinte:
 
  
 
 “15. Donde, serão manifestamente INCONSTITUCIONAIS os Artºs 355 e Artº 410º nº 2 
 al. a) do C.P.Penal quando interpretados no sentido de permitirem a valoração de 
 provas determinantes para a condenação dos arguidos que não foram confirmadas em 
 audiência de discussão e julgamento (Cfr. Artº 204º da Constituição).” (fls. 
 
 1003 e 1003-verso).
 
  
 Sucede, porém, que, convidados pela Relatora junto deste Tribunal a precisar 
 qual o concreto sentido interpretativo que imputavam à decisão recorrida, os 
 recorrentes vieram expressamente referir que aquela seria inconstitucional por 
 interpretar os artigos 355º e 410º, nº 2, al. a) do C.P.Penal, no sentido de que 
 
 “os indícios que são suficientes para acusar e pronunciar também podem ser 
 invocados na condenação dos arguidos desde que o Julgador ao abrigo do princípio 
 da livre apreciação da prova forme convicção inequívoca alicerçada em regras da 
 experiência e critérios lógicos de que os arguidos são culpados” (fls. 1082 e 
 
 1083). Ora, como é bom de ver, o sentido interpretativo que os recorrentes agora 
 reputam de inconstitucional não tem qualquer correspondência com aquele que os 
 mesmos reputaram de inconstitucional em sede de resposta ao parecer do 
 Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra.
 
  
 Uma coisa é afirmar-se que determinado tribunal valorou provas que não foram 
 confirmadas em audiência de julgamento, outra totalmente diversa é considerar-se 
 que uma decisão condenatória não pode, ao abrigo da faculdade de livre 
 apreciação da prova, invocar indícios suficientes da prática do crime que 
 constem da acusação ou da pronúncia. Como é evidente, nada obsta a que tal 
 suceda – pelo contrário, é precisamente isso que sucederá nos casos de 
 procedência da acusação ou de confirmação da pronúncia –, desde que o juiz de 
 julgamento aprecie e valore, de novo, em audiência de julgamento, as provas já 
 constantes da acusação ou da pronúncia.
 
  
 Como tal, há que concluir que, tendo em conta a determinação do objecto do 
 recurso por parte dos recorrentes, não houve uma suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade, tal como conformada a fls. 1082 e 1083, de modo 
 processualmente adequado, perante o tribunal “a quo”, de modo a que este 
 estivesse obrigado a dela conhecer. Consequentemente, por força do n.º 2 do 
 artigo 72º da LTC, não podem agora os recorrentes vir interpor recurso para este 
 Tribunal, dado que não colocaram, de modo adequado e atempado, a questão de 
 inconstitucionalidade acima referida.
 
  
 B) Quanto à alegada inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 
 
 428º do CPP
 
  
 
 6. No que diz respeito à alegada inconstitucionalidade da interpretação 
 concedida à norma contida no n.º 1 do artigo 428º do CPP, aceita-se a tese 
 avançada pelos recorrentes na resposta ao convite, segundo a qual “a referida 
 expressão deve ser entendida no contexto da justificação da admissibilidade do 
 presente recurso” (fls. 1088), pelo que o principal propósito dos recorrentes 
 radica na invocação da inconstitucionalidade de uma interpretação que passasse 
 por entender que os tribunais da relação apenas detêm poder para apreciar, em 
 sede de recurso, matéria de facto, desde que não desrespeitem o princípio da 
 oralidade (fls. 1089).
 
  
 Seguindo esta linha de raciocínio, os recorrentes empenharam-se em “amarrar” a 
 decisão recorrida a uma suposta “corrente jurisdicional que sistematicamente 
 nega aos recorrentes uma autêntica reapreciação da matéria de facto na 2ª 
 instância” (fls. 1070), de molde a justificar a aplicação ao caso dos presentes 
 autos de jurisprudência deste Tribunal que já considerou inconstitucional a 
 interpretação da norma contida no n.º 1 do artigo 428º do CPP que permita a um 
 tribunal da relação limitar-se a afirmar que a matéria de facto dada como 
 provada tinha efectivamente suporte objectivo na fundamentação da sentença 
 recorrida, sem indagar da verificação da mesma (cfr., citados pelo recorrente, 
 Acórdãos n.º 680/98, publicado in «Diário da República», IIª Série, n.º 54, de 
 
 05 de Março de 1999, e n.º 116/07, publicado in «Diário da República», IIª 
 Série, n.º 79, de 23 de Abril de 2007).
 
  
 
 7. Contudo, esta tentativa não logra vencimento.
 
  
 Em primeiro lugar, a decisão recorrida não aplica efectivamente a interpretação 
 normativa reputada de inconstitucional pelos recorrentes, no sentido de a 
 competência dos tribunais de recurso, em sede de apreciação da matéria de facto, 
 não se poder sobrepor aos princípios da oralidade e da imediação. Aliás, note-se 
 que, no seu requerimento de recurso (fls. 1070), os recorrentes chegam a tentar 
 descontextualizar a fundamentação da decisão recorrida, mediante a extracção de 
 um excerto parcial que desvirtua o sentido da “ratio decidendi” daquela. Isto 
 porque, sendo verdade que a decisão recorrida declarou que:
 
  
 
 “O fundamento do recurso em matéria de facto não pressupõe, todavia, uma 
 reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova 
 produzidos e que serviram de fundamento da decisão recorrida, mas apenas, em 
 plano diverso, uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo 
 tribunal «a quo» (…)” (fls. 1041);
 
  
 Não é menos verdade que aquele “dictum” não pode deixar de ser completado, de 
 modo a apreender o real sentido decisório expresso pelo tribunal recorrido:
 
  
 
 “(…) sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal «a quo» 
 relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere 
 incorrectamente julgados, na base, para tanto, da avaliação das provas que, na 
 indicação do mesmo, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas, em suporte 
 técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) – mencionado 
 artigo 4123.º, n.º 3, alínea b) –, ou, determinando-se a renovação das provas 
 nos pontos em que se entenda dever fazer-se tal tarefa.
 Certo é, porém que se a reapreciação da matéria de facto não determina uma 
 avaliação global, também se não poderá bastar com meras declarações gerais 
 quanto à razoabilidade do decidido na decisão recorrida, requerendo sempre, nos 
 limites traçados pelo objecto do recurso, a reponderação especificada, em juízo 
 autónomo, da força e da compatibilidade probatória entre os factos impugnados e 
 as provas que serviram de suporte à convicção.” (fls. 1041, com sublinhado e 
 realce nosso).
 
  
 Daqui decorre, inequivocamente, que a “ratio decidendi” da decisão recorrida não 
 
 é de todo equivalente àquela que os recorrentes lhe pretendem imputar. Ao 
 contrário do que os recorrentes se empenharam em demonstrar, a decisão recorrida 
 nunca interpretou a norma contida no n.º 1 do artigo 428º do CPP, de modo a que 
 se eximisse de reavaliar a prova e de reponderar o sentido decisório da primeira 
 instância.
 
  
 O que sucedeu é que, atenta a forma como os recorrentes conformaram o objecto do 
 recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, este apenas pôde reapreciar a 
 matéria de facto nos exactos limites fixados pelo recorrente (fls. 1043 e 1044). 
 Diga-se, aliás, que o tribunal recorrido revelou uma especial preocupação em 
 assegurar o direito fundamental de protecção jurisdicional efectiva, fazendo 
 menção ao Acórdão n.º 803/03, de 02 de Junho de 2004, do Tribunal Constitucional 
 e apreciando o recurso sobre a matéria de facto, ainda que tal matéria não tenha 
 sido inequívoca e detalhadamente enunciada nas conclusões do respectivo 
 requerimento de recurso e ainda que o Ministério Público junto do tribunal de 
 primeira instância haja pugnado pelo não conhecimento do recurso (cfr. fls. 
 
 1040).
 
  
 Acresce ainda que, compulsada a decisão recorrida, constata-se que, em oposição 
 radical ao afirmado pelos recorrentes, o tribunal “a quo” reapreciou 
 efectivamente a prova produzida em audiência de julgamento perante a primeira 
 instância, tendo até lido os depoimentos de testemunhas e verificado quais os 
 documentos juntos aos autos, justificando a dispensa da sua leitura em 
 audiência:
 
  
 
 “Lendo-se exaustivamente os depoimentos das testemunhas D. e E., resulta que o 
 Tribunal recorrido apenas deles extraiu os factos sobre os quais efectivamente 
 demonstraram ter conhecimento.” (fls. 1050, com sublinhado nosso);
 
  
 
 “Com efeito, ao contrário do sufragado pelos recorrentes, relativamente aos 
 documentos questionados, o Tribunal «a quo» procedeu de acordo com o plasmado no 
 regime decorrente do artigo 355º citado (…).
 Os documentos mencionados não se mostravam de leitura proibida em julgamento 
 porque não cont[ê]m declarações de arguidos ou de testemunhas – artigo 356.º, 
 n.º 1, alínea b) do CPP. Acresce que o respectivo exame pode fazer-se aquando da 
 deliberação do tribunal, não se impondo a sua leitura em audiência (…).” (fls. 
 
 1048 e 1049, com sublinhado nosso).
 
  
 Em suma, não tendo a decisão recorrida aplicado efectivamente a norma do n.º 1 
 do artigo 428º do CPP com o sentido interpretativo reputado de inconstitucional 
 pelos recorrentes, não podem agora, com este fundamento, recorrer para este 
 Tribunal, uma vez que, ao contrário do que exigido pela alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70º da LTC, a decisão recorrida não aplicou “norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
 
  
 
 8. A finalizar, acrescente-se apenas que, ainda que aquele sentido normativo 
 tivesse sido aplicado – o que já se rejeitou liminarmente –, sempre seria 
 forçoso concluir que os recorrentes não estavam dispensados de suscitar a 
 referida inconstitucionalidade por um eventual sentido decisório naquele sentido 
 não ser imprevisível, inaudito ou insólito. É certo que os recorrentes afirmam 
 que “não podiam prever que o Tribunal da Relação se abstivesse de sindicar a 
 matéria de facto impugnada em sede de recurso ignorando a citada disposição” 
 
 (fls. 1068-verso)
 
  
 Porém, deveras contraditoriamente, são os próprios recorrentes que confessam, no 
 seu requerimento de recurso estarem bem cientes de alguma controvérsia 
 jurisprudencial e doutrinária sobre o alcance do direito de recurso sobre a 
 matéria de facto, inclusive citando diversa doutrina e jurisprudência sobre a 
 matéria:
 
  
 
 “12. A confirmar o que se acaba de referir podem ler-se as citações da Doutrina 
 do Prof. Alberto dos Reis e a [de] Chiovenda constantes do Acórdão as quais 
 confirmam a existência do erro doutrinal e de direito comparado que persiste no 
 nosso sistema judicial sobre a oralidade como verdade irrefutável o qual se 
 mostra denunciado por Alexandre Pessoa Vaz in «Direito Processual Civil – do 
 Antigo ao Novo Código», Almedina – Coimbra, 1998, pág. 192” (fls. 1069-verso);
 
  
 
 “19. Como já se alegou o recurso é também admissível por via do disposto no Artº 
 
 70º nº 1 al. b) da Lei 28/82 de 15 de Novembro e porque não era exigível aos 
 recorrentes que contassem com a interpretação do Artº 428º nº 1 do C.P. Penal 
 que veio a ser plasmada no Acórdão da Relação de Coimbra e porque urge pôr termo 
 
 à corrente Jurisprudencial que sistematicamente nega aos recorrentes uma 
 autêntica reapreciação da matéria de facto na 2ª instância violando, desse modo, 
 o principio constitucional já referido.” (fls. 1070, com realce e sublinhado 
 nosso);
 
  
 
             Ainda mais surpreendentemente, no requerimento de resposta ao 
 convite para precisar o sentido interpretativo que aquele atribui às normas cuja 
 inconstitucionalidade foi suscitada, os recorrentes vieram mesmo admitir que já 
 tinham conhecimento de que – segundo eles – a jurisprudência do Tribunal da 
 Relação de Coimbra seria esmagadoramente apoiante de uma interpretação do n.º 1 
 do artigo 428º do C.P.P. que impediria a reapreciação da prova, em sede de 
 recurso de matéria de facto:
 
  
 
 “26. Apesar desta interpretação dada ao Artº 428º do C.P.P. ser recorrente na 
 Jurisprudência da Relação de Coimbra o facto é que ela [é] manifestamente 
 INCONSTITUCIONAL, porque visa dispensar a 2ª instância de demonstrar que no caso 
 concreto a matéria de facto dada como provada tinha efectivamente suporte 
 objectivo na fundamentação do acórdão da primeira instância.” (fls. 1089).
 
  
 Ora, ainda que não caiba a este Tribunal pronunciar-se sobre a veracidade da 
 alegada “recorrente jurisprudência” do Tribunal da Relação de Coimbra, não pode 
 evitar concluir-se que a questão – tal como colocada pelos recorrentes – não 
 lhes era desconhecida no momento de interposição de recurso para o tribunal “a 
 quo”. Assim, ao admitirem ter conhecimento da alegada “corrente 
 jurisprudencial”, os recorrentes ficariam onerados com a prévia suscitação da 
 questão da inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 428º do CPP, ainda que 
 apenas “ad cautelam”, não podendo vir agora alegar o carácter surpreendente da 
 decisão. 
 
  
 III. DECISÃO
 
  
 Nestes termos, e ao abrigo do disposto no do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 
 
 26 de Fevereiro, e pelos fundamentos acima expostos, decide-se não conhecer do 
 objecto do recurso.»
 
  
 
 2. Inconformados com esta decisão, vêm os recorrentes reclamar, para a 
 conferência, contra a não admissão do recurso, com os fundamentos seguintes: 
 
  
 
  
 
 «(…) 2. Desde logo, e com o devido respeito, a decisão de não admissão do 
 recurso não leva em conta a argumentação vertida no requerimento apresentado em 
 
 26 de Julho de 2007 na plenitude do seu contexto. 
 
 3. É um facto que os recorrentes comprovaram a afirmação de que existe 
 Jurisprudência da Relação de Coimbra semelhante ao Acórdão proferido no âmbito 
 dos presentes autos, invocando o Acórdão do Tribunal Constitucional n° 116/2007.
 
 4. Esta circunstância, no entanto, não significa que os recorrentes já 
 estivessem “avisados” ou que não podiam deixar de contar que a 
 Inconstitucionalidade pudesse ocorrer, uma vez que quando o referido Acórdão no 
 
 116/07 foi publicado no Diário da Republica quando os presentes autos já tinham 
 o julgamento marcado na 2ª instância. 
 
 5. No caso do recurso interposto nos presentes autos, até pela natureza do 
 mesmo, estamos perante uma situação excepcional e anómala, em que os recorrentes 
 não dispuseram de oportunidade processual para suscitar a questão da 
 constitucionalidade do Art° 428 nº 2 do C.P.Penal no Tribunal comum. 
 
 6. Antes de proferida a decisão recorrida, não era exigível aos recorrentes que 
 suscitassem então a questão de constitucionalidade até porque os seus efeitos só 
 são detectáveis após a prolação da decisão, conforme é o entendimento deste 
 Tribunal Constitucional no já citado Acórdão nº116/20071. 
 
 7. É essa a Doutrina deste Tribunal Constitucional, também plasmada no Acórdão 
 n.º 255/98, proferido no Processo n.º 287/97, da 1ª Secção2, onde se pode ler o 
 seguinte: 
 
 «(...) tem ainda razão (...) quando afirma que não é ‘razoável impor às partes o 
 
 ónus de anteciparem, em termos rigorosos e definitivos, quais os precisos 
 
 “artigos da lei” cuja inconstitucional interpretação funda o recurso de 
 fiscalização concreta interposto (...) ».
 
 8. Por sua vez, o recurso é admissível pois utilizando a formulação do Acórdão 
 do T.C. n.º 367/94: «ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade, pode 
 questionar-se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma 
 interpretação que do mesmo se faça. (...).
 
 9. Considerando o objecto do recurso interposto, e o desfasamento entre a prova 
 efectivamente produzida em julgamento e a matéria de facto que veio a ser dada 
 como provada no Acórdão condenatório, o que, em rigor, se verifica no caso 
 concreto é uma verdadeira “decisão-surpresa” do Tribunal da Relação de Coimbra. 
 
 10. Como é sabido, as “decisões-surpresa” são exactamente uma das hipóteses em 
 que os recorrentes se podem considerar dispensados do ónus da prévia suscitação 
 da questão da inconstitucionalidade, relativamente à qual seria excessiva 
 obrigar os arguidos a práticas de “adivinhação”. 
 
 11. Não sendo vinculativa a regra do precedente no Sistema Judicial Português, 
 também não existe qualquer regra no Processo Constitucional que imponha aos 
 recorrentes o conhecimento antecipado da Jurisprudência do Tribunal da Relação 
 de Coimbra (referida na ultima pagina da decisão reclamada), pelo que não é 
 legitimo imputar aos recorrentes qualquer confissão de [que] podiam ter 
 suscitado a inconstitucionalidade do Art° 428 nº 1 do C.P.Penal em momento 
 anterior à prolação do Acórdão recorrido. 
 
 12. Tudo isto vale por dizer que não é crível, nem lógico que os recorrentes 
 pudessem, ter suscitado desde logo e de forma eficaz, a questão da 
 inconstitucionalidade do Art° 428 nº 1 do C.P.Penal nas alegações de recurso 
 
 “para o caso de...“, ou seja, por mera antecipação, sendo certo que o objecto do 
 recurso reside precisamente no pedido de reapreciação da matéria de facto dada 
 como provada, que é da competência exclusiva do Tribunal de 2ª Instancia, in 
 casu o Tribunal da Relação de Coimbra 
 
 13. Donde, constitui um mero exercício de antecipação de conhecimento 
 conceber-se que os recorrentes podiam arguir desde logo a inconstitucionalidade 
 do Art° 428 nº 1 do C. P. Penal, pois esvaziar-se-ia o objecto do recurso da 
 matéria de facto para a 2ª instancia, sendo certo que tal intenção, nem sequer 
 resulta minimamente do comportamento processual dos recorrentes.
 
 14. Coisa diversa é o facto de os recorrentes serem surpreendidos em 2 de Maio 
 de 2007, com o teor do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2 de Maio de 
 
 2007, constatarem que os Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores não 
 ouviram as cassetes com depoimento do Inspector Tributário D.. porque entendem 
 que o Art° 428 nº 1 do C.P.Penal não permite um acesso concreto aos meios de 
 prova orais produzidos em audiência.
 
 15. Pelo exposto, os recorrentes suscitaram atempadamente a questão da 
 inconstitucionalidade do Art° 428 nº 1 do C.P.Penal, já estribados do Acórdão nº 
 
 116/2007, no único momento em que a podiam suscitar ou seja, quando in casu 
 constaram, a violação do Art° 32 nº 1 da Constituição pois o Tribunal da Relação 
 de Coimbra, como já se demonstrou, não apreciou o recurso com acesso concreto 
 aos meios de prova orais produzidos em audiência, em violação do citado comando 
 constitucional.
 
 16. Por outro lado, constata-se ainda que, salvo melhor entendimento, é a 
 decisão reclamada lavra em equívoco quando em sede de apreciação liminar de 
 admissão do recurso não admitiu o recurso com o seguinte fundamento: 
 
 “Em primeiro lugar, a decisão recorrida não aplica a interpretação normativa 
 reputada de inconstitucional pelos recorrentes, no sentido de a competência dos 
 tribunais de recurso, em sede de apreciação da matéria de facto, não se poder 
 sobrepor aos princípios da oralidade de da imediação. (...) 
 Acresce ainda que compulsada a decisão recorrida, constatou-se que, em oposição 
 radical ao afirmado pelos recorrentes, o tribunal “a quo” reapreciou 
 efectivamente a prova produzida em audiência de julgamento perante a primeira 
 instancia, tendo até lido os depoimentos das testemunhas e verificado quais os 
 documentos juntos aos autos, justificando a dispensa da sua leitura em 
 audiência.
 
 (...)
 Em suma, não tendo a decisão recorrida aplicado efectivamente a norma do nº 1 do 
 artigo 428° do CPP com o sentido interpretativo reputado de inconstitucional 
 pelos recorrentes, não podem agora, com este fundamento, recorrer para este 
 Tribunal (...)“.
 
 17. Pese embora o labor atribuído ao Acórdão da Relação de Coimbra proferido em 
 
 2 de Maio de 2007, o facto é que consta do mesmo o seguinte: 
 
 “É que uma tal “revisão” da decisão recorrida não permite um acesso concreto aos 
 meios de prova orais produzidos em audiência, e o que os recorrentes logo 
 começam por apontar é uma indevida e excessiva consideração dos depoimentos 
 testemunhais aí considerados (mormente depoimentos das testemunhas D.. e E.).
 Por outro lado, os factos provados mostram-se suficientes para a decisão da 
 condenação proferida (o que, aliás, e extirpada a questão da matéria de facto 
 provada, nem vem questionado pelos recorrentes) e não se vislumbra que tenha 
 existido algum deficit de investigação pelo Tribunal a quo 
 Nesta senda tem também decidido o STJ. Na verdade, entende-se, a insuficiência 
 para a decisão da matéria de facto só ocorrerá quando, da factualidade vertida 
 nessa decisão, se colher que faltam elementos que, podendo e devendo ser 
 indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de 
 direito) de condenação ou de não condenação” 
 
 18. Donde resulta que os recorrentes não podem, concordar com a decisão sumária 
 de não admissão do recurso, quando na mesma se refere que os recorrentes 
 
 “descontextualizaram” a fundamentação da decisão recorrida, pois o Acórdão da 
 Relação de Coimbra é bem claro ao não permitir o acesso concreto aos meios de 
 prova orais produzidos em audiência, fazendo também consignar o seguinte: “Se a 
 decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis 
 segundo as regras da experiência, ela será inatacável...”. 
 
 19. Na verdade, e perante o teor da decisão que se transcreve constata-se que o 
 Tribunal da Relação de Coimbra entendeu que o Art° 428 nº 1 do C.P.Penal, deve 
 ser interpretado no sentido de que o recurso da matéria de facto não permite um 
 acesso concreto aos meios de prova orais produzidos em audiência. 
 
 20. A interpretação do Art° 428 nº 1 do C.P.Penal no Acórdão recorrido é 
 manifestamente INCONSTITUCIONAL quando por um lado faz consignar que: “lendo-se 
 exaustivamente os depoimentos das testemunhas D. e E., resulta que o Tribunal 
 recorrido apenas deles extraiu os factos sobre os quais efectivamente 
 demonstraram ter conhecimento”, mas por outro lado, faz consignar o seguinte: 
 
 “Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de 
 processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, dada a sua 
 falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, 
 e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar 
 da credibilidade de um depoimento.” 
 
 21. Donde, resulta que o Acórdão da Relação de Coimbra de 2 de Maio de 2007 não 
 analisou qualquer facto concreto do Acórdão impugnado, conforme pretendiam os 
 recorrentes ao abrigo do Art° 428 nº 1 do C.P.Penal, porque em boa verdade o 
 aresto apenas se limitou a decidir que: “factos provados mostram-se suficientes 
 para a decisão da condenação proferida”. 
 
 22. Não permitindo acesso concreto aos meios de prova orais produzidos em 
 audiência, o Acórdão da Relação de Coimbra de 2 de Maio de 2007, furta-se a 
 analisar as contradições entre factos provados e não provados com base numa 
 interpretação do Art° 428 nº 1 do C.P.Penal que já foi declarada 
 inconstitucional no Acórdão deste TC. nº 116/2007.
 
 23. Com efeito, é manifestamente inconstitucional uma interpretação do Art° 428 
 n° 1 do C.P.Penal no sentido de que o recurso da matéria de facto não permite ao 
 Tribunal de 2ª instancia, à luz do principio da presunção da inocência e da 
 culpa, analisar quais as consequências de não se ter apurado absolutamente nada 
 sobre o tipo de negócio alegadamente simulado, nem qual a alegada suposta 
 contrapartida acordada entre os arguidos e não se retirem consequências de a 
 Administração Fiscal ter recebido na pendência do processo-crime a quantia de 
 IVA alegadamente simulada, ainda assim subsiste a condenação dos arguidos.
 
 24. O processo adequado à defesa de qualquer arguido deverá ser não só o 
 processo legal, no qual constem todos os actos prescritos na lei, como também o 
 processo justo, imbuído de justiça material, o que implica que os actos 
 jurisdicionais nele proferidos sejam todos sustentados em normas conformes à Lei 
 Fundamental e respeitadores dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. 
 
  
 Pelo exposto, e nos termos do n.º 1 do artigo 770 da LTC, requer-se que seja 
 apreciada e decidida a presente reclamação da decisão sumaria e que seja 
 proferida decisão a admitir o presente recurso de inconstitucionalidade do 
 Art°428 nº 1 do C.P.Penal.»
 
  
 
  
 
 3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da 
 referida reclamação, vem responder-lhe nos termos seguintes: 
 
  
 
  
 
 «1º
 A reclamação deduzida é, a nosso ver, improcedente. 
 
  
 
 2°
 Na verdade — e ao contrário do afirmado pelo reclamante — o acórdão proferido 
 pela Relação não aplicou, como “ratio decidendi”, o critério — desmesuradamente 
 restritivo dos poderes cognitivos da 2ª instância em sede de matéria de facto — 
 enunciado pelo recorrente. »
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir. 
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO 
 
  
 
 4. Os reclamantes limitam a reclamação ao não conhecimento da 
 inconstitucionalidade do art. 428º, nº 1, CPP, pelo que deve considerar-se 
 transitada em julgado a Decisão Sumária reclamada quanto aos demais preceitos.
 
  
 Os reclamantes não têm, porém, razão.
 
  
 Com efeito, como se disse na Decisão Sumária ora reclamada, e bem nota o Digno 
 Representante do Ministério Público junto deste Tribunal, «o acórdão proferido 
 pela Relação não aplicou, como “ratio decidendi”, o critério — desmesuradamente 
 restritivo dos poderes cognitivos da 2ª instância em sede de matéria de facto — 
 enunciado pelo recorrente».
 
  
 Assim, apesar da insistência, os reclamantes não conseguem provar que a decisão 
 recorrida interpretou a norma constante do n.º 1 do artigo 428º do CPP no 
 sentido “de que a competência dos Tribunais da Relação nos recursos interpostos 
 sobre matéria de facto não pode sobrepor-se e desrespeitar o princípio da 
 oralidade e o princípio da imediação” (fls. 1088). Pelo contrário, os excertos 
 da decisão recorrida invocados pelos reclamantes não apagam a profusa e bem 
 articulada fundamentação da mesma, que nunca consagra uma concepção tão 
 restritiva do dever de reapreciação da matéria de facto como aquela que os 
 reclamantes lhe imputam. Apenas para que dúvidas não restem, reitera-se a 
 reprodução da seguinte passagem da decisão recorrida, que é deveras elucidativa 
 quanto ao sentido interpretativo efectivamente adoptado pela mesma:
 
  
 
 “(…) sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal «a quo» 
 relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere 
 incorrectamente julgados, na base, para tanto, da avaliação das provas que, na 
 indicação do mesmo, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas, em suporte 
 técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) – mencionado 
 artigo 412º, n.º 3, alínea b) –, ou, determinando-se a renovação das provas nos 
 pontos em que se entenda dever fazer-se tal tarefa. 
 
  
 Certo é, porém que se a reapreciação da matéria de facto não determina uma 
 avaliação global, também se não poderá bastar com meras declarações gerais 
 quanto à razoabilidade do decidido na decisão recorrida, requerendo sempre, nos 
 limites traçados pelo objecto do recurso, a reponderação especificada, em juízo 
 autónomo, da força e da compatibilidade probatória entre os factos impugnados e 
 as provas que serviram de suporte à convicção.” (fls. 1041, com sublinhado e 
 realce nosso).
 
  
 Daqui decorre, inequivocamente, que, ao arrepio do que os reclamantes persistem 
 em afirmar, a decisão recorrida nunca interpretou a norma contida no n.º 1 do 
 artigo 428º do CPP, de modo a justificar qualquer dispensa de reavaliação da 
 prova e de reponderação do sentido decisório da primeira instância.
 
  
 Tanto basta para que se não possa conhecer do recurso.
 
  
 
 5. Não estando preenchidos os pressupostos processuais de admissibilidade do 
 recurso de constitucionalidade, não deve este Tribunal pronunciar-se sobre a 
 questão de fundo, ou seja, a questão de inconstitucionalidade. 
 
  
 Assim sendo, a presente reclamação é manifestamente improcedente.
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo 
 
 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 
 n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
 
  
 Custas devidas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos 
 termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 
 
 Lisboa, 8 de Outubro de 2007
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Gil Galvão